segunda-feira, novembro 30, 2015

DOIS FACTOS ENCADEADOS

Dois factos que tive oportunidade de ler no quotidiano La Stampa.
O primeiro: “Como reagiram os líderes aos atentados? A resposta aos jihadistas é eficaz? Eis os nossos votos”.

A tabela destes votos, que vão de 1 a 10, contempla treze entidades e exprime uma justificação por cada voto concedido. Vejamos os nomes e excertos dos textos que acompanham cada voto valorativo (Autor: Stefano Stefanini - La Stampa, 27 / 11 / 2015):

François Hollande obteve 9 votos: “(…) Mobilizou as energias do país sem esconder os limites de capacidade. Os franceses sentiram-se em boas mãos. O mundo viu um líder em acção. Até hoje, Hollande não perdeu um lance.”
 Barack Obama, voto: 5 - “(…) Escassa vontade de pôr-se à frente da resposta internacional a ISIS …”
David Cameron, voto: 6: “(…) Obtém o resultado desejado, mas não ganha em carisma”.
Angela Merkel, voto: 7 - (…) “Angela tomou o seu tempo, mas sempre foi uma fora de série no prosseguimento, não no arranque.”
Matteo Renzi, voto 5 - “(…) Em Roma e Florença, obteria bons votos, mas faz pequena cabotagem internacional”.
Vladimir Putin, voto: 6 -  “(…) Aqui, Putin arrisca, porque uma guerra económica com Ancara seria desastrosa. Baixar a retórica não seria uma má ideia”
Recep Tayyp Erdogan, voto: 5 – “O Presidente turco é um óptimo táctico, mas um estratega desastroso. … Erdogan deve ainda demonstrar que, também para ele, o inimigo principal é ISIS. Caso contrário, permanece o homem forte, mas só”.
Mogherini, Tusk, Juncker, voto: 5 -  “(…) Não é esta a Europa que pedem os cidadãos. Os populistas estão a aquecer os músculos para o jogo que se jogará dentro em breve sobre o futuro da União”.
A NATO, voto: 5 – “(…) Apercebe-se da Síria somente quando um país membro (Turquia) abate um avião de um partner (Rússia) com o qual a Aliança já não fala, porque está em curso uma causa de ocupação abusiva. Personagem em busca de autor?”
Paris e os Parisienses, voto: 10 -  “(…) Hesitam, mas tornam a jogar futebol, a bailar, a ir ao bar e aos concertos. Os Kalashnikov não mataram la joie de vivre. Chapeau!!”.
Reacções Islâmicas, voto: 4 – “(…) Muitos silêncios, muitas explicações académicas, demasiada história. Os jihadistas que disparavam no Bataclan e o terrorista que colocou a bomba no avião de linha russo não pensavam nas Cruzadas. As colónias acabaram de há três gerações. Alguma vez o Islão contemplou o futuro?”
Bélgica, voto: 3 – “(…) O que a torna mais segura a partir do 1.º de Dezembro, excepto detenções e sem encontrar armas ou explosivos?”
Irão e Arábia, sem voto. – “Ainda nos bancos de reserva”.

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A Recep Erdogan, ao excelentíssimo presidente turco com pretensões a ressuscitar o Califado Otomano (já se vê como sultão), dar-lhe-ia um zero. Acho aquele indivíduo desprezível: ambíguo e perigoso na condução do grande país que é a Turquia e que, dada a sua posição geográfica, deveria ser, sempre, um sincero aliado da Europa. Não um amigo das boas ocasiões para ditadorzecos sem escrúpulos e inimigos do jogo democrático.   
Não duvido que, subterraneamente, sempre tenha alimentado amplas relações com o autoproclamado Estado Islâmico. Logo, perigoso e pouco fiável.

E vamos ao segundo facto. Ontem, La Stampa publicou uma carta que jornalistas turcos, na prisão, enviam aos dirigentes da União Europeia. Autores: o director e o chefe de redacção do quotidiano turco Cumhuriyet.
Eis o trecho da carta divulgada:

“Aos líderes da União Europeia
Nós, como jornalistas que crêem que a Turquia faz parte da família europeia e deveria ser um membro da UE para todos os efeitos, endereçamos-vos esta carta da prisão de Silivri.”

“A liberdade de pensamento e de expressão são valores indispensáveis da nossa civilização. Fomos detidos e encarcerados, à espera de processo, por termos exercido esta liberdade e por ter defendido o direito à informação dos cidadãos.
“O Primeiro-ministro da Turquia, que encontrareis este fim-de-semana, e o regime que representa são notos pelas suas políticas e práticas que violam os direitos humanos e a liberdade de imprensa.
Os vossos Governos estão a negociar com Ancara a crise dos refugiados, uma crise que diz respeito e toca os nossos corações.”

“Esperamos, sinceramente, que do encontro desabroche uma solução duradoura deste problema. Quereríamos também esperar que o vosso desejo de pôr fim à crise não crie obstáculos à vossa sensibilidade para com os direitos humanos, a liberdade de imprensa e de expressão como valores fundamentais do mundo ocidental.
Permitimo-nos, respeitosamente, de recordar-vos que os nossos valores comuns podem ser protegidos somente com posições comuns e a solidariedade; é altura que esta solidariedade deva ser mais essencial e mais premente que nunca.”

“Em nome dos jornalistas encarcerados.
Can Dundar e Erdem Gul”

Será a Europa dos nossos dias capaz de ouvir, com atenção e empenho, este apelo? Será capaz de equiparar interesses geopolíticos à defesa dos direitos humanos com a implícita liberdade de imprensa e de expressão?

Será capaz de fazer entender ao sultão turco que não são admissíveis perseguições a jornalistas que não o incensam?
Estes dirigentes europeus terão predicados políticos que os elevem a saber persuadir personagens no poder que envergonham a humanidade civilizada? Infelizmente, têm dado exemplos de uma paupérrima sensibilidade e baixíssima elevação política. Mas nunca se deve desesperar. Aguardemos.

segunda-feira, novembro 23, 2015

IGNORÂNCIA?
OU INTERPRETAÇÕES INOPORTUNAS?

"CRUCIFICAÇÃO BRANCA", de Marc Chagall.Obra exposta em Florença: "Beleza Divina" 

 Mostra de arte em Florença intitulada “Beleza Divina”. Estará aberta até 24 de Janeiro 2016, no Palácio Strozzi.
É uma mostra dedicada à produção artística, a nível mundial, que vai da segunda metade do séc. XIX à primeira do séc. XX” (até 1950). “Uma visão do sacro na arte moderna e contemporânea, da parte de artistas como Van Gogh, Picasso, Fontana, Chagall”. 

Apresenta mais de cem obras de grandes nomes da pintura, quer italianos, quer internacionais, onde a arte sacra resplende em toda a sua criatividade e beleza, nomeadamente sobre a crucificação de Cristo.
De Renato Guttuso, Felice Casorati, Gino Severini e outros italianos famosos a Picasso, Vincente van Gogh, Jean-François Millet, Edvard Munch, Henri Matisse, Marc Chagall, Max Ernst e outros grandes mundiais.

Como se vê, as obras expostas são dignas do maior interesse e constituem uma ocasião única para conhecermos a beleza, em todo o seu esplendor, na interpretação do tema sacro na arte moderna e contemporânea.
Só lamento estar longe de Florença, pois não seria uma, mas repetidas vezes que visitaria Palácio Strozzi.

Sempre em Florença, escola primária Matteotti (perdão, escola do primeiro ciclo). Em assembleia, o conselho escolar decidiu anular a visita dos alunos à grande mostra “Beleza Divina”.
Causa primária do anulamento, segundo o que revelou o quotidiano florentino La Nazione: “A visita foi anulada para ir ao encontro da sensibilidade das famílias não católicas, dado o tema religioso da mostra”.

Precisamente num período de atrocidades alicerçadas em motivos religiosos, pensa-se desta forma sobre uma mostra de arte que nada tem que ver com manifestações de religiosidade, mas sim com a grandiosidade da arte sacra, isto é, da arte, pura e simplesmente?

A “Crucificação Branca”, obra de Marc Chagall, o célebre pintor judeu, não diz nada a quem usou aquela motivação, privando os alunos de uma oportunidade magnífica para iniciar o contacto e agudizar a sensibilidade, perante aqueles grandes artistas?
Todavia, mesmo que se tratasse de um testemunho religioso, onde existe o insulto à sensibilidade das famílias não católicas? Será que estas famílias são todas implacavelmente fundamentalistas? Se o são, devemos secundar fanatismos que, em qualquer circunstância, são absolutamente recusáveis?   

O caso foi muito falado, muito discutido; falou-se em ignorância dos professores; houve protesto de pais de alunos; o director da escola referida deu várias explicações sobre o exagero das notícias; os professores alegaram que houve um mal-entendido; solicitaram-se inspectores.

Conclusão, a polémica deu os seus frutos e fez-se marcha atrás: os alunos da escola Matteotti de Florença irão ver a exposição de arte sacra.
Pelo que compreendi, parece que se trata de um instituto privado com vários graus de ensino. Pois bem, todos estes alunos irão em cortejo, caso seja possível.
Resta acrescentar que foi uma polémica abençoada e que a visita em cortejo é dispensável. Apenas se espera que a visita seja educativamente bem preparada e eficazmente motivada.

Quanto à anulação da visita, não creio que tivesse derivado da ignorância dos professores. Houve, sim, uma interpretação inoportuna que pretendia exprimir, desajeitadamente, respeito por crentes de fés diversas.
Este respeito é justo e aconselhável, obviamente. O que não é aceitável é o simultâneo apagamento da nossa identidade ou de motivos nobres que em nada podem ofender a religiosidade de quem quer que seja. Se ofendem, é porque se enfrenta radicalismos envolvidos em estupidez e arrogância, o que são uma autêntica praga.
Estamos a testemunhar as tremendas consequências dessas crenças exacerbadas. 

segunda-feira, novembro 16, 2015

“NADA SERÁ COMO ANTES”

Após qualquer acontecimento fora do vulgar que emociona ou alarma a sociedade, é muito comum ouvir os normais comentadores vaticinarem, com esta frase já consagrada, que, no futuro, tudo será diferente - talvez no melhor sentido.
Tenho ouvido várias vezes esta enunciação, porém, quase sempre tudo continua na mesma. Passou a tempestade: os discursos que a emoção sempre produz e as boas intenções daí derivadas esvaíram-se; a vida retoma o seu curso normal.
Se houve vítimas, seja qual for a gravidade que as atingiu, então sim, nada jamais será como antes.

Sábado, dia 14, passei horas a seguir o esplêndido serviço jornalístico de RAI3 sobre o tremendo drama de Paris. Um dos intervenientes, num tom ligeiramente irritado, manifestou-se contra esta fórmula de classificar as consequências: “Anteriormente, em relação a factos similares, sempre disseram que nada seria como antes. Efectivamente, não o é, pois tudo mudou para pior”.

Pior do que aconteceu em Paris, que mais podemos esperar de tarados que se desumanizaram e só vêem na morte própria e dos alvos inocentes da sua loucura a magnificência de doutrinamentos que outros tarados lhes insuflaram?
Mas tratar-se-á de doutrinamentos religiosos ou o mundo está a lidar com um género de seres humanos que idolatram a violência e só com a violência se sentem cumpridos? É triste e repugnante que, para justificar estas aberrações, as justifiquem em nome do Deus da religião a que pertencem, mas que injuriam, sempre que o evocam.
Sendo assim, não se pode compreender a passividade dos seus correligionários, a grande maioria e verdadeiros crentes, que suportam estas acções atentatórias da dignidade da fé que professam. 

De tudo o que vi e ouvi, o que muito me impressionou (aliás, tudo me impressionou e comoveu) foi a idade dos terroristas. Para tão cinicamente semear morte e dor; para tão barbaramente fuzilar outros jovens inermes e aterrorizados, alguma vez, nas suas jovens vidas, sentiram, por mínimos que fossem, resquícios de sensibilidade? Certamente que não: desumanizados mestres; desumanizados os alunos servos que a tudo obedecem.

Dizem que as redes sociais são os melhores meios de propaganda e aliciamento de sectários. Insisto: sectários propensos para a violência e de consciência em coma irreversível. Logo, muito fáceis de serem influenciados e alistados no exército das bestas humanas.
  
Se os meios de comunicação social são então o instrumento principal dos jihadistas e do execrando autoproclamado Estado islâmico, é difícil de compreender a falta de cooperação entre as autoridades oficiais e os “colossos da Internet”.
Arranjem modo de, tecnicamente, neutralizar esses instrumentos difíceis de interpretar. Se aludem a consoles para videojogos, sobretudo a PlayStation 4 e outras do mesmo género, abram-nas aos serviços de segurança.

Um jornal italiano de extrema-direita, no dia seguinte ao atentado a Paris, saiu com este título: “Islâmicos bastardos”.
O director deste quotidiano já foi denunciado à magistratura e à ordem dos jornalistas.
Denúncias sacrossantas. Incitações ao ódio e à discriminação são horrendas e só merecem desprezo e actos de repulsa.
Não usemos os terríveis factos de Paris para desprezar e não dar ajuda aos refugiados, sobretudo sírios e iraquianos, que fogem da morte e destruição dos seus países.
Não me venham com medos que sirvam para justificar discriminações raciais e religiosas. Se assim for, pouco ou nada nos distingue de quem alimenta radicalismos. Já temos conhecimentos e exemplos suficientes para sabermos até onde os fundamentalismos conduzem.

G20 em Antalya, Turquia. Oxalá que os 20 países, económica e financeiramente mais desenvolvidos, encontrem uma união, séria e isenta de pressões financeiras, que saiba enfrentar e dissolver, completamente, estas ondas de terroristas, venham donde vierem.
   
Mas, acima de qualquer outra esperança, que Deus intervenha e tire as cataratas de olhos que só vêem os próprios interesses, sobrecarregue o cérebro com bom senso, apague os tacticismos políticos sem justificação e, finalmente, dote a Rússia e Estados Unidos de todos estes dons, de que muito necessitam.
Coloque estes dois países num plano de franca amizade até que, por fim, floresçam a confiança e solidariedade entre eles.
 Após este milagre – mas parece que já não é milagre – que se unam, saibam atrair outros povos de boa vontade e comecem a agir contra os semeadores do terror.

Só esta esperança nos pode salvar do flagelo que já tantas vidas inocentes imolou. Que recordem Paris e outros eventos igualmente dramáticos e ajam, dentro do melhor e mais equilibrado meio que saibam organizar. 

segunda-feira, novembro 09, 2015

A CORTE DOS FARAÓS

Na imprensa e nos demais meios de comunicação italianos, de há uma semana os holofotes têm sido apontados com insistência e profunda atenção para o Vatileaks2, ou seja, a recente fuga de novos documentos delicados do Vaticano e consequente detenção do prelado espanhol da Opus Dei, Lucio Angel Vallega Balda e Francesca Chaouqui, uma senhora italiana que não se compreende muito bem por qual motivo fazia parte da Comissão, instituída pelo Papa Francisco, a fim de reexaminar toda a estrutura económico-financeira da Santa Sé – “Comissão de estudo sobre actividades económicas e administrativas”.
Houve busca de informações sobre os candidatos para esta Comissão, mas no ambiente intramuros instalara-se a cautela e desejava-se que a Comissão agisse rapidamente – assim comentam.

 Resumindo, as duas personagens acima citadas, vendo-se no meio de um turbilhão de factos ilícitos e inconcebíveis na Santa Sé, são acusados de surripiar documentos reservados e passá-los a dois jornalistas, acrescentando informações também essas delicadas e que provinham da investigação em curso.

Precedentemente, houvera outra fuga de documentos e informações a que chamaram Vatileaks – digamos o Vatileaks1.
Mercê dessas informações e documentos, dois jornalistas, também na semana passada, publicaram dois livros que descrevem a corrupção e desregramento de altos e influentes prelados: “Via Crucis” de Gianluigi Nuzzi; “Avareza” de Emiliano Fittipaldi.

O primeiro livro (“Via Crucis”) descreve, sobretudo, o luxo desmedido de vários cardeais e as residências principescas, de centenas de m2, onde vivem; as despesas exorbitantes, desviando o dinheiro de obras de caridade.
“No coração pulsante da Igreja há um buraco negro que Francisco descobre depois de muitas dificuldades: uma má gestão que se transforma em burla e intrujice. Graças à task force que pôs a funcionar com um golpe de mão sem precedentes, o Papa consegue obter a certeza que os custos da Cúria têm sido mantidos, usando fundos destinados aos necessitados. Um escândalo. Os dinheiros que chegam ao Vaticano, enviados pelos católicos de todo o mundo para obras de caridade, não vão para os pobres, mas servem para colmatar os buracos financeiros gerados pelos cardeais e pelos homens que controlam o aparato burocrático do Vaticano” (…)” – extracto publicado no site Huffington Post.

 “Na Igreja há quem, em vez de servir, serve-se: arrivistas agarrados ao dinheiro. Quantos sacerdotes e bispos!” - palavras amargas do popularíssimo e muito estimado Papa Francisco.
Obviamente, muito estimado pela generalidade dos católicos, mas visto com aversão e como uma grande ameaça pelos tais arrivistas, dentro e fora da Igreja, sempre esfomeados de luxos e poder e aos quais Papa Francisco não tem poupado censuras e advertências. 

Muito citados também os conceitos que Papa Francisco exprimiu numa entrevista a um jornal holandês: 
Desejaria sublinhar duas tentações. A Igreja deve falar com a verdade e também com o testemunho da pobreza.       
Se um crente fala de pobreza, dos sem-abrigo e conduz uma vida de faraó, isto não se pode fazer: esta é a primeira tentação.
A outra tentação é a de estipular acordos com os governos. Podem fazer-se acordos, mas devem ser acordos claros, acordos transparentes. Por exemplo, nós administramos este palácio, mas as contas são todas controladas, a fim de evitar a corrupção. Porque há sempre a tentação da corrupção na vida pública. Quer política, quer religiosa.”

As informações sobre este tema atropelam-se. Quantos aspectos e pormenores para evocar e comentar!
Refiramos o que, explicitamente, Papa Francisco disse ontem, no fim do Angelus, para o grande público que enchia Praça São Pedro.

Caros irmãos e irmãs: sei que muitos de vós estão perturbados pelas notícias que circularam, nos últimos dias, a propósito de documentos reservados da Santa Sé que foram subtraídos e publicados. Por este motivo, quero dizer-vos, antes de mais, que roubar aqueles documentos é um crime. É um crime deplorável que não ajuda.
Eu mesmo tinha solicitado para que aquele estudo fosse feito. Aqueles documentos, eu e os meus colaboradores, já os conhecíamos bem e foram tomadas medidas que começaram a dar frutos, alguns visíveis.

Assim, quero assegurar-vos que este triste facto não me desvia, certamente, do trabalho de reforma que estamos a levar para a frente com os meus colaboradores e o apoio de todos vós. Sim, com o apoio de toda a Igreja, para que a Igreja se renove com a oração e com a santidade quotidiana de cada baptizado. Portanto, agradeço-vos e peço-vos para continuar a rezar pelo Papa e pela Igreja, sem deixar-vos perturbar, mas andando avante com confiança e esperança

Se muito se explorou sobre uma provável ignorância de Papa Francisco sobre tantas falcatruas dentro do seu ambiente eclesial e tornadas públicas, ontem, Sua Santidade tirou todas as dúvidas. Sabe e até saberá muito mais daquilo que foi revelado e do que se passa dentro e fora do Vaticano.
Paralelamente, advertiu corporações, poderes financeiros e um clero fundamentalista e indecentemente mundano que não desiste de transformar a Igreja, desviando-a da “avidez, soberba e hipocrisia”.

Pode estar certo que tem o apoio, aplauso e estima de uma grande maioria destes crentes católicos e de crentes de outras religiões.

Se o Papa usou a metáfora “vida de faraó” sabia, concretamente, a quem referir-se.
Ver a santa Sé como uma corte de faraós, francamente, enoja. Já aqui escrevi, há bastante tempo, sobre “os homens do Vaticano”. Sempre os olhei com uma certa antipatia. Feria-me a ostentação e falta daquela humildade que impõe respeito. Ali, a espiritualidade, essência natural do ambiente, evolara-se, fugira assustada.

Também não suportava a arrogância como se intrometiam na política italiana. Praticamente, impunham temas sobre os quais não se devia legislar. Todavia, com os últimos papados, perderam essa pretensão impositiva a que julgavam ter direito absoluto.

domingo, novembro 01, 2015

"SAUDADE! GOSTO AMARGO"

Rosas de Henri Fantin-Latour

  “Saudade! Gosto amargo de infelizes, / delicioso pungir, de acerbo espinho, / que me estás repassando o íntimo peito / com dor que os seios de alma dilacera. (…) Misterioso númen que aviventas / corações que estalaram e gotejam / não já sangue de vida, mas delgado / soro de estanques lágrimas – Saudade!”

E chega esta altura de princípios de Novembro em que as saudades, indo muito além do “gosto amargo”, apresentam-se, sobretudo, como o “acerbo espinho” que não se consegue extrair de “corações que estalaram e gotejam”.

Continuam a gotejar ante a memória do que foi, das tristezas que nos avassalam, do que se passou, dos que passaram.
Ante a solidão que tudo substituiu e do peso amargo como ela esmaga o sentimento que tanto procuramos: o de uma saudade intensa, mas com gosto suave, daqueles que nos deixaram e abalaram para o eterno.

Para tal efeito, dizem que só o tempo será um bom apaziguador e o melhor suavizante. Será? Tratar-se-á, então, de um tempo longo que, incessantemente, deve sigilar acordos com a memória.
Mas saberá esta arredar os espinhos e esperar, confiando? Resposta difícil.