domingo, abril 29, 2012

PARTIDOS, “DOENÇA DA DEMOCRACIA”?

Esta pergunta foi formulada como uma provocação e, paralelamente, um pretexto para advogar razões incontestáveis sobre a existência dos partidos numa democracia e condenar a interpretação que estes fazem dos votos que lhes são outorgados.

A democracia jamais poderia sofrer desta “doença”, pois os partidos são imprescindíveis na democracia representativa que aprendemos a conhecer e que praticamos; não a concebo sem partidos que representem as nossas convicções e ideias.
A doença, ou seja, o mal sub-reptício que a desgasta é o modo como a “partidocracia” começou a atropelar ideais, se instala no poder e os caminhos que percorre para o atingir.
Tudo faz para nos comprovar que um partido significa o poder, reforçado pelo facto de autoconstituir-se uma casta onde os privilégios são indefectíveis e de direito por graça divina.

Observo como se comportam, interior e exteriormente, e não consigo vislumbrar a prova de que são a “expressão dos cidadãos”, isto é, os nossos verdadeiros representantes na ânsia de vermos a coisa pública administrada com ética e o entusiasmo de bem servir. Ética?! Pretendê-la é ter quase a sensação que começamos a entrar no campo da veleidade! Mas não sejamos tão drásticos: felizmente, ainda existe quem a cultive e respeite.

Em conclusão, é necessária uma forte dose de boa vontade para reconhecermos, nos partidos - melhor, na forma como actuam - um serviço à nação. O que vemos é uma pura, descarada e árida luta pelo comando e interesses próprios.
É triste, portanto, verificar a actual baixa popularidade das diversas facções políticas. Na Itália, o nível oscila de dois a oito por cento; em Portugal, desconheço a percentagem, mas advirto um mal-estar semelhante.

Todas estas considerações e desagrado ressurgiram, após o que tem vindo a lume sobre as propostas dos três elementos que devem ser eleitos para o Tribunal Constitucional.
Mais que desagrado, sinto-me verdadeiramente indignada com o comportamento do Partido Socialista, partido em quem sempre votei, desde que regressei a Portugal: precisamente por que o voto é que duplamente me indigno.
Não compreendo nem quero aceitar esta atitude de quem persiste num erro, quando deveria demonstrar pundonor no cuidado e máxima atenção em propor candidatos de perfeita admissibilidade para uma das mais altas instituições de um Estado de direito.

Se Conde Rodrigues é inadequado, por razões exaustivamente apontadas, e não é necessário sermos iniciados na matéria para o compreender; se é proposto mais como homem de partido – para mim, inadmissível – do que como um juiz dotado de um currículo digno de respeito, há poucas deduções a extrair deste caso.
Somos levados a concluir, por consequência, que o PS, alcandorado nos votos que lhe demos, esqueceu totalmente que nos deve provas de decência e não compadrios que só revelam arrogância e estupidez. No que concerne o Dr. Conde Rodrigues, é penosa a sua falta de dignidade, pois já deveria ter retirado, espontaneamente e logo que choveram perplexidades, a própria candidatura.

É pena que os eleitores não meditem no poder que têm, quando depositam o voto nas urnas; não saibam renovar escolhas que melhor exprimam o que sonham para o bem do país; não exijam mais democracia e rigor no processo de selecção dos nossos representantes no Parlamento ou em quaisquer outras instituições.

segunda-feira, abril 23, 2012

A MODERNA FEBRE DO OURO

Quase poderia dizer que não existe uma única rua, aqui na cidade de Vila Nova de Famalicão, onde não se vejam grandes cartazes amarelos a informar que se compra ouro. Houve acenos ao pagamento de cinco euros a quem desejasse avaliar os seus tesouros.
Inicialmente, a onda crescente de negócios de compra e venda de ouro despertou-me apenas curiosidade. Esta curiosidade, todavia, foi de breve duração e transmutou-se em asco.

Os motivos que provocaram tal mudança apresentaram-se-me no seu primeiro significado: a maldita crise e os dramas de quem perdeu o emprego; de quem viu os seus rendimentos decresceram e tornarem-se insuficientes; a miséria de quem tem de socorrer-se do que ainda possui de valioso, mesmo que seja a modesta aliança de casamento.
Agora, sempre que tropeço nesses convites, alguns aludindo à oferta de 33,00 euros por um grama, encontro um único termo de avaliação: abutres.

Chamo-lhes abutres, porque me é difícil encontrar um motivo que explique, com razoabilidade, esta explosão ostentatória da compra de ouro e pratas a privados, aproveitando-se da tremenda situação económica e financeira que atravessamos e nos estrangula.
Sempre existiram e existem ourivesarias que não somente vendem como compram peças de ourivesaria usadas. Que a crise as leve a potenciar e aumentar as transacções, nada se vislumbra de anormal, pois entra na sua peculiar ordem de actividade. Anormal é esta febre e o pulular de negócios ad hoc que a exasperam.

Perto do local onde compro os meus jornais, abriu um escritório exclusivamente dedicado ao “compramos ouro usado” e cuja fachada se apresenta inteiramente atapetada com as inevitáveis parangonas em papel amarelo. Quando estas parangonas, casualmente, atraem a minha atenção, sempre as imagino a piscar o olho aos necessitados ou aflitos, e desvio os olhos anojada. Confesso que é já um sentimento que não sei dominar.

O Público de sábado passado, nas duas primeiras páginas interiores, apresentou um serviço interessante e com amplas informações sobre o nosso Portugal que “está a derreter parte da sua história da joalharia”.
Peças de ouro antigas ou de uma certa beleza criativa, juntas e no mesmo grau de importância de quaisquer outras peças banais, serão derretidas e transformadas em barras de ouro, destinadas a exportação: as exportações de ouro, nos dois primeiros meses de 2012, aumentaram 147% em relação ao mesmo período de 2011.

Mais uma vez pergunto: Portugal está mesmo a saque?
Obras de arte que saem do país e ninguém presta a devida atenção à qualidade dessas obras, ao modo como vão para o exterior e ao provável empobrecimento do nosso património artístico. Surge agora esta febre do ouro e a destruição de tantas peças que a nossa ourivesaria soube criar através dos séculos.

Por que não se estuda o fenómeno aprofundadamente, tentando discernir o que é aceitável do que é ilegal ou moralmente condenável?
Qual a razão de tanta indiferença? Mas será indiferença, conivência nas exportações ou ignorância de quem deveria defender e curar estes bens que nos enriquecem e caracterizam?
Penso que se verifique a combinação destas três causas, além da estupidez, o que é muito triste e desconfortante.

segunda-feira, abril 16, 2012

"UM GOVERNO PEDAGÓGICO"

Imaginemos que, no trecho abaixo traduzido, tudo quanto foi escrito por Piero Ottone, em relação à qualidade da política italiana, se poderia aplicar à situação portuguesa. Não seriam necessários grandes esforços de imaginação: quantas similitudes! Quanta homogeneidade na escassez de sensibilidade política e quão decepcionante é o nosso “padrão de classe dirigente”!

Seguindo a governança do executivo português e ressalvando poucos ministros, é desolante o diletantismo do Primeiro-Ministro que, em simbiose com a hiperactividade de Miguel Relvas, tende a resvalar para decisões autoritárias, envoltas em retóricas vazias.
Mas vejamos as reflexões do excelente jornalista Piero Ottone no seu artigo de 10 de Abril (jornal La Repubblica) com o título: “O Líder Pedagogo”. Permitir-me-ei intercalar algumas observações.

Num país como o nosso, rico de história e cheio de gente com qualidades, desde empresários e professores; inovadores e estudiosos; operários e artesãos, falta, como é notório, uma classe dirigente, isto é, uma categoria de pessoas capazes de tomar as sortes da nação nas próprias mãos e de guiá-la.”
E desde que Mário Monti e os seus colegas estão no Governo, perguntámo-nos, cheios de esperança: são eles um bom padrão de classe dirigente? Demonstram eles que uma classe dirigente potencial existe nos bastidores italianos e que basta descobri-la, como fez Giorgio Napolitano em Novembro passado, confiando-lhe os destinos da nação? Também isto perguntámos, mas a resposta, infelizmente, é negativa.”

De igual modo, seria negativa em Portugal. Uma potencial classe dirigente existiria, mas é marginalizada ou mantém-se fora da esfera política. Além disso, na Presidência da República falta-nos um Giorgio Napolitano!... Prossigamos.

Tínhamo-lo compreendido, mercê de tantos sinais, um após outro.
A frase de Monti, pronunciada durante o percurso da última viagem no Oriente, foi a prova definitiva: «Se o país não está preparado, poderemos abandonar»…
Esta frase indica a verdadeira natureza do nosso Governo: uma natureza pedagógica, não política.
Natureza pedagógica: de pessoas que, segundo as circunstâncias, sabem ou crêem, em boa-fé, de saber quais são os nossos problemas e como devem ser resolvidos; quais as medidas adequadas e quais as soluções. Mas oportunamente, o director de La Repubblica escreveu: «Atenção, não estamos numa escola».

A este respeito, a preocupação do executivo português consiste, quase infantilmente, em obedecer e obter aprovação, com palmadinhas nas costas, da Troika e de Ângela Merkel. Iniciativas corajosas, construtivas e impulsionadores não lhe ocorrem; é óbvio que essa “natureza pedagógica” não bafejou as pessoas que o compõem. Mas continuemos.

Uma classe dirigente é, na sociedade, uma categoria diversa: uma categoria de pessoas dotadas, mais que de conhecimentos, de sensibilidade política. Aptos a individuar, sempre que necessário, não somente os problemas correntes, mas de incutir a vontade de resolvê-los. Capaz de dar a certeza que conhece o caminho certo e que sabe fazer-se seguir. O líder não é um pedagogo que ensina. É um chefe que conduz. (O sublinhado é meu).

Agradeçamos a nossa sorte, porque existe um Monti, existe uma Fornero (ministra do Trabalho) capazes de compreender qual é a via justa para resolver os problemas nacionais. No fim de contas, compreenderam-no até hoje. Podem ter cometido erros, mas não é este o problema. No seu conjunto, adquiriram méritos, restabeleceram a confiança internacional no nosso país.
São pessoas sérias e competentes: agradeçamos a Deus a sua existência. Todavia, não são dotados da qualidade essencial numa classe dirigente: o carisma. E então? Continuemos e esperar: talvez um dia ou outro, uma classe dirigente surgirá.”

E eu alimento a mesma esperança para a nação portuguesa.

segunda-feira, abril 09, 2012

GÜNTHER GRASS QUEBROU O SILÊNCIO

O célebre escritor alemão decidiu manifestar a sua indignação através de um poema – O Que Deve Ser Dito - cujo teor pode resumir-se numa frase: “o verdadeiro perigo para a paz mundial é Israel e não o Irão”.
Talvez a vida comece a oferecer-lhe dias sem emoções, monótonos. Logo, ocorreria uma polémica que suscitasse ásperos rebatimentos. Lançou-a, e que polémica!

Os aplausos da teocracia iraniana não tardaram; muito menos tardou a acusação de anti-semitismo a Günther Grass, no resto do mundo. Mas será mesmo anti-semitismo? Sou de opinião que Israel e os seus apoiantes não deveriam banalizar nem generalizar este argumento, porque podem esvaziá-lo. O Estado de Israel deve habituar-se às críticas e contestá-las com as suas razões de sobrevivência, que não lhe faltam, sem estribar-se na acusação fácil do anti-semitismo, embora esta distorção mental generalizada prolifere e seja difícil erradicá-la.

Quanto a Günther Grass, antes de tornar público o seu poema, deveria concentrar-se e reflectir melhor sobre o regime violento, intolerante e inspirador de certas iniciativas terroristas da República Islâmica do Irão.

O poema ataca a Alemanha pela venda de submarinos a Israel, dá por certo o arsenal nuclear israeliano e, paralelamente, exprime dúvidas sobre as intenções do Irão nesse sentido.
Como grande intelectual informado, não desconhece que foi o advento do fundamentalismo de Khomeini que deu avio ao extremismo islâmico. Não liquide, portanto, as ameaças de Ahmadinejad, uma das quais é o cancelamento de Israel, como exibições de um histrião. Também não minimize ou dê como improváveis os projectos nucleares iranianos. Quem os denunciou foi a “Agência Internacional da Energia Atómica” e esta instituição merece credibilidade.

Relativamente aos submarinos fornecidos pela Alemanha, os jornais acharam útil informar que também, nesse pormenor, as críticas de Günther Grass são gratuitas. Os mísseis instalados nesses submarinos “servem apenas como resposta nuclear a um ataque nuclear. O primeiro lance atómico é disparado com mísseis terrestres, como os que o Irão adquiriu na Coreia do Norte”.

Este trabalho literário de Günther Grass foi publicado nos jornais La Repubblica, El País, Süeddeutsche  Zeitung e em Politikeen (Dinamarca). O semanário Die Zeit, de Hamburgo, recusou-se a publicá-lo.
Tentando traduzir, o mais claramente possível, a versão publicada no jornal La Repubblica de quarta-feira passada, eis o que Günther Grass entende deva ser dito:

******

Por que me calo e mantenho sob silêncio por longo tempo
Aquilo que é evidente e se praticou
Em jogos de guerra, no fim dos quais, como sobreviventes,
Todos nós, quando muito, seremos notas marginais.

È o direito afirmado ao decisivo ataque preventivo
Que poderia cancelar o povo iraniano,
Subjugado por um fanfarrão e impelido à alegria organizada,
Porque na esfera da sua competência, suspeita-se
A construção de uma bomba atómica.

E então por que proíbo a mim mesmo
Chamar por nome o outro país,
No qual de há anos – embora a coberto de segredo –
Se dispõe de um crescente potencial nuclear,
Mas fora de controlo, porque inacessível
A qualquer inspecção?

O silêncio de todos sobre este estado de coisas,
Ao qual se sujeitou o meu silêncio,
Sinto-o como mentira oprimente
E inibição que prospecta punições,
Caso não se tenha isso em conta;
O veredicto “anti-semitismo” é de uso corrente.

Agora, todavia, pois que da parte do meu país,
O qual de vez em quando é tocado por crimes exclusivos
Que não tem paralelo e de cada vez é constrangido a justificar-se,
De novo e por puro escopo comercial - se bem que,
Com língua veloz, se fala de “reparação” -
Deveria ser entregue a Israel
Um outro submergível, cuja especialidade
Consiste em poder dirigir ogivas aniquiladoras, lá onde
A existência de uma única bomba atómica não está provada,
Uma força probatória que pretende assustar,
Digo o que deve ser dito.

Por que me calei até hoje?
Porque pensava que a minha origem,
Estigmatizada por uma mancha indelével,
Impedisse de esperar-se este dado de facto
Como verdade declarada pelo Estado de Israel
A quem sou e quero ficar ligado.

Por que o digo só agora,
Velho e com a minha última tinta,
Que a potência nuclear de Israel ameaça
Uma paz mundial já de si frágil?
Porque deve ser dito
O que já amanhã poderia ser excessivamente tarde;
Até mesmo porque nós - como alemães com culpas
Suficientemente pesadas –
Poderíamos tornar-nos fornecedores dos meios necessários
Para um crime previsível e nenhuma das desculpas habituais
Anularia a nossa cumplicidade.

Admito-o: não mais me calarei,
Porque estou cansado da hipocrisia do Ocidente;
Porque é desejável
Que muitos queiram sair do silêncio,
Que exortem á renúncia o promotor
Do perigo reconhecível
E insistam, a fim de que
Um controlo livre e permanente
Do potencial atómico israeliano
E das instalações nucleares iranianas
Seja consentido pelos Governos dos dois países,
Pelo trâmite de uma instância internacional.

Só desta maneira, para todos, israelitas e palestinianos,
E mais ainda para todos os homens que vivem
Hostilmente, lado a lado, naquela
Região ocupada pela loucura, haverá uma via de saída;
E por fim, também para todos nós.

segunda-feira, abril 02, 2012

CASOS TRISTES
CASOS INQUIETANTES

As reformas dos contratos de trabalho, em alguns países da União Europeia, têm dado lugar a fortes reacções dos sindicatos e dos partidos de esquerda; greves e revoltas nas praças.
Segundo informam, a Comissão Europeia, nos últimos meses, elaborou um projecto com a finalidade de reformar o mercado laboral na Europa, “muito menos esquemático e bastante articulado”.
Diz o relatório da Comissão que o mercado europeu sofre de “segmentação”, devida à existência de trabalhadores temporários e trabalhadores a tempo indeterminado, isto é, excessiva protecção a quem tem emprego garantido. “O fenómeno provoca preocupações sobre o ponto de vista social e económico”.

Sintetizando, a solução europeia alvitra a existência de um contrato único que equilibre, nas devidas proporções, o cuidado entre quem usufrui de um emprego fixo e quem o não encontra ou trabalha temporariamente, visto que, nesta crise, o desemprego atinge o grau mais elevado nos trabalhadores precários e nos de baixas qualificações.

Mercê destas contracções económicas e laborais, a Itália está a atravessar um período de amplas controvérsias, acesas polémicas e consuetas tácticas partidárias sobre a reforma do mercado do trabalho.
O motivo da discórdia é o famigerado "Artigo 18 do Estatuto dos Trabalhadores". Grosso modo, os despedimentos podem ser declarados ineficazes ou nulos, quando “intimados sem justa causa ou motivo justificado”, nas empresas com mais de 15 trabalhadores; nas agrícolas, com mais de cinco.

Até hoje tem sido considerado um Artigo intocável. Num passado recente, as várias tentativas de anulação ou modificações ficaram goradas: intocável era, intocável ficou. Porém, urgem reestruturações, enquadradas na grande onda de desemprego e na era global.
O Governo de Mário Monti entende que esta reforma deve ser levada a bom fim e não desiste. Oxalá que os partidos, sindicatos e Governo consigam pôr o bom senso a funcionar, encontrem uma fórmula comparticipada, consentânea – acima de tudo que não desproteja quem trabalha - e que, finalmente, seja aprovada no Parlamento. Penso na Itália e no que se está a passar em Portugal a este respeito, obviamente.

Contratos de trabalho e desemprego; crise e dramas, sobretudo nas pequenas empresas. E eis-nos chegados aos casos tristes, à tragédia.

A maldita crise tem sido causa de uma cadeia de suicídios. Não somente entre pessoas sem emprego, que deslizam para a miséria e sem um horizonte de esperança, mas também de pequenos empresários e artesãos que não aguentam o peso das dificuldades económicas; a angústia de não encontrarem uma solução; o desespero de fechar e despedir trabalhadores com quem partilharam o êxito da própria actividade e que estimam.

Nada tenho lido sobre casos deste género no nosso país, mas na Itália são chocantes, comoventes - já no campo das dezenas - os factos narrados de pequenos empresários que põem termo à vida.
Uns, porque não conseguindo encaixar créditos de uma certa consistência, precipitam na falência e a solidão em que se vêem esmaga-os; outros, porque a crise os sufoca impiedosamente; outros ainda, porque têm problemas fiscais e não conseguem enfrentar o emaranhado da questão: foi este o caso de um artesão de Bolonha, na semana passada. Regou o carro de gasolina, incendiou-o e quis imolar-se dentro da viatura. Socorreram-no; está em estado gravíssimo. Pobre homem!

Continuo a reflectir sobre “a política do rigor e austeridade” e a considerar o comprazimento dos líderes de países bem nutridos que a impuseram sem considerar, além dos factores de crescimento económico que não são irrelevantes, o lado social e humano.
Concluo que não é a crise a única culpada de todos estes dramas; espero que se imponham à consciência, se a advertem, desses politicantes desprovidos da qualidade dos estadistas indiferentes a cálculos sem alma.

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Relativamente aos casos inquietantes, limitar-me-ei a poucas observações.
Que noção tem de democracia o Governo de Passos Coelho? É um governo de marca liberal equilibrado ou inspira-se no “liberismo” e na ebriedade do poder?
Será que Berlusconi fez escola? Dar-se-á o caso que o respeito pelos valores e regras democráticas apenas serve para discursos de ocasião e uma nova espécie de berlusconismo está a despontar nas Terras Lusas?
Se observarmos com atenção, há já modos comportamentais que para aí caminham.

É suficiente um caso que nos leve a meditar e a reagir. O comportamento agressivo e arrogante da polícia, na manifestação de Lisboa e onde foram agredidos dois jornalista - em 22 do mês passado - decididamente, não é compreensível nem tolerável. Quem lhes sugeriu caminho livre?
Não consta que a nossa polícia, anteriormente, se tivesse assinalado por atitudes desse género. Quem lhes inspirou esse desrespeito por quem manifesta ou participa numa greve, esquecendo o único papel de contenção que lhes é devido?