domingo, março 30, 2008

«PERIÚDOS» CONTURBADOS

A onda de indignação ou de opiniões sociologicamente altissonantes e, paralelamente, o desdém por quem evoca o antigamente, isto é, aqueles «periúdos» onde imperava o medo e a subserviência (segundo a opinião taxativa dos que não admitem quaisquer outras interpretações), parece que ainda não se esvaiu.
Estou a referir-me ao caso de má educação de uma aluna, ocorrido no Liceu Carolina Micaellis.

Quanto se tem escrito e quantas discussões - por vezes, simplesmente académicas - sobre o grave problema de indisciplina nas nossas escolas!!

Tenho lido e seguido este evento com a devida atenção. Todas as opiniões e deduções me mereceram igual respeito: de sociólogos, pedagogos, idealistas, artigos dos opinionistas mais acreditados dos nossos jornais, etc., etc.

Conclusão? Sempre a mesma: estes senhores, salvo raras excepções, falam com os pés bem assentes na terra ou entendem que é de bom-tom divagarem, exibindo-se em discursos puramente retóricos?

Na blogosfera, distende-se uma grande profusão de justificações e esclarecimentos sociológicos.
Condena-se a professora “pela sua impreparação”: agradar-me-ia ver a performance destes críticos, numa sala de aulas, e enfrentar uma turma de adolescentes malcriados. Assim mesmo: adolescentes malcriados!
Mostrar-se-iam mais bem preparados para endireitar, equilibradamente, a situação? Duvido.

Esquecem-se que a insolência é contagiosa. Não esporadicamente, alunos respeitadores e educados deixam-se arrastar pela alarvidade dos mais atrevidos; ou então, receando a troça por assumir atitudes correctas, ficam paralisados.

Não haverá, em todas as dissertações justificantes, uma certa herança da época de “sessenta e oito”?

Além de explicações sobre os tempos modernos, sobre mentalidades diferentes das de antanho (mal seria se assim não fosse!), vejo uma certa confusão no entendimento do que é ser-se democrático: em nome da liberdade, tudo se aceita, tudo se justifica. E aqui, discordo.

Como liberdade, eu entendo a estrénua defesa dos direitos humanos, não o direito exclusivo de salvaguardar os meus interesses em detrimento ou humilhação dos direitos de outrem.
Como liberdade democrática, entendo o meu direito de exprimir ou escrever o que penso; não o direito de ser insolente ou ferir a dignidade de quem quer que seja.
Como democrata, não aceito que a falta de respeito e a ordinarice no tratamento comum sejam consideradas atitudes democratas; muito menos a desenvoltura malcriada como certos alunos tratam os professores.

Uso a palavra “malcriado” sem qualquer indecisão: grande parte da nossa juventude sofre da falta de boas maneiras e da falta de discernimento do que seja o respeito – e insisto neste termo. A grosseria como se comportam nada tem que ver com a irreverência própria da idade juvenil: é nisto que reside a grande confusão.

A boa educação e o respeito pelos outros são valores de todos os tempos: tanto em democracia como em regime ditatorial; quer na Idade Média, quer nos tempos da Internet.

Se nas escolas assistimos a cenas deploráveis, não apontemos o dedo para os professores; são os pais os maiores responsáveis.

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Não é só no nosso País que o ambiente escolar tem estas falhas: falhas que prejudicam, às vezes irremediavelmente, o rendimento escolar.

Acerca desta situação crítica, dezasseis intelectuais italianos, entre eles vários directores de estabelecimentos de ensino e o politólogo Giovanni Sartori, reuniram-se num dos mais prestigiados liceus de Roma e discutiram o envio de uma carta aberta a todos os partidos em corrida para as próximas eleições de 13/14 de Abril, propondo, em relação à escola, o “Partido do Mérito e da Responsabilidade”.
Uma excelente ideia para ser copiada nas Terras Lusas.

(…) “Confundindo a autoridade com o autoritarismo, perdeu-se o sentido do equilíbrio: hoje, na escola, pode-se ser ignorante ou arruaceiro para além de todos os limites, porque não existem punições.”

“Não se pode educar para a vida, pensando que na escola não se deve fatigar e cujo parâmetro de referência, hoje em dia, é o último da classe”.

(…) “A escola não é uma empresa, porque não se fornece conserva de tomate ou serviços postais: o juízo de um professor não pode ser comensurado com o que se pratica com um utente. É altura de acabarmos com a ideia que os estudantes sejam utentes: é deste modo que se favorece o igualitarismo e as atitudes tolerantes das famílias”.

“É fundamental restituir aos docentes a adequada dignidade profissional. Hoje, os professores são considerados simples facilitadores, quase operadores para festinhas escolares”.

Na Itália como aqui, tudo se repete!

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O "PERIÚDO"

Confesso a minha impaciência, sempre manifesta, quando ouço pessoas, que se presume sejam instruídas, a pronunciar periúdo em vez de período. É caracteristicamente lisboeta, mas insuportável num agente de ensino ou em qualquer figura pública.

Mário Nogueira, dirigente da Fenprof, na manifestação dos professores, em Lisboa, recheou bem as suas expressões com uma nutrida série de “periúdos”.
Gostaria de saber se alguma vez exerceu a profissão docente. Se exerceu, gostaria também de saber como comunicava com os seus alunos: por periúdos incorrectamente falados ou períodos dignos de um bom conhecedor da língua?

Visto que estamos em maré de contestações, aqui, deste cantinho escondido, lanço o meu proclama: abaixo o periúdo; viva o peodo!
Alda M. Maia

domingo, março 23, 2008

ONTEM NA BIRMÂNIA
HOJE NO TIBETE
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Embora negada por Pequim, a violenta repressão dos manifestantes e dos monges tibetanos é ilustrada por uma série de fotos enviadas para o Ocidente pelos tibetanos dissidentes. São fotos particularmente cruas e violentas e foram enviadas do mosteiro de Kirti para o Free Tibet Campaign

As fotos foram tiradas em 16 de Março passado, na província autónoma tibetana de Amdo – actualmente, parte da província setentrional chinesa de Sichuan.
Segundo Free Tibet Campaign, o massacre iniciou quando os religiosos do mosteiro de Kirti gritaram slogans a favor do “Tibete livre” e do Dalai Lama.
Aos monges juntaram-se 400 religiosas budistas e estudantes da escola tibetana local.
A polícia chinesa, que controlava o mosteiro desde o início dos protestos (10 de Março), abriu o fogo contra a multidão. Segundo os dados do governo tibetano no exílio, cerca de 20.000 tibetanos de Sichuan protestaram em sinal de solidariedade com os monges tibetanos. Das 20 vítimas acertadas, nove foram identificadas: entre estas, rapazes de 15 e 17 anos -
http://www.asianews.it/

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O governo chinês pretende, exige que o Dalai Lama reconheça o Tibete como parte integrante da China, que sempre foi parte integrante da China!
A força bruta a impor as suas “verdades”: se estas não são aceitas pelo mais débil, é seu destino ser esmagado.
O Dalai Lama não reclama a independência; apenas deseja uma autonomia que respeite a cultura e a etnia tibetanas.

Achei belíssima a entrevista ao jornal italiano (L'Unità) de Elie Wiesel, prémio Nobel da Paz, promotor de um apelo a favor do Tibete, apelo já subscrito por outros 25 prémios Nobel.

Traduzo a parte final.

(…) O Tibete é uma tragédia. A tragédia de um povo pacífico que nunca foi impulsionado por propósitos de conquista. Um povo que nunca cultivou desígnios de grandeza ou miras expansionistas.
É a tragédia de um povo cuja única escopo é a conquista da alma, a conquista de uma liberdade interior: a força interior para atingir o absoluto.
Mas é precisamente isto que assusta!
Se eu, hoje, pudesse dirigir-me ao povo chinês e respectivos dirigentes políticos, dir-lhes-ia que, conceder a liberdade religiosa ao Tibete, seria uma demonstração de força e não uma cedência. Desta liberdade, o Tibete não abusaria nem a volveria contra os interesses chineses.
Dir-lhes-ia que, hoje, sois um grande império – acima de dois mil milhões de pessoas – e não tendes necessidade de dominar o pequeno Tibete.
O Tibete não é uma potência nuclear; não pode, certamente, conquistar a China.
A riqueza dos seus recursos existe no grande reservatório de conhecimentos: um profundo conhecimento místico. Por este motivo, o pequeno, grande Tibete é um património da humanidade: a preservar e defender.

domingo, março 16, 2008

“VALORES NÃO NEGOCIÁVEIS”
OS “MALES MENORES”

“Valores não negociáveis” é a expressão mais usada, ultimamente, pelas Hierarquias Católicas, isto é, pelos homens do Vaticano. Bento XVI repete-a com insistente frequência.
Acho muito estranha a classificação dos valores que regem os nossos comportamentos em «negociáveis ou não negociáveis»!

Se são valores morais, éticos, por que razão se pensaria em negociá-los?
O verbo negociar, no significado mais próximo, e mesmo nas demais acepções, é muito prosaico: mais ligado a questões materialistas que aos princípios morais.

1 - Assim, para a Hierarquia Católica, os valores “não negociáveis” seriam a defesa extrema da vida: desde o momento da sua concepção até ao fim da existência de qualquer ser humano. Logo, o aborto é absolutamente inaceitável, quer se trate ou não de leis equilibradas que o regularizam.
O aborto seria um “feticídio” (neologismo de moda), consequentemente deve ser criminalizado.

Como se o aborto fosse uma escolha alheia a traumas e angústias para qualquer mulher que deva submeter-se à IVG!
E à semelhança do que muitos eclesiásticos pensam – sobretudo os eclesiásticos que vivem em contacto directo com os problemas sociais – quando legitimada, a IVG é um «mal menor» que devemos compreender.

2 - A eutanásia: inadmissível, quer activa, quer passiva.
Inadmissíveis, portanto, “testamentos biológicos”, cujo fim seria evitar inúteis e dolorosos encarniçamentos terapêuticos, em situações irreversíveis.
Sobre tal assunto já exprimi, neste blogue, a minha opinião – em 21/03/2005 e 30/12/2006.

3 - A família deve ser alicerçada num acto exclusivo: o casamento santificado pela Igreja, entre um homem e uma mulher.
As uniões de facto constituem um atentado, uma perturbação da sacralidade familiar.

4 - Quanto aos homossexuais, vade retro, Satana!
Quaisquer direitos que um Estado queira conceder-lhes, sem que se exprima o conceito de casamento, conformam, mesmo assim, uma heresia para o Vaticano

Como me parece que o Estado italiano funcione a soberania limitada, ainda não foi possível apresentar e discutir, no Parlamento, uma lei justa que garanta direitos cívicos aos conviventes.

Apenas se prepara um projecto de lei sobre esta matéria, imediatamente se levantam os escudos dos teodem, teocon e de uma outra categoria a que chamam “ateus devotos (ateus confessos, mas devotos defensores dos tais «valores não negociáveis»).
O mais curioso é que grande parte dos parlamentares que não querem votar leis que contrariem os rígidos preceitos católicos são conviventes ou divorciados; alguns deles (e já aconteceu), émulos do ex-governador de Nova York, Eliot Spitzer!

Uma Sra. Deputada, Paola Binetti, que fazia parte da coligação do governo centro-esquerda – uma teodem de ferro - votou contra o próprio governo, pois iria ser aprovada uma lei que condenava todas e quaisquer discriminações: de raça, sexo, religião…
Sexo?! Não, senhores! Poder-se-ia abrir caminho para leis que legitimem os casamentos homossexuais.
“Devo obedecer à minha consciência de católica” - asseriu a deputada.
E à Constituição da República Italiana, não deve obedecer? Não foi eleita para defender os seus princípios?

O Cardeal Ruini, Vicário de Roma, tinha-lhe telefonado, advertindo-a do “perigo” de tal votação. Embora solicitada a desmenti-lo, a Sra. Binetti jamais negou esse telefonema.

Acrescento que Madame Binetti - segundo ela confessou - de vez em quando, usa o cilício. A vida tem aspectos feios e a penitência impõe-se.

Aqui sou um bocadinho maliciosa: a cabecinha da Sra. Deputada deve ser alvo de tremendos fluxos de maus pensamentos; antes, para exigirem o uso de cilício, mais que fluxos, devem ser furacões.

Ninguém, na Itália, pretende legitimar casamentos homossexuais. Nem mesmo os próprios homossexuais o reclamam ou desejam.
Muito simplesmente, defende-se que as uniões homossexuais usufruam dos mesmos direitos, civis, de qualquer outro cidadão, e que não haja discriminações.
Não vejo onde estas intenções legislativas possam ofender a catolicidade de quem quer que seja.
Digamos que, no máximo, para os homens do Vaticano, podem constituir um mal menor, onde aconselhar atitudes moderadas.

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A inflexibilidade das Hierarquias Católicas, se por um lado atestam, legitimamente, a defesa das suas doutrinas, o que é natural e louvável, por outro lado, em certas situações humanas, socialmente delicadas, e a que o estado de direito deve pôr remédio, optam por intransigências que se demonstram mais fundamentalistas que próximas daquela caridade cristã que se esperaria de uma Igreja, símbolo de amor e caridade.

Mais incompreensíveis se tornam, quando as mesmas Hierarquias Católicas entram no espaço público e impõem aos católicos que, em decisões políticas de carácter social ou ético, devem respeitar, acima de tudo, a doutrina da Igreja; atropelando, deste modo, o inalienável princípio: “A César o que é de César…”

Os homens do Vaticano fingem ignorar que há exigências sociais que um Estado deve garantir a crentes e não crentes. Que existe, na Constituição, regras bem claras neste sentido.

Aos tais valores “não negociáveis”, a Igreja deveria contrapor, quando necessário, os “males menores” - expressão usada pelo ex-cardeal de Milão, Carlo Maria Martini - e abandonar a rigidez que serve mais para afastar que aproximar as pessoas que crêem, mas de consciências abertas à compreensão, tolerância e respeito.

O que se deseja é que as Hierarquias Católicas não pretendam encerrar as nossas consciências numa camisa-de-forças de marca fundamentalista. Nos tempos de hoje, isso, sim, seria intolerável.
Alda M. Maia

domingo, março 09, 2008

RESPONSABILIDADE DEONTOLÓGICA

Pensei ter abordado e completado este tema. Pensei não mais voltar a escrever sobre tal assunto. Enganei-me!

Pelos vistos, alguns Senhores advogados, conhecidos, leram o post anterior ou tiveram dele conhecimento. Foi uma espécie de cadeia de Santo António; e eu felicíssima que tal tivesse acontecido, pois era o que desejava.

Um deles, encontrando-me na rua, aludiu imediatamente ao caso, concentrando o seu interesse na genérica violação ou não violação de acordos.
Assim, o que eu afirmei não estaria muito dentro da razão, pois há circunstâncias que se apresentam e, na defesa dos interesses do cliente, é-se forçado a violar acordos já assinados.

O que achei divertido é que o Sr. Dr. falava-me do alto da cátedra!

A minha resposta foi uma série de perguntas, embora entrecortadas por objecções que não me desencorajaram de as completar.

- O Dr. (…) leu atentamente o que escrevi?
- Também alinha na tese que apenas conta o interesse do cliente e a deontologia que vá para as urtigas?
- Que entende por deontologia? É um termo vazio de significado e, portanto, apenas usado como palavra expletiva?
- Se um acordo é assinado e, por circunstâncias imprevistas graves, deve ser violado, a honestidade e lealdade não impõem que se informe o colega adversário, dando todos os esclarecimentos e justificações necessárias?

A todas estas perguntas o Sr. Advogado insistia na fórmula “interesse do cliente”.
Não valia a pena desperdiçar os meus argumentos. Tanto mais que o Sr. Advogado, repito, entendia que, não fazendo eu parte da casta, era-me vedado ter certezas sobre matérias técnicas.

Qual técnicas, qual carapuça!! Eu falo de correcção, de lealdade, de respeito por compromissos assumidos, de culto pela deontologia (por muito que o sentido desta palavra os aborreça). Eu falo da seriedade no exercício da profissão que se escolheu. Sobre este aspecto da questão, ninguém necessita das elucidações de quem quer que seja.

A conversa extinguiu-se com um meu comentário irónico e sorridente: - Se para o Doutor a força da sua actividade será, em todas e quaisquer circunstâncias, o interesse do cliente, é bom que se saiba: atenção aos acordos feitos sob o seu patrocínio, porque a omeleta pode esparralhar-se no chão!
- Por amor de Deus, não diga tal coisa nem a brincar – responde-me o Sr. Doutor.
Rindo, tranquilizei-o: - Estou a brincar, estou… ma non troppo.
Esta última parte parece que a não compreendeu e, sonsamente, também lha não esclareci.

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MAS, AFINAL, O QUE É UM ACORDO JUDICIAL OU QUALQUER OUTRA ESPÉCIE DE ACORDO NO QUAL DEVA INTERVIR UM ADVOGADO?

Quando as partes chegam a um acordo é porque tudo foi analisado, ponderado, equilibrado e, consequentemente, levado à consciente, concreta e voluntária aceitação das cláusulas que o compõem.
Sendo assim, como se pode justificar, legítima e honestamente, uma ulterior violação desse acordo por uma das partes?
A tese que o “interesse do cliente” seja equivalente a um “vale tudo” e se deva considerar norma corrente, logo, inteiramente aceitável, não passa, ao fim e ao cabo, de uma real e pura chicanice.

O que mais me escandalizou e indignou foi o aval dado pelo Conselho De Deontologia da OA a este execrável procedimento de um advogado.
Estes avales - insisto neste aspecto - somente em casos mais únicos que raros podem ser justificáveis - sempre, todavia, que se verifique a correcção do advogado em relação à parte adversária.

Em italiano, existe um provérbio, frequentemente citado: fatta la legge trovato l’inganno – fez-se a lei, encontra-se forma de a contornar.

Se um advogado, na defesa do seu cliente, encontra, na letra da lei, uma brecha onde inserir, com arte e competência, o provável êxito dessa defesa; se um advogado é um virtuoso na interpretação do espírito da lei – e cabe-lhe a fortuna de exprimir esse virtuosismo perante um juiz inteligente – isso só demonstra o talento de um bom, um excelente advogado.

É muito diferente quando a deontologia representa a trave mestra da fiabilidade de um causídico. A responsabilidade deontológica exige-se que seja obrigatória e jamais uma opção.

Creio nada mais haja a acrescentar. O assunto fica encerrado.
Alda M. Maia

domingo, março 02, 2008

ORDEM DOS ADVOGADOS
CONSELHO DE DEONTOLOGIA

A Ordem dos Advogados, sobretudo no que concerne o Conselho de Deontologia, existe como entidade que deveria ter uma função “super partes” ou, pelo contrário, é uma corporação, como tantas outras, que existe para curar, exclusivamente, os interesses dos seus filiados?
Esta perplexidade é estribada num caso muito concreto.

Num condomínio – espaço por excelência para atritos “civilizacionais”! – um proprietário decide construir um terraço, numa parte comum, sem o mínimo respeito pela privacidade do condómino que vive ao lado e sem a permissão exigida para a realização de tais obras.
Com igual arrogância, colocou uma câmara de vídeo no patamar, também comum, violando, novamente, a privacidade do mesmo condómino.
Para evitar conflitos, o vizinho prejudicado, em vez de embargar as obras, limitou-se a solicitar um painel divisório, de vidro fosco.
Solicitou uma, duas, várias vezes, mas sem obter qualquer resultado. Passado largo tempo, perdeu a paciência e pôs-lhe uma acção no tribunal, exigindo a demolição do terraço, assim como a eliminação da câmara de vídeo.

Quando o prevaricador viu os casos mal parados, pediu um acordo. Aceitou-se o acordo, mas com algumas condições.
Quando o acordo judicial transitou em julgado, o advogado do indivíduo deu o dito por não dito e, teatralmente, renegou o acordo.

Partiu uma denúncia para o Conselho de Deontologia da zona mais próxima.
Depois de vários meses, chegou o acórdão: “o comportamento do participado não violou qualquer norma de carácter deontológico”
O que fez foi para proteger os interesses do seu cliente!...

O Relator não somente decidiu o arquivamento, como se permitiu exprimir conceitos e apreciações não muito dignas de um documento deste género.
Lendo com atenção o texto do Sr. Advogado relator, a impressão que se obtém sintetiza-se facilmente: como te atreves, tu, simples cidadão, a incomodar a Ordem, denunciando um colega!?

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Nos processos do Conselho Deontológico dos Advogados, não deve existir contraditório?

Há uma circunstância muito estranha, e que me parece anómala, em toda esta história: ao requerente, como seria de esperar, não foi dado conhecer a argumentação do participado.
“Foi notificado o participado para, querendo, se defender, o que fez”.
Assim, o participado apresentou as suas razões (que o Advogado relator resumiu em poucas linhas) e, pelos vistos, acrescentando factos novos que deviam ser conhecidos e contestados pelo requerente.
Assim não sucedeu. O Conselho Deontológico, acto contínuo, emitiu o acórdão. Logo, as razões ou argumentação do participado sobrepõem-se às do requerente e, consequentemente, são as únicas que merecem credibilidade, dispensando um qualquer contraditório.

É isto lícito ou, pelo menos, correcto? É decente?
Muito estranho um tal comportamento, precisamente no santuário onde se deveria estar sempre atento a todas, sublinho todas, as formalidades de um processo límpido! Não é essa a regra máxima observada por um advogado?

Passemos adiante.
Transcrevo o recurso enviado para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, cuja cópia tenho em meu poder, e que foi motivado, exclusivamente, pela indignação causada pela forma, verdadeiramente singular, como o Sr. Advogado relator apresentou as suas deduções. Prefiro não classificá-las.

As frases que estão sublinhadas no original são transcritas em cor diferente.

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CONSELHO SUPERIOR
ORDEM DOS ADVOGADOS
LISBOA

Dado que me é concedido recorrer, devo precisar quanto segue:

1 - A DECISÃO proferida não me convence nem a julgo apropriada.

2 - REITERO que apenas aceitei um acordo judicial, ao qual ficou ligado um outro acordo extrajudicial – acordo este violado pelo advogado (…) - porque confiei plenamente, repito: confiei plenamente nos advogados mandatários.

ESCLAREÇO, e repare-se bem nesta circunstância, que a violação do acordo extrajudicial processou-se em data posterior à data de trânsito em julgado do acordo judicial; precisamente, quando o cliente do Advogado (…) já estava ao resguardo de consequências judiciais!

Data de trânsito em julgado do acordo Judicial: Julho 2005
Data da violação do acordo extrajudicial: Janeiro 2006

Observo que o Adv. (…), acompanhado pelo seu cliente, em Janeiro 2006, foi o primeiro a intervir na Assembleia, e, sem mais, violou de imediato o acordo.

MAIS ESCLAREÇO que nenhuns factos novos sobrevieram, contrariamente ao que alega o Adv. (…): os factos continuam exactamente iguais aos que documentei. Ademais, urge acrescentar que o acordo violado não lesava os interesses do seu cliente: pelo contrário, só o beneficiava. A atitude do Adv. (…), portanto, não frui de qualquer justificação que possa classificar-se correcta, compreensível ou legítima: outras justificações estão fora, completamente, de tais parâmetros.

3 – SENDO ASSIM, entendo, como cidadão, que um advogado, nestas condições e respeitador de todas e quaisquer regras de deontologia, teria renunciado ao mandato do seu cliente, se este mandato violasse qualquer um dos acordos:
a - por respeito à palavra dada;
b - por respeito à própria dignidade de advogado;
cporque qualquer escamoteação que se intentasse usar e apresentar como legítima e justificativa da violação de um acordo, a dignidade profissional de um advogado ficaria irremediavelmente ultrajada.

4 – VERIFICA-SE que a OA - Conselho Deontológico do (…) – interpretou o caso de maneira diversa, o que sinceramente lamento.

5 – É ESTE o meu modo de entender e que levo ao conhecimento do mais alto nível da Ordem dos Advogados.

POR ÚLTIMO, penso ter o direito de chamar a atenção para o modo atípico de escrever um parecer técnico, qual foi o do Advogado relator, Dr. (…)
NÃO ACEITO,
porque profundamente lesivos da minha dignidade, os comentários: superficiais, desviantes e muito infelizes, expressos pelo Sr. Advogado relator.
É também por esta mesma dignidade ofendida que envio recurso contra o acórdão.

CONCLUSÕES

1 – O Advogado (…) violou um acordo extrajudicial, ligado a um acordo judicial, quando este passara já em julgado.

2 – Com o seu comportamento, violou as normas mais elementares de deontologia profissional, traindo toda a confiança de um comum cidadão que crê na dignidade profissional de um advogado e, na qual, deposita inteira confiança.
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O requerente
(…)

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Após alguns meses, a Ordem dos Advogados enviou uma carta registada. É presumível que tivessem emitido o relativo acórdão. Essa carta não foi retirada.
Já não interessavam acórdãos, visto que a confiança na Ordem dos Advogadas, Conselho Deontológico, esvaíra-se totalmente.
Alda M. Maia