segunda-feira, novembro 29, 2010

AO QUE LEVA A IGNORÂNCIA NO PODER!
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Vénus e Marte (rostos de Marco Aurélio e Faustina) : antes e depois do restauro
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Não somente ignorância, mas prepotência, insensibilidade e total falta de respeito, perante a beleza e significado de uma obra de arte, património de todos.

Sempre lamentei que qualquer pessoa que aspire a cargos de responsabilidade, sobretudo na administração da coisa pública, além de um indispensável intuito político, não dê provas de uma sólida formação cultural e administrativa: uma preparação à imagem e semelhança do que se ensina na “Escola Normal Superior de Paris”, por exemplo.

E sempre lamentei que essa preparação não fosse obrigatória em quem aspira a ser primeiro-ministro ou presidente da república. Evitar-se-iam tristes figuras ao país que representam… e não se daria pasto ao gozo das revelações no mui odiado e famigerado Wikileaks!...

Exceptuando o que revelaram sobre o que a Embaixada americana pensa de Berlusconi, que nada traz de novo, não achei graça nenhuma às indiscrições publicadas naquele site. Na sua maior parte, constam de opiniões privadas, isto é, mais bisbilhotices comprometedoras que informações que se devam conhecer. Adeus bom-tom das regras diplomáticas!
Decididamente, não aprovo. Penso que provocará somente danos; oxalá não sejam irreparáveis.

Passemos a outro assunto e falemos do caso que deu muito que falar, dentro e fora de Itália, que verdadeiramente me escandalizou e de cuja notícia, em Portugal, se tomou um conhecimento sucinto.

No museu das Termas de Diocleciano em Roma, Berlusconi viu um grupo escultório que representa Marte e Vénus com os rostos, respectivamente, de Marco Aurélio e da sua mulher Faustina.
A estátua, em mármore, ascende aos anos 175 depois de Cristo. Pesa 1 400 kg e é alta 228 cm.
Foi encontrada em Ostia em 1918, desprovida de algumas partes anatómicas: a mão de Vénus e o pénis de Marte.

Imediatamente, Berlusconi decidiu que estas esculturas deveriam ser deslocadas para o pórtico de honra do Palácio Chigi, sede do Governo.

Palácio Chigi, depois de ter sido, por longo tempo, sede da aristocracia romana, permanece não só como um monumento histórico e lugar de arte com frescos, tapeçarias e esculturas antigas, mas também por ser actual sede do conselho de ministros, desde 1961.
Esta função dá prestígio ao governo, dado que poucos estados se podem vangloriar de uma colocação idêntica
”.

Mas a beleza e riqueza artísticas de Palácio Chigi eram insuficientes para um “parvenu” que chegou a primeiro-ministro.

E tão parvenu que, apenas a estátua deu entrada no Palácio Chigi (em Fevereiro deste ano, salvo erro), solicitou - melhor, comandou - um restauro do complexo escultório, acrescentando-lhe as partes que faltavam.

A dar força a caprichos de quem raciocina “eu quero, posso e mando”, qual melhor justificação que este comentário expresso ao seu arquitecto de confiança: "Por que é que na China as esculturas parecem novas, enquanto às nossas faltam sempre braços ou cabeças? Completai estas estátuas”!
Conhecendo a brejeirice do homem, ser-lhe-ia difícil conceber, mesmo em imaginação artística – do que seria incapaz - um deus da guerra sem órgãos genitais.

Assim foi feito. A agravar a ofensa ao grupo escultório, o arquitecto de confiança, Mário Catalano, programou colocá-lo à frente de um fundo azul de péssimo gosto.

O ministro da “Cultura e Bens Culturais”, o qual se tem demonstrado um desastre, e outras autoridades intervenientes que deveriam informar e explicar detalhadamente como funcionam os “restauros filológicos”, limitaram-se, estúpida e irresponsavelmente, a obedecer.

Infinitamente mais condenáveis que um primeiro-ministro ignorante que vê a arte apenas como decoração.

Alegam que as partes acrescentadas são reversíveis, mas os grandes entendedores de arte e restauros desmentem, pois não é impunemente que se fazem operações deste género.
Nunca teria feito um restauro desta natureza. É uma intervenção destituída de qualquer critério técnico, cultural e científico, ligado à salvaguarda das obras de arte”. – António Paolucci, director dos museus do Vaticano e superintendente dos bens culturais da Santa Sé.

E assim se cometeu um opróbrio e se expenderam 70 mil euros, quando a crise financeira levou o Orçamento do Estado italiano a subtrair vastos recursos às actividades culturais.
Alda M. Maia

segunda-feira, novembro 22, 2010

“LIBERDADE NÃO É UM ESPAÇO LIVRE
LIBERDADE É PARTICIPAÇÃO


Estes são os últimos dois versos do refrão de uma conhecidíssima canção, “Liberdade”, de 1972. Giorgio Gaber, já falecido, é o autor e intérprete.

Liberdade é democracia. “A essência da democracia é a formação de uma opinião crítica”. Com essa formação, participar deverá ser um comportamento natural e irrenunciável.

É isso o que fazemos? Ou limitamo-nos simplesmente a presenciar, ignorando uma informação correcta e pertinente, logo, desprezando a tal formação crítica que nos levaria a exigir a máxima transparência na administração da coisa pública?

Limitamo-nos a colocar o nosso voto nas urnas, quando para isso somos chamados, e o nosso espírito crítico condensa-se no já estafado lugar-comum: “são todos iguais”. E como são todos iguais, não vale a pena cultivar opiniões diversas.
Quanto me irrita este “são todos iguais”!

Quarta-feira próxima, dia 24, haverá greve geral - paralisação quase total do País - contra as medidas de austeridade impostas pelo governo, a isso forçado por Bruxelas e mercados financeiros. Os sacrifícios impõem-se.
Poder-se-ia encontrar outras soluções menos penalizadoras? Onde e como?

A greve obterá inversões de medidas já programadas para o Orçamento 2011 e inevitáveis? Não creio.
Servirá apenas para exteriorizar indignações e vitupérios contra o Governo. Merece-os, mas se o País está à beira do abismo, nem todos somos inocentes.

Quando o despesismo incontrolado foi o modus operandi, quer das entidades oficiais e financeiras (encorajando o crédito fácil), quer dos privados, a imprensa, informando, deu a alerta sobre esse estado de coisas? Alguém se indignou, alguém promoveu uma onda de protesto contra o défice e a dívida pública que cresciam como se tivéssemos imensas riquezas ainda inexploradas?

Riquezas potenciais tê-las-íamos, se explorássemos melhor o mar que nos semi-rodeia; se olhássemos para os nossos microclimas e desenvolvêssemos uma agricultura mais rentável e original; se grande parte dos nossos empresários tivesse uma preparação mais culta e menos mercantilista; se fôssemos menos petulantes e mais corajosos em arriscar sobre iniciativas que exigem sacrifício, mas que podem premiar as ideias e a tenacidade de quem as põe em prática.

Relativamente às greves, sempre as vi somente como um último recurso, quando se procurou tratar com um sério conhecimento das situações, das razões das partes em causa e as contratações falharam.

Houve uma época própria para as lutas de classe. Hoje, as dinâmicas sociais são diversas. Com a maldita crise que nos atenaza e quase nos sufoca, a globalização e as deslocalizações das empresas, há outros mecanismos que deveriam orientar os sindicatos que operam com responsabilidade. Temos sindicatos com a capacidade de diálogo, quando as circunstâncias o exigem?

Vou procurar resumir um artigo muito elucidativo sobre o modo como empresas e sindicatos ultrapassaram a crise - autor Mário Pirani.

O editorialista procurou aprofundar os motivos do “milagre” alemão que vê, não somente a duplicação da produtividade - a começar pela indústria automobilística - mas também os salários mais altos da Europa.

"Quando a crise se desencadeou, as vendas da Volkswagen e BMW caíram e os automóveis não vendidos amontoavam-se nos espaços de armazenamento.
Em face de tão grave situação, o sindicato aceitou a redução do horário; renunciou ao décimo terceiro mês; aceitou a deslocação, em rotação, de trabalhadores, nas instalações de quatro cidades diferentes: Munique, Dingolfin, Lípsia e Ratisbona.

Hoje, não somente a indústria automobilística está em grande retoma, mas as exportações globais alemãs são as segundas do mundo, por valor e volume, depois da China, mas com conteúdos tecnológicos e de qualidade superiores.
Trabalha-se a pleno ritmo; trabalho extraordinário infindável.
A moderação compensou. O operário na cadeia de montagem ganha, mensalmente, 2 750 euros ilíquidos; os encarregados da manutenção auferem de 3 300 a 3 500 euros. Os impostos são pesados, Todavia, os prémios para o trabalho nocturno atingem os 45% do salário mensal; o suplemento dominical, 30%. Por cada filho, recebem um cheque de 184 euros.

O segredo destas cifras não reside apenas na flexibilidade sindical ou na salvaguarda de uma função nacional da empresa por parte de um patronado sensato, mas de uma filosofia colaborativa. A co-gestão com a presença dos sindicatos nos conselhos de vigilância das empresas representa, desde 1949, um ícone basilar da República.
A dialéctica sindical, por vezes, foi duríssima, mas sempre conduzida, não segundo o princípio do conflito de classe permanente, mas, acima de tudo, num quadro de compatibilidades económicas que não ponham em grave perigo, quer os balanços da empresa, quer os orçamentos públicos.”

****

Em conclusão, foram exigidos sacrifícios, indubitavelmente, mas ninguém perdeu o emprego e as compensações não se fizeram esperar.
Paralelamente, penso seja admirável, e modelo para imitar, a maneira como os sindicatos alemães interpretam a sua função.

Não posso deixar de pensar nos protestos, sobretudo na próxima quarta-feira, dos nossos funcionários públicos, dos magistrados (!), etc., cuja estabilidade de emprego é óbvia. Insisto, os sacrifícios são apenas monetários e não ameaçam desemprego.
Logo, não consigo experimentar um mínimo de simpatia por todo este clamor contra o que, infelizmente, não podemos evitar.

Aplaudiria, sim, uma gigantesca manifestação contra a nossa estupidez de não darmos mais atenção à importância do nosso voto; não escolhermos, com mais acuidade, quem deva governar-nos; como privados, não aprendermos a ser mais equilibrados, evitando de recorrer a empréstimos bancários para gozar férias nas Caraíbas, por exemplo.
Alda M. Maia

segunda-feira, novembro 15, 2010

SE OS NOSSOS PROFETAS DA DESGRAÇA SE CALASSEM!...

Depois do desmoronamento da “casa dos gladiadores” em Pompeia, imediatamente recordei uma minha visita recente a Guimarães, a pequena cidade (cittadina) portuguesa que será capital europeia da cultura em 2012.
Encontrei monumentos, palácios, igrejas conservados de uma maneira impecável e inseridos num contexto urbano resplandecente de ordem e limpeza.
É óbvio o confronto com tantas realidades italianas, ainda mais ricas sob o aspecto artístico e natural, mas carentes no que concerne a sua manutenção.
A razão desta diferença tornou-se evidente, quando me apercebi que Guimarães estava atapetada de grandes cartazes com a escrita: «O nosso património artístico é o nosso futuro»
Carta do leitor italiano Guido Araldi, Milão, enviada ao jornal La Repubblica em 10 Novembro 2010.

Guimarães não ficará muito satisfeita por ser classificada como uma cittadina (pequena cidade), mas os vimaranenses têm grande motivo de orgulho de terem sido vistos como cidadãos de alto civismo. Acima disto, a pouco mais se aspira.

Quando já nos sentimos estonteados, quase intoxicados pelos quotidianos prenúncios de ruína e miséria das nossas Cassandras improvisadas sobre esta Terra Lusa, depreciada e mal amada pelos seus naturais, conforta o conhecimento de opiniões como a que acima transcrevo.

E é inegável que Portugal é mal amado e depreciado por quem deveria cultivar sentimentos opostos, embora comedidos e atentos às realidades.

Dia após dia, as chamadas elites não renunciam a exibir o seu virtuosismo de crítica destrutiva. Tudo é negro, por vezes cinzento, mas sempre de tom escuro. O País navega no mare nostrum da mediocridade e nada tem que o possa elevar a níveis superiores.

É curioso que essa mediocridade é mais claramente perceptível em quem se pavoneia de douto observador crítico. Em muitos casos, é pessoa qualificada, sem dúvida, mas a mediocridade patenteia-se na falta de objectividade, responsabilidade e equilíbrio.

Por exemplo, revestem peso e idoneidade as opiniões económicas e financeiras do Governador do Banco de Portugal, o Dr. Carlos Costa.
A minha impressão foi péssima, todavia, quando o ouvi declarar: Os mercados financeiros têm razão para ter dúvidas em relação a Portugal, devido ao desempenho orçamental passado e aos elevados níveis de défice público e da dívida do país. O nosso track record não nos confere confiança.”

As verdades podem dizer-se de várias maneiras, Sr. Governador! Há tantos eufemismos para dizer o mesmo, mas sem as consequências que franquezas irreflectidas podem causar. Ora, bem sabemos que, no mundo da finança especulativa, certas declarações de titulares de cargos importantes podem desencadear terramotos. Não faltam exemplos.

Aludindo ao nosso grave estado de crise, por que não exprimir-se dentro de concepções que inspirem confiança em nós próprios e nas potencialidades que seríamos capazes de extrair do que já existe?
As opiniões negativas e catastróficas deixemo-las aos Medina Carreira de turno.

Somos o maior produtor europeu de lítio, o metal que serve para baterias dos computadores portáteis, telemóveis, câmaras digitais, etc. Se bem que não seja no estado puro, pois vem junto a outros metais, mesmo assim é um recurso importante. A maior parte dos portugueses tem conhecimento disto?

Vejamos o que afirmou Simon Svergaard, vice-presidente do Reputation Institut sobre Portugal, numa entrevista ao jornal Público de 8 de Novembro 2010.
[…] Portugal é um dos países onde há um desequilíbrio entre a forma como os estrangeiros vêem o país e como os portugueses o vêem. Quando se vive num país, tende-se a ser mais positivo para com esse país. Em Portugal, isso não acontece. (Permiti-me escrever “desequilíbrio” em vez do original “equilíbrio”. Entendi que fazia mais sentido).

Quanto à percepção dos países do G8, Portugal é um país muito bonito e com um estilo de vida apelativo. Em contrapartida, tem pontuações mais baixas ao nível do avanço económico, por ser um país que não se identifica com nenhuma grande marca e por ser visto como pouco desenvolvido no campo da tecnologia, quando, na realidade, é bastante desenvolvido.
[…] Portugal tem uma rede de infra-estruturas viárias que é das melhores da Europa, tem uma rede de comunicação moderna, um sistema bancário em que todos os ATM estão interconectados. Há países considerados muito desenvolvidos, como os da Escandinávia, que não têm estes avanços.
O problema é: será que o resto do mundo sabe desta faceta?
[…]

Penso que esse resto do mundo não sabe, embora concedam prémios aos nossos cientistas; embora alberguemos excelentes investigadores, nacionais e estrangeiros; embora existam empresas que se notabilizam no campo tecnológico e testemunhem exportações lucrosas.
Não esqueçamos, por exemplo, que o tão alvejado computador portátil Magalhães é visto, no exterior, com grande interesse – as vendas comprovam-no. Não obstante, como tudo servia e serve para, indiscriminadamente, desacreditar um primeiro-ministro, ninguém se preocupou de querer saber quem são e como aí chegaram os titulares da JP Sá Couto que monta esse computador.
Se com honestidade e sem tácticas políticas ou ideias preconcebidas se esforçassem por conhecer esse facto, não hesito em sustentar que essa empresa seria apontada como um bom exemplo para quem tem ideias, trabalha, sacrifica-se e deseja criar riqueza no País.

Mas, insisto, se o dito establishment nacional é o primeiro na fila do derrotismo, não estranhemos este desconhecimento do que é o Portugal da actualidade.

Quanto à tagarelice dos políticos, salvo raríssimas excepções, não me merecem a mínima credibilidade.
Quanto falam! Com quanto despudor se auto-ilibam de responsabilidades!
Retórica, retórica, sempre e só retórica: penosa e frequentemente, nem sequer de boa qualidade!

A maior parte destes eleitos, escolhidos pelos chefes de partido e não pelo eleitor, conhecerá os diferentes dossiês a que devem dar voto de aceitação ou rejeição? Conhecerão o País verdadeiro que representam e cujos interesses e notoriedade devem defender e promover? Nutro grandes dúvidas, e lamento que assim seja.
Alda M. Maia

Nota: os sublinhados a negrito, nas transcrições, são de minha iniciativa.

«PRÉMIO DARDOS»
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«O Prémio Dardos é o reconhecimento dos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc… que, em suma, demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre as suas letras e palavras.
Estes selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web
»

Sempre penso passar despercebida, excepto para um pequeno número de leitores, mas fui premiada com este reconhecimento e com este lindo selo.
Agradeço a quem mo outorgou, a autora do blogue “Armazém de Pedacinhos” e de um outro blogue que eu considero de primeira qualidade (não é lisonja): //sustentabilidadenaoepalavraeacçao.blogspot.com

Devo nomear e atribuir o selo a dez ou vinte blogues. Falharei esta condição e nomearei apenas dois e mais pela estima que me merecem. Conheço óptimos blogues, portugueses e italianos, mas a escolhe seria difícil.

Vejamos então a minha escolha, por ordem alfabética.
O primeiro é o blogue de um autor culto, cantor da sua cidade, sempre atento ao que vai acontecendo aqui e por esse mundo fora, apaixonado fotógrafo, amigo das árvores, dos animais… radioamador – tinha de ser, não poderia esquecer este pormenor.

O segundo pertence a uma personagem que reúne algumas das características do primeiro, além de lhe reconhecer uma veia contestatária, amiga de bater-se contra as injustiças, advogada escrupulosa.
Presentemente, o blogue está em letargo. Motivos de saúde de familiares e porque a autora se perdeu no Facebook. Com este prémio, espero que lhe torne o equilíbrio na gestão do blogue e a conversa no congestionado “social Network”.

Primeiro:
www.dispersamente.blogspot.com
Segundo: www.notas-ao-acaso.blogspot.com

Uma vez mais, muitíssimo obrigada à querida Benjamina por se ter lembrado de premiar este meu blogue.
Alda M. Maia

segunda-feira, novembro 08, 2010

ERRARAM A NÃO CONCEDER-LHE O NOBEL DA PAZ

Novos pormenores e novas circunstâncias do escândalo Berlusconi; novos aspectos cómico-indecentes e novas aldrabices despudoradas levaram-me a transgredir o que me tinha imposto: não mais perder tempo e espaço, escrevendo sobre o primeiro-ministro italiano.
Porém, como se pode manter este propósito se aquele indivíduo é caso ímpar e inimitável (assim o espero) nas democracias europeias?
Mais ainda: como não assinalar a importância dos sucessos ininterruptos das suas intervenções e acções de “grande político”? Mas destes prodígios falaremos mais adiante.

O que muito me tem impressionado, e divertido, são as argumentações de Berlusconi, dos membros e gregários das facções de Governo, além dos mercenários que trabalham nos jornais de família. E sobre estes, dado o peculiar modo agressivamente faccioso e subserviente como desenvolvem o seu ofício, justifica-se mais o atributo mercenários que a qualificação de jornalistas.

Na última conferência de imprensa, no passado dia 5, Berlusconi declarou com a ênfase em que é mestre: “Não conheço ninguém que esteja à altura da situação mais do que Sílvio Berlusconi, até mesmo como capacidade de resistir às tantas acusações que, de há excessivo tempo, me dirigem”.

Resumindo: tudo são calúnias, tudo é lama que lhe lançam os inimigos de esquerda e magistratura; desconfia mesmo de um complô da máfia.

“Se ele, Berlusconi, interveio a favor da prostituta marroquina, foi um acto de pura generosidade. Ela expôs-lhe uma «situação trágica» em que se encontrava e sem recursos. O seu grande coração está sempre pronto a ajudar quem necessita”.
Abro um parêntese sobre o vocábulo prostituta. Quando o meretrício decorre em palacetes privados e não pelas ruas, a prostituta é uma escort. Como é óbvio, esta singularidade tem dado azo a todo o género de sarcasmos.

“Foi a rapariga que disse ser parente de Mubarak e ele acreditou, assim como desconhecia a menoridade da pessoa em causa.”
Bondade ilimitada que despreza saber quem mete em casa!
“Se gosta de mulheres, houve outros políticos ilustres que se demarcaram nesse aspecto: Kennedy, e Clinton, por exemplo”.
Logo, não se vê a razão de tanto barulho!...

Como estas, outras arengas que se encaixam no que, em Itália, costumam dizer: “trepar sobre espelhos”, isto é, nada de convincente a que agarrar-se. Como seria belo o silêncio!

O “Comité Parlamentar para a segurança da República” (Copasir), órgão do Parlamento italiano com a função de controlar os serviços secretos (não controlar o Parlamento, como erroneamente escreveu o Público) e cujo presidente é eleito entre os componentes da oposição, exigiu explicações de Berlusconi.
O afluxo incontrolado de mulheres contratadas para as festas nas residências de um chefe de governo levanta problemas de segurança, além de proporcionar ocasiões de ser chantageado pelas hóspedes a pagamento.
Foi o presidente do Copasir, D’Alema, que solicitou a presença do primeiro-ministro e os devidos esclarecimentos sobre a sua conduta leviana.
Mas Berlusconi não se apresentará, pois desconhece o respeito pelas instituições. Aliás, já precedentemente desertara uma outra convocação.

E a democracia italiana continua a ser ferida por todo o género de ofensas, geradas por um populismo bem propagandeado pelos potentes meios mediáticos, económicos e políticos de Berlusconi. Oxalá que, finalmente, a maioria dos eleitores se desintoxique deste veneno.

Se bem que, como se poderá dispensar o maior primeiro-ministro de todos os tempos – de há 150 anos a esta parte - o mais iluminado diplomata da actualidade?!

Muito ironicamente, alguém tem opinado que um Nobel da Paz deveria ter sido atribuído a este político italiano. Ninguém como ele fez tanto pela resolução de graves problemas internacionais.
Alinho nessa deploração. Perante as suas intervenções famosas e façanhudas, em Oslo, dormiam?

Vejamos, então, os prodígios do grande diplomata e intermediário que é Berlusconi e cujos méritos foram dados a conhecer, em reboantes declarações públicas, pelo próprio.

Foi ele quem salvou os bancos americanos do precipício, convencendo Obama a levar a cabo o maior programa de ajudas da História americana”.
Mas que galga! Como a teria comentado Obama e conselheiros? Imaginamos!
Foi ele que salvou a vida ao presidente da Geórgia, Saakashvili, e evitou que a Rússia entrasse em guerra com aquele país, convencendo Putin a não atacar o inimigo”. Uma espontânea gargalhada torna-se irreprimível.
Saakashvili desmentiu e comentou: “Quanto às palavras de Berlusconi, posso apenas confirmar que é muito amigo de Putin”.
Foi ele que favoreceu a aproximação de Obama ao Kremlin, levando-o a assinar o tratado para a limitação de armas nucleares com Putin, antes do G8 de Aquila”.
Não calculou bem as datas – percalço normal dos mitómanos. “O Start 2 foi assinado por Medved e não Putin, em Abril deste ano, nove meses após o vértice de Aquila”.
Que teriam dito os interessados? Permitido dar via livre á imaginação.
A Nato foi salva, graças à intervenção de Berlusconi. Naquele famoso telefonema persuadiu o presidente turco Erdogan a não levantar problemas sobre a candidatura de Rasmussen a Secretário-Geral da Nato.
Assim como a questão do projecto do gasoduto South Stream ficou resolvida, quando Berlusconi convenceu Erdogan e Putin a selar o acordo com um aperto de mão”.

Fiquemo-nos por aqui e não entremos nas fanfarronices internas sobre as façanhas imaginárias do seu governo: nem vinte páginas chegariam.

O mais caricato, ou o mais triste, é que aquele homem vangloria-se de todas estas balelas com uma naturalidade e convicção que é bem certo o que disse o grande jornalista Indro Montanelli: “Berlusconi é um mentiroso nato. O pior é que acredita mesmo no que diz”.
Alda M. Maia

segunda-feira, novembro 01, 2010

NOVO ESCÂNDALO; NEOLOGISMO QUE DELEITA OS HUMORISTAS

E este escândalo, consensualmente baptizado, passará à história como o escândalo do bunga-bunga.

Desta vez, confesso que não consigo escandalizar-me nem deplorar a baixeza moral a que pode chegar um homem que ocupa o poder de Estado. Mas nada de anormal. Desde sempre, este indivíduo, além de comprovado mentiroso, jamais soube o que é dignidade, comedimento e respeito pelo País que representa.
Precisamente! Refiro-me ao inefável Berlusconi e às mulheres, de preferência novinhas ou de menor idade, que lhe alegram as seroadas brejeiras.

Desta vez, divirto-me com a torrente de informações que os jornais italianos têm vindo a publicar sobre o caso de uma dessas protegidas do grande chefe, caso a que a imprensa de meio mundo não omitiu de dar a devida relevância e cujos títulos ressumbram de ironia e sarcasmo. E sempre o bunga-bunga como leitmotiv!

Ruby é o nome “de arte” de Karima El Mahroug. Trata-se de uma rapariga graciosa, atrevida, filha de imigrantes marroquinos em Messina e de excessiva desenvoltura para os seus dezassete anos. Completará dezoito agora em Novembro - completou-os hoje, 1 de Novembro.
Irrequieta e indomável, aos 14 saiu de casa. Dois anos depois deve entrar numa instituição de acolhimento. Foge e faz-se notar em discotecas, locais só para homens, dança do ventre, "lap dance", concursos de beleza e outras empresas de
adolescente sem freios.
Entra e sai de várias comunidades por ordem do tribunal de menores, ou de casas-família donde, pontualmente, evade.

Viaja rumo a Milão e torna-se-lhe fácil entrar em contacto com as pessoas “justas” para as suas pretensões desinibidas - as fotos que circulam no Web e na imprensa são bem claras a este respeito.
Atingiu o momento de apoteose dessas ambições: convidada (ou recrutada?) para as alegres noitadas na casa do incorrigível Berlusconi e premiada com jóias e milhares de euros. Vangloriou-se mesmo da oferta de um automóvel.

Além de desinibida e dotada de um elóquio fluente, Ruby não só demonstra uma grande habilidade em misturar gabarolices com verdades, como também revela propensão para se apropriar do alheio.
Denunciada pelo furto de 3 mil euros a uma amiga, á 19 horas de 27 de Maio passado foi conduzida à Questura (polícia) de Milão. Deram avio às averiguações rotineiras: uma menor, sem documentos, deve-se proceder á identificação e procurar-lhe o internamento em instituições apropriadas, pois estas são as normas legais.
E aqui inicia o “escândalo bunga-bunga”. Mas que será este bunga-bunga!...

Às 23 horas desse dia 27 de Maio, ao comando chegou um telefonema da sede do Governo, pedindo notícias da jovem detida.
Ao telefone, intervém pessoalmente Berlusconi (avisado por quem?) que solicita ao chefe de gabinete a libertação da rapariga e o abandono de todas as investigações protocolares – um grave e indecente abuso de poder.

Desejo confirmar que conhecemos esta rapariga, mas sobretudo explicar-lhe que nos foi assinalada como parente do presidente egípcio Mubarak e, portanto, seria oportuno evitar que seja transferida para uma estrutura de acolhimento. Penso que será melhor confiá-la a uma pessoa de confiança. Por este motivo, também o informo que em breve chegará aí a conselheira regional Nicole Minetti que de boa vontade se ocupará do caso.” - (do Corriere Della Sera)

Resumindo: Senhores responsáveis do comando da polícia – assim advertiu Berlusconi - devem compreender que, sendo Ruby parente de Mubarak, pode-se ir ao encontro de um incidente diplomático. Meditem nisto.

Pelos vistos, a confusão instalou-se no comando, as regras foram baralhadas e a menina Ruby saiu tranquilamente da polícia na companhia de Nicole Minetti, conselheira regional, “ex-higienista dental” de Berlusconi e por este catapultada em política; aliás, como de costume com as mulheres que o circundam.

Todas estas andanças, porém, ficaram registadas por agentes da polícia que não se esqueceram de as verbalizar.
De início, Berlusconi negou o telefonema; mais tarde, implicitamente, confirmou-o: sou um homem generoso e gosto de ajudar quem precisa.
Somente que se desinteressou, apenas a soube fora do comando, imitado pela encarregada Minetti que virou costas e deixou a rapariga ao seu destino.

Conhecendo a língua comprida de Ruby, que medos assaltaram Berlusconi que o impeliram a telefonar e a lançar mão de uma tão impudente e inaudita aldrabice, a fim de que a rapariga desaparecesse sem deixar rasto?
È fácil imaginar a irritação nas altas esferas do Egipto! A embaixada egípcia esclareceu que não existe nenhum parentesco com Mubarak. Mas não era necessário. Nos arquivos da polícia, Ruby tem já um apreciável currículo.

Houve outros percalços que de novo conduziram a irrequieta adolescente à polícia, vieram à superfície factos que levaram a magistratura a abrir um inquérito sobre “favorecimento da prostituição” e quejandos.

Nos vários interrogatórios a que foi submetida pelo ministério público, Ruby foi irrefreável em descrições picantes, em contradições, em jactâncias, em verdades, em desmentidos. Os magistrados tiveram de proceder com mil cautelas, a fim de seleccionar o verosímil.
Nessa torrente de esclarecimentos, Ruby falou das suas participações nos serões de casa Berlusconi; dos intermediários que a levaram (hoje implicados no inquérito); como foi compensada; uma vez também tomou parte no bunga-bunga…

Grande perplexidade dos magistrados! Mas que é isso de bunga-bunga?!
"Um ritual do patrão de casa de convidar algumas hóspedes, as mais disponíveis": “Sílvio disse-me que tinha copiado aquela fórmula de Kadhafi: é um rito do seu harém africano” . E, segundo informam, a mocinha Ruby, para exemplificar, mimou o bunga-bunga.

A imprensa, obviamente, não pecou por omissão de pormenores sobre o que significa a famosa expressão que ribomba por todos os lados.
Comecemos pelo mais suave: 1- a simples palavra bunga, em indonésio, significa flor.
2 - Nas tribos africanas, bunga-bunga significa “brutal estupro anal infligido como forma de punição a quem ultrapassa os territórios das tribos”. Existe uma anedota sobre este significado – a predilecta de Berlusconi - mas que eu não conto.
3 – “Rituais eróticos que envolvem um potente e várias mulheres nuas”.

Fiquemo-nos por aqui. Parece-me que já todos compreenderam.
Também compreenderam que Berlusconi, além do mais, é um “homem doente” cuja tara é incontrovertível, exactamente como alertaram a ex-mulher e, a semana passada, o semanário “Família Cristã”.

O escândalo avoluma-se cada vez mais, a magistratura começou a investigar o arrogante telefonema de Berlusconi e a consequente trapalhada ou atropelos das regras que se verificaram na Questura de Milão.
E eu suspiro para que esta seja a excelente oportunidade de, politicamente, a Itália virar página.

Mas o neologismo bunga-bunga explodiu e, sobretudo na internet, a troça, o sarcasmo, a ironia, a galhofa tornaram-se num tsunami.
A imprensa, entretanto, prossegue nas suas análises implacáveis de um escândalo que se está a revelar bem pior que os precedentes.
Alda M. Maia