segunda-feira, agosto 31, 2009

O DELÍRIO DE OMNIPOTÊNCIA

Ou o “delírio da impunidade”, como escreve o jornal El País.

Bem nos propomos de ignorar as vicissitudes do reinado do inefável Berlusconi, mas é impossível. Em cada dia ou cada semana que passa, surgem factos que provocam as mais variadas reacções: ou desatamos à gargalhada ou nos escandalizamos ou, ainda, ficamos de tal maneira atónitos com o inverosímil dos acontecimentos que chegamos a duvidar que tais factos possam acontecer num país democrático; pior, num civilizadíssimo país europeu, fundador e membro da União Europeia.

Falemos, mais pormenorizadamente, do caso a que ontem me referi.
O senhor Presidente do Conselho de Ministros italiano, Berlusconi, decidiu mover uma acção, no Tribunal de Roma, ao jornal “La Repubblica” pelas dez perguntas que, diariamente, vem publicando de há dois meses a esta parte e que ontem transcrevi.

Nessa queixa judicial também é denunciado um serviço (sempre de um jornalista de La Repubblica) de 6 de Agosto que citava alguns extractos de um artigo de "Nouvel Observateur", de Serge Raffy: “Sexo, Poder, Mentiras”.

Obviamente, também serão processados o semanário francês e o quotidiano espanhol "El País": artigos difamatórios. Parece-me que não escaparão "The Times" e outros ilustres jornais ingleses!

É crime de difamação citar ou escrever artigos que não louvam ou publicar fotografias pouco lisonjeiras.
A isto chega a loucura de um delírio de potência incontrolada!

Afora os fiéis vassalos políticos, a reprovação deste acto foi unânime, quer no País, quer na imprensa estrangeira.
Só espero e desejo que seja um perfeito e certeiro boomerang.

Entretanto, três insignes juristas – Franco Cordero; Stefano Rodotà; Gustavo Zagrebelsky – lançaram um apelo:

O ataque a “Repubblica”, cuja convocação judicial por difamação é apenas o último episódio, é interpretável somente como uma tentativa de reduzir ao silêncio uma imprensa livre, de anestesiar a opinião pública, de isolar-nos da circulação internacional das informações, enfim, fazer do nosso País uma excepção da democracia.
As perguntas ao Presidente do Conselho são perguntas verdadeiras que suscitaram interesse, não só no País como na imprensa de todo o mundo. Considerando-as “retóricas”, porque sugeririam respostas não gradas a quem são dirigidas, existe um único e fácil modo de as desmontar: não calar quem as faz, mas responder.
(…) Espanta e preocupa que estas iniciativas não somente não sejam estigmatizadas concordemente, nem sequer referidas, pelos órgãos de informação e que haja juristas dispostos a dar-lhes forma jurídica, sem considerar o dano que daí vem à mesma seriedade e credibilidade do direito.

Em menos de três dias, as adesões já ultrapassam 140 mil assinaturas. Pode dizer-se que o mundo intelectual e do espectáculo está ali todo em peso. Aleluia!

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«As perguntas são retóricas e claramente difamatórias … O leitor é induzido a pensar que as proposições formuladas não sejam interrogativas, mas afirmativas e é levado a aceitar como circunstâncias verdadeiras, realidades de factos inexistentes» - assim reza uma das motivações da denúncia.

Diverte-me a última asserção: (…) “realidades de factos inexistentes”!

Há documentos e testemunhos que comprovam, irrefutavelmente, esses “factos inexistentes”, mas Berlusconi e acólitos continuam a sustentar que tudo não passa de coscuvilhices sobre a sua vida privada que é sacra.

Se é privada, por que não se manteve, discretamente, muito discretamente, no âmbito privado? A política mundial moderna é generosa em exemplos de representantes mulherengos sem que estes, todavia, jamais quisessem elevar as “companheiras da alegria” a cargos de responsabilidade pública ou as ostentassem despudoradamente.
Por qual razão algumas dessas borboletas que giravam à sua volta as vemos agora ministros e outras tiveram promessas de irem para o Parlamento Europeu, Parlamento nacional ou para os mais diversos cargos políticos?

Este género de privacidade, e como muito bem disse Ezio Mauro no seu editorial que transcrevi, é simplesmente ultrajante e humilhante para o País que o elegeu.

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Há um segundo caso não menos clamoroso: o ataque violento do jornal de Berlusconi (jornal que está em nome do irmão, pois claro!...) ao director do jornal da Conferência Episcopal Italiana, “L'Avvenire”.
Sobre este assunto tornarei no próximo artigo – se me é permitido chamar artigo e não post ao que aqui escrevo. Detesto a palavra post.
Alda M. Maia

domingo, agosto 30, 2009

DEZ PERGUNTAS QUE VALEM UM MILHÃO

Eis as novas dez perguntas a Berlusconi que o jornal La Repubblica publica diariamente e às quais o interpelado nunca respondeu.
Moveu uma acção ao jornal, com a data de 24 de Agosto, pedindo uma indemnização de um milhão de euros.

1 Quando teve ocasião de conhecer Noemi Letizia? Quando teve oportunidade de a encontrar e onde? Frequentou ou tem frequentado outras menores?
2 Qual é a razão que o constrangeu a não dizer a verdade, durante dois meses, fornecendo quatro versões diversas sobre o conhecimento de Noemi Letizia?
3 – Não acha grave que o Senhor tenha recompensado com candidaturas e promessas de responsabilidades as raparigas que lhe chamam “Papi”?
4 O Senhor teve relações com uma prostituta, na noite de 4 Novembro 2008 e são dezenas de “mulheres fáceis”, segundo as investigações, que foram conduzidas para a sua residência. Sabia que se tratava de prostitutas?
5 Sucedeu que “voos de Estado”, sem a sua presença a bordo, transportassem as hóspedes das suas festarolas?
6 Pode sentir-se certo de que as suas frequentações não tenham comprometido as questões de Estado? Pode assegurar o País que nenhuma mulher, sua hóspede, possui hoje armas de chantagem?
7 Os seus comportamentos estão em contradição com as suas políticas: O Senhor, hoje, poderia ainda participar no “Family Day” ou assinar uma lei que pune o cliente de uma prostituta?
8 O Senhor pensa ainda candidatar-se à presidência da República? Se o exclui, crê de poder dar cumprimento à sua função de presidente do Conselho de Ministros?
9 O senhor falou de um “projecto eversivo” que o ameaça. Pode garantir de não ter usado nem pretender usar os serviços secretos e polícias contra testemunhas, magistrados, jornalistas?
10 À luz de quanto aconteceu nestes dois meses, quais são, Senhor Presidente, as suas condições de saúde?

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INSABBIARE” (Abafar) – título do editorial de Ezio Mauro, director do jornal La Repubblica, em 28/08/2009

Não podendo responder, a não ser com a mentira, Sílvio Berlusconi decidiu levar a tribunal as dez perguntas de La Repubblica, pedindo aos juízes que lhes ponham fim, de maneira que não seja possível continuar a pedir-lhe contas dos eventos que nunca soube esclarecer: abafando assim – pelo menos na Itália – a vergonha de comportamentos privados que são o centro de um escândalo internacional e o perseguem politicamente.

É a primeira vez, na memória de um País livre, que um homem político apresenta uma queixa judicial contra as perguntas que lhe são dirigidas. E é a medida das dificuldades e dos medos que povoam o verão do homem mais potente de Itália.
A questão é simples: visto que é incapaz de dizer a verdade sobre a “quinquilharia política” que criou com as próprias mãos e que de há meses o rodeia, o primeiro-ministro pede à magistratura de bloquear o acerto da verdade, impedindo a livre actividade jornalística de inquérito e que deu motivo àquelas perguntas sem resposta.

Desta vez existe a intolerância por cada controlo, por qualquer crítica, por um qualquer espaço jornalístico de investigação que fuja ao domínio proprietário ou à intimidação de um poder que se concebe como absoluto e inatacável.
Berlusconi, no seu acto judiciário contra La Repubblica, quer, efectivamente, atingir e impedir mesmo a citação, em Itália, dos inquéritos dos jornais estrangeiros, a fim de que o País fique às escuras e sob controlo.
Vê-se quanto seja débil um poder que tem medo das perguntas e pensa que basta manter na ignorância os concidadãos para ficar a salvo.

Tudo isto – o pedido aos empresários de não fazer publicidade no nosso jornal, a acusação de eversão, o ataque aos «delinquentes»
(assim classificou os jornalistas de Repubblica), a acção às perguntas – provém da parte de um primeiro-ministro que também é editor e que usa todos os meios contra a liberdade de imprensa, no silêncio geral. Ainda fala de calúnias? A este ponto, deveria ser a Itália a sentir-se ultrajada pelos comportamentos deste homem.

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Alda M. Maia

segunda-feira, agosto 24, 2009

"AQUELES MORTOS QUE GRITAM DO FUNDO DO MAR"
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Lampedusa: imagem comovente que gostaria nunca ter visto ( de La Repubblica)
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"Aqueles mortos que gritam..." Este é o título do editorial que Eugénio Scalfari (fundador do jornal La Repubblica) publicou ontem, domingo, dia 23 de Agosto.

De setenta e oito migrantes de origem eritreia e etíope, apenas se salvaram cinco: um homem, uma mulher e três adolescentes.
Partiram da Líbia nos fins de Julho, num barco de 15 metros e, por falta de carburante, andaram à deriva, sem alimentos nem água, durante 23 dias.

Grande parte do Mediterrâneo è vigiada pela Agência Europeia de Controlo das Fronteiras Externas - Frontex.
Barcos patrulha líbios e italianos colaboram com a finalidade de repelir os barcos de imigrantes clandestinos para o lugar donde partiram: normalmente, centros de acolhimento em território líbio.

(...) Aqueles centros são um inferno, onde os imigrantes provenientes da África saariana e do Corno de África são reuzidos, durante meses, ao estado de escravidão e submetidos às mais infames humilhações, até quando alguns deles são entregues aos mercantes do transporte e embarcados para o seu destino. As vítimas que jazem no fundo daquele tracto do Mediterrâneo já nem se contam. – Eugénio Scalfari

Um grande número de barcos de pesca italianos, tunisinos, egípcios, malteses, etc. operam naquelas águas marítimas.
O desgraçado barco de borracha com tantas pessoas que morriam de fome, sede, queimaduras, não foi avistado, oficialmente, por ninguém!

Durante vinte e três dias, apenas um barco patrulha maltês se aproximou, forneceu-lhes alguns víveres e água, pôs o motor a funcionar e indicou-lhes a direcção da ilha de Lampedusa.
Sacudiu responsabilidades e acomodou-se na já consueta indiferença: a praga que caracteriza a humanidade egoísta e insensível.

Assim, aqueles 78 navegantes, em fuga de zonas de guerra e da miséria, foram morrendo e atirados ao mar. Salvaram-se cinco. Os corpos sem vida dos demais flutuam e vão sendo recolhidos pouco a pouco.

Quando os barcos patrulha italianos e líbios repelem os imigrantes e estes tornam ao ponto de partida, os tais centros líbios que são um inferno, a Itália deveria visitar esses centros, a fim de constatar que os direitos humanos são respeitados e, paralelamente, verificar se existem imigrantes que possam ter necessidade de serem acolhidos como refugiados políticos.
Nenhuma destas condições é observada, embora nesta última categoria estejam, por exemplo, os que fogem da Eritreia, antiga colónia italiana e onde existem ainda tantos sinais que a ligam à Itália. Desgraçadamente, também ali existe a brutal ditadura de Isayas Afeworki, o presidente que militarizou o país e o atirou para a indigência.

Os infelizes eritreus fogem de um inferno, mas vão encontro a um outro não menos feroz, quando devem estacionar na Líbia; ao encontro da morte, quando são vítimas dos “traficantes de homens” através das águas mediterrânicas.

Certamente que se torna natural a fuga de eritreus e o seu anseio de serem acolhidos na Itália.
Desconhecem, todavia, que o ministro da Administração Interna faz parte daquele grupo político – Liga Norte - de xenófobos, grosseiros e primários. Também desconhecem que os sentimentos do primeiro-ministro são afins.

A principal técnica para arrebanhar votos é a criminalização do imigrante, instaurando um clima de medo: todos delinquentes, todos larápios, todos indignos de se tornarem cidadãos italianos.

Esta táctica parece que também iluminou alguns politicastros da Casa Lusa. Espero que não pegue nem se alastre; seria uma canalhice que não quereria ver em Portugal.

Em Julho passado, os dois ramos do Parlamente aprovaram, definitivamente, o “Decreto-Lei Segurança”. Assim, a imigração clandestina passou a ser crime.
Normas severas contra este “grandes crime” que atenta à segurança da Itália, começando com seis meses de reclusão nos CIE - “Centros de Identificação e Expulsão”: autênticas prisões superlotadas para os sem papéis.

Porém, se trabalham clandestinamente em empresas agrícolas (aliás, como sucede no Alentejo) ou empresas de vário género, por cem euros mensais, catorze horas de trabalho por dia, maltratados, escravizados, a segurança do território é já um tema que interessa pouco.

Mercê desta lei infame - contestada pela oposição e todas as pessoas de bom senso – sucede que muitos barcos de pesca não se aproximam ou fingem não ver as embarcações de imigrantes à deriva, pois correm o risco, se os recolhem e transportam a terra, de serem processados por favorecimento do crime de clandestinidade.
Devido ao medo e a graves prejuízos das empresas de pesca, as regras do mar – socorrer quem está em perigo – começam a ser ignoradas. A isto se chegou!

Ainda bem que as Hierarquias Católicas insurgiram vigorosa e ruidosamente contra esta nova barbárie.
Grosseiramente, o líder da “Liga Norte”, Bossi, respondeu que os bispos dizem palavras sem sentido. Se este problema as preocupa, que levem os imigrantes clandestinos para o Vaticano. Troglodita dixit!

Compreende-se os problemas de absorção de uma grande onda de migrantes que invade um país. O que não se pode compreender nem aceitar é a desumanidade como são vistos e tratados - e não existem argumentos que possam convencer-me do contrário.
Com boa vontade e inteligência, leis justas e bem aplicadas, encontra-se sempre uma solução humanamente digna para problemas deste género.
Alda M. Maia

segunda-feira, agosto 17, 2009

HISTÓRIAS DE VERÃO
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A cadelinha Diana com a patroa Marina (La Stampa)
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Ponhamos de lado assuntos sérios (ou presumimos que assim sejam) e falemos de histórias lindas e verdadeiras. Histórias contra a humana besta que abandona os animais, sobretudo neste período do ano; contra os malvados que os tratam cruelmente.

Em Camogli (Génova), todos os anos, no dia 16 de Agosto, celebra-se a atribuição de dois prémios.
Prémio internacional “Fidelidade”: atribuído ao fiel amigo do homem que se distinguiu por actos extraordinários.
Prémio “Bondade”: concedido a pessoas que demonstraram grande afecto e bondade para com os animais, sobretudo de raça canina.

(…) A manifestação foi criada em 1962 pelo então pároco de San Rocco, padre Carlo Giacobbe, e Giacinto Crescine que se inspiraram no caso da rafeirinha abandonada, “Pucci” (assim a chamaram), mascote e grande amiga das crianças, amimada e nutrida pelos habitantes de San Rocco de Camogli.
Durante mais de dez anos, Pucci acompanhava, fielmente, as crianças até à escola, esperando com toda a paciência que saíssem, a fim de brincar com os seus amiguinhos e conduzi-los a casa.
Padre Giacobbe associou a história de “Pucci" à festa patronal, celebrada anualmente em 16 de Agosto, dia dedicado a São Roque, protector dos cães.
– “Il Secolo XIX”, jornal publicado em Génova.

(…) A tradição conta que São Rocco de la Croix (São Roque Delacroix) - Montpellier, 1348 / 1350, em Voghera, noite de 15 para 16 Agosto, entre 1376 e 1379 - durante a viagem de Roma a Montpellier, contagiado pela peste devido a ter assistido doentes, durante uma epidemia, se tivesse refugiado numa gruta, na passagem Francigena, ao longo do rio Trebbia. Aqui o encontrou um cão que providenciou em matar-lhe a fome, subtraindo o pão da mesa do seu patrão, o nobre Gottardo Pallastrelli, senhor do castelo de Sarmato – La Stampa, jornal publicado em Turim.

O prémio “Fidelidade” foi concedido a 12 cães, alguns dos quais extraordinários no salvamento de várias pessoas, após o terramoto de L’Aquila.

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História de Diana, Prémio “Fidelidade”, 2009.

De todas as façanhas dos animais premiados, a que mais me impressionou foi a acção da cadelinha Diana: salvou a sua patroa de uma morte quase certa e de uma maneira que roça a incredibilidade.

Já conhecia este caso, pois deram a notícia na altura em que aconteceu. Mas narremo-lo, porque é interessantíssimo

Diana é um cruzamento de labrador e pit bull. Completará quatro anos em Novembro próximo.
Entrou na família de Marina Tripodi, mãe de dois filhos e moradora no 5.º e último andar de um edifício da Avenida França, 92, cidade de Collegno, arrabaldes de Turim.

No dia 12 de Janeiro passado, o filho mais velho tinha saído e o mais novo estava no quarto, sentado diante do computador. Diana, agachada aos seus pés, gania persistentemente.
O pai convenceu-o a abandonar o quarto e saíram os dois. Em face disso, a mãe decidiu ir passar a ferro naquela divisão da casa, fazendo companhia a Diana.
Estava quase a entrar, quando Diana, num salto repentino, atirou-se contra o peito da senhora, e fê-la cair, ainda no corredor.
Não compreendendo aquele estranho comportamento, a patroa ralhou-lhe e ia mesmo dar-lhe uma sapatada. Naquele instante, ouviu um estrondo e viu surgir, atrás dela, uma grande nuvem de pó que começava a envolvê-la: o tecto daquele quarto tinha ruído completamente, cobrindo de escombros o lugar onde estava a mesa do computador e a área restante.

O filho salvo por ter abandonado o compartimento; a mãe, pela tempestiva intervenção da cadelinha.

Conta a senhora que só então pôde compreender a atitude de Diana, durante o dia precedente: deitada na cama dos filhos, não desviava os olhos do tecto.

Quando um dos filhos levou este animal para casa, ainda cachorrinha, a mãe repreendera-o, pois não queria animais em casa. Todavia, apenas pegou Diana ao colo e esta começou a lamber-lhe a cara, ficou rendida: “Desde esse momento, tornou-se um membro da família. Intocável."
Agora, mais do que nunca!

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Relativamente aos três prémios “Bondade”, dedicados às pessoas, chamou-me a atenção o prémio concedido a Sérgio Grosso, um maquinista dos caminhos-de-ferro.
Guiava o comboio na linha Génova – Turim, quando avistou um cachorro atado aos carris. Imediatamente parou o comboio, desceu e foi salvar o pobre animal.

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“A nossa associação crê que a difusão das histórias dos casos premiados, através dos meios de comunicação social, possa levar algo de positivo para todos, principalmente para as crianças. Estas ficam fascinadas e obtêm, destes episódios, exemplos de altruísmo e abnegação a que farão referência na vida” – Vittorio Bozzo, Presidente da Associação para a valorização Turística de San Rocco.

Não haverá ninguém por estas bandas que queira pôr em movimento iniciativas deste género?
Alda M. Maia

segunda-feira, agosto 10, 2009

OS FUNDAMENTALISTAS DO VATICANO

Se fossem movidas pela sinceridade e ardor da própria fé, na violência da linguagem como manifestam e lutam pela defesa daqueles “valores não negociáveis” que as actuais hierarquias católicas sabem usar, compreendê-las-ia e dar-lhes-ia razão.
Não creio, todavia, que essa sinceridade emane da alma: é excessivamente política para arrebatar as consciências.

Depois de vários entraves, o Conselho de Administração da AIFA, a entidade italiana que controla e regulariza a comercialização e uso dos medicamentos (corresponde à nossa INFARMED), nos finais do mês de Julho aprovou a entrada da pílula abortiva, Ru486, no Prontuário Terapêutico italiano, devendo ser comercializada e aplicada apenas nos hospitais.

Como a notícia veio a lume, desencadeou-se, acto contínuo, uma fortíssima reacção negativa dos senhores do Vaticano.
Seja L’Osservatore Romano, seja L’Avvenire – o jornal da Conferência Episcopal Italiana – seja o semanário “Família Cristã”, foram pródigos de artigos em primeira página, emitindo juízos severíssimos. Cardeais e monsenhores, numa indignação que nunca é circular, não usaram eufemismos. Eis alguns exemplos.

Nem todo o Governo se opôs … AIFA tem a primeira responsabilidade… É impossível ficar calado sobre outras precisas e identificáveis responsabilidades políticas” – Avvenire.

Invocando a intervenção do governo e ministros competentes, Monsenhor Sgreccia, Presidente da Pontifícia Academia para a vida, usou a arma da excomunhão: “É automática para quem a usa (a pílula Ru486) e quem a ministra. A pílula abortiva não é um fármaco, mas um veneno. Usá-la é um delito e pecado, em sentido moral e jurídico”.

A introdução da Ru486 no Prontuário Terapêutico põe problemas médicos, jurídicos e morais” – teólogo Luigi Lorenzetti, em “Famiglia Cristiana

Não creio possa haver “problemas médicos e jurídicos”. Na Itália, há a lei 194 que permite o aborto, dentro de normas claras e rígidas. Que o aborto seja cirúrgico ou farmacológico, as regras são sempre as mesmas.
Sobre o ponto de vista moral, a compreensão de situações dramáticas e penosas também nos pode levar a não exprimir opiniões em tal sentido.

Os homens do Vaticano esquecem que AIFA é uma entidade independente e opera num país democrático.
Mas o Vaticano não desconhece esse facto. Simplesmente, sempre entendeu que a Itália é mais um território súbdito que autónomo nas suas decisões de país laico, as quais devem contemplar as necessidades de crentes e não crentes, católicos e não católicos.

Há um aspecto da questão que foi impossível não observar. Em tudo o que pude ler sobre este assunto, não deparei com um único parágrafo que apelasse às consciências, demonstrando suavidade e usando argumentos dignos de uma fé, interiormente profunda, nos valores da própria religião.

Exigências políticas, reprovações, anátemas, ameaças de excomunhão: foi o que sobressaiu, na veemência condenatória dos Senhores do Vaticano!

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Quis falar deste caso e insisti no modo de se oporem à “criminosa” pílula Ru486 por uma razão, razão esta que não pouco me enojou.

O escândalo das festas “boccaccescas”, nos palacetes de Berlusconi; das suas taras sexuais; de amiguinhas que elevou a ministras – não esquecendo os seus casos judiciais pouco límpidos - ainda se não extinguiu. Os jornais estrangeiros de maior fama têm sido impiedosos contra este homem.

As revelações mais escabrosas tinham atingido o ápice; todavia, os homens do Vaticano, sempre tão prontos a verberar os atentados à sacralidade da família, continuavam a manter um plácido silêncio.

Quando se aperceberam que as perplexidades sobre essa atitude se iam avolumando, deram início a declarações, por vezes vigorosas, mas sempre indirectas contra “procedimentos incorrectos e de dúbia moralidade” e outros conceitos similares.
Omissas as condenações claras e inequívocas à conduta indecente e inaceitável num alto representante do Estado.

Por onde andava o desabrimento dos anátemas que agora jorraram contra a legalização da pílula abortiva?
Temos uma moralidade cristã com dupla interpretação, segundo o politicamente correcto? Ou deve-se interpretar essas atitudes como uma espécie de machismo do Vaticano, visto que a dignidade das mulheres, algumas de menoridade, não merece indignação?

Muitos sacerdotes e fiéis escreveram centenas de cartas a protestar contra esse silêncio incompreensível.

Porém, aos zeladores da pureza dos preceitos cristãos, não convinha condenar explicitamente o chefe de um governo que tudo faz para se mostrar submisso – na mira dos votos, obviamente - aos ditames doutrinários ou a outros interesses do Vaticano: ditames e interesses que nem sempre coincidem com as reais necessidades cívicas dos cidadãos italianos.

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Almodóvar convida o Papa a sair para a rua e ver como vivem as famílias modernas.
Eu vou mais longe. Nenhum eclesiástico deveria chegar aos altos cumes das hierarquias sem ter exercitado, ou conhecer profundamente, o sacerdócio entre os humildes e necessitados; viver entre quem deve enfrentar a luta diária.

Não se chega a cardeal ou Sumo Pontífice apenas por altos estudos teológicos (que também são necessários), mas, acima de tudo, porque se conhece a humanidade sofredora e a sociedade civil com todos os seus problemas.
E se assim fosse, penso que não se verificariam tantas dissonâncias entre as hierarquias católicas e aquela massa de fiéis e sacerdotes que, em fim de contas, são os que formam o verdadeiro corpo da Igreja.
Alda M. Maia

sábado, agosto 08, 2009

UM OUTRO PRÉMIO PARA ESTE BLOGUE
"COMPROMETIDOS Y ALGO MÁS, 2009"
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A autora do blogue “Sustentabilidade é Acção”, a arquitecta Manuela Araújo, pela segunda vez, pôs o “pensamentos-vagabundos” na lista dos premiados.
Neste espaço, quero novamente agradecer-lhe e repetir-lhe que fiquei lisonjeada e reconhecida.

O selo do prémio, segundo li num site cujo nome não registei, retrata a camisola da equipa nacional espanhola com o lema: Comprometidos y Más, 2009. Logo, o criador deste prémio tinha de ser espanhol.

Parti em investigações e descobri-o:
Porlafamiliaporlavida.wordpress.com/2009/05/22…

O autor dedica-o, sem condições, “aquellas personas que están comprometidas con sus blogs, con sus cartas al Director, asistiendo a concentraciones, manifestaciones, colaborando con los que más lo necesitan, etc.”.

Enfim, destina-o a quem se preocupa com o que se vai passando – de bom, de mau, de errado ou certo - por este nosso mundo. De imediato, atribuiu-o a uma extensa lista de blogues.

A minha será curta, mas penso incluir quem tem os olhos apontados para as coisas sérias.

1 – O amigo das árvores, da cidade onde trabalha e outros temas:
www.dispersamente.blogspot.com
2 – O título já diz tudo: www.dias-com-árvores.blospot.com
3– Uma homenagem a quem se dedica à nossa História:
lusotopia.no.sapo.pt
4 – Para quem se dedica ao bem escrever e bem falar da nossa língua:
emportuguescorrecto.blogs.sapo.pt
5 – Um prémio a quem se opõe, com uma rica documentação, aos autores
do politiqueiro e politicastro novo acordo ortográfico:
www.jrdias.com
6 – Um rico e lindo blogue: cidadesurpreendente.blogspot.com

Haveria muitos outros que leio com agrado, mas grande parte foi já premiada; outros estão no topo das atenções. Fiquemo-nos pela meia dúzia.
Alda M. Maia

segunda-feira, agosto 03, 2009

OS DESAGUISADOS DA POLÍTICA ELEITORAL

Por vezes, estas contendas roçam a superficialidade, quando não se apresentam como querelas pouco dignas de pessoas adultas e com experiência de navegação nos mares políticos.

Gostaria que alguém explicasse, com razões aceitáveis, a importância, na vida nacional, do convite - ou não convite - socialista à Senhora Joana Amaral Dias.

São dias e dias que o “caso” ocupa as páginas dos jornais, da blogosfera e espaço nos múltiplos noticiários televisivos.
São dias e dias que se assiste a declarações ofendidas, a desmentidos, a reafirmações acusatórias, a solicitações de pedidos de desculpa, ao uso de chavões como “tráfico de influências”.
É caso de, deselegantemente, praguejar como um marinheiro dos romances de Salgari: com seiscentos milhões de baleias, acabem lá com essa conversa! Sejam honestos, uns e outros, expliquem-se e passem a ocupar-se de temas mais construtivos.

Quanto aos meios de informação, seria belo se não se degradassem a atear desavenças próximas do infantilismo, da coscuvilhice ou de rancores políticos, quase sempre fictícios.

Não a conhecendo, atrevo-me a fazer uma pergunta: sob o ponto de vista político, pois foi neste palco que o cancã se desenfreou, a Senhora Joana Amaral Dias é uma figura de tal relevo que justifique este prolongado "caso nacional" por ela mesma desencadeado?

Também pode haver outra explicação: Governo e PS, neste período, são o inimigo público n.º 1. As baterias dos demais partidos atiram, sem tréguas, sobre esse alvo e todas os motivos são válidos.

Assim funciona a democracia! E não funciona mal. Necessitaria apenas de reforçar e exigir o insubstituível culto pela ética - no fazer e no falar - pois caminha com um passo muito rasteiro. A ética pretende alturas; infelizmente, nem sempre há os apetrechos necessários para a escalada!

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Não se pode deixar de aplaudir a recente sentença do Tribunal Constitucional em anular algumas normas do Estatuto Político-Administrativo dos Açores.
Quando o Presidente da República não ratificou a lei sobre este Estatuto, dei-lhe toda a razão. As suas competências foram inconstitucionalmente alteradas e confesso que não vi nenhuma indispensabilidade nem urgência na votação de uma lei tão discutível.
Satisfazia a sede de comando dos maiorais - partidariamente afins - das regiões autónomas? Razões muito frágeis e pouco defendíveis.

O que achei estranho foi o modo teatral como o Senhor Presidente quis dar a conhecer ao País o seu desagrado e recusa. Era necessário? Não creio.

Visto que lhe compete vigiar o respeito pela Constituição, a praxe comum seria não assinar e enviar o diploma, acto contínuo, para o Tribunal Constitucional.
Por que o não fez? Para quê tanta dramatização sobre deliberações legislativas inconstitucionais que poderiam ser neutralizadas? Os contrapesos democráticos não têm esse fim?

Relativamente a esses fundamentais contrapesos, discordo e censuro as críticas do PS/Açores ao Tribunal Constitucional. O que este decidiu foi muito bem decidido e os itens da Constituição
devem ser observados.
Reacções de quem se pensa casta do “quero, posso e mando”, somente porque foram eleitos?

E já que falamos de reacções, pois foi esta faceta da questão que me arrastou a escrever sobre o assunto, as da oposição são dignas de um Gil Vicente moderno. Que farsantes sem pudor! À frente da trupe, o bastão do comando pertence ao PSD.

Vitória para o Presidente da República; vitória para o PSD; derrota para Sócrates e PS… e por aí adiante.
Na minha modestíssima opinião, jamais usaria os termos vitória e derrota, por inadequados.
O Presidente da República cumpriu o que o seu alto cargo exigia e só nos devemos congratular com a sua atenta vigilância. Se houve vitória, foi a da democracia e do respeito pelas regras democráticas.

A lei de 19 de Dezembro 2008 foi aprovada – estupidamente, deve-se concordar - com os votos do PS, PCP, CDS/PP, BE e Verdes.
O PSD, ambiguamente, absteve-se. Ulteriormente, requereu a fiscalização do Tribunal Constitucional, juntamente com o Provedor de Justiça.
Por que não votou contra, na devida altura? Neste episódio, que farsa interpretou?
A que vitória aludem, agora, os representantes do PSD? Baseada em que atitudes límpidas e incontestáveis?

Aqui está mais um exemplo da inconsciente (?) arrogância da casta partitocrática: ostentação permanente de uma natural desenvoltura no diz e não diz, no faz e não faz, mandando para as ortigas a consideração pela normal inteligência de quem os vota, observa e julga.
Alda M. Maia