domingo, junho 29, 2008

CAMPANHA PARA O PRÉMIO NOBEL DA PAZ: INGRID BETANCOURT
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Ingrid Betancourt, a "mulher sepultada na floresta"
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"Dêmos o Nobel a Ingrid Betancourt"
Já passaram seis anos e cem dias.
De há cem dias, o jornal L’Unità propõe aos leitores a imagem da dor de Ingrid Betancourt, a fim de recordar o drama de uma mulher sepultada na floresta. É impossível ocultá-la sob outras notícias.
Seis anos e cem dias, e nada aconteceu!
Nós, do jornal L’Unitá, pedimos um gesto resoluto à comunidade internacional: o prémio Nobel da Paz pode reunir, à volta de Ingrid, intelectuais e políticos de todas as cores e todos os homens de boa vontade.

È uma solidariedade devida a uma mulher que afoga no labirinto das diplomacias. Sofre por ter acreditado na razão, enquanto os protagonistas da violência usam o seu sofrimento como mercadoria de negociação
. (…) - Maurizio Chierici - 16 / 06 / 2008

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Estes são os dois primeiros parágrafos de um longo e belíssimo artigo que propõe o Prémio Nobel da Paz para Ingrid Betancourt. Não somente o propõe, como o jornal, onde foi publicado, lançou uma séria campanha, a fim de recolher o maior número de adesões.
Felizmente, já se contam aos milhares, de vários países, entre as quais dois prémios Nobel: Dario Fo (Literatura) e Rita Levi Montalcini (Medicina).

Sequestrada em 23 / 02 / 2002 pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC – a vida desta Senhora, e de tantos outros reféns, continua à mercê de tácticas políticas, exibições de força, altissonantes promessas de intervenções de altos dirigentes políticos, sinceras manifestações de solidariedade. Todavia, e como bem diz Maurizio Chierici, nada aconteceu, nada acontece.

Tenho fortes dúvidas que o presidente colombiano, Álvaro Uribe, esteja seriamente intencionado a envidar todos os esforços para o resgate de Ingrid, além de outros políticos e soldados prisioneiros das Farc.
Todas as vezes que se está próximo da libertação, o governo colombiano encontra sempre obstáculos que, à última hora, transformam tudo em fumo. Má-fé dos revolucionários narcotraficantes ou do presidente da Colômbia?

Não é necessário dizer quem é Ingrid Betancourt nem descrever o drama absurdo do seu cativeiro. As notícias abundam. As soluções, insisto, dependem apenas da seriedade de quem tem o jogo na mão. Esse jogo não tem sido límpido.

Assim, a ideia de atribuir-lhe o Nobel da Paz, à semelhança de outras situações idênticas de coragem e dignidade – Aung San Suu Kyi, na Birmânia, e Rigoberta Menchu, Guatemala – merece um grande aplauso e toda a nossa solidariedade.

Entre as regras que conduzem à concessão do Nobel, a proposta deve ter o apoio de, pelo menos, cinco laureados com este prestigioso prémio.
Espero que a proposta do jornal L’Unità ecoe em todos os continentes, capte a atenção de grandes figuras da actualidade, ponha em movimento, não cinco, mas todos os viventes que receberam o Nobel e que o Comité Nobel de Oslo não tenha a mínima hesitação em atribuir o Nobel da Paz a Ingrid Betancourt.

Tenho pena que este blogue não passe de mais um, entre os milhares que existem. Todavia, dentro da inexistência de popularidade, atrevo-me a solicitar, aos poucos que me lêem, a adesão e publicidade ao apelo para esta louvável iniciativa.
Eis o endereço:
nobelperingrid@unita.it
Visitando o site de L’unità -
www.unita.it – encontra-se, quase no fundo da página, o apelo pró Nobel da Paz para Ingrid.
Alda M. Maia

domingo, junho 22, 2008

UMA ITÁLIA QUE NÃO CONHEÇO
UM PRIMEIRO-MINISTRO QUE SE CRÊ REI


Que este senhor já tivesse dado provas irrefutáveis da sua amoralidade política, além de graves ilicitudes na condução desenvolta dos seus negócios – e várias ilicitudes seriam provadas, se não se tivesse auto-absolvido com as famigeradas leis ad personam - penso que nenhum italiano o deveria desconhecer.

A pergunta, então, surge espontânea: o grande número de eleitores que o votou, alguma vez se deteve a reflectir sobre esta anomalia?
Ou, pelo contrário, essa amoralidade e o caminho tortuoso de enriquecimento que os processos judiciais indicam, onde o “vale tudo” é regra, não perturba esses eleitores e, portanto, não sentem qualquer espécie de embaraço, diria mesmo vergonha, em elevá-lo à categoria de primeiro-ministro?
Não, não perturba.
É o caso de asserir que a passividade e indiferença dominam. E esta é uma Itália que desconheço.

Deram-lhe uma maioria esmagadora. A criatura, se já era um perfeito enfatuado de si mesmo, mais despudorado se tornou e decidiu arrasar, agora com extrema arrogância, normas constitucionais, as competências do Presidente da República, o direito de expressão, o sistema judicial.

Comecemos do princípio.
O tema segurança foi o leitmotiv da campanha eleitoral da direita: a criminalidade aumentara (igual à de sempre), os imigrantes clandestinos constituíam um perigo para o País (as três máfias não passam de figuras pitorescas!...), a população vivia assustada, etc.. Logo, havia que preparar e aprovar leis drásticas e urgentes.

Assim, foi apresentado ao Chefe de Estado, Giorgio Napolitano, um decreto-lei sobre a segurança dos cidadãos e que ele aprovou.
Mas Napolitano esqueceu que o primeiro-ministro continua com pendências nos tribunais: um dos processos, no Tribunal de Milão, está para chegar ao fim e a sentença iminente

Berlusconi não tolera ser julgado. Como se atrevem a processá-lo, a ele, entronizado pelo voto popular?
O processo deve ser suspenso; depois, se verá.
Sem dar explicações ao Presidente Napolitano, o decreto-lei foi alterado com duas emendas, uma das quais – e a que provocou maior escândalo – obriga os juízes a dar «precedência absoluta» a processos mais recentes que pressuponham penas superiores a 10 anos de prisão, estabelecendo uma hierarquia entre os crimes que devem ser perseguidos. Além disso, suspender, por um ano, as demais causas relativas a crimes cometidos antes de Junho 2002 e que se encontrem «no estado compreendido entre a fixação da audiência preliminar e o fecho dos debates de primeira instância».

Vejam só o que é a casualidade!! O processo onde é arguido como corruptor de uma testemunha – “corruzione in atti giuduziari” – encaixa justo, justinho, nas directivas da emenda ao decreto-lei - classificado como decreto salva-Berlusconi - já aprovado pelo Senado. (a)

Quando chegou o momento de votação, a oposição abandonou a aula, para não assistir a um tal desconchavo.

Pensam que o anão que quer ser rei provou uma qualquer resipiscência e, portanto, retirou a emenda? Impossível! A deformação moral, a que lhe permite utilizar a coisa pública em função dos seus interesses, não lho permitiria.

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Crente que as próprias razões devem impor-se, enviou uma carta ao presidente do Senado, para ser lida em assembleia, como se fora um acto normal!
Na minha opinião, considero-a um hino à indecência.

Nessa carta, primeiro justifica a razão da emenda ao decreto-lei.
«A suspensão de um ano consentirá à magistratura de se ocupar de crimes mais recentes, dado o momento de insegurança (…)».
Claro, tudo para o bem do País!...
Mas há ouitra observação: face a esta emenda, onde está a separação dos poderes do Estado? Depois, é admissível tratar uma matéria destas com um decreto-lei? Eis por que tudo devia ser ocultado ao Presidente da República!

Os magistrados calculam que cerca de 100 mil processos ficarão em suspenso: na maior parte, dizem respeito precisamente a todos aqueles crimes que mais têm concorrido para o sentido de alarme, de insegurança da população: furtos, rapinas, assaltos, sequestro de pessoa, estupro, exploração da prostituição, bancarrota fraudulenta, fraude fiscal, burlas … a lista é enorme.
Presumem que se criará um caos inimaginável.
Agora, pergunto: onde está o bom senso dos italianos que nada querem ver?

«Os meus advogados informaram-me – diz ainda na carta - que tal previsão normativa seria aplicável a um entre os muito fantasiosos processos que magistrados de extrema-esquerda intentaram contra mim para fins de luta política. Tomei conhecimento da situação processual - o percurso deste processo tem dois anos, mas só agora é que o informaram!... – e pude constatar que se trata da enésima e assombrosa tentativa de um substituto procurador da república milanês utilizar a justiça com fins mediáticos e políticos. Tudo isto com o suporte de um Tribunal, esse também politizado e supinamente acomodado sobre teses acusatórias.» (…).
Delírios de quem entende que não deve pesar as palavras nem responsabilizar-se pelo que afirma.
Ao mesmo tempo, admiro a cara de bronze, a lata deste homem!

Foi ele próprio que impôs, como um caso de primária importância, a introdução da emenda no decreto, obrigando todo o governo a aceitá-la, para que não surgissem entraves. Agora, nega que não são normas “salva-premier”, mas oportunas para a segurança … de quem?

Como remate, anunciou, teatralmente, que os seus defensores pediram a recusa do juiz. Ora, quem se ocupa do processo é uma senhora, Nicoletta Gandus, com fama de magistrado meticuloso e muito apreciada pelo seu equilíbrio.
Quanto às razões dessa recusa, nem vale a pena descrevê-las: ridículas!

Deslocando-se a Bruxelas - onde afirmou que, com a sua chegada, a música seria outra na UE (nem ali os delírios de omnipotência se acalmam) – de Milão chega-lhe a notícia que, não obstante a recusa do juiz, o processo vai para a frente: para já, a instância de recusa não paralisa o processo; depois, decidirá o Tribunal da Relação (Corte d’Appello).
O homem montou sobre todas as fúrias e não parou de lançar ataques aos magistrados.

Organizará uma conferência de imprensa para informar "a gente":
Todos devem saber que o chefe do governo está sob chantagem.
Denunciarei os ministérios públicos subversivos.
Falarei das iniciativas de ministérios públicos e juízes que, infiltrando-se no poder judiciário, querem subverter o voto.

Vejo tudo isto como bacoradas da pior espécie, absolutamente inadmissíveis na boca do chefe do governo de um país fundador da União Europeia. Todavia, as pessoas a quem "informará" são capazes de dar-lhe razão: e aqui está o perigo.

A tal gente a que se refere, na sua maioria, divide-se em duas categorias de ignorantes: ignorantes que não tiveram oportunidade de se instruírem; ignorantes voluntários, com a agravante da petulância e do oportunismo.
Ora, são precisamente estas massas o terreno fértil da demagogia e onde as piores balelas políticas, ou calúnias sobre instituições, são mais fáceis de serem tomadas por verdadeiras.
Neste campo, Berlusconi é actor bem sazonado e imbatível.

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Haveria outro capítulo que está a criar alarme, estupefacção e fortes atritos na Itália: projecto de lei sobre as interceptações telefónicas.
A conversa já vai longa; ficará para o próximo post.
Alda M. Maia
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Adenda
(a) Devo corrigir.
No Senado discutiram esta lei e a maioria aprovou todos os artigos, inclusive a emenda "salva-Berlusconi" (a oposição abandonou a aula), mas o declaração e voto final ficaram adiados para hoje, 24/06/2008.
A votação efectuou-se e a lei passou, como era de prever.

sábado, junho 14, 2008

EDITOR DE BLOGUE CONDENADO POR
“IMPRENSA CLANDESTINA

De Stefano Corradino

Imprensa clandestina. Segundo a Lei de Imprensa, comete crime quem empreender a publicação de um jornal ou outro periódico sem ter efectuado o registo prescrito.
Antes de mais, o adjectivo “clandestino”, aplicado à imprensa, tem sempre um desagradável sabor censório. Pelo menos, seria aconselhável substituí-lo com o termo “irregular”, e precisamente para demarcar a diferença com as publicações clandestinas da primeira metade do século XX. Até hoje, estávamos habituados a vê-lo atribuir aos jornais em papel, que na chamada “gerência” faltam elementos que os caracterizem como jornais regulares.
Hoje, pela primeira vez na Itália, e provavelmente também na Europa, a transgressão localiza-se no Web
O Historiador Carlo Ruta, foi condenado pelo Tribunal de Modica a uma pena pecuniária por um blogue (www. accadeinsicilia.net) com a acusação de publicações periódicas não regulares (periodicità)

Qual irregularidade? Em nome de qual princípio se aplica o critério de periodicidade a um blogue? – pergunta o historiador, entrevistado por “Articolo21”.
Existe a suspeita que a motivação do fecho do blogue não seja bem de ordem técnica ou burocrática.

No meu blogue - continua Carlo Ruta - fiz amplas reconstruções, com uma documentação detalhada e em parte inédita, sobre o caso de Giovanni Spampinato, o jornalista colaborador dos quotidianos “L’Ora” e “L’Unità”, que em 1972, e com apenas 22 anos, foi assassinado, quando trazia a público um inquérito sobre um delito, um relevante entrelaçamento de negócios e o mundo do crime…
Isto só acontece em Cuba e na China.
É por esta razão que nos activaremos em conferências de imprensa e outras acções, para que todos conheçam este atropelo à liberdade de expressão. Representa um grave precedente.

A Imprensa “não clandestina” ainda não deu qualquer relevo a este caso, exceptuando o jornal “La Stampa” que descreveu, pormenorizadamente, o evento.

“Não estamos habituados – afirma Giuseppe Giulietti
(parlamentar e jornalista) – a comentar as sentenças. Porém, não queremos que esta fique mergulhada na sombra, visto que diz respeito ao artigo 21 da Constituição e à liberdade da rede. Ademais, num momento particularmente delicado para a informação, em que se decreta a prisão para os jornalistas que publicam as interceptações que não entram nas que são consentidas...

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Esta é a tradução do texto publicado no site
www.articolo21.Info, em 13 / 06 / 2008

No último parágrafo, Giuseppe Giulietti alude ao projecto de lei sobre a limitação das interceptações telefónicas e punição - 3 ou 5 anos de cadeia - para aqueles jornalistas que as publiquem.
Mas isto é tema para conversa longa.
Alda M. Maia

domingo, junho 08, 2008

UM PARAÍSO QUE AFUNDA
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Kiribati ainda com indicativo de colónia inglesa


Kiribati - 1984 -já independente (cartões que confirmam o contacto efectuado)
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Pensa-se vir para aqui com o fim de conversar sobre um determinado assunto; entretanto, lê-se algo que nos desperta recordações; o interesse da conversa, ou o interesse da escrita, fogem noutra direcção.

República de Kiribati, 33 ilhas no Oceano Pacífico. Ex-colónia inglesa e país independente desde 1979.
Devido ao aquecimento terrestre, o mar avança e receia-se que as ilhas sejam submersas.

Contactar essas ilhas, perdidas no grande Oceano, foi sempre um dos maiores desejos de qualquer radioamador.
Assim, fruto de tantas horas de paciência e à espera que chegasse a feliz ocasião, por vezes – e digo por vezes, porque nem sempre a sorte batia à porta das antenas – conseguíamos ser lá escutados.
Quando do outro lado do planeta, ouvíamos o nosso indicativo de chamada a ser captado, a emoção era irreprimível, por muita frieza que se desejasse ostentar.
Chamava-se, e chama-se, DX a estes contactos a longa distância.

Seja-me permitida um pouquinho de presunção: contactei, praticamente, quase todos os países e recantos da terra - tenho aqui as paredes atapetadas de diplomas, os meus troféus, e quanta persistência e horas perdidas para os obter! Aquele “quase” refere-se a algumas pequenas ilhas, precisamente do Pacífico, com quem não comuniquei, mas são poucas.
Estou a lembrar-me de Kingman Reef, por exemplo: um recife, um atol desabitado – área, um quilómetro quadrado – aonde colegas americanos fizeram uma expedição.
Embora a minha voz tivesse lá chegado, o contacto (QSO) gorou-se, porque um colega dos arrabaldes de Turim, com os seus quilowatts ilegais, e muito mais ilegais no péssimo comportamento, atropelou a minha emissão e passou ele à frente, espezinhando todas as boas normas, próprias de um radioamador oficialmente reconhecido.
A minha indignação explodiu e não a refreei: sei un villano e un gran maleducato.
Fechei a estação. Por aquele dia, virei as costas à rádio. E assim perdi Kingman Reef.
Nunca me arrependi de lhe ter chamado vilão e malcriado: e a opinião continua igual.
A classificação de radioamador sempre apelou para as boas maneiras, nas várias frequências onde somos autorizados a transmitir. Acima de tudo, o respeito pelas regras e pelos colegas: «o radioamador é um gentleman».
No meio dos gentlemen, porém, há sempre os espertinhos grosseiros. Felizmente, não são a regra.

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Ponhamos termo às divagações e falemos de um artigo que li sobre o grito de alarme do presidente da República do Kiribati, Anote Tong.
Visto que se celebrava o Dia do Ambiente, lançou um apelo internacional a fim de que a população seja evacuada, antes que suceda o inevitável.

“A elevação do nível dos mares, devido às mutações climáticas, já provocou danos irreparáveis: os lençóis aquíferos estão contaminados, os campos estão cobertos de sal e a população é constrangida a retirar-se para o interior. Mas não há esperança que as 33 ilhas coralinas, que se estendem por 3,5 milhões de quilómetros quadrados e se encontram no arquipélago Gilbert, possam continuar a oferecer refúgio a quem quer que seja.” – La Stampa, 07/06/2008.

O presidente da República do Kiribati, assim como tantos outros presidentes das línguas de terra, países independentes espalhados pelo Oceano Pacífico, começam, entretanto, a aperceber-se da indiferença ou egoísmo de quem os poderia ajudar.

A Nova Zelândia e Austrália temem que, acolhendo os i-Kiribati, devam absorver outras populações das demais ilhas em iguais circunstâncias – “um aluvião de refugiados da área do Pacífico”.

Em fim de contas, a pagar os erros dos países desenvolvidos e bem anafados, isto é, os que mais contribuíram para as alterações climáticas, são os povos inocentes que nada fizeram para merecer as condições dramáticas em que vivem.

Convocam-se vértices, proferem-se belíssimos discursos, manifestam-se intenções de ajuda humanitária, proclamam-se princípios sacrossantos: tudo isto será levado a efeito, sim, senhor, mas que os meus campinhos sejam sempre verdejantes e as desgraças dos outros não interfiram com o meu bem-estar económico - esta é a moral da história.

Mas poderia haver uma outra: líderes políticos tacanhos, medíocres, hipócritas, pretensiosos, ávidos de poder e pobres de horizontes abertos; por vezes desumanos. Há excepções, obviamente, mas são poucas.
Alda M. Maia

domingo, junho 01, 2008

“SENHOR MINISTRO,
DEIXE-NOS A NOSSA PROFESSORA”


Nos últimos tempos, relativamente ao ambiente escolar – não somente no nosso País - as notícias não brilham por aspectos positivos: bullying, insolência contra os professores, indisciplina generalizada.
Ora, quando lemos uma notícia em que os alunos de uma escola do primeiro ciclo não querem que a sua professora, a qual deve ir para a reforma, os abandone, o nosso coração dilata-se e envolve-se num largo, largo sorriso.

O caso passou-se numa escola, 1.º ciclo, de Roma.
Na Itália, o primeiro ciclo articula-se em dois percursos consecutivos:
A - escola primária, de cinco anos (escola elementar);
B – escola secundária de I grau, três anos (escola média)”.

Aos professores do primeiro ciclo, a que dão o nome de “ensino elementar” (e que nós também já assim apelidámos), chamam-lhes maestro ou maestra. Os anos de escolaridade ainda se denominam 1.ª classe ou “primeira elementar” (mais comum), 2.ª, 3.ª … até à quinta – exactamente como em Portugal, anos atrás, embora só chegássemos até à 4.ª classe.

Devo confessar que as expressões “escola primária ou escola elementar” têm para mim uma eufonia e poesia infinitamente superiores ao descarnado e inexpressivo “1.º ciclo” do nosso ordenamento escolar actual.

Como me diplomei “Professora Primária do Ensino Oficial” – in illo tempore – e como, efectivamente, somos os mestres que transmitem os primeiros conhecimentos elementares, os alicerces do saber, tais alicerces deveriam ter um nome bem específico: ensino elementar, ensino primário; logo, professor primário.
Fora de moda ou dos tempos? Digamos menos pedantismo e mais propriedade.

Mas voltemos aos meninos da escola, Instituto Piaget, 4.ª classe A, de Roma.
Visto que a professora de italiano, história, educação visual e música, em Junho próximo completará setenta anos e deverá, forçosamente, reformar-se, os alunos não se conformam e querem-na por mais um ano, até que acabem o 5.º ano (fim do ciclo “escola elementar”).

Tomaram a iniciativa de escrever ao Sr. Ministro da Educação – “Ministro della Pubblica Istruzione”.

Traduzo a carta enviada. É enternecedora e lê-se, repito, com um amplo sorriso.
(…) “pedimos-lhe para deixá-la ficar connosco até à quinta, mesmo se tem quase setenta anos, porque quando ensina não é velha.”
(Texto da carta publicado no jornal La Repubblica, pag. 23, em 27/05/2008)
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Roma 23-05-08

Ex.mo Senhor Ministro da Educação

Somos alunos da 4.ª A da escola elementar I. Piaget círculo Anna Magnani, de Roma e desejamos informá-lo que a nossa professora de italiano, história, geografia, educação visual, música, Gisella Donati, no próximo ano deve passar à reforma.
Ela é a nossa professora desde a primeira elementar e algum de nós conhece-a de há mais tempo porque era a professora da irmã.
Uma outra coisa que o Senhor não saberá, Ministro, é que nós cada ano temos mudado de professor de matemática e, pelo contrário, Gisella Donati ficou sempre connosco.
Nós gentil Ministro pedimos-lhe para deixá-la ficar connosco até à quinta, mesmo se tem quase setenta anos, porque quando ensina não é velha.
É uma pessoa que ensina bem e diverte-nos. Compreendemos nestes anos que ela adora as crianças e trata-nos como filhos: fê-lo sempre e sempre o fará.
Suplicamos-lhe, Sr. Ministro, faça-a permanecer ainda um só ano connosco para terminar o ciclo.
Estamos a pedir-lhe um favor, até porque por um ano, a professora não aborrece ninguém e nós ficamos tranquilos.

Agradecemos-lhe e desculpe por esta carta

Os alunos da 4.ª A, I. Piaget
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Acrescentei duas ou três vírgulas, para facilitar a leitura, mas só nas partes em que não quebravam a espontaneidade dos autores

O Sr. Ministro, que é uma senhora, telefonou à “maestra”, Gisella Donati, dando-lhe os parabéns e prometendo que tudo fará para satisfazer o desejo dos alunos. Um lindo gesto, indubitavelmente. Esperemos que possa cumpri-lo.

Graças a Deus que professoras, ou professores, como Gisella Donati ainda há muitos; alunos como os do Instituto Piaget é que não sei se abundarão!
Mas não sejamos pessimistas; o pessimismo, frequentemente, aproveita-se da ignorância ou desconhecimento de factos que o contradiriam.
Alda M. Maia