domingo, abril 25, 2010

OS ABUTRES DA FINANÇA INTERNACIONAL
A SURDEZ DA NOSSA POLÍTICA


Tenho a impressão que certos economistas de fama internacional, embora sem más intenções – assim o espero - não resistem ao chamamento da visibilidade e, logo, à autoridade da própria opinião sobre os problemas financeiros deste ou daquele país, acerca dos quais já outros exprimiram opiniões, críticas, pareceres, vaticínios.

Não compreendo a insistência em apontar “as próximas vítimas”, quando estas são membros da União Europeia, mas países menores.
Jogo de massacre ou entendem que a zona euro é o alvo príncipe, no momento de crise económica actual?

Quando lemos alguns destes economistas ou opinionistas especializados, levados pela impaciência de continuamente termos de ouvir o prognóstico de um inevitável contágio da situação grega, os maus pensamentos também são inevitáveis: não se tratará de mensagens criptadas aos especuladores, abutres sempre à espera das boas oportunidades de cravar garras nas dívidas de Estados em dificuldade, quer as condições sejam ou não catastróficas?
Sê-lo-ão, se as especulações financeiras sem ética nem regras dirigirem as atenções rapaces para as dívidas soberanas - e se os países em questão não adoptarem a austeridade e as correcções necessárias, acrescente-se.
Só me pergunto quando virá à luz uma séria reforma do sistema financeiro mundial!

Abstenho-me de falar das "agências de notação financeira" que se crêem juízes infalíveis, mas cuja infalibilidade é muito discutível. Não se explica a ausência, no Banco central Europeu ou outra entidade afim, de organismos que efectuem, com autoridade e rigor, as mesmas funções de avaliação.

Os mercados esquecem que as classificações destas agências não são atestados de fiabilidade, mas opiniões. Devem as populações dos países fortemente endividados sofrer pelas “sentenças” – assim as vêem os mercados – deste oligopólio das agências de rating?

Somente Portugal, Espanha (que não é um país pequeno), Irlanda e, em certos aspectos, a Itália serão a próxima Grécia? Um jornal alemão vê essa probabilidade como “Um Pesadelo”. Que se acalme!

No alarido das várias opiniões, é confortante conhecer a de Dominique Strauss-Kahan, Director Geral do Fundo Monetário Internacional, onde esclarece que “Não há uma varinha mágica para resolver os problemas da Grécia, mas não vê, de imediato, riscos de contágio. Além disso, não crê que os problemas de Portugal e Espanha sejam maiores do que qualquer outro país, na zona euro.” Aleluia!
Só é pena que outros responsáveis do FMI não ponham um bocadinho mais de atenção nas declarações públicas. Que deixem falar os relatórios e tenham o bom senso de não apontar o dedo a quem quer que seja.
É já bem comprovado que declarações irreflectidas de pessoas com cargos de responsabilidade, nestas matérias, frequentemente provocam terramotos.

Lamento a situação económica grega e o que isso representa para a população.
Lamento ainda mais, isto é, tornou-se-me verdadeiramente detestável a política europeia da Alemanha de Ângela Merkel: oportunista, míope, egoísta - a União é válida, mas somente quando vai ao encontro dos interesses nacionais.

Digo claramente que não aprecio esta dirigente alemã. Não me parece a digna sucessora dos precedentes chanceleres alemães, os quais foram, inegavelmente, excelentes políticos e grandes propulsores da União Europeia.

Sobre a senhora Merkel, transcrevo a opinião de Jean Claude Juncker: “Olha para a Europa com os óculos da política interna, em vez de olhar os problemas internos com olhos europeus”.

Tem levantado mil dificuldades nas ajudas e solidariedade à Grécia: mais um sinal favorável aos especuladores; muito negativo para o nosso País.

Pretende rigor, quando esquece que na Alemanha também existem muitos rabos-de-palha, a começar pelos bancos. “As pesadas perdas dos grandes bancos alemães, no recente tsunami financeiro, demonstrou, na realidade, quanto seja postiça esta altaneira demonstração da disciplina teutónica. Também na Alemanha, nas barbas da vigilante Bundesbank, fez-se tanta finança alegre”. – Massimo Riva

Há outro aspecto deste socorro da União que me deixa perplexa. Fazer passar por ajuda um empréstimo a cinco por cento e continuar a exigir ulteriores medidas de rigor à pobre Grécia, francamente, a isso chama-se usura misturada com arrogância: solidariedade, sim, mas com lucro!...

Vejamos, agora, a situação económica e financeira de Portugal. Melhor, observemos o comportamento político português. Olhemos para os partidos que nos representam.

Não sei se é surdez, se é cegueira, irresponsabilidade, impreparação, mediocridade. Continuo a preocupar-me e a não compreender a superficialidade, diria mesmo leviandade, como os nossos políticos tratam a grave situação em que nos encontramos.
Parece que ninguém dá a mínima atenção aos tambores de alarme externos que, como acima digo, apontam Portugal como muito perto da bancarrota. Possível que esta surdez, esta indiferença política seja tão irresponsável?

Esperar-se-ia concórdia, tréguas nas rivalidades entre partidos, união e vontade de encontrar soluções, confrontando-as serenamente.
Veria com grande simpatia uma coalizão, nestas circunstâncias, dos dois maiores partidos. Porém, o Governo, pecando por arrogância de auto-suficiência, dá a impressão de dispensar pareceres, sugestões: não gostei da expressão “mão cheia de nada”, do ministro da economia, dirigida às propostas do PSD.

A oposição, por sua vez, entende que as "Comissões Eventuais de Inquérito" são mais interessantes e que os demais problemas do País são de somenos importância.
Talvez para justificar a presença na Assembleia da República, displicentemente, atiram com propostas não devidamente estudadas e ponderadas.

Ponho esperanças no novo líder do PSD, Passos Coelho. Pelo menos, que seja mais comedido e elegante nas críticas aos adversários e que, neste período de crise, saiba renunciar a propostas de efeito.

Gostaria que tivesse, juntamente com os responsáveis do seu partido, uma longa conversa com o Governo. Gostaria que depusessem as armas e estudassem uma estratégia sólida e de longo alcance, enviando, deste modo, um sinal forte e convincente ao exterior.

Gostaria que dessem avio a medidas clarividentes, austeras e enérgicas, sustentadas por uma coesão política séria e determinada.
Penso que operariam aqueles milagres que os profetas do pessimismo pretendem negar.
Alda M. Maia

domingo, abril 18, 2010

A MÁFIA ITALIANA É A SEXTO NO MUNDO?

Não digamos a máfia italiana, mas as máfias: três organizações criminosas que dominam, praticamente, o sul de Itália e, paralelamente, infiltradas no sistema económico e financeiro do País.

Na Sicília, há a célebre “Cosa Nostra”, a mais citada e conhecida.
A Ndrangheta (ndrângueta) dita leis na Calábria Actualmente, é uma das organizações criminosas mais potentes e o maior distribuidor mundial de cocaína. Opera em todos os continentes.
Chegamos à Camorra ou aquilo a que os camorristas preferem intitular «O Sistema». Outra máfia centenária, cujos clãs operam na região napolitana.
Foi magistral e cativantemente explicada no livro de Roberto Saviano: “Gomorra”.
É impressionante, já no primeiro capítulo, a descrição do imponente tráfego clandestino, no porto de Nápoles, das variegadas mercadorias chinesas que, depois, serão distribuídas em toda a Europa.
Editado em Portugal, é um livro cuja leitura recomendo.

Estas são as três máfias inextirpáveis e com um balanço de cem mil milhões de euros de lucro, por ano.
São inextirpáveis, porque a coalizão com a política sempre foi um dado adquirido, irrefragável. Quantos governos municipais dissolvidos por infiltração mafiosa! Quantas figuras políticas incriminadas por ligações à máfia, pois sem os votos que estas organizações criminosas procuram, ou impõem na zona onde são patrões, jamais seriam eleitos.

Ainda existe a “Sacra Coroa Unida”, na Apúlia, mas mais apagada, menos importante ou talvez mais encoberta.

Para o chefe do governo italiano, porém, falar de máfia é um desprestígio: “A máfia italiana resulta a sexta no mundo, mas, olhem só a casualidade, é a mais conhecida, porque houve um suporte promocional que a tornou num elemento muito negativo para o nosso País. Recordemo-nos dos oito episódios da série «La Piovra» (O Polvo), programa da TV de 160 países no mundo e toda a literatura a propósito: «Gomorra» e o resto.”
Já anteriormente manifestara conceitos idênticos. Muito estranho!

Bem procuro não escrever sobre este artista de cabaret promovido a primeiro-ministro. Aliás, absolutamente nada em contrário se, em vez de um oportunista espertalhão, fosse um artista de grande e sã inteligência.

Ele (Berlusconi) é uma anomalia absoluta, um fantástico vendedor ambulante, capaz de envergar qualquer máscara e de levar a cabo qualquer baixeza que lhe convenha” – no
editorial de Eugénio Scalfari, hoje, em “La Repubblica”.
Como reagiriam, nos demais países democráticos, outros chefes de governo descritos deste modo, num grande jornal?

Penso que já tudo foi dito, que o homem já está bem retratado como pior exemplo de dirigente de um país sério e democrático.
Todavia, ai este todavia!... Quase diariamente, somos forçados a ouvir bacoradas e disparates, inimagináveis numa pessoa medianamente decente e, sobretudo, responsável.

O autor de “Gomorra” vive quase em clausura, pois não pode mover-se sem uma escolta que o proteja: se assim não fosse, a Camorra já o teria assassinado.

As reacções foram imediatas, mesmo em intelectuais de outros países.
As exclamações de vários escritores italianos assemelham-se: “Irresponsável; Perigoso; Uma desgraça para a Itália”.

Roberto Saviano respondeu, acto contínuo, com uma carta aberta dirigida a Berlusconi, publicada ontem. Como sempre, muito bem escrita e certeira.

O Primeiro-ministro pretende calar-me, mas sobre os clãs nunca deixarei de falar”
“Em vez de acusar quem narra, deveria informar que a Itália é o país com a melhor legislatura antimáfia do mundo. De como nós, italianos, oferecemos o know-how da antimáfia a todo o mundo. Isto seria dar dignidade a quem se bate para debelar uma praga; disto seriam orgulhosos os seus eleitores. Muitos deles, pelo contrário – assim o creio – teriam ficado estarrecidos e indignados pelas suas palavras. Talvez eles poderão ajudá-lo a desmenti-las”.


A filha de Berlusconi, presidente da editora (Mondadori) que publica as obras de Saviano, já que este aludira a uma próxima reflexão sobre esta editora, respondeu com outra carta, igualmente publicada no jornal La Repubblica. Lendo-a, deu-me a impressão de um ditado do pai, tantos os panegíricos sobre as façanhas de um "governo excepcional".

Caro Saviano, não é uma censura. O meu pai também pode criticar.
(…) Uma crítica que pode não ser compartilhada, mas que, como todas as opiniões, é mais que legítima. E quando digo «todas as opiniões» entendo verdadeiramente todas, incluídas, quer agrade ou não, as do chefe do governo”.


Eu não entendi o comentário do pai como uma crítica. Efectivamente…
Roberto Saviano replicou: "O Chefe do governo, Berlusconi, não exprimiu uma crítica. Crítica significa entrar no cerne de uma avaliação, de um dado, de uma reflexão. Nas suas palavras há uma condenação, não de uma análise ou de um pormenor, mas ao acto de se escrever sobre a máfia”.

Finalizo com um facto muito interessante. No mesmo dia em que rebentou esta querela, o grande amigo, aliado e co-fundador do partido de Berlusconi, o senador Marcelo Dell’Utri, condenado em primeira instância a nove anos de prisão “por concurso externo em associação mafiosa”, no processo de apelo, (nesse mesmo dia, repito), o substituto do Procurador-geral de Palermo solicitou onze anos de pena (mais dois!): “novas provas emergiram. Fica provado que o imputado esteve ao serviço da organização mafiosa", etc., etc.

Deixou-me de boca aberta a declaração de Marcelo Dell’Utri aos jornalistas que o entrevistavam: “Defendo-me de um ataque político. Trata-se de um processo político (a mesma treta de Berlusconi). (…) Sou senador para defender-me do processo”.

Surge a inevitável pergunta: mas um Parlamento também deve servir de valhacouto, ou escudo, a quem tem de prestar contas ou esclarecimentos à justiça?!
Alda M. Maia

domingo, abril 11, 2010

TURIM - SANTO SUDÁRIO
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O Santo Sudário e o cardeal Severino Poletto - de "La Stampa"
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Também já ouvi chamar-lhe “o Lençol de Turim”. E em Turim - em toda a Itália, aliás - é apenas conhecido como a “Santa Síndone”.

Sobre este lençol, esta relíquia que ainda continua como um dos maiores mistérios de todos os tempos, os estudos, as polémicas, as controvérsias são infinitas, sempre em auge e sempre de actualidade.

A documentação é vastíssima. Recorro a parte de uma história cronológica, publicada pelo jornal de Turim, “La Stampa”

No ano 525, durante a restauração de Santa Sofia em Edessa (actual Turquia), encontraram o rosto de Cristo impresso numa tela parecida com um lenço e que, segundo a tradição, não seria “pintada á mão”. Esta imagem constituiu a base da iconografia bizantina do rosto de Jesus.

Em 994, o Santo Sudário foi transferido para Constantinopla e foi aqui que se descobriu que o lenço com a imagem santa era, afinal, um lençol dobrado em oito partes e com a imagem de um corpo inteiro.

Em 1204, Constantinopla foi saqueada. “Todas as sextas-feiras, a Síndone é exposta em Constantinopla (...), mas ninguém sabe do seu paradeiro, depois que a cidade foi saqueada” – assim escreveu Robert de Clary cronista da Quarta Cruzada”

Chega-se ao ano 1353 e o Santo Sudário está em França, propriedade de Goffredo de Charny. Ninguém ainda descobriu como lá chegou e através de quem. Dos Templários?

Depois de várias peripécias e disputas sobre a propriedade da relíquia, em 1418 o duque de Sabóia entrou na posse do Santo Sudário.
Em Chambéry, capital da Sabóia, em 1502 os duques de Sabóia mandaram construir a “Sainte Chapelle”, dedicando-a ao culto da Síndone - o papa Júlio II consentirá esse culto público, “aprovando a Missa e Ofício”.

Na noite entre 3 e 4 Dezembro de 1532, um grande incêndio deflagrou na “Sainte Chapelle”. Os clérigos conseguiram salvar o Santo Sudário, mas as chamas e a água para apagar o incêndio provocaram graves danos: duas linhas negras paralelas percorrem todo o comprimento do tecido, assim como oito buracos simétricos - os historiadores explicam que foram produzidos por alguma gota de metal fundido que penetrou no tecido dobrado em oito partes.

As clarissas do convento de Chambéry, em 1534, tentaram remediar os estragos, aplicando remendos nesses furos e forrando todo o lençol com um pano de Holanda.

Houve outras e variegadas vicissitudes por que passou o “Sacro Linho” que ultrapasso. Quero chegar ao ano em que chegou a Turim e ali ficou para sempre, embora com pequenos interregnos.

Em 1572, Emanuel Filiberto de Sabóia mudou a capital de Chambéry para Turim e, em 1578, transferiu para esta cidade o Santo Sudário.
O cardeal de Milão, Carlo Borromeo, tinha prometido uma peregrinação até à Santa Síndone a pé, se a peste que flagelava Milão desaparecesse. Um bom pretexto para o duque de Sabóia ir ao encontro de Carlo Borromeo e encurtar-lhe o caminho. O Santo Sudário saiu de Chambéry “provisoriamente”, mas este provisório foi definitivo.

Em 1694 ficou concluída a construção de uma capela como nova sede do Santo Sudário – a capela Guarini, do nome do frade arquitecto que dirigiu os trabalhos, Guarino Guarini.
Esta situa-se entre o Palácio Real e a catedral San Givanni.

Em 1869, foi exposto pela primeira vez na catedral de San Givanni – estilo renascimento - ou o “Duomo de Turim”, como é mais conhecida.

Em 1939, a relíquia foi escondida na abadia de Montevergine, na Campânia. Medo dos bombardeamentos e temor das rapinas dos nazis.

Em 1983, morre o rei Humberto e doa, em testamento, a Santa Síndone ao Vaticano.

Última vicissitude: em 1997 ateou-se um incêndio na catedral que devastou a capela Guarini e algumas salas do Palácio Real. Felizmente, o Santo Sudário saiu ileso.

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Como antes acenei, as controvérsias sobre a genuinidade deste lençol, se é ou não a autêntica mortalha de Cristo, estão sempre presentes. Desde a química, á física, à anatomia, história da arte, botânica, arqueologia, estudos bíblicos, etc., etc., nada tem sido descurado para chegar à verdade.

Pode-se dizer que todo o interesse científico é fruto da fotografia tirada, em 1898, pelo advogado Secondo Pia e que demonstrou que a figura do Santo Sudário era um negativo.

Em 1988, a fim de determinar a datação do tecido de linho, três laboratórios, respectivamente em Oxford, Tucson e Zurique, submeteram a exame três pequenas amostras extraídas do Santo Sudário.
Concluíram que a idade dessa tela de linho se situava entre os anos 1260 e 1390.

Tudo daria certo se, mais tarde, não viesse à superfície que essas análises - o teste do carbono 14 – estavam muito abaixo da margem de erro declarada; que outros cientistas não puderam controlar os preliminares dessas análises. Os exames não são homogénios. Ademais, os analistas dos três laboratórios não deveriam contactar uns com os outros e essa cláusula foi ignorada.
Em conclusão, a declaração que se tratava de um tecido da Idade Média não convenceu, não é atendível, mesmo para cientistas equidistantes.

É inegável que se trata da “imagem de um homem crucificado, flagelado, coroado de espinhos, pregado numa cruz, com um golpe que lhe atravessou o peito”: tudo como relatam os Evangelhos.
A ciência ainda não conseguiu determinar como se formaram as imagens daquele lençol. Ainda não conseguiu reproduzir, em laboratório ou por qualquer outro método, imagens idênticas.
É a Santa Síndone uma autêntica imagem de Cristo ou uma genial falsificação?

A Síndone pode ser a mais impressionante relíquia de Cristo existente ou um dos mais engenhosos, dos mais incrivelmente inteligentes produtos que a mente humana e as mãos jamais produziram. Ou é uma coisa ou é a outra: não há vias intermédias" – John Walsh, historiador

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O cardeal Severino Poletto, arcebispo de Turim, passados dez anos, decidiu expor de novo o Santo Sudário, também com o fim de mostrar o “Sacro Linho” restaurado em 2002. As imagens terão mais visibilidade sem os remendos que tapavam os estragos do incêndio de 1532.

A exposição abriu ontem, dia 10, na catedral San Giovanni em Turim, e prolongar-se-á até ao dia 23 de Maio deste ano.
Espera-se uma grande afluência de visitadores, visto que já foram marcadas as presenças de um milhão e meio de peregrinos, vindos de todas as partes do mundo. Outros milhares se juntarão a este número, além de dois mil jornalistas creditados.
Não ponho em dúvida estes números, pois tive ocasião de visitar a última ostensão de 2000 e eram impressionantes as longas filas de pessoas que queriam entrar na catedral.
Alda M. Maia

domingo, abril 04, 2010

ODEIO OS INDIFERENTES”

Odeio os indiferentes. (…) Não podem existir os somente homens, os estranhos à cidade. Quem vive verdadeiramente não pode deixar de ser cidadão e partidário.
Indiferença é abulia, é parasitismo, é velhacaria; não é vida. Portanto, odeio os indiferentes.

(…) A indiferença opera potentemente na história. Opera passivamente, mas opera. É a fatalidade; é aquilo com que se não pode contar; é o que subverte os programas, que anula os planos mais bem construídos; é a matéria bruta que se rebela à inteligência e a estrangula. O que sucede, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um acto heróico (de valor universal) pode gerar, não é tanto devido à iniciativa dos poucos que operam, quanto à indiferença, ao absentismo dos muitos.

(…) A fatalidade que parece dominar a história nada mais é, precisamente, do que aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo.
Os factos maturam na sombra. Poucas mãos, não vigiadas por nenhum controlo, tecem a tela da vida colectiva, e a massa ignora, porque não se preocupa. Os destinos de uma época são manipulados, conforme as visões restritas, escopos imediatos, ambições e paixões individuais de pequenos grupos activos, e a massa dos homens ignora, porque disso não se preocupa.

(…) Pelo contrário, a maior parte destes, após a consumação dos eventos, prefere falar de falências ideais, de programas definitivamente desmantelados e de outras facécias similares. Recomeçam, assim, as suas ausências de qualquer responsabilidade.
Não por que não vejam claro nas coisas e que, por vezes, não sejam capazes de prospectar belíssimas soluções dos problemas mais urgentes ou daqueles que, embora requerendo ampla preparação e tempo, são, todavia, igualmente urgentes.
Mas estas soluções permanecem belissimamente infecundas; mas este contributo à vida colectiva não é animado por nenhuma luz moral: é o produto de uma curiosidade intelectual e não de um pungente sentido de uma responsabilidade histórica que deseja todos activos na vida; que não admite agnosticismos e indiferenças de qualquer género.

Odeio os indiferentes também por que me aborrecem as suas lamúrias de eternos inocentes. Procuro saber como cada um deles desenvolveu a missão que a vida lhes colocou e lhes coloca diariamente; do que fez e, especialmente, do que não fez. Sinto de poder ser inexorável, de não dever repartir com eles as minhas lágrimas. (…).
“Indiferentes”, texto de António Gramsci, no número único da revista “La Città Futura”, publicado em 1917.

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Nesta última semana, continuamente me vinha à memória este artigo de António Gramsci. Reli-o com redobrada atenção. Tentei encaixá-lo nos tempos hodiernos. Nenhum forçamento: o encaixe resultou perfeito.

Gramsci odeia os indiferentes; eu detesto quem não tem ou abdicou da faculdade de indignar-se. Penso sejam duas faces da mesma moeda.

Num debate sobre as recentes eleições italianas, uma conhecida jornalista – Lúcia Annunziata – insistiu numa pergunta: perante todas as anomalias que caracterizam a situação política italiana actual, onde está a indignação das gentes?

A editorialista do jornal Público, Helena Matos, entende que as eleições italianas são um “caso patológico do jornalismo português”. Escreve também que gostaria que “fizessem notícias sobre a Itália e que terminassem estes exercícios sobre o que nós gostaríamos que acontecesse naquele País mas que não acontece”

Se o é um caso patológico para o nosso jornalismo, é-o para qualquer jornalismo que se ocupe do homem Berlusconi: todos dizem que está prestes a sucumbir, chegam as eleições e continua a ganhar, exactamente como sucedeu nas eleições da última semana.

Em primeiro lugar, se ganhou, desta vez foi por luz reflexa do partido aliado “Liga Norte”. Este é que é o verdadeiro vencedor, aplaudido pelas hierarquias eclesiásticas.
Contrariando o tanger de tantos pandeiros, foi uma vitória limitada no número de eleitores; porém, significativa.

Em segundo lugar, a oposição tudo tem feito para criar absentismo, desinteresse, votos de protesto.
Continuando a ser motivo de desilusão para quem espera numa força política que saiba descer da estúpida afasia em que se fechou e recupere a faculdade de exprimir ideias e objectivos concretos, infelizmente não se apresenta como uma alternativa política credível. Não sei até quando, mas espero que agora levante a cabeça e caminhe.

Como o maior partido, em todos os países, é o dos ignorantes (e dos oportunistas), qualquer bom tocador de pífaro sabe sempre encontrar as melodias que o povinho quer ouvir. É previsível que o sigam: grosso modo, é isto o que tem acontecido na Itália.

Não esqueçamos que o tocador em questão exerce um forte domínio no sistema informativo e no mundo económico. O centro-esquerda tem graves culpas sobre esta situação, pois jamais contrastou, seriamente, o aberrante conflito de interesses que hoje sufoca a democracia italiana e põe em perigo o quadro constitucional.

Verificou-se um facto muito elucidativo: nas grandes cidades - como Roma, Turim, Veneza, por exemplo - ganhou a oposição, isto é, ganhou onde imperou o voto de opinião, o voto de quem está informado. Em Milão, os votos da Liga Norte são modestíssimos. A boa colheita de Berlusconi e companheiros verificou-se na província, no interior.

Em conclusão, odeio os indiferentes; odeio a decadência da sociedade civil que acha normal a amoralidade dos seus governantes; odeio quem desistiu de indignar-se e já não sabe cultivar a ética e o valor das regras.
Quanto desejaria que houvesse milhões e milhões de pessoas com a capacidade de indignar-se neste sentido, sobretudo na Itália!
Alda M. Maia