domingo, agosto 07, 2016

AGOSTO, MÊS DE DOCE OCIOSIDADE

Quatro guardiães lindos e atentos

Chegámos ao mês de Agosto, mês por excelência para interromper a os encargos de trabalho profissional e aqueles empenhos imprescindíveis da quotidianidade - é justo dizer, todavia, que nem para todos o mês de Agosto é ocasião para alhear-se das actividades normais.

Pode também constituir um período para ocupar o cérebro com outras atracções ou com o simplicíssimo dolce far niente. Como de costume, neste período opto pela “doce ociosidade”. E sendo assim, interrompo, por breve tempo, a minha conversa com o computador, deixando aqui os meus guardiães em quem tanto confio. Incontestavelmente lindos!

Escrevi duas vezes o vocábulo “período”. Veio-me agora ao pensamento o quanto, para mim, é sumamente irritante ouvir tantos sabichões que se exprimem nos nossos canais televisivos, entre os quais muitas figuras políticas, ignorar a tónica desta palavra e mimosear-nos com o periúdo.

Devo confessar que este tema, sobretudo no que concerne a ortografia, tornou-se uma quase obsessão. Não aceito que pessoas com formação superior acolham, com vergonhosa passividade, o abastardamento a que votaram o nosso idioma, quer no campo ortográfico, quer ortofónico.

Mas temos a ortografia malaqueira, que mais desejamos? Por que razão surpreendermo-nos se, nos jornais estrangeiros, quando publicitam a aprendizagem de várias línguas, o símbolo do português é a bandeira do Brasil?

Como é possível que os grandes competentes na matéria aceitem, passiva e indiferentemente, a destruição deste excelente património? Acordem! Reajam e defendam vigorosamente o que é de todos os portugueses e não de um ousado e limitado grupo de incompetentes! Sim, de incompetentes. Certas anomalias da “ortografia malaqueira” jamais seriam consideradas por um bom conhecedor da língua portuguesa ou, acima de tudo, por um linguista bem preparado.

segunda-feira, agosto 01, 2016

APELOS À COMUNIDADE MUÇULMANA

Finalmente apaga-se a cautela e lançam-se apelos às comunidades islâmicas que vivem nesta Europa massacrada por terroristas que se apregoam defensores do Islão.
Ontem, porém, ocorreu uma reacção inédita e, acrescento, digna do maior ressalto. Quer em França, quer na Itália, houve a presença de milhares de muçulmanos a assistir à missa, juntamente com os fiéis católicos, em várias igrejas. Foi um excelente sinal. Oxalá seja o prelúdio de uma perfeita harmonia de solidariedade e confraternização entre credos diversos.

Mas voltemos às mensagens que vão surgindo na imprensa. A primeira tem a data de 24/07/2016. É da autoria do vice-director do jornal La Stampa, Massimo Gramellini. Alguns extractos:
Caro muçulmano, os teus irmãos, agora, somos nós”.
Caro muçulmano não integralista que vives no Ocidente, sai para a rua. (…) Bem ou mal, o Ocidente acolheu-te, oferecendo-te a possibilidade de uma vida mais digna do que aquela que te era consentida na terra da qual te afastaste. Agora és um de nós. O teu irmão não é o camionista de Nice, mas a criança que as suas rodas esmagaram.
 Não podes continuar a negar a evidência e virar a cara para o outro lado. Ultrapassaste aquele confim subtil que separa a indiferença da cumplicidade. (…).

E eis, cabalmente, o que exprime o prestigiado escritor marroquino Tahar Bem Jelloun:
A minha carta aos irmãos muçulmanos: denunciemos quem escolhe o terror”
“O Islão reuniu-nos na mesma casa, uma nação. Que o queiramos ou não, todos pertencemos àquele espírito superior que celebra a paz e a fraternidade. No nome “Islão” está inserida a raiz da palavra “paz”. Mas eis que de há um certo tempo a noção de paz é traída, lacerada, espezinhada por indivíduos que sustentam pertencer a esta nossa casa, mas decidiram reconstruí-la sobre bases de exclusão e fanatismo. Para isto entregam-se ao assassínio de inocentes. Uma aberração, uma crueldade que nenhuma religião permite.”

“Hoje superaram uma linha vermelha: entrar na igreja de uma pequena cidade da Normandia e agredir um ancião, um padre, degolá-lo como um cordeiro, repetir o gesto sobre uma outra pessoa, deixando-a por terra no seu sangue entre a vida e a morte, gritar o nome de Daesh e depois morrer. É uma declaração de guerra de novo género, uma guerra de religião. Sabemos quanto pode durar e como acabará. Mal, muito mal.”

Portanto, após os massacres de 13 de Novembro em Paris, a carnificina de Nice e outros crimes individuais, somos todos chamados a reagir: a comunidade muçulmana dos praticantes e de quem o não é; vós e eu; os nossos filhos; os nossos vizinhos.
Não basta insurgir-se verbalmente, indignar-se mais uma vez e repetir que “isto não é o Islão”. Já não é suficiente e, sempre com maior frequência,  não somos credíveis, quando dizemos que o Islão é uma religião de paz e tolerância.
Já não podemos salvar o Islão… ou talvez, se queremos restabelecê-lo na sua verdade, na sua história e demonstrar que o Islão não é degolar um sacerdote, então saiamos em massa para a rua e unamo-nos sob a mesma mensagem: libertemos o Islão das garras de Daesh. Temos medo, porque sentimos raiva. Mas a nossa raiva é o início de uma resistência, isto é, de uma mudança radical do que é o islão na Europa.

Se a Europa nos acolheu, é porque tinha necessidade da nossa força trabalho. Se em 1975 a França decidiu a junção familiar, fê-lo para dar um rosto humano à imigração. Consequentemente, devemos adaptar-nos ao direito e às leis da República; renunciar a todos os sinais provocatórios de pertença à religião de Mohamed. Não temos necessidade de obrigar as nossas mulheres a cobrir-se como fantasmas negros que, em público, assustam as crianças; não temos o direito de impedir a um médico de auscultar uma mulher muçulmana nem de pretender piscinas só para mulheres. Assim como não temos o direito de deixar agir estes criminosos, se decidem que a própria vida não tem importância e oferecem-na a Daesh.

Não só: devemos denunciar quem, entre nós, é tentado por esta aventura criminosa. Não é delação, mas, pelo contrário, um acto de coragem para garantir a segurança de todos. Bem sabeis que em cada massacre, entre as vítimas, contam-se muçulmanos inocentes.
Devemos estar vigilantes a 360 graus. Logo, é necessário que as instâncias religiosas se movam e façam apelo a milhões de cidadãos pertencentes à casa do Islão, crentes ou menos, para que saiam a público e denunciar em voz alta este inimigo; para dizer que quem degola um padre faz escorrer o sangue do inocente na face do Islão.

Se continuamos a olhar passivamente o que se está a tramar diante de nós, mais tarde ou mais cedo seremos cúmplices destes assassinos. Pertencemos à mesma nação, mas não por isto somos “irmãos”. Hoje, todavia, para provara que vale a pena pertencer à mesma casa, à mesma nação, devemos reagir. De contrário, nada mais nos resta do que fazer as malas e regressar ao país natal. – Tahar Bem Jelloun; La Repubblica – 27 / 07 / 2016