segunda-feira, dezembro 31, 2012

FEMINICÍDIO:
NEOLOGISMO QUE SE IMPÕE

Esposas, noivas, namoradas, companheiras, estas são as vítimas predestinadas - aqui na civilizadíssima Europa - à barbárie da masculinidade entendida como sexo dominador e patrão. Quem toma iniciativas ou, muito simplesmente, levanta a cabeça e decide da sua vida como muito bem entende e não se sente submetida a quem quer que seja, o macho patrão torna-se num assassino com plenos direitos.

Na Itália, onde assassínios deste género se verificam periodicamente e talvez com mais frequência que noutros países, o neologismo feminicídio impôs-se, embora já tivesse sido usado para denunciar a violência sobre os seres femininos que impera em tantos partes do mundo; a documentação sobre esta dramática realidade é vastíssima!

Infelizmente, em Portugal também abundam os feminicídios a que me refiro. O machismo é resistente a quaisquer teses de bom senso e respeito pela integridade, dignidade e autonomia do sexo oposto. Mais resistentes, porém, são os preconceitos e mentalidades atrofiadas por tradições medievais e fundamentalismos religiosos. Estes, sobretudo, põem na mulher todo o peso das responsabilidades de como se entende o comportamento moral e social.

E chego ao caso que produziu grande escândalo na Itália, grande indignação e me impeliu a escrever sobre feminicídios e ao modo de pensar de tantos trogloditas laicos e religiosos. Se bem que, talvez o homem das cavernas tivesse mais respeito pela companheira, coadjuvante na luta diária pela subsistência.
Esclareço que não quero generalizar. Quando falo de “trogloditas”, aludo apenas àquela percentagem de tarados sexuais ou às pessoas de baixos instintos, mais próximas do animalesco que de comportamentos humanos. Paralelamente, também incluo quem vê na mulher somente um ser obediente e de propriedade; não a companheira com quem se caminha na vida com as mesmas preocupações, direitos e deveres.

Mas vamos ao caso. No dia de Natal, o padre Pietro Corsi, pároco de San Terenzo – paróquia na Província de La Spezia (Ligúria) – decidiu fixar na porta da igreja um comunicado sobre os feminicídios com o título:
“As mulheres e o feminicídio, façam uma autocrítica sã. Quantas vezes provocam?”. E continua:
A análise do fenómeno que os sólitos jornais e TV chamam, precisamente, feminicídio.
Uma imprensa fanática e desviada atribui ao homem que não aceita a separação este impulso para a violência. Perguntemo-nos: como é possível que os homens, repentinamente, tenham enlouquecido? Não o cremos. O nó da questão está no facto que as mulheres, sempre com mais frequência, provocam, caem na arrogância, crêem-se auto-suficientes e acabam por exasperar as tensões. (o sublinhado é meu)
 […] Quantas vezes vemos raparigas e senhoras maduras caminhar pelas ruas com vestidos provocantes e reduzidos? Quantas traições se concretizam nos postos de trabalho, nas palestras e nos cinemas? Poderiam evitá-lo. Aquelas provocam os piores instintos e assim se chega à violência ou abuso sexual (repito que são coisas de malandros).
Façam um correcto exame de consciência e pensem: talvez fôssemos nós que também tivéssemos contribuído para isto.

Mulheres? A eterna “Eva tentadora e a fonte de todos os pecados”: não é assim que pensam tantos “Senhores Abades” e tantos laicos ignorantes?

A indignação perante este manifesto que, praticamente, justifica os assassínios e violências sexuais, foi geral em toda a Itália e levou os paroquianos da localidade a protestarem e, de imediato, desertarem a “Missa do Galo”.
O bispo da diocese, irritado com a iniciativa do sacerdote, deu ordem para que o panfleto fosse removido imediatamente, a que o padre Corsi obedeceu.
Todavia, não se deu por vencido. Nas várias entrevistas, o arrazoado com que se justificou ainda foi pior. Obviamente, vozes retrógradas e fundamentalistas não perderam ocasião de o apoiarem.

Em toda esta história, quando se alude ao vestuário feminino “provocante e reduzido”, eu também faço as minhas críticas.
Não, senhor, nada que ver com puritanismos ou algo semelhante. 
O que fere os meus olhos é, pura e simplesmente, a traição à estética e ao bom gosto.

domingo, dezembro 30, 2012

RITA LEVI-MONTALCINI
UMA GRANDE SENHORA


Não somente como cientista e prémio Nobel da Medicina 1986, mas também como uma Senhora que inspirava respeito pelo seu amor e aplicação à Ciência e pelos seus elevados dotes humanos.

Rita Levi-Montalcini faleceu hoje, na sua casa de Roma, com a idade de 103 anos. Nascida em Turim, será sepultada no "cemitério monumental" desta cidade.

Foi nomeada senadora vitalícia em Agosto de 2001. Sempre que o seu voto fosse necessário para o Governo de centro-esquerda de Romano Prodi, nunca desertou o Senado.

Os imbecis da extrema-direita, acólitos de Berlusconi, quando a viam no acto de votar, lançavam comentários de uma insolência ilimitada. Um destes idiotas chamado Storace (um genuíno fascista), pretendendo ser espirituoso, prontificou-se a enviar-lhe um par de muletas – alusão grosseira à sua idade.

Como recordação desta grande Senhora, apenas quero transcrever uma carta enviada ao jornal La Repubblica, em 2007.

Caro Director
Li no jornal La Repubblica que, ontem, Storace queria entregar-me, levando-mas directamente a casa, um par de muletas. Desejo expor algumas considerações a este respeito.

Eu, abaixo assinada, nas minhas plenas faculdades mentais e físicas, continuo a minha actividade científica e social absolutamente indiferente aos ataques ignóbeis que me são dirigidos por alguns sectores do Parlamento italiano.

Na qualidade de senadora vitalícia, em base ao artigo 59 da Constituição italiana, cumprirei as minhas funções de voto até que o Parlamento não decidirá apor relativas modificações. Portanto, exercito tal direito segundo a minha plena consciência e coerência.

Dirijo-me a quem lançou a ideia de fazer-me chegar as muletas, a fim de amparar a minha “deambulação” e as do actual Governo, para esclarecer que disso não há qualquer necessidade. Também desejo fazer notar que não possuo “os milhares de milhões”, dado que sempre destinei os meus modestos recursos a favor, não somente das pessoas necessitadas, mas também para sustentar causas sociais de importância prioritária.

A quantos demonstraram não possuir as minhas mesmas faculdades mentais e de comportamento, exprimo o mais profundo desdém, não pelos ataques pessoais, mas porque as suas manifestações reconduzem a sistemas totalitários de triste memória.

 Rita Levi-Montalcini
10 de Outubro 2007

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Adeus, Grande Senhora!

segunda-feira, dezembro 24, 2012

PERÍODO DE FESTAS

Henri Fantin-Latour

Período de festas que talvez alivie, durante alguns dias, o pessimismo e o desânimo que se alastram por todo o país.
Confesso, todavia, que as festas natalícias, de há alguns anos a esta parte, para mim correspondem a um período de pensamentos e recordações tristes que procuro, inutilmente, expulsar. Não o consigo e já sei que só recuperarei serenidade lá para os primeiros dias de Janeiro.

Entretanto… entretanto entusiasmo-me com a esperança – que, se calhar, não se verificará! – de ver um 2013 sem o eco dos discursos de Passos Coelho e, implicitamente, do vocabulário penoso que os sustenta.
Esperemos, pelo menos, que haja uma alma caridosa, eminentemente competente, que lhe ministre algumas lições do que significa cuidar da “coisa pública” e o respeito que se deve aos cidadãos portugueses.

Que lhe recorde que ninguém lhe passou um ceptro, mas, se chegou a primeiro-ministro, apenas lhe atribuíram o dever de trabalhar para o bem comum; que a sua arrogância e ignorância, ostentadas sem rebuços, não confundam este dever com o arbítrio do “eu quero, posso e mando”.
Repito, que haja alguém que lhe incuta este inalienável princípio, porque a escola política daquele senhor baseou-se no carreirismo tout court e agora, chegando ao poder e não se sabe por que méritos, tornou-se insuportável.

Paralelamente, sonho com o desaparecimento total, da vida pública, de Miguel Relvas. É uma vergonha que o Governo da República Portuguesa consinta indivíduos com este currículo no desempenho de cargos governativos - não só cargos governativos como em qualquer outra instituição pública.

Quando se lê o perfil do Ministro adjunto dos Assuntos Parlamentares na Wikipédia e que ainda não foi desmentido, assim como o que jornal Público deu a lume sobre a mesma personagem, a indignação cresce de pari passo com a sensação de nos sentirmos ofendidos com a desenvoltura apolítica de quem nos governa.

Quando leio ou ouço falar na privatização da RTP, por exemplo, e que é Miguel Relvas a ocupar-se desta indecência - assim considero tal iniciativa - a indignação triplica. Qual a utilidade, no ajustamento das contas do Estado, os leva a mexer neste importante serviço público? Quem os autoriza e encoraja? Que desígnios pouco claros os movem? Que mais será necessário para que a opinião pública diga basta!?

Natal!
Sei que aqui em Famalicão há pessoas que eu não conheço, mas que visitam este blogue. Agradeço a paciência e boa vontade.
A estes e outros amigos desconhecidos e aos amigos que conheço, com a homenagem das flores de Fantin-Latour, desejo um Bom Natal e um encorajador 2013.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

INQUIETAÇÕES OU INGERÊNCIAS?

Nesta última semana, afora a decisão sobre a primeira fase da futura união bancária europeia, o tema que mais espaço mereceu nos meios de informação – e não somente italianos – foi o apoio incondicionado de toda a Europa a Mário Monti e o convite explícito a que se candidate a primeiro-ministro nas próximas eleições italianas. O “Partido Popular Europeu”, pública e oficialmente, consagrou-o líder político dos moderados e não poupou exortações nesse sentido; obviamente, com o agrado e beneplácito da Sra. Merkel.
Não esqueçamos que PPE é o partido da maioria da actual classe dirigente dos Estados-membros.

Compreendo a inquietação sobre a última investida de Berlusconi e o temor que, novamente, consiga obter votos que provoquem instabilidade na política italiana e, por consequência, na UE.
Compreendo, mas não me agrada a insistência nesta quase imposição de um candidato pré-estabelecido à frente de um próximo governo. Isto é uma clara ingerência nas eleições italianas, embora subjacente ao reconhecimento indiscutível da idoneidade e seriedade de Mário Monti.

Compreendo, mas tudo me parece uma grande falta de elegância no respeito que se deve à dignidade e soberania de todos e de qualquer país.
Penso que a Itália ainda é capaz de efectuar eleições decentes e com pessoas decentes.
Nunca vi a Europa, todavia, muito incomodada durante o reinado histriónico e demagógico do palhaço Berlusconi. Presentemente, para que lado olham as instituições europeias, quando ignoram o regime declaradamente fascista que impera na Hungria?
Mas analistas competentes, com quem não é difícil estar de acordo, já bem salientaram que a Europa apenas vibra com as questões económicas e financeiras; tudo o mais são bagatelas.   

 Em Roma, movimentos cívicos moderados, embora em coalizão com partidos do centro e talvez com trânsfugas do partido de Berlusconi, deram avio à preparação da “lista Monti”, esperando que este dê o seu aval.

Sinceramente, espero que Monti se mantenha fora de todas estas iniciativas e não se misture com grupos de qualquer tendência política. A Itália necessita desta figura honesta, prestigiada internacionalmente e, internamente, respeitada por todos os partidos e pessoas sérias.

O mandato do Presidente da República caducará em Maio próximo. É neste cargo que eu espero ver eleito Mário Monti, pois será um digníssimo sucessor de Giorgio Napolitano.
Mas não é somente esta razão que me faz ver com desagrado Mário Monti a bater-se para ser eleito primeiro-ministro. Sempre o vi super partes; continue nesse papel.

O “Povo da Liberdade” (PDL), partido berlusconiano, anda à deriva e o que se observa é uma espécie de debandada à procura do que mais convém. Os ratos tentam abandonar o navio. Alguns elementos deste “povo” já se preparam a entrar na tal “lista Monti”.

Sempre aceitei que, dentro do PDL, militem pessoas de bem e respeitáveis. No entanto, o que sempre me perguntava e nunca me cansarei de o manifestar, era a razão por que estas figuras políticas continuavam dentro do um partido onde as favoritas de Berlusconi eram elevadas a cargos políticos e onde prosperavam personalidades moralmente muito, mas muito discutíveis.

Pior ainda, todavia, no Parlamento nunca hesitaram em votar compactamente as tais leis ad personam, leis arquitectadas com a única finalidade de libertar Berlusconi de prestar contas à Justiça nos vários processos em que se via envolvido; libertá-lo ou subtraí-lo, sobretudo mercê de uma dessas leis que diminuía os prazos de prescrição: os seus advogados, entretanto, encarregar-se-iam dos entraves legais necessários até que chegasse a hora da prescrição libertadora.
Sensibilidades que se embotaram, perante a arremetida de tantas anomalias num Estado de direito?

Para finalizar, quero transcrever o que Bruno Tinti, magistrado e escritor, num artigo de 14/12/2012, escreveu sobre Berlusconi: “é um delinquente, pois foi prescrito sete vezes (culpado, mas prescrição do crime)”.
Acrescento a recente condenação a 4 anos de prisão, em primeira instância, por fraude fiscal… e o que adiante se verá. Há outro processo em curso.

Esperemos que, desta vez, a potência dos seus milhões, canais televisivos e jornais de sua propriedade sirvam para provocar um efeito totalmente oposto ao que tentarão obter: saturação, irritação, repúdio. Sobretudo, repúdio absoluto.

segunda-feira, dezembro 10, 2012

OUTRA VEZ?!!

Cedo de mais vaticinaram o retiro da vida pública da personagem mais negativa que um país democrático possa suportar. Porém, contrariando todas as previsões, ei-lo de novo a agitar as águas e a provocar desastres na credibilidade que Mário Monti soube recuperar e impor ao resto do mundo.
Evidentemente que estou a referir-me a Berlusconi, o inefável histrião político que, pela sexta vez em 18 anos, se candidata às próximas legislativas. E eu que pensava não mais escrever sobre indivíduo!

Confesso, todavia, que nunca acreditei na sua renúncia à política. É-lhe impossível ignorar o que tal renúncia representaria na salvação dos seus interesses e na fuga a prestar contas à justiça, pois são estas as causas primárias e únicas por que se lançou e quer continuar na cena pública.
A história é bem conhecida e tudo o que concerne a amoralidade daquele homem já não escandaliza nem surpreende. Tem razão o quotidiano alemão Suddeutsche  Zeitung quando o classifica como “O espírito maligno da Itália”. É-o, sem qualquer dúvida.

O egocentrismo de Berlusconi é elevadíssimo, mas mais elevada ainda é a desfaçatez como mente. E não se trata das mentiras de um político normal: são mentiras de um mentiroso patológico. Diz as piores aldrabices com um ar tão convencido e inocente que superaria os melhores actores, se não fosse o caso que mente descaradamente e convence-se que será acreditado.

Não deixam de ser divertidas, embora indigeríveis, as motivações falsas e saturantes que de novo apresenta para ser reeleito.
 “Eu não entro em competição para obter um bom posicionamento; entro para ganhar. Torno, com desespero, a interessar-me pela coisa pública e faço-o, mais uma vez, por sentido de responsabilidade. (Mas que cara de bronze!)
Vejo-me assediado pelas solicitações dos meus, para que anuncie o mais depressa possível a minha entrada «em campo» à frente do partido”.
Isto é uma pequena amostra; mais teremos de ouvir, em doses grosseiras e tóxicas contra a realidade e a verdade, na campanha eleitoral, ora iniciada.

Atrás digo que já nada pode escandalizar ou surpreender, mas há um aspecto, e não é de menor importância, que me escandaliza e enoja em toda esta crise política: a irresponsabilidade e indignidade demonstradas pelos parlamentares eleitos no partido (PDL) que Berlusconi fundou e do qual é patrão. Que nível de civismo, sensibilidade e inteligência é o destes representantes do povo italiano?
Pergunta retórica. Foram eleitos, visto que é o partido quem os nomeia para tal efeito, a fim de curar os próprios interesses e os do patrão, nada mais. 

Comecemos pelo comportamento patético e de um despudor sem limites do secretário desse partido – secretário apenas de nome - Angelino Alfano, quando, na semana passada e sob ordens de Berlusconi, obviamente, se apresentou no Parlamento e, atacando a política económica do governo Monti - anteriormente votada pelo seu partido! - anunciou: “Consideramos concluída a experiência deste Governo”.
Abster-se-iam até ao final da legislatura ou reservar-se-iam de votar ou não  a confiança ao Governo.

As reformas em discussão ou já aprovadas numa das duas câmaras ficariam à mercê do beneplácito oportunísticos de Berlusconi, renegando as responsabilidades assumidas, sem pudor nem consciência da gravidade do acto, além de constituírem uma afronta a um governo que salvara a Itália da bancarrota e, repito, lhe retribuíra a dignidade que o tal “espírito maligno” conspurcara.
Um tacticismo eleitoral tão irresponsável como estúpido, pois calculavam inventar um clima propício á própria campanha eleitoral, desgastando a acção do Governo e apresentando-se como os paladinos dos cidadãos “sacrificados”.

Monti, com muita dignidade e um grande sentido de Estado, gorou-lhes esse plano.
Depois de consultar o Presidente da República, verificando que a declaração do secretário Angelino Alfano correspondia a um juízo de “categórica falta de confiança em relação ao Governo e à sua linha de acção, após a aprovação do Orçamento de Estado e ouvido o Conselho de Ministros, apresentaria a sua demissão irrevogável ao Presidente da República”.
Embora apreensivo pela situação em que o país precipitara, não estaria disposto a “servir de refém a tácticas eleitorais e às chantagens de Berlusconi”. Aplaudo-o sem reservas.

O PDL constitui a maioria no Parlamento. Apoiar o regresso do soba e dar aval ao que isto tem de negativo para a Itália, que porcaria de gente é esta?
Por que não se rebelam? Lá dentro, além dos oportunistas e lacaios que sem o apoio de Berlusconi nunca chegariam a lado nenhum, creio que haverá pessoas de honra e com sentido de responsabilidade. Por que não se demarcam? Insisto: por que não se afastam daquele “espírito maligno”?

Como era de prever, A Europa ficou assustada com a instabilidade que poderá advir; a bolsa de valores afundou, o maldito spread subiu.
Que Deus ajude a Itália e ilumine os eleitores italianos.

segunda-feira, dezembro 03, 2012

UMA PRIMAVERA EUROPEIA?

“Depois da primavera árabe poderia chegar um Outono, um Inverno ou uma Primavera europeia? As greves das duas últimas semanas foram disso um sinal? Quarenta sindicatos de 23 países proclamaram um “dia de acção e solidariedade”. Os trabalhadores portugueses e espanhóis fecharam as escolas, paralisaram o trânsito e interromperam os transportes aéreos na primeira greve geral coordenada a nível europeu.”

“As políticas rigoristas com as quais a Europa está a responder à crise financeira, desencadeada pelos bancos, são vividas pelos cidadãos como uma enorme injustiça. O saldo das ligeirezas com as quais os bancos pulverizaram somas inimagináveis, no final está a ser pago pela classe média, pelos trabalhadores, pelos pensionistas e, sobretudo, pelas jovens gerações com a moeda sonante da sua juventude”.

Se, de um lado se formasse uma aliança entre os movimentos sociais, as gerações europeias dos desempregados e os sindicatos e, do outro lado, os arquitectos da Europa no Banco Central Europeu, os partidos políticos, os governos nacionais e o Parlamento Europeu, nasceria um movimento possante capaz de impor um imposto sobre as transacções financeiras contra a oposição da economia e a obtusidade dos ortodoxos do Estado nacional.
Portanto, uma primavera europeia?”

O que acabo de transcrever são excertos do que escreveu Ulrich Beck, no artigo “Um Novo vento Une a Europa”, de 25/11/2012 (La Repubblica).

Esta ideia de “primavera europeia” agrada-me, mas por um motivo mais restrito. O ilustre sociólogo alemão sonha a primavera europeia para “uma outra Europa social e democrática”. Mas antes de aí chegar, gostaria que surgisse outra primavera no que concerne, exclusivamente, os actuais líderes dos países europeus.

A União afunda. Não pela crise, pois com inteligência, determinação e sem egoísmos populistas instilados por políticos medíocres e irresponsáveis, tudo já teria sido contornado e resolvido ou no bom caminho de uma solução.

Porém, precisamente quando urge a existência de grandes líderes, de políticos corajosos, sólidos pela força de uma indiscutível competência e clarividência, que vemos? Politicantes sem a preocupação de elevar a dignidade do cargo que ocupam, porque disso não são capazes, e, consequentemente, sem a visão e o rasgo necessários para lutar pela prossecução e conservação do lindo sonho que é uma grande Europa - existem, obviamente, as devidas excepções, mas poucas.

Pensam, quase exclusivamente, em cultivar os interesses nacionais e o próprio eleitorado, incapazes de assimilar que a interdependência leal e solidária dos Estados-membros da União é, em absoluto, uma mais-valia para todos. 

Mas os ventos que varrem este nosso Continente trazem, pelo contrário, mensagens bem mais desconfortantes. Há países que lucram e, consequentemente, ao abrigo de enunciados pomposos, mas vazios, alimentam este estado de coisas; outros, frágeis, apáticos ou subservientes, esqueceram que a dignidade do próprio país deve ser salvaguardada, embora no respeito dos compromissos assumidos e que a União Europeia vale bem uma missa.

A agonia da Europa perdura, mas tergiversa-se, porque também depende dos resultados das próximas eleições na Alemanha. Sem necessidade de entrar numa onda de choque contra as prerrogativas alemãs, é desconcertante a tibieza e ausência de iniciativas responsáveis do resto dos Estados-membros. Tudo isto é razoável? É compreensível?

Não quero terminar sem, mais uma vez, aludir à desgraça do Governo que nos administra e que me preocupa.
Assistimos a decisões que, democraticamente, não tranquilizam. Vemos privatizações cuja utilidade e transparência não convencem. Observamos subalternidades e apoucamento da dignidade do país que envergonham. Verificamos a permanência no poder de um ministro sem credibilidade, moral e política, que escandaliza. Aonde chegaremos?

No momento em que Portugal tanto, mas tanto precisaria de dirigentes de elevada estatura, cabe-nos a desolação de testemunharmos, dia após dia, o que significa e até onde nos pode levar a impreparação e arrogância do Primeiro-Ministro.
Quando políticos deste género alcançam o poder, se enfatuam desta sonhada importância e, portanto, não assimilam que todas as regras democráticas devem ser observadas, respeitadas e que os interesses da coisa pública estão acima de tudo e de todos, o dano para o país é inevitável.
Só espero que não seja irreversível. Mas enquanto dura, pelo menos que alguém ensine a Passos Coelho a arte de comunicar: correcta, objectiva, prudente e respeitosa dos seus concidadãos.

Falam de novas eleições. Não creio sejam oportunas. Bastaria uma remodelação do Governo. No PSD e CDS existem personalidades de bom nível, capacíssimas de tomar as rédeas da governação e conduzir o país com mais segurança e dignidade, embora uma grande coligação fosse aconselhável. Tivéssemos nós um Presidente da República à altura das circunstâncias!... Mas nesta maldita crise, até nisso fomos infelizes.