domingo, janeiro 31, 2016

E MAIS UMA VEZ, O DOMÍNIO DA AMARGURA

O domínio de uma amargura inesperada, amargura do que foi inevitável. A emoção docemente se intensificou quando li, neste triste final de Janeiro, no site facebook da “Tuna Universitária do Minho”, o seguinte:

“Hoje é um dia muito triste para a Tuna Universitária do Minho. É com enorme pesar que perdemos um dos nossos.
Um amigo que nos acolheu, acarinhou e a quem a Tuna trata carinhosamente por Maestro e Tuno Honorário, Armindo Maia.
Dele recebemos, entre outros, “Capas Negras”, “Despedida”, “Ilusões”, “Recordando” e “Risos de Estudante”.
A Tuna Universitária do Minho apresenta os pêsames e partilha a dor com toda a sua família”…

Conheço todas as composições musicais que citaram, criadas por Armindo Maia. E aquele "gosto amargo dos infelizes", a que Garrett chama saudades, apresentou-se imediatamente com mil perguntas lançadas para o vazio. Veio-me então à memória um soneto de Antero de Quental.

Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
Arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só veja espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…

Mas se paro por um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.
(Antero de Quental – Sonetos)

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Não estava com disposição para escrever o que quer que fosse. Mas as horas dilataram-se para mais acrescer tristezas. Estou habituada a lutar contra esta malditas que ninguém solicita, ocupando o cérebro com algo que as suspenda. Encontrei estas “armas”, embora por breve tempo. 

segunda-feira, janeiro 25, 2016

O NÃO ACOMODADO AOS IMPERATIVOS DA UE

Orçamento do Estado, Bruxelas a exigir que o défice português seja inferior a 2,8%, discussão no Parlamento, a Comissão Europeia a dar a última palavra, Estados-membros com problemas financeiros e económicos em afã a fim de que as regras sejam cumpridas e não haja admoestações.

Em vez de admoestações, preferiria usar a expressão “conselhos orientadores” ou similares. Mas, por vezes, na União Europeia assistimos a uma imposição de regras que é despida daquela faceta diplomática, cuidadosa de salvaguardar o respeito pela dignidade de cada e de todos os países. 

Indubitavelmente que as regras devem ser cumpridas, mas sempre pensando que são necessárias para benefício da totalidade e equilíbrio de bom funcionamento da União; jamais porque convêm a economias com voz mais poderosa. Ora, vozes mais poderosas ou menos poderosas são distinções inadmissíveis. Não surpreende, portanto, que haja quem se rebele a este status quo.
Não surpreende, igualmente, o crescimento, em vários países, da desilusão e antipatia em relação à União Europeia. Lamento muitíssimo que isto se verifique. Trabalhemos para uma grande união: forte e um esplêndido exemplo para o resto do mundo.

Discuta-se franca, incansável e abertamente sobre inevitáveis problemas ou resoluções que devam chegar a bom fim, porém, em condições de igualdade entre os Estados-membros, considerando, com ponderação, a faculdade de uma justa flexibilidade, onde e quando  oportuna.

No meu post antecedente aludi ao Primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, como o “refilãozinho”. Efectivamente, sem eufemismos tem falado claro contra as instituições de Bruxelas e as suas directivas frequentemente impostas de modo discutível.

Finais do ano precedente: 17 e 18 de Dezembro 2015, reunião do Conselho Europeu.
Houve discussões, logo, expressões menos acomodatícias. Não me surpreendeu que o não acomodado fosse Matteo Renzi o qual pôs a chanceler Angela Merkel em dificuldade, precisamente porque esta senhora parte sempre do princípio que as medidas justas para União Europeia são as que não devem contrariar os interesses do seu país.

No último dia do vértice em Bruxelas, Renzi atacou a Alemanha em quatro temas: a União bancária europeia; o gasoduto Nord Stream entre a Rússia e a Europa (mais concretamente, entre a Rússia e Alemanha); as sanções do Ocidente à Rússia em relação à Ucrânia; a discórdia ítalo-alemã sobre a questão dos imigrantes.

Acerca da União Económica e Monetária, particularmente no que concerne a garantia sobre os depósitos bancários, Matteo Renzi perguntou por que motivo a Alemanha se opõe à criação do Fundo Único de Garantia sobre os depósitos, “ante uma Europa que, nestes anos, tem diminuído o crescimento económico, aumentando o desemprego em relação aos Estados Unidos”.
E como vinha a propósito, Renzi mencionou a aquisição dos aeroportos gregos por empresas alemãs no esquema das medidas impostas pelo programa de austeridade. Sem reticências, concluiu: 
Não podeis vir narrar-nos que estais a doar sangue à Europa, cara Angela”.

Neste ponto da discussão, houve a surpresa de ver a maioria dos líderes europeus intervenientes dar razão ao Primeiro-ministro italiano, entre os quais a França e o nosso Primeiro-ministro, António Costa.
Palavras de François Hollande: “É importante que a União bancária seja completada com a garantia europeia sobre os depósitos”.

Moral da história: é ou não é oportuno que cada Estado-membro deixe de curvar a cabeça e, com acertado raciocínio, exprima claramente os temas que envolvem os interesses nacionais, interesses estes que, insisto, estejam dentro do contexto europeu e não se desviem do interesse geral?

Segundo Mário Monti, ”O que habitualmente favorece a Alemanha não é a Comissão, a qual está ali para fazer aplicar as regras, mas sim a timidez dos outros Estados-membros que hesitam em fazer valer as próprias razões”.
Não esclareceu nenhuma situação desconhecida; confirmou-a. Parece-me, no entanto, que na Comissão também existe uma forte dose dessa timidez e, timidamente, deixa-se condicionar pela Alemanha e os satélites do Norte da Europa. Há muito em que repensar, nesta nossa União

O acme destas polémicas, porém, foi atingido recentemente. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, irritado com Renzi, protestou e atacou o chefe do Governo italiano. Transcrevo alguns mimos endereçados a Matteo Renzi:
“Entendo que o Primeiro-ministro italiano, que amo muito, não tenha razão em vilipendiar a Comissão a cada momento. Não compreendo por que o faz”. Digo a Renzi que não sou o chefe de um bando de burocratas: sou o presidente da Comissão UE, instituição que merece respeito, não menos legítima que os governos”.

Uma parte da resposta de Renzi:
“Não permitimos que nos intimidem. A Itália merece respeito. A Itália fez as reformas, logo, o tempo no qual se podia telecomandar a linha de Bruxelas a Roma acabou. E acabou o tempo em que se andava de chapéu na mão”.
Como esta, houve outras declarações de Renzi que não brilhavam por benevolência nem conformismo.  

Internamente, houve críticas a Renzi, pois deveria moderar as palavras, não favorecer populismos, evitar de criar possíveis atritos entre os demais países.  
Dado o temperamento do primeiro-ministro, as críticas parece-me que produzem efeito contrário. Todavia, um conselho é sempre adaptável: tudo se pode dizer, mas escolhendo bem as palavras e os tons. Por vezes, esta fórmula resulta mais perfurante.

Resta assinalar que os dois contendentes já fizeram as pazes, assim o confirma uma das partes, Jean-Claude Juncker:
“Houve uma troca de palavras viris, mas é normal em democracia e não haverá consequências”.

segunda-feira, janeiro 18, 2016

PAGARÁ O JUSTO PELO PECADOR?

Já se atenuou o clamor sobre o caso de centenas de larápios e molestadores de mulheres, estes em maior número, que entraram em acção durante a passagem de ano na Alemanha; porém, com inaudita insistência na cidade de Colónia.

Identificados como de origem árabe e norte-africana, o pensamento voou para a enorme onda de refugiados que, desesperados, afluem à Europa.
Oxalá não haja generalizações e pague a maioria dos justos pela minoria dos brutos transgressores. Estes jamais varreram do cérebro preconceitos e tradições nas quais a mulher é apenas considerada como um ente de reprodução, de prazer ou mercadoria de troca e venda.

E partindo desta realidade, explodiram os artigos de opinião que exprimiam indignação, ofensa pelos direitos ultrajados, exalçando o respeito pela mulher.
Os primeiros que li não concediam atenuantes. Exprobravam, sem reticências, culturas inadmissíveis nas democracias ocidentais. Certamente que lhes assiste alguma razão.

Maurizio Molinari, director do jornal La Stampa e bom conhecedor do mundo árabe, a propósito da implosão dos Estados árabes e norte-africanos, escreve num seu editorial de 10/01/2016:
(…) As tribos são protagonistas do deserto e da antiguidade. Dos seus costumes ancestrais originam-se o chador para as mulheres, a decapitação dos inimigos, a vingança como projecção de força, o saque para enriquecer-se, a poligamia e o poder absoluto dos homens sobre as mulheres.
(…) É o declínio do nacionalismo árabe que impele indivíduos e famílias e reencontrar, nas origens tribais, a própria identidade. É um processo de importância histórica que se acelera, com consequências imprevisíveis, na África do Norte e Médio Oriente.
Os Estados árabes/muçulmanos são as primeiras vítimas deste processo. Lacerados por um confronto interno entre modernidade e tribalismo, é um conflito de civilização.
A Europa vê-se envolvida por causa das imigrações de massa. Entre quem chega, há portadores de usos e costumes que provêm das lutas atávicas por poços de água, mulheres e rebanhos. As consequências vêem-se nas crónicas destes dias: abusos de massa em Colónia ao grito de «Allah hu-Akbar»”. Não se trata da maioria dos imigrados, mas de uma minoria em grau de abalar a segurança colectiva. Daqui, a necessidade de uma rígida aplicação da lei, graças a um entendimento entre os cidadãos e as forças de segurança, a fim de defender a Europa do regresso das tribos”. 

 Certamente que há diferenças culturais que devemos compreender, mas nunca abdicando das leis e princípios que nos regem e às quais todos, impreterivelmente, devem obedecer. Saibamos inculcar o absoluto respeito por estes valores  nas pessoas de culturas diferentes que buscam abrigo na Europa. 
Posto isto, pergunto: mas será que, no Ocidente, o machismo terá sido perfeitamente iluminado e vários preconceitos sobre as mulheres tenham desaparecido irreversivelmente? Não acredito.
Um único exemplo: como se justificam tantas desigualdades de género, em múltiplas actividades onde as competências se equivalem?

Vejamos, em seguida, o “código de comportamento feminino” aconselhado pela Presidente da Câmara de Colónia, a Senhora Henriette Reker, respondendo à pergunta de uma jornalista sobre o modo de uma mulher se proteger. Diz a Senhora:
"Manter-se à distância de um braço dos estrangeiros".  
"Estar sempre em pequenos grupos, não separar-se, mesmo quando se tem vontade de fazer festa”.
"Não tentar, de própria iniciativa, aproximar-se de pessoas que não se conhece ou com as quais não se tem uma boa relação".

Muito esclarecedor. Antes de condenar, sem ses e sem mas, agressões ou moléstias sexuais de brutos (no pior sentido da palavra), é a mulher que, vítima predestinada, se deve pôr à distância, e na companhia de outrem! Esqueceu-se da recomendação clássica: evitar um vestuário  provocante.

Houve o Iluminismo, evoluímos, estamos no século XXI, em 1948 desabrochou a feliz e permanente “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, mas uma boa percentagem da humanidade, neste nosso Ocidente, ainda têm um cérebro onde as teias de aranha nunca foram decisivamente expulsas. É-lhes difícil aceitar a independência e direitos da mulher; a independência, então, é intragável.
Talvez esses cérebros aranhentos tenham interpretado à letra a última palavra na “Declaração Universal dos Direitos do Homem”: É só para homens, valha-nos Deus! Que entram as mulheres nisto?     

domingo, janeiro 10, 2016

ESTA NÃO É A EUROPA QUE SONHAVA

Primeiro, o culto integralista do equilíbrio dos Orçamentos de Estado e a consequente hegemonia autoritária de quem entende que pode ditar ordens aos Estados economicamente débeis.
Em seguida, o espectáculo de Estados-membros que atropelam as leis fundamentais de uma democracia real, factor imprescindível dentro da União, e as entidades competentes, que deveriam levantar a voz e agir de consequência, balbuciam – temos, como exemplo, o que se passa na Polónia e Hungria. 
Até quando?

Por fim, toleram-se autênticos e vergonhosos paraísos fiscais dentro desta nossa respeitável União Europeia.
Poderia fazer um resumo do artigo que foi publicado a este respeito e com o qual me senti mais bem informada, mas prefiro dar a palavra ao autor. 
Fica-se boquiaberto ante tanta incorrecção e arrogância! Este artigo, esclarecedor, vale e compensa bem o tempo de leitura.


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“A Holanda predica austeridade,
mas é o maior paraíso fiscal do mundo

“Oitenta das 100 maiores empresas mundiais têm aqui uma sociedade que nada mais é do que uma caixa postal.
Bermudas? Jamaica? Ou, então, as ilhas inglesas da Mancha, Jersey ou Guernsey? Absolutamente não. Mais perto e mais cómodo: basta chegar a Amesterdão.”

A Holanda, o país frequentemente mais duro do que a Alemanha em predicar austeridade e disciplina de orçamento e censurar o laxismo dos países mediterrânicos, é o maior paraíso fiscal do mundo.
Desde o primeiro de Janeiro do corrente ano, assumiu a Presidência de turno da União Europeia. As palavras do seu Governo têm, por este motivo, um peso ainda maior.
Todavia, a próxima vez que o seu ministro das Finanças, Jeroen Dijsselbloem, como sempre faz, repreende Tsipras e o governo grego, porque hesitam a reformar o próprio sistema fiscal, alguém deveria recordar-lhe que a companhia mineraria canadiana, Gold Eldorado, não paga impostos na Grécia, graças á cobertura fiscal holandesa.
Ou então, quando de Haia vinham acusações aos bancos cipriotas por reciclagem de fundos russos, alguém deveria fazer-lhes notar que, nesse mesmo período, na Ucrânia, gabinetes de trabalho holandeses tinham, na Embaixada nacional, seminários apropriados sobre a arte de escapar aos impostos, refugiando-se na Holanda.”

“Aliás, a questão, em linhas gerais, é já nota. A Comissão Europeia acaba de definir ilegais os descontos fiscais que o governo de Haia concedeu a Starbucks. O próprio Parlamento holandês pediu ao governo para empenhar-se, a fim de evitar que o país seja definido um paraíso fiscal. Porém, as dimensões do fenómeno são irrefreáveis. Fazem empalidecer, não somente o Luxemburgo de Juncker, mas também Bermudas e Jersey, os paraísos fiscais por definição.”

“As cifras são agora narradas pelo economista holandês, David Hollanders, no site socialeurope.eu.
Em Amesterdão, como exemplo, os Rolling Stones e os U2 têm “escritórios”, mas, exactamente como eles, cerca de 12 mil sociedades têm caixa postal por um contravalor de 4 mil milhões de euros. Nenhum outro país no mundo tem um valor societário assim tão alto, referido a puros e simples endereços postais. De resto, entre aquelas 12 mil, há o Gotha das finanças globais: oitenta das maiores empresas mundiais e quase metade das 500 companhias da classificação Fortune.”

“Quem se admirou por que razão a Fiat, na sua nova encarnação FCA, pôs o quartel geral em Londres, mas a sede social em Amesterdão, agora fica a saber o porquê.”

“A ideia genial, todavia, diz respeito aos royalties, o mecanismo que cria riqueza, especialmente para os gigantes de Big Tech, os quais encaixam, por este modo, sobre a utilização dos seus software e das suas plataformas.
Mas os royalties, em geral, concernem o pagamento de todos os direitos pela exploração de uma marca ou de um format produtivo ou comercial (os cafés Starbucks, por exemplo).
O ponto-chave é que, na Holanda, os royalties não são tributados. Portanto, as sociedades como Google, na Itália ou na Alemanha, pagam royalties propositadamente exagerados à própria “controladora” holandesa, obtendo, assim, o resultado para baixar os lucros orçamentais e os relativos impostos sobre a facturação realizada na Itália e na Alemanha.”

“Os royalties, depois, quando tornam às caixas da sociedade-madre (citemos a Google na Califórnia), não podem ser colectadas, porque já pagaram, formalmente, os impostos na Holanda, mesmo que a alíquota tenha sido zero.
Cresce a vontade de perguntarmo-nos o que diria Jeroen Dijsselbloem se Tsipras sugerisse de aplicar o mesmo esquema, na reforma fiscal grega.
De Maurizio Ricci; La Repubblica - 09 / 01 / 2016
(Os sublinhados são meus)

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Quantas sedes de empresas portuguesas preferiram ou gostariam de ter morada em Amesterdão?

Nas instâncias competentes da UE, sempre que o nosso país for admoestado por razões deficitárias ou orçamentais, quando teremos a notícia que os nossos representantes, com boas maneiras, requererão limpeza absoluta da sujeira que reina na casa de quem, arrogantemente, ministra lições?
Teremos gente com essa coragem, mas coragem bem equipada de saberes e conhecimentos?
Por agora ponho esperanças no actual refilãozinho Primeiro-ministro italiano. Já desferiu algumas estocadas.   

domingo, janeiro 03, 2016

UM 2016 SEM DESILUSÕES

Henri Fantin-Latour,  Dálias

Fantin-Latour, uma composição de lindas flores

Um novo ano sem desilusões, sem tristezas, sem amarguras, sem irritações desnecessárias, enfim, um Ano Novo sereno. Será possível? Duvido, mas é o que desejo, auguro e espero a quem conheço e a quem não conheço.

Entretanto, alegremo-nos com estas flores do meu apreciado pintor, Henri Fantin-Latour. Inspiram-me sempre alegria.