«PERIÚDOS» CONTURBADOS
A onda de indignação ou de opiniões sociologicamente altissonantes e, paralelamente, o desdém por quem evoca o antigamente, isto é, aqueles «periúdos» onde imperava o medo e a subserviência (segundo a opinião taxativa dos que não admitem quaisquer outras interpretações), parece que ainda não se esvaiu.
Estou a referir-me ao caso de má educação de uma aluna, ocorrido no Liceu Carolina Micaellis.
Quanto se tem escrito e quantas discussões - por vezes, simplesmente académicas - sobre o grave problema de indisciplina nas nossas escolas!!
Tenho lido e seguido este evento com a devida atenção. Todas as opiniões e deduções me mereceram igual respeito: de sociólogos, pedagogos, idealistas, artigos dos opinionistas mais acreditados dos nossos jornais, etc., etc.
Conclusão? Sempre a mesma: estes senhores, salvo raras excepções, falam com os pés bem assentes na terra ou entendem que é de bom-tom divagarem, exibindo-se em discursos puramente retóricos?
Na blogosfera, distende-se uma grande profusão de justificações e esclarecimentos sociológicos.
Condena-se a professora “pela sua impreparação”: agradar-me-ia ver a performance destes críticos, numa sala de aulas, e enfrentar uma turma de adolescentes malcriados. Assim mesmo: adolescentes malcriados!
Mostrar-se-iam mais bem preparados para endireitar, equilibradamente, a situação? Duvido.
Esquecem-se que a insolência é contagiosa. Não esporadicamente, alunos respeitadores e educados deixam-se arrastar pela alarvidade dos mais atrevidos; ou então, receando a troça por assumir atitudes correctas, ficam paralisados.
Não haverá, em todas as dissertações justificantes, uma certa herança da época de “sessenta e oito”?
Além de explicações sobre os tempos modernos, sobre mentalidades diferentes das de antanho (mal seria se assim não fosse!), vejo uma certa confusão no entendimento do que é ser-se democrático: em nome da liberdade, tudo se aceita, tudo se justifica. E aqui, discordo.
Como liberdade, eu entendo a estrénua defesa dos direitos humanos, não o direito exclusivo de salvaguardar os meus interesses em detrimento ou humilhação dos direitos de outrem.
Como liberdade democrática, entendo o meu direito de exprimir ou escrever o que penso; não o direito de ser insolente ou ferir a dignidade de quem quer que seja.
Como democrata, não aceito que a falta de respeito e a ordinarice no tratamento comum sejam consideradas atitudes democratas; muito menos a desenvoltura malcriada como certos alunos tratam os professores.
Uso a palavra “malcriado” sem qualquer indecisão: grande parte da nossa juventude sofre da falta de boas maneiras e da falta de discernimento do que seja o respeito – e insisto neste termo. A grosseria como se comportam nada tem que ver com a irreverência própria da idade juvenil: é nisto que reside a grande confusão.
A boa educação e o respeito pelos outros são valores de todos os tempos: tanto em democracia como em regime ditatorial; quer na Idade Média, quer nos tempos da Internet.
Se nas escolas assistimos a cenas deploráveis, não apontemos o dedo para os professores; são os pais os maiores responsáveis.
****
Não é só no nosso País que o ambiente escolar tem estas falhas: falhas que prejudicam, às vezes irremediavelmente, o rendimento escolar.
Acerca desta situação crítica, dezasseis intelectuais italianos, entre eles vários directores de estabelecimentos de ensino e o politólogo Giovanni Sartori, reuniram-se num dos mais prestigiados liceus de Roma e discutiram o envio de uma carta aberta a todos os partidos em corrida para as próximas eleições de 13/14 de Abril, propondo, em relação à escola, o “Partido do Mérito e da Responsabilidade”.
Uma excelente ideia para ser copiada nas Terras Lusas.
(…) “Confundindo a autoridade com o autoritarismo, perdeu-se o sentido do equilíbrio: hoje, na escola, pode-se ser ignorante ou arruaceiro para além de todos os limites, porque não existem punições.”
“Não se pode educar para a vida, pensando que na escola não se deve fatigar e cujo parâmetro de referência, hoje em dia, é o último da classe”.
(…) “A escola não é uma empresa, porque não se fornece conserva de tomate ou serviços postais: o juízo de um professor não pode ser comensurado com o que se pratica com um utente. É altura de acabarmos com a ideia que os estudantes sejam utentes: é deste modo que se favorece o igualitarismo e as atitudes tolerantes das famílias”.
“É fundamental restituir aos docentes a adequada dignidade profissional. Hoje, os professores são considerados simples facilitadores, quase operadores para festinhas escolares”.
Na Itália como aqui, tudo se repete!
****
O "PERIÚDO"
Confesso a minha impaciência, sempre manifesta, quando ouço pessoas, que se presume sejam instruídas, a pronunciar periúdo em vez de período. É caracteristicamente lisboeta, mas insuportável num agente de ensino ou em qualquer figura pública.
Mário Nogueira, dirigente da Fenprof, na manifestação dos professores, em Lisboa, recheou bem as suas expressões com uma nutrida série de “periúdos”.
Gostaria de saber se alguma vez exerceu a profissão docente. Se exerceu, gostaria também de saber como comunicava com os seus alunos: por periúdos incorrectamente falados ou períodos dignos de um bom conhecedor da língua?
Visto que estamos em maré de contestações, aqui, deste cantinho escondido, lanço o meu proclama: abaixo o periúdo; viva o período!
Alda M. Maia
A onda de indignação ou de opiniões sociologicamente altissonantes e, paralelamente, o desdém por quem evoca o antigamente, isto é, aqueles «periúdos» onde imperava o medo e a subserviência (segundo a opinião taxativa dos que não admitem quaisquer outras interpretações), parece que ainda não se esvaiu.
Estou a referir-me ao caso de má educação de uma aluna, ocorrido no Liceu Carolina Micaellis.
Quanto se tem escrito e quantas discussões - por vezes, simplesmente académicas - sobre o grave problema de indisciplina nas nossas escolas!!
Tenho lido e seguido este evento com a devida atenção. Todas as opiniões e deduções me mereceram igual respeito: de sociólogos, pedagogos, idealistas, artigos dos opinionistas mais acreditados dos nossos jornais, etc., etc.
Conclusão? Sempre a mesma: estes senhores, salvo raras excepções, falam com os pés bem assentes na terra ou entendem que é de bom-tom divagarem, exibindo-se em discursos puramente retóricos?
Na blogosfera, distende-se uma grande profusão de justificações e esclarecimentos sociológicos.
Condena-se a professora “pela sua impreparação”: agradar-me-ia ver a performance destes críticos, numa sala de aulas, e enfrentar uma turma de adolescentes malcriados. Assim mesmo: adolescentes malcriados!
Mostrar-se-iam mais bem preparados para endireitar, equilibradamente, a situação? Duvido.
Esquecem-se que a insolência é contagiosa. Não esporadicamente, alunos respeitadores e educados deixam-se arrastar pela alarvidade dos mais atrevidos; ou então, receando a troça por assumir atitudes correctas, ficam paralisados.
Não haverá, em todas as dissertações justificantes, uma certa herança da época de “sessenta e oito”?
Além de explicações sobre os tempos modernos, sobre mentalidades diferentes das de antanho (mal seria se assim não fosse!), vejo uma certa confusão no entendimento do que é ser-se democrático: em nome da liberdade, tudo se aceita, tudo se justifica. E aqui, discordo.
Como liberdade, eu entendo a estrénua defesa dos direitos humanos, não o direito exclusivo de salvaguardar os meus interesses em detrimento ou humilhação dos direitos de outrem.
Como liberdade democrática, entendo o meu direito de exprimir ou escrever o que penso; não o direito de ser insolente ou ferir a dignidade de quem quer que seja.
Como democrata, não aceito que a falta de respeito e a ordinarice no tratamento comum sejam consideradas atitudes democratas; muito menos a desenvoltura malcriada como certos alunos tratam os professores.
Uso a palavra “malcriado” sem qualquer indecisão: grande parte da nossa juventude sofre da falta de boas maneiras e da falta de discernimento do que seja o respeito – e insisto neste termo. A grosseria como se comportam nada tem que ver com a irreverência própria da idade juvenil: é nisto que reside a grande confusão.
A boa educação e o respeito pelos outros são valores de todos os tempos: tanto em democracia como em regime ditatorial; quer na Idade Média, quer nos tempos da Internet.
Se nas escolas assistimos a cenas deploráveis, não apontemos o dedo para os professores; são os pais os maiores responsáveis.
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Não é só no nosso País que o ambiente escolar tem estas falhas: falhas que prejudicam, às vezes irremediavelmente, o rendimento escolar.
Acerca desta situação crítica, dezasseis intelectuais italianos, entre eles vários directores de estabelecimentos de ensino e o politólogo Giovanni Sartori, reuniram-se num dos mais prestigiados liceus de Roma e discutiram o envio de uma carta aberta a todos os partidos em corrida para as próximas eleições de 13/14 de Abril, propondo, em relação à escola, o “Partido do Mérito e da Responsabilidade”.
Uma excelente ideia para ser copiada nas Terras Lusas.
(…) “Confundindo a autoridade com o autoritarismo, perdeu-se o sentido do equilíbrio: hoje, na escola, pode-se ser ignorante ou arruaceiro para além de todos os limites, porque não existem punições.”
“Não se pode educar para a vida, pensando que na escola não se deve fatigar e cujo parâmetro de referência, hoje em dia, é o último da classe”.
(…) “A escola não é uma empresa, porque não se fornece conserva de tomate ou serviços postais: o juízo de um professor não pode ser comensurado com o que se pratica com um utente. É altura de acabarmos com a ideia que os estudantes sejam utentes: é deste modo que se favorece o igualitarismo e as atitudes tolerantes das famílias”.
“É fundamental restituir aos docentes a adequada dignidade profissional. Hoje, os professores são considerados simples facilitadores, quase operadores para festinhas escolares”.
Na Itália como aqui, tudo se repete!
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O "PERIÚDO"
Confesso a minha impaciência, sempre manifesta, quando ouço pessoas, que se presume sejam instruídas, a pronunciar periúdo em vez de período. É caracteristicamente lisboeta, mas insuportável num agente de ensino ou em qualquer figura pública.
Mário Nogueira, dirigente da Fenprof, na manifestação dos professores, em Lisboa, recheou bem as suas expressões com uma nutrida série de “periúdos”.
Gostaria de saber se alguma vez exerceu a profissão docente. Se exerceu, gostaria também de saber como comunicava com os seus alunos: por periúdos incorrectamente falados ou períodos dignos de um bom conhecedor da língua?
Visto que estamos em maré de contestações, aqui, deste cantinho escondido, lanço o meu proclama: abaixo o periúdo; viva o período!
Alda M. Maia