segunda-feira, setembro 30, 2013

“UM GESTO LOUCO E IRRESPONSÁVEL”

Evidentemente que se fala do último acto de Berlusconi, o homem que, de há duas décadas, tem sido elemento altamente tóxico na política italiana.

É dotado de todas as características que o impõem como mentiroso nato e refinado artista na arte de aldrabar. Mercê deste talento, de um capital ingente e proprietário de poderosos meios de comunicação, não lhe foi difícil atrair eleitores, sobretudo ignorantes ofuscados por promessas mirabolantes, pessoas mal informados, oportunistas.

Infelizmente, o tempo passou e ninguém soube parar este indecente conflito de interesses, pondo cobro ao único fim por que este indivíduo entrou em política: a salvaguarda dos seus interesses, nada mais.

Tenho seguido com atenção, obviamente, a crise do Governo italiano, provocada por este indivíduo, quando um mínimo de responsabilidade e sentido de Estado aconselhariam o contrário no momento actual - a fim de mascarar o real motivo desta indecência, proclama que foi para evitar aumentos de impostos: as trapacices do costume.   

Berlusconi, para justificar o gesto louco e irresponsável de hoje, tudo com o fim exclusivo de encobrir os seus casos pessoais, tenta derrubar o Governo, utilizando o álibi do IVA” – Enrico Letta, Primeiro-Ministro.

A minha atenção concentrou-se, principalmente, nos juízos da imprensa.
Afora os jornais e televisões do Caimão (Berlusconi), as opiniões das demais quotidianos ou semanários são unânimes e os títulos dos vários editoriais confluem para o mesmo pensamento.

Agora basta, pensai no País” – jornal “La Stampa”.
(…) A decisão, como surpresa, de Sílvio Berlusconi de fazer demitir os seus ministros, a fim de deitar abaixo o Governo, é um golpe duríssimo para o nosso país. Uma humilhação que nos precipita no caos, na falta de credibilidade, que nos submete a exame e que confirma todos os piores estereótipos sobre os italianos”.  (…) Os italianos merecem respeito. (…) Seria tempo que, todos os que pensam pertencer a uma comunidade de sessenta milhões de pessoas e não a uma parte, tivessem a coragem de dizer: “Esta vez, primeiro está a Itália”. - Mário Calabrese, director de La Stampa.

“Os excessivos servos da vergonha” – jornal “Il Fatto Quotidiano”
Uma tal e insuportável vergonha não tem precedentes. Nas democracias ocidentais e nem sequer nos países do terceiro mundo ou nos mais recônditos pequenos Estados africanos nunca se viu um condenado por crimes gravíssimos, dispor, a seu bel-prazer, de 97 deputados, 91 senadores e cinco ministros, impondo-lhes as suas demissões do Parlamento e do Governo como se faz com os servos, mas pior, visto que os criados têm o direito, pelo menos, de um pré-aviso.
(…) Os criados do cadastrado obedeceram prontamente: alguns por submissão em troca de uma poltrona; outros, por pura avidez de servilismo” – António Padellaro - director de Il Fatto Qutidiano.

“Irresponsabilidade” – Corriere Della Sera
“É preciso uma desmesurada dose de irresponsabilidade e de provincianismo para ameaçar demissões em massa do Parlamento enquanto, em Wall Street, o Primeiro-Ministro tranquiliza os investidores internacionais sobre a estabilidade da Itália. (…) Provoca arrepios pensar que quem ameaça de afundar o Governo não se aperceba de preparar um cocktail perigoso, o qual nutrirá impulsos populistas e especulações financeiras”  - editorial de Massimo Franco em 26/09/2013

“Berlusconi: Perdido o sentido de dignidade” – semanário “Família Cristã”.
Que Berlusconi tivesse perdido o sentido da verdadeira dignidade, de respeito por si mesmo, pela sua família, pelas suas empresas e, enfim, pelo seu partido, já se sabia de há alguns meses, sobretudo depois da sua condenação pelo crime de fraude fiscal, tornada definitiva pelo Supremo em Agosto passado. Por verdadeira dignidade, no «caso Berlusconi», entende-se também, e sobretudo, o sentido de responsabilidade para com o País da parte de uma pessoa que o guiou e condicionou, no poder ou na oposição, durante vinte anos”Beppe del Colle, editorialista de “Família Cristã”

“A indignação dos moderados”  -  Corriere Della Sera
A escolha irresponsável de Berlusconi e dos seus fidelíssimos, actuada em desprezo, até mesmo das regras de um partido pessoal, tem o sabor amargo dos gestos inconsultos e desesperados. Não serve para nada. Não modifica de um palmo o destino judiciário do Cavaliere, mas empurra um país refém para as margens de abismo. (…) E um partido que se chama «Força Itália» não pode arrastar o país no beco sem saída dos pesadelos judiciários de um líder que não quer aceitar de viver num Estado de direito” – Ferruccio de Bortoli, director do Corriere Della Sera.

*******

Muitos outros artigos haveria para citar. O editorial de Eugénio Scalfari, ontem, no quotidiano La Repubblica, depois da análise do assunto do dia, alude ao movimento de Beppe Grillo (“Movimento 5 estrelas”) com as seguintes palavras:
Pode parecer estranho, mas quer as mesmas coisas de Berlusconi: a queda do Governo, as eleições antecipadas com a lei «porcellum», a demissão do Presidente da República, um governo de «grillinos” e de quem pensa como eles (Berlusconi?) para uma política que se desembarace da Europa, do euro e gaste à farta e à grande para fazer felizes os italianos”.
Só faltava esta! 

segunda-feira, setembro 23, 2013

A REVOLUÇÃO DE PAPA FRANCISCO

O título “Revolução copernicana de Papa Francisco” imperou em muitos artigos dos mais diversos autores.
Exagerado ou não, creio que não se afaste do que, efectivamente, observamos dia após dia.

Constituiu facto inédito e de grande ressonância a entrevista que Papa Francisco concedeu a padre António Spadaro, director da revista dos jesuítas, “Civiltà Cattolica”, no seu estúdio privado e no decurso de três períodos: em 19, 23 e 29 de Agosto. 
Foi publicada contemporaneamente em 16 revistas da Companhia de Jesus, editadas no mesmo número de países.

Precedentemente, Papa Francisco já surpreendera com uma carta aberta ao jornal La Repubblica – publicada em 11 de Setembro - respondendo às perguntas sobre a fé e outros quesitos, formulados em dois artigos de Eugénio Scalfari, fundador e editorialista do mesmo jornal.

“Prezadíssimo Doutor Scalfari, é com viva cordialidade que, embora a traços largos, com esta minha desejaria procurar responder à carta que, nas páginas de La Repubblica, quis endereçar-me em 7 de Julho com uma série das suas pessoais reflexões e que depois enriqueceu, nas páginas do mesmo quotidiano, em 7 de Agosto.
Antes de mais, agradeço-lhe a atenção que dedicou à leitura da Encíclica Lumen Fidei (…)
(…) Portanto, parece-me que seja sem dúvida positivo, não somente para nós singularmente, mas também para a sociedade na qual vivemos, determo-nos a dialogar sobre uma realidade assim tão importante como a fé, que se refere à predicação e à figura de Jesus. Em particular, penso que haja duas circunstâncias que tornam hoje este diálogo necessário e precioso. (…)

No que concerne a entrevista a “Civiltà Cattolica, padre Spadaro descreve o ambiente, o modo simples e cordial como foi recebido, o diálogo natural, espontâneo e profundo com o Papa.
“Falar com Papa Francisco é, na realidade, uma espécie de fluxo vulcânico de ideias que se entrelaçam umas com as outras. Mesmo tomar apontamentos dá-me a desagradável impressão de interromper um diálogo fresco de nascente. É claro que Papa Francisco está mais habituado à conversação que à lição.

Acerca da escolha dos seus aposentos, eis a explicação do Papa:
“Uma coisa verdadeiramente fundamental para mim é a comunidade. E compreende-se isso pelo facto que estou aqui em Santa Marta. Quando fui eleito, habitava, por sorteio, no quarto 207. Este onde nos encontramos agora era um quarto para os hóspedes.
Escolhi habitar aqui, no quarto 201, porque quando tomei posse do apartamento pontifício, dentro de mim ouvi distintamente um “não”.
O apartamento pontifício no Palácio Apostólico não é luxuoso. É antigo, grande e feito com bom gosto. Porém, é como um funil virado ao contrário. É grande e espaçoso, mas o ingresso é verdadeiramente estreito. Entra-se com o conta-gotas, e eu não, sem gente não posso viver. Tenho necessidade de viver a minha vida junto com os outros”.

Chamou-me a atenção a insistência de Papa Francisco no uso da palavra “discernimento”, ou melhor, no profundo significado que esta exprime.
“O discernimento é uma das coisas em que mais trabalhou interiormente Santo Inácio. Para ele é um instrumento de luta para conhecer melhor Deus e segui-lo mais de perto.
Pode-se usar meios débeis que resultam mais eficazes do que os fortes…
Este discernimento requer tempo.

Muitos, por exemplo, pensam que as mudanças e as reformas podem suceder em breve tempo. Eu creio que haja sempre necessidade de tempo para colocar as bases de uma mudança verdadeira, eficaz. E este é o tempo do discernimento. E por vezes, o discernimento empurra para fazer imediatamente o que, de início, se pensa fazer depois. Foi o que também me aconteceu nestes meses. 

Muitos analistas acentuam que Papa Francisco se mantém vago sobre os tais valores não negociáveis.
“Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, matrimónio homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível. Não falei muito destas coisas, e este facto foi-me censurado. Mas quando se fala, é necessário fazê-lo num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido e eu sou filho da Igreja. Todavia, não é preciso falar disso continuamente.” 

“Vejo com clareza que o que a Igreja tem mais necessidade hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer os corações dos fiéis, a vizinhança, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campo depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem colesterol e os açúcares altos. Deve-se curar as feridas. Depois, poderemos falar de tudo o resto”  

E fiquemo-nos por aqui nas transcrições das palavras de Papa Francisco e no modo revolucionário como se apresenta e age como Sumo Pontífice, dando avio ao que nos parece uma reforma do papado, logo, a uma reforma da Igreja: “Uma Igreja que recomeça, não do poder, mas do serviço; não da sobrecarga da Instituição, mas da ligeireza da profecia” – Raniero La Valle

segunda-feira, setembro 16, 2013

ÉTICA: ESSA DESCONHECIDA

Dois casos que se assemelham, embora com dimensões diversas.
Na Itália, o caso do cadastrado Berlusconi que não aceita a lei que lhe impõe a caducidade do mandato de senador, em virtude da sua condenação definitiva a quatro anos de prisão por fraude fiscal (três dos quais indultados) e tudo tem feito para impor-se como político intocável, chantageando o Governo e mantendo o país em ebulição.

Em Portugal, assistimos a um condenado por fraude fiscal e branqueamento de capitais que se propõe como candidato, nas próximas eleições autárquicas, à Assembleia Municipal de Oeiras.

Não pude evitar a associação destes dois factos: quer pela indignação que me provocam, quer pelo desconforto como vejo o desprezo absoluto ou desconhecimento daquela qualidade excelsa que se chama ética e que deveria ser imprescindível nas instituições públicas.

De Berlusconi já nada mais existe que possa escandalizar. O homem atingiu o auge do descaramento e do atropelo de todos os princípios que fundamentam a democracia e representam a honorabilidade de um país.

Eis a tese gritada aos quatro ventos, apoiado fragorosamente pelos acólitos: como foi eleito por 10 milhões de eleitores, ser condenado é uma perseguição e deve ser garantida a sua “factibilidade política”. Logo, jamais se demitirá de senador, visto que seria uma ofensa a quem o elegeu! Que não se atrevem a votar, na Comissão do Senado, a sua caducidade, como manda a lei, desse cargo. Conclusão: que se recordem os defensores da legalidade que a lei não pode ser igual para todos.

Sendo assim, um conselho a criminosos ou mafiosos: entrai em política, procurai ser eleitos - todos os meios são admitidos - e ficareis assegurados contra possíveis sentenças provindas do outro poder do Estado, isto é, a Justiça: senador ou deputado da Câmara dos deputados será o escudo da intocabilidade.
É um exagero, obviamente, mas poder-se-ia chegar a esta ilação.

Em todo estes eventos, o que verdadeiramente me tem saturado é a cobertura que os meios de comunicação dão a este indivíduo, após a sentença definitiva do Supremo. Até mesmo os jornais mais sérios não se inibem de ecoar as autênticas parvoíces dos seus apoiantes, na maior parte oportunistas sem dignidade.
Um exemplo de uma admiradora, Michaela Biancofiore, elevada a deputada: “O Partido Democrático” (centro-esquerda) não conseguirá decepar Sílvio, a nossa cabeça. Nós, do PDL (partido de Berlusconi), não somos acéfalos. Pelo nosso gladiador estamos prontos para tudo. Se cai Berlusconi, desencadearemos o inferno”. (05/09/2013)

Há uma “especialista do amor”, Ilona Staller, a famosa Cicciolina, que lhe dá um bom conselho: “Não sou contra Berlusconi. Tenho-o em grande consideração, mas aceite a sentença de condenação, vá para casa e faça sexo a go-gó” – 12/09/2013
Que esperas, grande admirador do bunga-bunga, para deixar em paz a Itália e a grande maioria dos italianos que te não votam?

*****  

Vamos ao nosso Isaltino Morais. Encarcerado desde Abril e por crimes graves, sobretudo em quem desempenhou cargos institucionais, achou natural e oportuno candidatar-se à Assembleia Municipal do concelho onde fora presidente da Câmara.

Não me indigna esta pretensão; indigna-me, sim, os apoiantes que defendem, combatem por esta candidatura e votam-na. Para esta gente, o facto de estar na prisão - após dezenas de recursos em tribunal - por fraude fiscal e branqueamento de capitais não constitui um qualquer obstáculo moral e ético. Que tristeza!

Por sua vez, o Tribunal Constitucional estabeleceu que prisão e candidatura à Assembleia Municipal de Oeiras não são compatíveis: “Tratar-se-ia de uma candidatura-fantasia, sem viabilidade, susceptível de confundir os eleitores”.

Afinal de contas, trata-se, pura e simplesmente, de incompatibilidade, além da impossibilidade de um encarcerado usufruir das mesmas oportunidades dos demais candidatos em campanha eleitoral.
E se não existe na lei uma norma que proíba candidaturas de cadastrados ou pessoas com problemas judiciais; se nos 299 artigos da Constituição não existem especificidades a este respeito (ou existem?), o TC teve de decidir em função dessa inviabilidade.
Também neste ponto, é desolador verificar a ausência de iniciativas, a este respeito, do Poder Legislativo.

O candidato a presidente da Câmara de Oeiras comentou a decisão do Tribunal Constitucional: “Vem estabelecer uma limitação adicional e inédita aos direitos cívicos e políticos de um cidadão que se encontra detido por questões exclusivamente relacionadas com a sua vida pessoal”.

Direitos que podem chafurdar na imundície? O respeito pela moral e ética política, onde ficam? Existe, portanto, o princípio do “vale tudo”?

 Se o entendimento do direito ao acesso a cargos públicos de carácter electivo omite a rectidão e honorabilidade do candidato, então não se atrevam a criticar Berlusconi. Desgraçadamente, temos aqui bons discípulos.

segunda-feira, setembro 09, 2013

O PIOR CRIME CONTRA A HUMANIDADE
NÃO O BANALIZEMOS

Quarta-feira passada, dia 4 de Setembro, o jornal Público publicou um artigo da historiadora M. Fátima Bonifácio: “A insuportável arrogância da esquerda”.

Partindo do que a Historiadora considera uma “olímpica indiferença ou um aberto desprezo” que as esquerdas manifestaram, aquando da morte do economista António Borges (em contraste com a “comoção homérica” reservada a Miguel Portas), Fátima Bonifácio não reconhece quaisquer especificidades na “esquerda”.

O seu artigo, onde desenvolve críticas acérrimas ao comunismo, de caminho também condena socialistas e afins.
Muito estranho, quando afirma que “a esquerda socialista e não alinhada não renega as suas remotas origens, como um filho não renega um pai alcoólico ou ladrão; e, mais decisivo, partilha com os comunistas, embora mais discretamente, a aversão pela Liberdade, tal como os Liberais a entendem, e abominam o regime capitalista em que ela nasceu, germinou e se expandiu”.

Em que mundo vive Fátima Bonifácio ou para onde costuma dirigir a sua atenção? Devota daquele neoliberalismo, hoje em voga, sem alma e com o coração centrado, dir-se-ia exclusivamente, no capitalismo financeiro?
A que Liberdade - entendida pelos Liberais - se refere?

Quando penso nos socialistas, vejo, acima de tudo, a social-democracia que reagiu contra os regimes colectivistas e de terror, qual eram leninistas, estalinistas e quejandos, e pôs em movimento o que deve ser o Estado social, dentro de uma economia de mercado. Pode negar esta realidade? Pode também negar a defesa da verdadeira Liberdade em que sistematicamente se empenharam?

No dia seguinte, sempre no Público, Francisco Assis, na sua nota final, respondeu adequadamente às generalizações da ilustre Historiadora.

Mas o principal motivo por que escrevo sobre o artigo de Fátima Bonifácio situa-se na banalização como associa os crimes do regime soviético ao holocausto.

Aludiu aos múltiplos crimes cometidos na União Soviética e demais países seguidores do chamado “socialismo real”, embuste ideológico das ditaduras comunistas que, em nome da ideologia marxista – assim o faziam crer – aplicaram os piores métodos na eliminação de pessoas e classes incómodas ou de situações contrárias às imposições e conveniências dos déspotas que se iam sucedendo.

Lendo com atenção o seu artigo, é inevitável a ligação com as teses da extensa obra de vários autores, editada na década de 1990, mas bastante controversa: “O Livro Negro do Comunismo” – a edição que possuo, em versão italiana, é de 1998.

É uma análise profunda de toda a gama de atrocidades comunistas, porém, chega-se à conclusão que se pretendeu diminuir o holocausto em relação à profundidade dos crimes comunistas. Daí provieram as grandes controvérsias que essa teoria provocou e com as quais concordo plenamente.

A essência dos crimes nazis assume um aspecto medonho e incomparável: única, absolutamente única na forma e na aplicação.

Estes crimes foram projectados, estudados cientificamente em nome de uma imaginária pureza da raça. Decretou-se, portanto, que certas categorias de pessoas eram inaceitáveis, segundo os conceitos nazis, logo, não tinham direito á existência e deveriam ser taxativamente eliminadas.

Falando com pessoas que se viram acossadas como animais que devem ser abatidos, o que sempre me escandalizou ou me deixou desorientada é que tudo isto aconteceu ante a indiferença daquela população de “raça superior”, isto é, de outros seres humanos normais. Ou então de italianos fascistas que sabiam o que os ocupantes nazis faziam e lhes davam toda a colaboração.

Se Fátima Bonifácio quer escrever sobre os comunistas, crimes por eles perpetrados e ignorados pelos vários militantes, não faça banais comparações ou, pelo menos, evite pô-los no mesmo plano das infâmias do nazismo. O holocausto é caso único na História. Como historiadora, deveria saber isso.

Ah! Entre a esquerda europeia, tão detestada pela historiadora, não me parece que o PCP fuja da retórica que lhe é inerente. Todavia, esta retórica é apresentada como arrogância pela autora do artigo em questão.
Além do respeito que merece qualquer ideologia dentro de um regime democrático, acaso não lhe recorda “O Último dos Moicanos”?

terça-feira, setembro 03, 2013

SEMPRE E SOMENTE A AMÉRICA?

Penso que as críticas ao Presidente Obama, apresentado como um indeciso, desorientado e prisioneiro da famigerada “linha vermelha” não sejam justas. Vejo-as mais alicerçadas em análises e conclusões de rotina do que num exame objectivo sobre a relutância deste presidente americano em envolver-se em novos conflitos armados. Aliás, sempre demonstrou esta aversão.

Qual a razão, portanto, que se pretenda seja sempre a América a responsabilizar-se, quando as tragédias explodem em qualquer parte do mundo, os direitos humanos são espezinhados e as populações devem ser protegidas?
Há quem lhe chame “A maldição da América”. Será. Frequentemente porque são impelidos a ir em socorro de países aliados; noutras circunstâncias, por decisões de presidentes irresponsáveis e medíocres: sirva de exemplo a estúpida e desastrosa invasão do Iraque, péssima herança de George W. Bush.

Todavia, que fazem os demais países, membros da ONU? Meros espectadores?
Aludo à Organização das Nações Unidas, pois é dali que deveriam partir as iniciativas e o envolvimento de todas aquelas nações de boa vontade – ainda haverá? – que procuram a solução dos conflitos entre as nações e não toleram, e nunca devem tolerar, o uso de armas de destruição maciça, vetadas por 98 a 99% da comunidade internacional.

E chegamos ao facto concreto: na guerra civil da Síria, quem dispersou os gases tóxicos nos arredores de Damasco, bem sabendo que as vítimas contar-se-iam entre a população inocente? Números oficiais referem 1429 pessoas, inclusive 426 crianças. As múltiplas fotografias que testemunham este drama emocionam e assustam!
 
Sobre os autores deste cinismo infinito e que nada, absolutamente nada pode justificar, há lugar para dúvidas, visto que nenhuma das partes em luta merece credibilidade.
Se Bashar al-Assad e o seu entourage se têm demonstrado implacáveis no uso da violência, os opositores não são melhores no que concerne actos de pura e injustificada crueldade. Os documentos comprovativos não escasseiam.
No entanto, tudo aponta para uma iniciativa das forças governativas, embora incompreensível quanto a eficácia e oportunidade. Mas é sempre difícil interpretar acções deste género, quando provém de cultores da violência pela violência.

Insisto: porquê somente a América e o seu Presidente devem dar uma resposta concreta às arbitrariedades de déspotas que ultrajam e esmagam os direitos humanos? Por que razão devem sacrificar os seus soldados e imensos recursos a causas que, afora a defesa de seres inermes que, moralmente, é uma grande satisfação, materialmente em nada compensam estes sacrifícios?
Que ganhou a América com as duas Guerras Mundiais? E depois de uma Europa em ruínas, quem de novo a levantou com o Plano Marshall?
Estas observações são directas aos devotos do antiamericanismo.

Fiquei satisfeita que Obama tivesse entregado ao Congresso a decisão de intervir na Síria. Evitaram-se precipitações, deu-se oportunidade a que iniciativas de carácter político possam criar situações mais racionais e aconselháveis, deu-se tempo a que, na ONU, surjam propostas que ponham termo a massacres contínuos. Como início, há quem sugira uma condenação dura e clara ao regime de Assad, na Assembleia Geral daquele organismo. Imediatamente se veria, nos 22 países da Liga Árabe, por exemplo, quem são os que agem espontaneamente, pondo de lado certas ambiguidades.

Seria também oportuno que se pusesse a nu, condenando-os, os fins inconfessados dos países que financiam as várias facções dos fundamentalistas islâmicos estrangeiras que invadiram a Síria e combatem ao lado da coligação dos opositores de Bashar al Assad, o Exército Livre da Síria.
Sabe-se quem são esses países, mas não são expostos ao desprezo de quem não abdica da tolerância e compreensão entre os povos. Sempre as conveniências económicas, obviamente!...

Quanto à União Europeia, todos aqueles belos princípios de imposição e defesa dos direitos humanos servirão apenas para os discursos das grandes solenidades? Aguardemos. Não fazer nada, neste caso, é inadmissível.

Oxalá que nasça um empenho político amplo e de grande alcance que exclua intervenções armadas e dê aviamento a negociações, sérias e persistentes, que abranjam todos os sujeitos em causa: as partes em conflito e os respectivos apoiantes, como Rússia, China, Irão, Arábia Saudita, Qatar, etc.

Que se evite, acima de tudo, dar azo a uma explosão, alargada e devastadora, naquela região do Médio Oriente que todos indicam como uma intensa polvoreira.