segunda-feira, fevereiro 27, 2017

 ENTRE A INSENSATEZ E DESPAUTÉRIOS

E assim vivemos no mundo actual: a insensatez predomina; os despautérios são expressos com a máxima naturalidade e em posições onde seriam exigidos equilíbrio e bom senso. 
Mas o equilíbrio e bom senso quem os viu? Será que se tornaram apanágio exclusivo do cidadão comum e desertaram dos centros de poder ou de entidades responsáveis?

Nestes últimos dias, olho para a Itália e vejo o partido mais votado e partido de governo, o Partido Democrático (PD), em lutas intestinas.
Matteo Renzi, o secretário do partido e ex-primeiro-ministro, tornou-se o pomo da discórdia. Justa ou injustamente? Dada a sua apetência pelo egocentrismo – e talvez um pouco de egolatria - certamente que irrita muitos colegas, sobretudo da velha guarda. Houve cisões, sucedeu o que mais se temia, isto é, secessões no partido.

Eram inevitáveis? Não creio. Um pouco mais de humildade e poder dialogante do Sr. Renzi, creio que atenuariam discórdias e secessionismos latentes. Paralelamente, os que se afastaram tudo deveriam ter feito para manter o partido íntegro. Assim, eis o resultado de uma grande ausência: o bem senso.

Se virarmos agora a atenção para o outro lado do Atlântico, impõe-se a América de Trump e, aqui, a insensatez bate todos os recordes. E não só a falta de bom senso, mas o despautério (disparate grande, contra-senso, desconchavo) tornou-se moeda corrente. Quando aquele homem (o Sr Presidente dos Estados Unidos) abre boca, torna-se forçoso recorrer ao velho ditado: “… ou entra mosca ou sai asneira”. Mas como às moscas, ali, não é permitido habitar, desgraçadamente sai asneira.
Aumentar o arsenal nuclear para fazer dos Estados Unidos o país mais potente entre todas as nações que possuem a atómica. Os Estados Unidos não cederão a supremacia sobre os armamentos”.
Arrepiante ouvir estes desconchavos. Aonde podem conduzir? Ademais, tudo isto soa como provocações a outros países, como a Rússia. É salutar para a paz mundial?

A maioria do povo americano está surda? Na Califórnia ”sonha-se a secessão da América de Trump”. Algo quase impossível, mas as demonstrações contra um presidente, tão mal escolhido, sucedem-se.

A piorar a situação, este mesmo presidente resolveu declarar guerra aos meios de comunicação que ousem ocupar-se de factos ou de notícias que o coloquem sob luz negativa. Não contesta com a verdade ou esclarecimentos objectivos. Como tem demonstrado grande facilidade em dizer mentiras, é com grande naturalidade que Mr. Trump não hesita em chamar mentirosos aos outros; neste caso, aos jornalistas. E não hesitou em excluir correspondentes de vários meios de comunicação de referência, como CNN, BBC, New York Times e outros, da conferência de imprensa na Casa Branca.
Uma decisão que ultrapassa o admissível. Tanto mais, no país onde, praticamente, sempre reinou a democracia. Insisto: o povo americano aceita este desafio sem precedentes e não reage?

Mas deixemos Trump aos seus desvarios. Quiseram-no como presidente? Não penso que a América mereça um incompetente daquele jaez, mas aturem-no e procurem limitar, dentro da legalidade, os desconchavos que, no dia-a-dia, vai exteriorizando. 

segunda-feira, fevereiro 20, 2017

“OS TERRORISTAS NÃO VÃO PARA O PARAÍSO”

Tahar Ben Jelloun

Já não é a primeira vez que, neste blogue, dedico o meu texto ao escritor marroquino que vive em França, Tahar Ben Jelloun.
Se antes aludi ao livro deste autor, “O racismo explicado à minha filha”, hoje traduzo a mensagem que Ben Jelloun endereçou às crianças sobre o terrorismo islâmico (publicada no jornal italiano La Stampa).

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 Quero explicar que o Islão não predica violência e que esta mensagem deve chegar às escolas dos nossos filhos.

Após o dia 13 de Novembro 2015, a noite da tragédia do Bataclan que fechou com 130 mortos e 413 feridos, pensei nas famílias que perderam os seus entes queridos. Para além da dor e do luto, para além do horror, disse a mim mesmo: «um pai como poderá explicar ao filho que a sua irmã ou o seu irmão morreu, indo a um concerto? Como enfrentar o tema do terrorismo e dos que o praticam, os terroristas? Como escolher as palavras adequadas e dizer a verdade?

Reflectindo sobre o assunto, concluí que o terrorismo não é um fenómeno novo. Existiu desde sempre e foi utilizado como arma de chantagem para difundir o medo e o pânico. Por este motivo, contei a história do terrorismo, a partir da revolução francesa até aos nossos dias.
Os actores e as motivações mudam, mas os métodos são sempre os mesmos, embora actualmente com qualquer coisa de novo: o recurso aos media às redes sociais network que fazem viver os eventos no imediato e em directa.

Às crianças é necessário dizer a verdade. Mentir, escondendo-lhes a realidade dos factos com receio de transtorná-las ou de traumatizá-las é uma escolha errada. Cedo ou tarde, a verdade chegar-lhes-á. Logo, é melhor prepará-las no momento em que as coisas acontecem. Acabou o tempo no qual as crianças eram protegidas, sinónimo de doçura e alegria. Hoje, imagens de todos os tipos invadem o nosso espaço, seja na rua ou em casa, na televisão ou no ecrã do nosso computador. A Internet vem procurar-nos e encontra-nos. As novas tecnologias abalaram a percepção do mundo e confundiram-na com o virtual, acabando por tomar o lugar da realidade.

Tudo isto os terroristas do Estado Islâmico sabem-no bem e exploram-no com eficácia. As coisas mais difíceis de explicar às crianças, quando se fala de terrorismo, são as motivações destas pessoas. Como fazer compreender a uma criança que o instinto de vida e de conservação se transforma em instinto de morte? Como expor-lhes o famoso «paraíso» que os terroristas apresentam aos jovens que recrutam para a Jihad?

Apercebi-me que era preciso recuar às origens do Islão e reconstruir como algumas pessoas interpretam a palavra de Deus. As crianças, todavia, não podem absorver todas estas informações históricas. É necessário simplificar, tornar claro o que é complexo, ir ao essencial. Dizer-lhes, por exemplo, que as religiões, frequentemente, foram utilizadas pela gente por razões erradas. Pode-se fazer dizer às religiões o que se quer. No livro, a este propósito, dou alguns exemplos para cada uma das três religiões monoteístas. Deve-se evitar que as crianças sobreponham Islão e terrorismo e recordar-lhes um verseto importante do Corão: «Aquele que mata um inocente mata a humanidade inteira».

Iniciei a escrever este livro depois de ter explicado o racismo e, num segundo tempo, o Islão. Fiz um trabalho pedagógico preciso, feito de verificações e num estilo que estivesse ao alcance de todos.
Estas experiências levaram-me a centenas de escolas no mundo, onde estes livros foram traduzidos. Apercebi-me que todas as crianças se assemelham, seja qual for o lugar de origem. Mais ou menos, todas formulavam as mesmas perguntas.
Quando sucedeu o ataque a Charlie Hebdo e, depois, à loja Kosher em Vincennes, em 07 de Janeiro 2015, não somente senti horror, mas fiquei mesmo sem palavras. Já não sabia mais que dizer, o que fazer. Perdi dois amigos entre os humoristas de Charlie: Wolinski e Cabu que conhecia de há 35 anos. 
“A perturbação e depois a impotência das famílias precipitaram-me num desencorajamento que me desconcertava. Em seguida, novos ataques, em plena Paris, com muitas dezenas de mortos, alguns dos quais de confissão muçulmana. Compreendi a mensagem: os terroristas queriam atacar o estilo de vida dos franceses. Depois de ter «punido» a liberdade de expressão, quiseram matar os que, num sábado à noite, se divertiam. Foi então que decidi ir escavar na história e na psicologia, a fim de compreender – ou, pelo menos, procurar compreender – as origens deste fenómeno que não tem precedentes, nem no Islão nem na história do mundo árabe.

Às crianças que encontrei nas escolas, disse quanto este terrorismo fosse incompreensível e absolutamente injustificável. «E então por que existe?», perguntavam elas.
Sem entrar na filosofia niilista ou na ideologia do sacrifício, procurei demonstrar quanto o que sucede seja difícil de compreender. Em seguida, disse que, na história, frequentemente, houve pessoas que exprimiram a própria revolta contra a sociedade, provocando pânico e morte entre cidadãos inocentes. Expliquei-lhes também quanto o mundo árabe (e muçulmano) seja atravessado por crises profundas e como a maior parte dos governantes não tenha sido democrática nem tenha respeitado os cidadãos.

“Porquê a França, a Bélgica, a Alemanha? Porque ali vivem os filhos dos imigrados, vindo do Magrebe, que não se adaptaram à vida europeia. A cultura escassa, as fragilidades familiares permitiram aos recrutadores da Jihad convencê-los a mudar vida e escolher a morte que lhes garante o ingresso no paraíso, onde serão recompensados pelos seus sacrifícios.
Também lhes dizem: «No Ocidente, na vossa vida não vos realizastes; com a Jihad realizar-vos-eis com a morte e tereis uma vida decididamente melhor»Tahar Ben Jelloun - La Stampa, 16 / 02 / 2017 

segunda-feira, fevereiro 13, 2017

O TEMA QUE SEMPRE DEVERIA CAPTAR
A ATENÇÃO DE TODOS OS PORTUGUESES

Mas o tema a que me refiro navega, e sempre navegou, em pleno mar de indiferença da população portuguesa - obviamente, com as devidas e não poucas excepções - e ainda bem.
No que me concerne, e este blogue é disso testemunha, este é um assunto de grande envolvimento, pois abrange um património nacional que respeito, estudei, estudo e jamais se afastaria do meu interesse e perseverança em cultivá-lo. 
Estou a referir-me ao nosso idioma, a nobre língua portuguesa que foi usada como mercadoria de acordos por aqueles a que chamaram, muito acertadamente, “comerciantes de palavras”, com a ratificação da Assembleia da República.

“O presidente da Academia de Ciências de Lisboa, Artur Anselmo, vai hoje (dia 07 / 02 / 2017) à Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto defender que o Acordo ortográfico de 1990 (AO90) deve ser revisto e melhorado e que é possível fazê-lo sem rasgar o tratado internacional que o sustenta…” – jornal Público – Luís Miguel Queirós.

Este tratado internacional abrange a Comunidade dos países de língua portuguesa (CPLP), mas Angola ainda não o ratificou. Que finalidade pretende atingir? Não me falem da unificação linguística, porque esse argumento é capcioso, portanto, digno de desprezo.
 Existem as inevitáveis diferenças linguísticas regionais e nacionais; o português do Brasil é o exemplo cabal deste fenómeno.

Rever e melhorar, mas que partes das anomalias que impuseram, quando se trata, precisamente, de anomalias que abastardaram a origem e evolução desta língua românica que é o português?
Onde esteve, por exemplo, o cuidado com os fenómenos fonéticos do português de Portugal? Cortando as consoantes diacríticas, desprezaram esses fenómenos que caracterizam a nossa pronúncia. É esta uma das facetas que deve ser revista? Resposta: não deve ser revista, mas eliminada. E comecem por aí.

Certamente que a Academia de Ciências de Lisboa não tem a mínima responsabilidade sobre um acordo tão estúpido quanto inexplicável. Como entidade que deveria ter sido ouvida em primeiro lugar, a Academia das Ciências nem sequer foi consultada. Por aqui vemos a arrogância e ignorância da certa classe política que deu plena aprovação a uma iniciativa que nos descaractirizava e diminuía.
E essa arrogância permanece e manifesta-se, embora com amplas excepções.

Exprimo o que muito desejaria fosse possível efectuar-se: o cancelamento do Acordo e deixar a ortografia oficial como era antes deste devaneio linguístico. Na Assembleia da República, se existem os semi-ignorantes da língua materna, que estudem bem a sua origem e evolução. No futuro, seriam poupados ao País e ao seu património ofensas deste género.

segunda-feira, fevereiro 06, 2017

ALARME LÍNGUA ITALIANA:
ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

Traduzo a notícia lida no jornal La Repubblica – 04 / 02 / 2017 - sobre a carta que 600 docentes universitários enviaram para o Governo italiano, denunciando a “carência linguística dos estudantes”.

Mas sucederá apenas na Itália? Dou um exemplo: escutando o que exprime a nossa classe política que, na sua grande maioria, tem um curso superior, frequentemente somos auditores de algumas calinadas. Quando se trata, então, da aplicação, devida, do presente do conjuntivo, este tempo verbal é sacrificado sem a mínima consideração – “Torna-se urgente que consideramos… “
Mas viremo-nos para a Itália e vejamos o que diz Gerardo Adinolfi sobre este documento invulgar.

Muitos estudantes escrevem mal em italiano; servem intervenções urgentes”. É o conteúdo da carta que mais de 600 docentes universitários, académicos da Crusca*, históricos, filósofos, sociólogos e economistas enviaram ao Governo e ao Parlamento para solicitar «intervenções urgentes», a fim de remediar as carências dos seus estudantes.
“Tornou-se bem claro que, de há muitos anos, no fim do percurso escolar, muitos jovens escrevem mal em italiano, lêem pouco e têm dificuldade a exprimir-se oralmente” – lê-se no documento que partiu do grupo de Florença para a escola do mérito e da responsabilidade. Foi assinado, entre outros, por Ilvo Diamante, Mássimo Cacciari, Carlo Fusano e Paola Mastrocola.

“De há tempos – continua a carta – que os docentes universitários denunciam a carência linguística dos seus estudantes (gramática, sintaxe, léxico), com erros apenas toleráveis no terceiro ano elementar.
Na tentativa de encontrar um remédio, chegaram mesmo a activar cursos de recuperação da língua italiana”.

Segundo os docentes, o sistema escolar não reage em modo apropriado, “visto que o tema da correcção ortográfica e gramatical foi, por longo tempo, desvalorizado sobre o plano didáctico”. 
Existem algumas iniciativas importantes dirigidas à actualização dos professores, mas – faz-se notar – não se vê uma vontade política adequada à gravidade do problema.

Pelo contrário, temos necessidade de uma escola verdadeiramente exigente no controlo das aprendizagens, além de mais eficaz na didáctica, pois de outra maneira nem o empenho dos professores nem a aquisição de novas metodologias seriam suficientes”.

Na carta indica-se, portanto, uma série de pormenorizadas linhas de intervenção para chegar, “no fim do primeiro ciclo de estudos, a um suficiente domínio dos instrumentos linguísticos de base, por parte de uma grande maioria dos estudantes”. (…)

Nos comentários dos docentes a esta carta, lê-se: Cerca de três quartos dos estudantes do curso superior trienal são, de facto, semianalfabetos. É uma tragédia nacional não perceptível pela opinião pública, pela imprensa e, naturalmente, pela classe política …

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*”Academia da Crusca (Accademia della Crusca) é uma instituição italiana que reúne estudiosos e especialistas de linguística e filologia da língua italiana. Representa uma das mais prestigiadas instituições linguísticas de Itália e do mundo”.

Se a nossa Academia das Ciências de Lisboa se equiparasse a esta instituição linguística italiana, jamais teríamos a indecência do famigerado Acordo Ortográfico 1990.