sábado, dezembro 30, 2006

É ISTO EUTANÁSIA?
A IGREJA CATÓLICA FOI COERENTE OU FUNDAMENTALISTA
?

O caso de Piergiorgio Welby ultrapassou fronteiras e deu origem a múltiplas interrogações e tantas perplexidades.

Em 1963, aos 17 anos, os médicos, diagnosticando-lhe distrofia muscular progressiva, deram-lhe poucos anos de vida. Morreu, todavia, com sessenta anos, nove dos quais completamente paralisado e com a sua existência a depender de uma máquina: um electroventilador pulmonar.

Este aparelho foi desactivado por um médico anestesista, depois de lhe ministrar sedativos que anulassem inevitáveis sofrimentos

Poderia ter morrido em silêncio, como sucede frequentemente a outros doentes nas mesmas condições e a quem, piedosa e silenciosamente, desligam as máquinas que lhes mantém as vidas suspensas. Preferiu tornar público o seu caso, levantando a questão de um direito da pessoa enferma recusar “obstinações terapêuticas”.
Há quem lhes chame “encarniçamento terapêutico”. Não concordo muito com o vocábulo “encarniçamento”, pois tal palavra também pressupõe crueldade. Ora, não creio que haja intenções de crueldade, quando tudo se tenta a fim de prolongar uma vida.

O Partido Radical – partido de Welby - apoderou-se do caso, visto que, desde sempre, defende a legalização da eutanásia.

Numa situação destas, em que um ser humano existe em função de múltiplas tubagens ligadas a uma máquina, que vive “prisioneiro de um corpo” mudo, estático e cujo sofrimento, dia a dia, se torna insuportável - fisiológica e psicologicamente – a que propósito se usa o termo eutanásia, quando o doente somente deseja que o deixem morrer em paz e com dignidade?! Por que razão não deve ter o direito de recusar uma existência (existência, não vida) que depende de uma máquina? Por que razão não deixar que a natureza siga o seu curso, quando já não permite condições de melhoramento?

Não concordo com a legalização da eutanásia, isto é, aquela que eu considero a verdadeira eutanásia. Já uma vez quis escrever sobre este tema. O que então escrevi, continuo a sustentá-lo.
Não aceito, todavia, que a morte de Piergiorgio Welby seja apresentada como um caso de eutanásia, embora lhe queiram chamar “eutanásia passiva”. Abusar, nestas circunstâncias, deste vocábulo, mais parece um forçamento semântico de quem raciocina apenas com normas retóricas ou, então, com princípios doutrinários onde a caridade e piedade estão ausentes.

Alguns políticos, sobretudo de área conservadora e sempre atentos, por razões eleitorais, aos humores do Vaticano, imediatamente gritaram que foi crime, assassínio. Conforme os ia ouvindo, começava a sentir pena por os ver prisioneiros de uma tão rija carapaça de imbecilidade!

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O funeral realizou-se, civilmente, diante da igreja S. João Bosco, igreja que recusou o funeral religioso.
A mãe e mulher de Welby, profundamente religiosas, solicitaram um funeral com exéquias católicas. O Vicariato de Roma, negando, respondeu com um comunicado: “Com os seus gestos e os seus escritos, o Dr. Welby agiu em contraste com a doutrina católica”.

Tive e tenho grande dificuldade a compreender este comunicado, consequentemente, as portas fechadas da Igreja para a urna de um sofredor que apenas se cansou daquele arremedo de vida fornecido por uma máquina. Rejeitou a máquina, não a dignidade da vida que já de há muito fora roubada pelo mal que lhe aniquilara as funções vitais do corpo.
Além disso, o Vicariato de Roma ignorou a dor dos familiares e a profunda desilusão por ter embatido numa rigidez que só abre as portas a quem tem os “documentos cristãos” em regra, embora Welby tivesse sido educado dentro do catolicismo.

Os protestos não se fizeram esperar e as piores acusações foram lançadas contra a incompreensível atitude da Igreja: falta de caridade, falta de amor, falta de compaixão, nenhuma misericórdia.

Estive a reler a Carta Encíclica de Bento XVI: “Deus Caritas Est”. Quantas contradições entre o que lá está desenvolvido e o fundamentalismo, frio e árido, aplicado ao desejo de um funeral católico requerido pela família de Piergiorgio Welby!
Quantos conceitos profundos, sobre o amor e a caridade, se lêem na “Caritas Est” e quanta vacuidade, na aplicação desses conceitos, demonstrada pelo Vicariato de Roma!

Quer na imprensa, quer nas exteriorizações de milhares de pessoas, a nota dominante centrava-se na falta de caridade.
Há um aspecto, todavia, que se me antepôs a quaisquer outras considerações: a falta de decência; a total falta de decência da Igreja Católica. Mais objectivamente: a falta de decência de certos representantes da Igreja Católica.
Alda M. Maia

sexta-feira, dezembro 15, 2006

COMEÇO A INTERROGAR-ME SE A EUROPA ENLOUQUECEU!

De há uns dias a esta parte, as notícias sobre renúncias às tradições natalícias subseguem-se. Cito apenas dois exemplos.

Em muitas cidades inglesas, o Natal 2006 será desprovido de iluminações adequadas, de festejos e decorações natalícias. Em algumas escolas, os directores aconselharam os professores a dissuadirem os alunos de enviarem os tradicionais votos de Boas festas.
As empresas privadas, as autoridades municipais, o Ministério da Educação estão preocupados em não ofender a sensibilidade religiosa de milhões de cidadãos ingleses que pertencem a um culto não cristão”

Em Bolzano, cidade no norte de Itália, os responsáveis de um jardim-escola decidiram anular a tradicional récita com palavras e cânticos sobre o nascimento do Menino Jesus. Como motivo de tal decisão, alegaram que naquele instituto havia crianças que não eram cristãs - isto é, muçulmanas. Assim, o enfatizar as festas de Natal poderia tornar-se ofensivo!...

Perante isto, só pergunto: que género de loucura atacou a Europa? Qual cretinice baralhou o cérebro de tanta gente, que já não sabe quando estabelecer um normal equilíbrio e um óbvio respeito pela própria identidade?
Deve a Europa abdicar das suas tradições, manifestações religiosas, cultura, somente para não chocar outras culturas ou religiões diferentes? E com qual direito, ou razão, essas culturas ou religiões diferentes o podem exigir ou pretender?

Ao contrário do que muitos europeus entendem, a convivência com os muçulmanos só piorará se nos comportarmos de acordo com os factos acima referidos.
Em primeiro lugar, todo esse “politicamente correcto” - e que mais incorrecto não poderia ser! – dará azo a uma maior arrogância dos fundamentalistas, reforçando-lhes cada vez mais as pretensões de imporem normas alheias à nossa concepção democrática e laica do Estado. Paralelamente, ofender-se-á a inteligência daqueles muçulmanos moderados e responsáveis, que penso sejam maioritários, e que respeitam os usos e costumes dos países onde vivem.

Segundo, servirá para sugerir emulações aos fanáticos à solta, os quais tentarão demonstrar, imolando-se e destruindo vidas inocentes, que também eles são autênticos mártires do Islamismo e, consequentemente, devem combater o que não está dentro dos cânones islâmicos.

Terceira consideração: estas festas de Natal não seriam uma belíssima oportunidade de envolver outros credos, como convidados destas tradições, a fim de que um maior conhecimento recíproco seja um grande factor de convivência pacífica, serena e civilizada?

Por último, não esqueçamos que este modo pusilânime de querer macaquear um multiculturalismo mal digerido levará, fatalmente, a aumentar o número de nazi-fascistas, racistas e xenófobos que abundam nos nossos países. Não é isto, certamente, o que auspiciamos para uma Europa democrática e tolerante.
Alda M. Maia

sexta-feira, dezembro 08, 2006

E COMO ESTAMOS A CHEGAR AO NATAL…

Vamos rir com as cartas que as crianças escrevem ao Menino Jesus.

Do Corriere della Sera de 07 / 12 /2006:
Cartas curiosas e atrevidas – os pensamentos das crianças, dirigidos ao Menino Jesus, foram recolhidos num pequeno volume. (…) Já o título provoca um sorriso": “Querido Jesus, a Girafa, tu queria-la mesmo assim ou foi um acidente?”

O mesmo jornal seleccionou vinte destes “pensamentos” e submeteu-os a votação.

Achei-os todos divertidos; vou transcrever alguns:

Querido Menino Jesus: em vez de fazer morrer as pessoas e fazer outras novas, por que não conservas as que já tens?
Marcelo

Querido Menino Jesus: como é que não inventaste nenhum animal novo, nos últimos tempos? Temos sempre os do costume.
Laura

Q. M. Jesus: por favor, manda-me um cachorrinho. Nunca te pedi nada antes. Podes controlar.
Bruno

Q. M. Jesus: obrigado pelo novo irmãozinho. Mas olha que eu tinha rezado por um cão.
Gianluca

Q. M. Jesus: a história que mais me agrada é aquela onde caminhas sobre as águas. Inventaste-as mesmo boas! A minha segunda preferida é aquela dos pães e dos peixes.
Antonella

Q. M. Jesus: não compres os brinquedos na loja aqui perto de casa. A minha mãe diz que são uns ladrões. Muito melhor o Hiper.
Lúcia

Q. M. Jesus: estudámos que Edison inventou a luz. Mas no catecismo dizem que foste tu. Cá p'ra mim, roubou-te a ideia.
Daria

Q. M. Jesus: Caim e Abel não se matariam tanto se tivessem tido um quarto para cada um. Com o meu irmão funciona.
Lourenço

Q. M. Jesus: os meus companheiros de escola escrevem todos ao Pai Natal, mas eu não me fio dele. Prefiro-te a ti.
Sara

Q. M. Jesus: o padre Mário é teu amigo ou só o conheces por questão de trabalho?
António

Q. M. Jesus: és mesmo invisível ou é só um truque?
Giovanni
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Alda M. Maia

domingo, dezembro 03, 2006

GRAMÁTICA ROCAILLE

Quanto se tem escrito e polemizado sobre a já famosíssima sigla TLEBS!
Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário.

Embora tivesse lido grande parte dos artigos publicados, assim como as cartas ao Director do jornal Público, para melhor formar uma opinião, comprei uma gramática com a nova terminologia.
Na capa, em letras garrafais, lê-se: “Saber português hoje”. “Terminologia Linguística Actual”; “3.º Ciclo do Ensino Básico -Ensino Secundário”; “Gramática Pedagógica da Língua Portuguesa”.
As autoras: Luísa Oliveira e Leonor Sardinha.

Quando penso na palavra gramática – refiro-me à gramática de índole didáctica, à gramática normativa – interpreto-a como uma disciplina que ensina as regras que “governam o funcionamento de uma língua”, as normas que ensinam a escrever e falar correctamente. Além da trilogia exigida para o bem falar e escrever: correcção, pureza e clareza, acrescento que também ensina a saber avaliar a beleza de um texto, a distinguir estilos e géneros literários.

O que é que a TLEBS nos traz? Uma espécie de estilo Rocaille (com o sentido negativo que inicialmente atribuíram a este termo) e que não passa, portanto, de uma perfeita salsada: prenhe de petulância, mas completamente virgem no respeito pela actividade docente, sobretudo com alunos do ensino básico.
A Sra. Helena Matos classificou a TLEBS como um compêndio resumido de Linguística. Acertou. Mas não é só isso: é a terminologia mais irracional e inadequada que jamais vi destinada a um ensino claro e acessível da língua portuguesa. Intragável!

Percorri, da primeira página à última, a gramática acima referida. Quando trata a parte dedicada à Morfologia, por exemplo, tive a impressão de ler algumas páginas delirantes - delirantes, se pensarmos que é destinada ao ensino básico !Aliás, essa impressão colhi-a noutros sectores.

Vários destes "delírios" já foram largamente citados na imprensa. Não resisto à tentação, todavia, de aludir à subclasse dos substantivos – perdão, os nomes.
Devo dizer que isto de “nome” em vez de “substantivo” não é modernização nenhuma. Paralelamente ao termo “substantivo” (o que tem substância), usava-se frequentemente a palavra “nome”.
Que ponham de lado o argumento da modernização da língua: no que concerne a nomenclatura gramatical, já tudo foi descoberto. Podem enriquecê-la com úteis achegas dos modernos estudos da ciência linguística, mas não subvertê-la.

Mas voltemos aos nomes. Daqui para o futuro, o aluno, quando deverá classificar morfologicamente a palavra cão, expressar-se-á deste modo: “nome comum, contável, animado, não humano”.
Isto parece-me um ensino para atrasados mentais!

Sempre entendi, quando se explicam regras gramaticais e para que os alunos compreendam a função dos termos próprios de tais regras, que deve haver a preocupação de focar bem o sentido dessas palavras, dissecando-as, decompondo-as e exemplificando. Ora, quem hoje ensina português, sendo forçado a usar esta terminologia mais própria de iniciados da Linguistica, ver-se-á em sérias dificuldades para obter à compreensão dos alunos.

Como se pode fazer-lhes compreender que o sujeito dos verbos impessoais (chover, nevar, etc.) é “nulo expletivo”? Explicando bem o que significa "nulo" e "expletivo", ficar-se-á como o tolo em cima da ponte: se é nulo – igual a zero - como pode ser expletivo?!
Sujeito "nulo subentendido"; sujeito "nulo indeterminado": nestes dois casos, qual é a função do termo "nulo"? Que significado aribuir-lhe, quando as palavras subentendido e indeterminado são bem claras para explicar a ausência de sujeito? O sujeito não é nulo: simplesmente, não está expresso ou é indeterminado.
Como se poderá explicar por que razão o particípio passado regular ou adjectivo verbal é classificado fraco; o irregular, forte? Que loucura é esta?
Como não semear confusão, quando se fala de “quantificadores indefinidos” - esta dos quantificadores!... - e, depois, referindo-se à classe dos pronomes, as mesmas palavras já são “pronomes indefinidos”?
Será mesmo uma gramática com objectivo didáctico ou ostentação pedante de sabedoria linguística? Afora essa ostentação, quem pensa no bom, correcto e claro ensino da nossa língua?

Folheei a “Gramática da Língua Portuguesa” de que é co-autora Maria Helena Mira Mateus. Esta Senhora escreveu no jornal Público, 29/11/2006, um artigo tão arrogante quanto insolente contra quem discorda da TLEBS. Aliás, um artigo confusamente articulado e pouco lógico nos exemplos que apresentou.
Quase cedo à tentação de pensar que foi nesta gramática de 1127 páginas que, ao fim e ao cabo, se inspirou a nova terminologia. Está lá tudo!
Nas páginas 443 / 445 desenvolve-se a argumentação que sustém “sujeitos nulos expletivos”. Pelos vistos, o coloquial põe-se no mesmo pé de igualdade de uma linguagem cultivada.

Relativamente à linguagem falada, surpreendeu-me Francisco José Viegas no seu blogue (origemdasespécies.blogspot.com) - “Assim é fácil”, 02/12/2006.
A propósito das objecções de um leitor sobre uma possível aceitação das expressões “tu fizestes”, “tu dissestes”, somente porque são “escutadas e popularizadas”, F. J. Viegas respondeu: (…) “É uma democracia da barbaridade, mas é necessário discutir o assunto”.
Não compreendi muito bem aonde queria chegar com “é necessário discutir o assunto”. Discutir calinadas sobre a conjugação dos verbos?! Há alguma coisa que discutir sobre uma ignorância inaceitável?

Em vez de massacrar os professores e alunos com jargões tão complicados quão inúteis, por que motivo não se intensifica e alarga a aprendizagem do conhecimento dos verbos regulares e irregulares, da conjugação verbal e a correcta aplicação dos modos, tempos, concordâncias? Seria então bem difícil ouvir o “tu comestes”, “tu fizestes”; para não falar do clássico "ele interviu"!...

Finalizando, se no Ministério da Educação não houver ninguém com uma migalha de bom senso e decidam dar o nihil obstat à TLEBS, que Deus acuda aos professores, alunos e à nossa língua portuguesa.
Alda M. Maia
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PS:
Este post foi revisto
05 / 12 / 2006