domingo, maio 31, 2009

BERLUSCONISTAN

Fica situado no sul da Europa. Famosíssimo, sobretudo, por tantas e tantas belezas artísticas que se foram acumulando através dos séculos: sessenta por cento do que de belo existe, criado pelo homem, no nosso Planeta.

Tinha outro nome, lindo e musical, mas, há dias, foi rebaptizado Berlusconistan pelo semanário americano Time.
Passou, assim, a ser tristemente famoso… e apenas por causa de uma criatura!!

Esta criatura tinha problemas com a justiça. Refugiou-se na política. Entretanto, captou os sequiosos ocupadores de poltronas, sempre de carácter político, e lá formou um partido de acólitos e do palavreado altissonante e belicoso: a oposição não é o adversário, mas inimigos comunistas.

Intoxicou o entendimento cívico de uma boa percentagem de “berlusconianos” com o ingente capital que possui e os amplos meios de comunicação de que é proprietário. Diga-se de passagem que os meninos da esquerda moderada e extrema-esquerda, com o culto dos personalismos e a litigiosidade durante o Governo Prodi, tudo fizeram para robustecer essa intoxicação.

A criatura inchou na importância eleitoral, mas muito mais na empáfia: ungido do Senhor, um génio superior a qualquer outra figura histórica.

Já várias vezes escrevi aqui sobre este indivíduo. Acabei por pensar que nada mais existiria que merecesse interesse. Engano!

A história da rapariga de Nápoles, Noemi Letizia, ainda domina as páginas dos jornais.
Sucintamente: o grande homem de Estado viu um álbum de fotografias desta rapariga de 16 / 17 anos e resolveu telefonar-lhe uma… várias vezes. Sucederam-se convites para festas no seu palacete da Sardenha, etc. No aniversário dos seus 18 anos, compareceu – com meios de transporte e aparato de segurança do Estado – à festa da rapariga. Veio a lume a notícia desta presença do Sr. Primeiro-Ministro. Para justificar o acontecimento, iniciou uma série de mentiras acerca das circunstâncias da sua presença e do conhecimento com o pai e família da Noemi.

Dez perguntas do jornal La Repubblica são publicadas, dia após dia, visto que o “Divino”, quando lhe foi solicitada uma entrevista, negou-se a responder.
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1- Senhor Presidente, como e quando conheceu o pai de Noemi Letizia?
2 - No decurso desta amizade, quantas vezes vos encontrastes?
3 - Como descreveria as razões da sua amizade com Benedetto Letizia?
4 – Por que motivo falou com ele das candidaturas
(às europeias), quando ele nem sequer está inscrito no PDL (partido do Governo)?
5 – Quando teve ocasião de conhecer Noemi Letizia?
6 – Quantas vezes teve oportunidade de encontrar Noemi Letizia e onde?
7 -O Senhor ocupa-se de Noemi, do seu futuro e sustenta economicamente a sua família?
8 – É verdade que prometeu a Noemi de favorecer a sua carreira, no espectáculo e na política?
9 - Verónica Lário
(a esposa) disse que o Senhor “frequenta raparigas de menor idade”. Existem outras que encontra e “cultiva”?
10 – A sua mulher diz que o Senhor não está bem e que deveria ser ajudado. Quais são as suas condições de saúde?

Estas perguntas continuam sem resposta. Todavia, quer em entrevistas ao Corriere della Sera, à La Stampa, France 2, CNN; quer num monólogo na RAIuno, onde os três jornalistas presentes se limitaram, servilmente, a escutar; quer em conversações oficiais, il Signore Berlusconi alargou-se em explicações tão bem engendradas… que nenhuma coincidia com a precedente!

Os mais importantes jornais europeus e americanos apoderaram-se deste assunto. Os comentários que exprimem são arrasadores.
Os jornalistas estrangeiros não compreendem como os italianos votam uma personagem que seria inadmissível num qualquer outro país democrático. Eu também não compreendo!

Confesso que esta telenovela de Berlusconi com uma rapariga ambiciosa que quer entrar no mundo televisivo… ou no parlamento (assim o declarou) não me impressiona nem me escandaliza. Sempre o classifiquei como uma pessoa trivial, espertalhona, mas sem fineza nem educação.
Quando alguém quer sair com uma rapariga, convida-a a jantar fora. Ele nomeia-a ministro da Defesa – Roberto Benigni.

O que me escandaliza são os seus problemas com a justiça e o modo ordinário e inadmissível como ataca a magistratura, “as togas vermelhas”, e as instituições.
Na sua concepção de homem de estatura moral e cívica rasteiras, o povo elegeu-o a plenos votos; logo, ninguém o pode criticar, julgar ou pôr-lhe entraves de carácter institucional.

Continuamente se gaba que teve de suportar dezenas de processos e foi sempre absolvido.
Completa e absolutamente falso.
Quando viu os casos mal parados, os membros do seu partido, obedientemente, aprovaram as famigeradas leis ad personam que o punham em segurança.
A maior parte desses processos caiu em prescrição: grande táctica dos seus advogados em aproveitar-se das delongas que o sistema judiciário lhes consentia - numa das leis ad personam, encurtou-se o prazo de prescrição.
Proclama-se inocente? Por que razão não renunciou às prescrições, pois tinha e tem essa faculdade, exigindo que tudo seja esclarecido?!

Transcrevo uma asserção de Berlusconi, repetida recentemente.
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O meu pai dizia que todos os que querem praticar o mal pertencem a três categorias: os delinquentes, os procuradores do Ministério Público e os dentistas. Os dentistas, porém, usam uma injecção para a anestesia. Ora, como a mim agrada o número três, no lugar dos dentistas colocarei os jornalistas.
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Desnecessário comentar.

O G8 efectuar-se-á, no próximo mês de Julho, na cidade de L’Aquila.
Com certeza falar-se-á dos paraísos fiscais. Espero que omitam esse argumento - o que será provável, aliás! Altos e obscuros interesses em causa.
Mas se assim não for, sendo Berlusconi o chefe de cerimónias de País que hospeda o encontro dos grandes da Terra, qual a credibilidade?

Em tempos, jurou sobre a cabeça dos seus filhos que as suas empresas jamais operaram através de paraísos fiscais.
Teatralmente perjuro, como o costume!
Ficou mais que provado o papel de Mills, o advogado inglês condenado a 4 anos e meio por corrupção, nesse tráfico de sociedades offshore ligadas à Fininvest, grupo da família Berlusconi. Não foi novidade: já de há muito que a existência de tais sociedades era conhecida.
Alda M. Maia

domingo, maio 24, 2009

É ESTE O MULTICULTURALISMO QUE DESEJAMOS?

(…) Mas será mesmo verdade que a pátria, com as suas instituições de Estado, pertence ao passado ou, então, condenada pela história? Não é credível.
Os teóricos do fim do Estado descuraram uma constante antropológica: a necessidade humana de pertença a uma comunidade e a um território. Em italiano –
e em português – recorre-se frequentemente ao termo “pátria” para descrever o espaço nacional e o sentimento de tal pertencimento.
Na interpretação nacionalista, a pátria é una e exclusiva: não vive entre, mas contra as outras.
Na versão mais evoluída, a determinação de si não exclui o encontro com os outros e com as suas pátrias; nisto está a pré-condição: não existem outros se não existimos nós; e vice-versa. (…)
Excerto de um artigo de Lúcio Caracciolo, no jornal La Repubblica, a propósito do «V Festival Internacional da História» - “èStoria2009” – que se conclui hoje, na cidade de Gorizia, e cujo tema é “As Pátrias”.

Este assunto, por uma associação de ideias, levou-me a recordar uma reportagem lida há dias na revista L’Espresso e que imprimi, a fim de a ler com mais atenção:” Na Casbah de Roterdão”, de Giulio Meotti.

Quis ler com atenção, pois o autor é colaborador de um jornal, Il Foglio, que não costumo ler, por excessivo facciosismo e intransigência na defesa dos “valores não negociáveis” do Vaticano. O director, Giuliano Ferrara, entra na categoria dos que foram apelidados como ateus devotos!

Toda a matéria desse serviço jornalístico deixou-me muito perplexa. Primeiro, iniciei a leitura com uma certa suspeição sobre a objectividade; por último, desconcertada, porque muitos pormenores e descrições do que se passa na Holanda são irrefutáveis.
Já anteriormente lera artigos sobre o modo como a Holanda interpreta o multiculturalismo e as consequências bastante negativas da integração islâmica naquele país. Ora, “Na Casbah de Roterdão”, os exemplos são inquietantes.

“A falência do multiculturalismo é o encontro fatal entre a perda do sentimento religioso e a globalização: explica Jos de Beus, filósofo da política, na Universidade de Amesterdão. Dados provenientes da sede central das dioceses holandesas informam que, entre 1973 e 2002, mais de 240 igrejas católicas foram reconvertidas em mesquitas, salas de conferências ou de exposições. A igreja protestante «O Semeador» de Amesterdão, hoje é a mesquita Fatih”.

A religião muçulmana inicia a dominar todos os aspectos da vida. Há três meses, The Economist falava de Roterdão como de um «pesadelo eurábico».

(…) Em Roterdão, os advogados muçulmanos querem mudar as regras do direito. (…) O advogado Mohammed Enait ficou sentado, quando os magistrados entraram na aula do Tribunal, dizendo que «o Islão ensina que todos os homens são
iguais» - só os homens, não as mulheres!...
O Tribunal da Relação de Roterdão reconheceu-lhe esse direito: «Não existe nenhuma obrigação jurídica que imponha aos advogados muçulmanos de levantar-se, quando entram os magistrados, pois tal gesto vai contra os ditames da fé islâmica»

Sempre entendi que tal gesto, embora não seja obrigatório, é um sinal de respeito perante a Justiça; os magistrados, naquele momento, simbolizam esse grande esteio de um Estado de direito. É em nome desse Estado que se pronunciam
Justificar a arrogância e insolência do advogado Mohammed Enait com «os ditames da fé islâmica», só me pergunto onde esconderam a obrigatoriedade da observância da laicidade, num Tribunal de um Estado democrático europeu. Inacreditável!

Mas que espécie de multiculturalidade é esta?! Um politicamente correcto mal digerido ou medo das reacções do islamismo fundamentalista?

Os exemplos de violência assassina já se verificaram naquele país – Theo Van Gogh e Pim Fortuyn – além das ameaças à senhora Ayaan Hirsi Ali, membro do Parlamento holandês que se opunha aos extremismos da própria religião. As autoridades holandesas não foram capazes de a defender. Teve de refugiou-se nos Estados Unidos.
Onde está a defesa da liberdade de expressão, concordemos ou não com o que cada um exprime?

Todo a reportagem anda à volta da predominância do secularismo, a perda da identidade cristã, uma ideia exacerbada de respeito pelas minorias que «deveriam viver segundo os próprios costumes», nenhuma forma programada de integração dos imigrantes - entre estes, uma forte maioria muçulmana; segregação nas escolas a fim de salvaguardar os valores islâmicos; as mulheres muçulmanas consideradas como cidadãs de segunda classe.

Em conclusão: da parte do Estado, máxima tolerância, envolvida na indiferença de prevenir consequências que originam restrições de direitos; Do outro lado, intolerância e ameaças dos beneficiados a quem lhes interpõe obstáculos.

Não fiquei satisfeita por saber que tudo isto sucede num dos países da União Europeia e de consolidadas tradições democráticas.

Se este modelo de multiculturalismo é plausível, então cultivo ideias muito erradas acerca do respeito que me merecem os imigrantes.

Entram num Continente cujos valores se foram sublimando através dos séculos – o Iluminismo não existiu só para fazer boa figura na História.
Onde não há Estados teocráticos e o laicismo é característica sine qua non de um Estado de direito – precisamente para salvaguardar a liberdade de religiões diversas.
Onde «os direitos do homem» fazem parte inalienável das respectivas constituições e as mulheres têm exactamente os mesmos direitos de qualquer outro cidadão.
A esses imigrantes, que serão os novos cidadãos europeus, apenas se lhes exige que respeitem as leis do país que escolheram e que não pretendam impor novos valores que a nossa consciência cívica não pode aceitar. Outros valores que enriqueçam a nossa cultura, sejam bem-vindos.

È isto o que entendo como multiculturalismo e integração de quem deseja ser um cidadão igual e com os mesmos direitos dos autóctones europeus.
Alda M. Maia

domingo, maio 17, 2009

O RIDÍCULO TAMBÉM DESTRÓI

E sempre o caso Freeport, ementa prelibada da diária jornalística!
Outras iguarias, também dignas da mesa de quem deveria comentar, informar, investigar, protestar e exigir clareza nos elementos que as compõem, parece que não são merecedoras de tamanha atenção.

Pior para quem deseja amplas e incisivas informações sobre tudo o que se passa, ou passou, no nosso País, envolva lá quem envolver: conselheiros de Estado, ministros, ex-ministros, amigos de ministros, banqueiros, etc., etc.!

Se houve desses casos – há sempre desses casos - publica-se apenas o suficiente para que se não diga que jornais e outros meios de comunicação os ignoraram.

Entrar em “reportagens de investigação”, insistir e revirar os casos de cima para baixo e de baixo para cima, ou pô-los do avesso e de través com isenção e objectividade, isso já vai além do jornalismo que observamos.

Contudo, numa função quase generalizada, tem sido exemplar: dar voz - talvez inconsciente, quem sabe!... – ao enfado de castas, corporações e interesses que se crêem intocáveis: não será este um dos factores que mais serviu para gigantear o caso Freeport?
Mas ocupemo-nos de notícias mais frescas.

Finalmente apurou-se que houve pressões! O inquérito será convertido em processo disciplinar contra o presumível autor, isto é, o Dr. Lopes da Mota.

Acho muito correcto que se dê andamento a esse processo disciplinar. Acharia mais correcto ainda se José Luís Lopes da Mota, procurador-geral adjunto, se auto-suspendesse de presidente do Eurojust.

Foi investigado, manda o bom senso que se auto-suspenda e aguarde o desenvolvimento e conclusão do processo disciplinar.
Nessa posição, melhor se defenderia e cercearia, logo à nascença, todas as causas de embaraço e motivos para especulações.

Há muitos aspectos, no entanto, que me deixam perplexa.

Em toda esta espécie de interminável telenovela judiciária, qual se me apresenta o processo Freeport, nenhum ingrediente tem faltado. Último, e para emprestar-lhe maior suspense, as pressões sobre os magistrados titulares deste processo.
E é aqui que se desencadeiam todas as minhas perplexidades.

Não se pode ignorar que a revelação das alegadas pressões foi dada a público com um bem orquestrado rufar de tambores.
Os senhores magistrados do Ministério Público não se pouparam em declarações. Como donzelas pudicas que foram apalpadas, quiseram levar, tal ousadia, ao conhecimento do Presidente da República.

Nessas iniciativas, houve a finalidade de conceder maior espectacularidade a um facto carente de maior consistência ou, pelo contrário, configurava uma ingerência inadmissível?
Inadmissível ou não, ouso exprimir-me, contrariamente a tantas doutas opiniões, com aberta sinceridade: tais iniciativas pareceram-me mais ridículas que plausíveis, e por vários motivos.

É ou não é a Magistratura um dos poderes do Estado que goza de total independência?
Se os dois magistrados do Ministério Público, Vítor Magalhães e Paes Faria, foram pressionados, que tipo de pressões tiveram de suportar?
Houve pressões ameaçadoras? Se o foram, por que razão não aviaram um imediato processo a quem as efectuou, sem perder tempo com os já consagrados comunicados ou declarações à imprensa, escrita ou falada?

Se não era matéria para um processo penal, por que não denunciaram, acto contínuo, estas pressões ao Conselho Superior do Ministério Público, sem tanto escarcéu nem uma teatralidade que definirei infantil?

Uso o termo infantil, porque não vejo outro melhor para classificar uma situação que seria facilmente neutralizável: bastaria responder com severidade e firmeza, deixando bem explícito que não admitiam intromissões de qualquer género e de quem quer que fosse (com ou sem ameaças), num processo que necessitava de muita clareza e serenidade. E prosseguiriam, impertérrita e seriamente, na missão que deveriam levar a cabo.

Mas era isto o que se desejava? Se não era, ponderaram bem as consequências, no que concerne a dignidade e independência do poder judicial?
Não lhes passa pelo entendimento que tanta praça pública, tantas externações… e tanto sindicalismo, acrescento, corroem o património, indispensável, da credibilidade de um magistrado?

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Como episódio lateral, um outro evento que também não hesito em colocar no sector das estranhezas.
Mas em vez de estranheza, insistamos no vocábulo ridículo, porque o é.

O Professor Vital Moreira, líder do PS para as eleições europeias, exprimiu o que pensava sobre a aconselhável auto-suspensão de Lopes da Mota de presidente do Eurojust.
Disse o que qualquer pessoa equilibrada e ciosa da sua independência de avaliação diria. Logo, nada de estranho.

Para o Dr. Paulo Rangel, porém, não é normal e colheu a ocasião para atacar o adversário: “as vozes do coro do PS não se entendem; Vital Moreira desafinou e por aí se vê que andam desnorteados” – grosso modo, foi este o seu ruidoso comentário.

Quando é que o Dr. Paulo Rangel compreenderá que a independência de um juízo ponderado é a melhor qualidade de um verdadeiro político?

Quando é que falará menos e calibrará, atentamente, a verborreia que não se cansa de ostentar?
Aliás, talvez fosse melhor eliminá-la, substituindo-a com argumentações válidas e criteriosas. Qualidades, neste sentido, não lhe faltarão.

Última pergunta: quando é que o Dr. Paulo Rangel começa a falar da Europa aos seus eleitores? O mesmo diria aos demais candidatos, qualquer que seja o partido que representam, pois falam de tudo, menos do tema por que serão votados.
Alda M. Maia

domingo, maio 10, 2009

A ODISSEIA DOS IMIGRANTES EXTRACOMUNITÁRIOS

Compreendo que é cada vez mais árduo acolher e socorrer a grande massa de imigrantes que atravessa o Mediterrâneo, normalmente partindo da Líbia.

Os passadores, criminosos da pior espécie, usam embarcações velhas e em péssimo estado; chamam-lhes "as carretas do mar".
Partem superlotadas e sem quaisquer condições de acomodamento para centenas de desgraçados que sonham chegar à ilha de Lampedusa, o ponto mais próximo da Europa.
Quantos corpos sem vida chegam à costa e quantos outros que jazem no fundo do mar!

As fases de acolhimento são difíceis para o governo de um qualquer país que deva enfrentar o grave problema de imigração massiva, compreender as angústias de quem foge de países em guerra ou vem em busca de uma vida melhor. Paralelamente, de mistura com esses imigrantes, também dever ter em conta a afluência de uma boa percentagem de malfeitores.

Para o actual governo italiano, sobretudo para a xenófoba Liga Norte, imigrante significa intruso, delinquente, corpo estranho que se deve repelir.
E foi isso mesmo que fizeram há dias.

Uma dessas carretas, com cerca de 227 pessoas, entre as quais 40 mulheres (duas grávidas) e três crianças, foi avistado fora das águas territoriais, mas em direcção a Lampedusa.
De acordo com o Governo líbio, o ministro da administração interna (expoente da Liga Norte) dimanou ordens a duas motovedetas Guarda-Costas e uma da Guarda-Fiscal para recolherem aqueles infelizes e, muito singelamente, qual mercadoria indesejada, restituí-los à Líbia, lugar donde partiram.
Viragem contra os clandestinos. Um resultado histórico” - rejubilou o ministro.

Repito que o problema existe e que é de complicadíssima solução. O que não sei aceitar é a frieza e falta de humanidade como gerem esse problema.

As declarações de vários marinheiros das motovedetas italianas, quando regressaram dessa missão, são bem esclarecedoras. Vários confessaram que executaram as ordens, envergonhando-se profundamente pelo que tiveram de fazer, entregando-os a um destino muito incerto, talvez à morte.

Apenas se aperceberam que os não conduziam a Lampedusa, mas ao ponto de partida, os apelos foram lancinantes, comoventes, a fim de que os não abandonassem.
Não me desejaria no lugar daqueles militares que tiveram de executar ordens tão pouco humanas, tão pouco de acordo com o dever de prestar socorro aos mais débeis e tão dissonantes com as próprias sensibilidades!

Todos sabem que a passagem pela Líbia, onde esperam o embarque para a Itália, é o lugar da pior barbárie contra os desgraçados que saíram dos próprios países, atravessaram o deserto e, já nesse percurso, experimentaram vários géneros de sevícias infligidas pelos traficantes de carne humana.

Chegados à Líbia, entram em autênticos lugares de martírio: espécie de prisões preparadas junto da costa de Zuwara, onde amontoam as pessoas “sem qualquer respeito pelas normas higiénicas e em condições terríveis”.

As mulheres, sistematicamente violadas e escravizadas pelos soldados líbios e pelos traficantes; os homens são espancados, eles também violados, torturados e escravizados.

É arrepiante o testemunho de tantas mulheres que sofreram todos estes suplícios, mas conseguiram atingir a costa italiana.

Vivem neste inferno durante semanas ou meses. Ninguém desconhece a infâmia destes factos, pois já foram denunciados, em 2004, por uma Missão Técnica da União Europeia.

Ninguém desconhece também que, na Líbia, os direitos humanos é matéria desconhecida; aliás, nunca assinou o Tratado de Genebra sobre a tutela desses direitos.

Foi caricata, incrível e quase insultuosa a nomeação deste País, em 2003, como presidente da “Comissão dos Direitos Humanos da ONU. Quase me pareceu um acto de tresloucados.

O Governo italiano, repelindo os migrantes para o inferno acima descrito, poderá ter uma certa razão técnica; é simplesmente asquerosa, sob o ponto de vista humanitário.

As censuras choveram de todas os lados: do Vaticano; da ONU – ACNUR (uma decisão errada e para reconsiderar); dos Médicos sem Fronteiras (rejeição ilegal); do Osservatore Romano (garantir segurança e direitos humanos), etc.

E como reagiu o inefável Primeiro-Ministro a estas críticas?
Está perfeitamente de acordo com o reenvio à procedência dos migrantes: “Não à Itália multiétnica. Não faremos como a esquerda que quer uma Itália multiétnica”

No tempo de Mussolini, chamava-se “defesa da pureza da raça”. Em 2009, troca-se o termo raça pelo vocábulo étnico. Assim: “defesa da pureza étnica”.
O senhor Primeiro-Ministro lá sabe para onde quer caminhar!...
Alda M. Maia

segunda-feira, maio 04, 2009

ELEIÇÕES PARA O PARLAMENTO EUROPEU

Como sempre me considerei uma europeísta convicta, é com muita dificuldade que procuro justificação para a indiferença dos eleitores, assim como para a ligeireza como certos países da União desenvolvem a campanha eleitoral e escolhem os seus representantes para o Parlamento Europeu.

Sempre pensei que deveriam ser enviadas para Estrasburgo personalidades de alto nível político: em competência e espessura académica.
Esta regra tem sido observada? Ou as eleições servirão para dar um premiozinho (mas que prémio!) aos fiéis do partido que os insere na lista?
Não é raro ver-se mediocridades que não merecem os assentos que ocupam, usurpando-os a quem melhor representaria o país donde provêm.

Também sempre pensei que se deveria conceder o máximo esforço e atenção a estas eleições, a fim de esclarecer, concreta e exaustivamente, o que significa esta união de vinte e sete países (por agora): quer como um bloco que estuda, enfrenta e resolve os problemas de convivência e desenvolvimento dos países da Comunidade, assim como as situações inesperadas que a globalização impõe; quer como única voz - idónea e de grande peso político, económico e civilizacional – nos conflitos que incendeiam tantas regiões do Globo.

É este o resultado que a União Europeia tem obtido? Ou, pelo contrário, sobrepõem-se os egoísmos nacionais e, da UE, apenas se conhece os fundos estruturais ou de coesão que peremptoriamente se pretende encaixar, por vezes sem o rigor de projectos sérios e responsáveis?
É inútil aludir ao novo-riquismo que explodiu, corolário da desenvoltura fraudulenta, como, não raramente, esses fundos foram usados.

Indicações, explicações, esclarecimentos sobre o funcionamento e instituições da União a que pertencemos e da qual provêm impulsos de indiscutível desenvolvimento económico e reestruturações sociais, quem se preocupa de elucidar os eleitores?
Não seria mais que oportuno acentuar a enorme vantagem de gravitarmos na zona euro, por exemplo? Neste período de crise gravíssima, que seria da nossa economia se estivéssemos fora?
Todavia, ainda existem ignorantes que o põem em dúvida.

Salvo as devidas excepções, grande parte dos novos eurodeputados conhecerá, devidamente, tudo o que concerne a estrutura da União Europeia?

E volto ao primeiro parágrafo: por que razão o absentismo, em quase todos os países, se anuncia como o factor de maior relevo, nas próximas eleições europeias?
Não sei compreender nem sinto a mínima simpatia por quem abdica do direito de votar. Considero-os cidadãos de pouco mérito e de mérito zero as justificações dessa indiferença.

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Falemos agora de coisas sérias, isto é, da luminosa intenção do primeiro-ministro de um país membro, um dos fundadores da União Europeia, que se esforçou por enviar para Estrasburgo “deputados coreográficos”. E quem melhor do que lindas moças?

Quero candidatas jovens e belas para melhorar a imagem do Parlamento Europeu – palavras de Sílvio Berlusconi.

Mãos à obra. Imediatamente um curso - quatro dias! - de preparação política, na sede do partido, para as belezas participantes: concorrentes do “Big Brother”, actrizes de telenovelas, show girls, cançonetistas, etc., etc.

Mais do que a sátira dos críticos desta concepção de eurodeputado, valeu a martelada de madame Berlusconi, Verónica Lário.
Alguém escreveu que tudo isto serve para escorar o divertimento do imperador. Concordo: o que emerge dos jornais é uma quinquilharia despudorada, e tudo em nome do poder.
O que se entrevê hoje, através do pára-vento das curvas e da beleza feminina, e que se torna ainda mais grave, é o descaramento e a falta de contenção do poder que ofende a credibilidade de todas.

A senhora, nestas declarações (além de outras) à agência de informação ANSA, não usou perífrases a condenar o “marido imperador”. E este fez marcha atrás.
As mocinhas estão desoladas. Foram eles que nos convidaram, fizeram-nos assinar diante de um notário; fomos penalizadas por causa desta polémica. Parece-me que se salvaram três.

Todavia, mais do que as potenciais eurodeputadas, foi a estranha participação do consorte a uma festa de anos de uma rapariga de 18 anos, em Nápoles, e que, com muita familiaridade, chamava a Berlusconi Papi.
Que penso desse facto? - diz Verónica Lário - Surpreendeu-me muito, tanto mais que nunca veio festejar os dezoito anos de nenhum dos seus filhos, embora tivesse sido convidado.

Estas insinuações – que dão lugar a juízos pouco ortodoxos - provocaram o terramoto matrimonial: divórcio! A senhora não quer mais conversa com um marido que corre atrás de moças de dezoito anos.
Os enxovalhos a Verónica Lário já iniciaram a sua marcha nos jornais controlados por Berlusconi. Indecente? Nojento!

Mas a telenovela continua.
Alda M. Maia

PS:
Imaginem um cartoon onde está desenhada uma rapariga com as curvas nos lugares justos. Berlusconi explica as novas medidas europeias: noventa / sessenta / noventa - (Vauro Senesi – Annozero RAI due)