terça-feira, março 29, 2016

OÁSIS DE QUATRO MILÉNIOS DE HISTÓRIA”

Exército sírio em Palmira (foto La Stampa)

Este oásis multimilenário de história chama-se Palmira, um surpreendente e riquíssimo sítio arqueológico que a UNESCO classificou, em 1980, Património da Humanidade.
 Foi libertada pelo exército do regime sírio e das milícias libanesas do Hezbollah. Acrescente-se que o auxílio dos raids russos foi indispensável.

No período de ocupação destes bárbaros, mas bárbaros na pior brutalidade e hediondez que o termo possa exprimir, foi um subseguir-se de assassínios, pilhagens de peças arqueológicas e destruição de memórias de arte da época romana.
Entre os brutais assassínios perpetrados pelas milícias do califado, o que mais ecoou por todo o mundo civilizado foi a decapitação, em 18 de Agosto do ano passado, do arqueólogo sírio, Khaled Al Asaad. Durante quase cinquenta anos, este ilustre arqueólogo zelara e protegera o belíssimo património mundial, a cidade de Palmira.

No dia seguinte à morte de Al Asaad, a Itália proclamou um dia de luto nacional e as bandeiras a meia haste em todos os museus do país, além de outras iniciativas.
O Museu Egípcio de Turim, um dos mais importantes do mundo, dedicou à memória de Khaled Al Asaad a nova sala de exposições. Até 4 de Setembro, esta sala hospedará uma exposição temporária com o título: “O Nilo em Pompeia – Visões de Egipto no mundo romano”. Digna de ser visitada com grande interesse e atenção.

Mas voltemos atrás. Quando se escreve sobre o financiamento dos jihadistas, isto é, dos celerados que autoproclamaram o Estado Islâmico e dos sequazes, ébrios de retórica fundamentalista, que semeiam morte de inocentes por várias regiões do mundo, esse financiamento deriva, sobretudo, do mercado clandestino de peças arqueológicas e do contrabando de petróleo.

Se tantos milhões de dólares entram nos cofres daqueles monstros, quem são os compradores? Quem são os “ingénuos”, os “desprevenidos”, os “inocentes” compradores que tratam com aquelas aberrações humanas?
Tais compradores ou intermediários não serão, eles também, uma degeneração do género humano? Certamente que sim.

Detesto o actual e ambíguo governo turco. É-me tão desprezível que nem concedo letra maiúscula a essa instituição onde impera Erdogan.
Jornalistas turcos denunciaram o tráfico de armas da Turquia com os jihadistas e a passagem, sem entraves, através do território turco. Por essa informação aos seus concidadãos, foram detidos e estão a ser julgados.
  
E a Comissão Europeia, também “ingénua, desprevenida e inocentemente”, assina um tratado com a Turquia de Erdogan que muitos consideram, não somente estúpido, mas imprudente e humilhante para os valores da União. Porém, desta União em frangalhos, que esperamos?

Entretanto, contentemo-nos com a libertação de Palmira, aquele “ Oásis de quatro milénios de história”. A partir de hoje, já teremos a certeza que todas aquelas maravilhas não serão pilhadas, profanadas nem destruídas. Restaurar-se-á o que será possível e oxalá que a Síria e Iraque retornem a um clima de paz e reconstrução.  

segunda-feira, março 21, 2016

HONRA À BANDA MUSICAL DE CARVALHEIRA



Desloquemo-nos a Terras de Bouro, continuemos a penetrar no “coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês” e chegaremos ao “Paraíso deslumbrante de verdes e de castanhos, de salgueiros e de carvalhos que guarnecem toda a encosta em que a freguesia se estende, à margem esquerda do rio Homem e à direita da ribeira Rodas”: assim é descrita a freguesia de Carvalheira, concelho de Terras de Bouro.

Desde tenra idade que ouvia falar de Carvalheira e aldeias limítrofes. Nasci em Covide, também situada no lindo e histórico concelho de Terras de Bouro, onde os meus pais e avô materno foram professores.

O professor Maia era um inveterado amante da arte da música. Profundo conhecedor desta arte - e de tantos outros saberes, dada a sua elevada cultura - os seus tempos livres de professor do ensino primário dedicava-os, quase inteiramente, à composição ou arranjos de temas musicais, ao ensino de música ou deliciando-se a gerir bandas musicais.
A prestigiada Banda de Carvalheira - a classificação prestigiada merece-o irrefutavelmente - foi uma atracção para ele. Eis por que nos meus tempos de infância, Carvalheira era-me familiar, embora nunca tivesse conhecido esta localidade. Tive o prazer de a conhecer ontem.

A Banda Musical de Carvalheira nasceu em 1839. Em Mafra, em 2014, nas comemorações do “Dia Nacional das Bandas Filarmónicas”, foi condecorada com a Medalha de Mérito Cultural. Creio que bem poucas outras possam ostentar esta distinção.

No dia 20 de Março 2016, esta Banda Musical comemorou, com um programa abrangente e bem organizado, os 177 anos da sua fundação.
Para tal efeito, enviaram um convite aos descendentes dos maestros que, in illo tempore, dirigiram este grupo musical. Não só para assistir ao acto comemorativo, como para receberem uma “lembrança simbólica de homenagem aos Mestres falecidos”: uma esplêndida lembrança!

Como Alda Maia, fui uma desses descendentes a ser convidada; foi com gratidão que me desloquei de Famalicão até Carvalheira. 
Não é uma viagem fácil nem breve, mas viajei por terras bonitas e conhecidas. Além disso, o motivo da viagem desvalorizava quaisquer dificuldades.

Fiquei agradavelmente surpreendida. A Banda Musical é composta, na sua grande maioria, por jovens. E quanto entusiasmo demonstravam! Um belíssimo sinal de interesse por actividades culturais, paralelamente ao interesse dos habitantes em criar estas oportunidades.
Parabéns, Carvalheira; parabéns, Banda Musical de Carvalheira. 

segunda-feira, março 14, 2016

ÉTICA, ONDE ESTÁS?

Tornou-se numa raridade? Ou, esquecida, a ética sentou-se na cátedra que lhe pertence, a cátedra das consciências e comportamentos límpidos, olhando o mundo com circunspecção, mas sempre pronta a conduzir quem dela não quer e não pode separar-se? Neste caso, então, mudemos de título: Consciências e comportamentos límpidos, onde estais?

Pergunta muito oportuna e, nos tempos que correm, não é necessário procurar respostas: estas impõem-se. Que o diga a Ex.ma Senhora Maria Luís Albuquerque, ex-secretária de Estado do Tesouro e das Finanças, ex-ministra das Finanças; hoje, membro da Assembleia da República e, paralelamente, administradora não executiva da Arrow Global, a empresa que se ocupa de questões financeiras, especialista em créditos malparados, tutelada, até há cerca de três meses, pela Ex.ma Maria Luís Albuquerque, quando ministra das Finanças.

Portugal, segundo rezam as crónicas, constitui um terreno bastante fértil para a actividade da Arrow Global. Aliás, adquiriu duas empresas portuguesas, Whitestar e Gesphone, e sente-se como o peixe na água.

Enquanto deputada do Parlamento português que teve cargos de topo nas Finanças e no tesouro do sector público português, Maria Luís vai trazer-nos uma riqueza de experiência na gestão de dívida e vai complementar a actual experiência da administração e a expansão da Arrow Global para novos mercados geográficos e para novas classes de activos”. – Assim se exprime Jonathan Bloomer, presidente do conselho de administração da Arrow Global.

A partir das primeiras dez palavras desta explicitação do Sr. Bloomer, as deduções amplificam-se e não creio que entrem no campo da benevolência.
 
Mas, como atrás refiro, este assunto, em todos os seus referentes, tem sido abundantemente esclarecido e bem dissecado pelos órgãos de informação. Ainda bem! Oxalá que a comunidade portuguesa dê a máxima atenção a este e outros eventos similares. É a indiferença ou o encolher de ombros que encorajam a desprezo da decência; neste caso, tal desprezo concretiza-se claramente.

Além das prováveis incompatibilidades ou até mesmo conflito de interesses, o que mais atraiu a minha atenção, e me indignou, foi a naturalidade como uma pessoa com a cultura e preparação académica de Maria Luís Albuquerque, demonstra um alheamento total da ética.

Se ao menos tivesse a decência de demitir-se do seu lugar de deputada da Assembleia da República!
Mas viva o prestígio do cargo de administradora não executiva da Arrow Global e consequente valor económico. Obviamente, será acumulativo com outras remunerações da função pública; o resto é bugigangaria.

Todos clamam pelo famigerado “período de nojo”. Efectivamente, torna-se urgentíssimo legislar sobre esse tema, estabelecendo uma boa margem de anos. Se assim não for, quem sofre e sofrerá de um grande período de nojo, de asco, é a sociedade civil portuguesa. 

domingo, março 06, 2016

1944: PASSARAM 72 ANOS
AS FERIDAS MANTÊM-SE VIVAS.

Na semana passada, praticamente toda a imprensa italiana deu voz a uma geral indignação contra a entrega de uma medalha de honra, no Município alemão de Engelsbrand (Land Baden-Wuerttemberg) a um ex-nazi que fora condenado na Itália, à revelia, a prisão perpétua: Wilhelm Kusterer. Motivação explicativa da medalha solenemente conferida pelo presidente da Câmara: “É um cidadão que prestou grandes serviços ao seu concelho de origem; um cidadão activo e íntegro de Engelsbrand”. 
Na Itália, as feridas ressentiram-se, as chagas reabriram.                                                     
Da última Guerra Mundial, a Itália conserva tremendas recordações, sempre vivas, das atrocidades praticadas pelos nazis. Mas não apenas nazis, pois em algumas destas barbaridades houve a colaboração de fascistas locais.

O principal símbolo destas tragédias é o concelho de Marzabotto, região metropolitana de Bolonha, onde a população civil de quase todo aquele território, de Setembro a Outubro de 1944, foi vítima de um terrível massacre cuja único motivo foi o cruel prazer de exterminar quantos seres humanos os nazis encontrassem, quer nas próprias casas ou em qualquer outro lugar, deixando, desse rastreio, um horripilante espectáculo de morte e ruínas.
 Morreram cerca de 1150 pessoas: homens, mulheres, crianças.

O carrasco que dirigiu esta mortandade foi, precisamente, o ex-SS Wilhelm Kusterer, o íntegro cidadão de Engelsbrand, condecorado pelo presidente da Câmara daquele concelho alemão e que, com certeza, ou desconhecia o motivo da sentença dos Tribunais Militares italianos ou considerava-o um herói, o que já não seria o primeiro caso.

“Reza a história que, entre as vítimas de Marzabotto, 95 tinham menos de 16 anos; 110 eram crianças abaixo de 10 anos; 15 tinham menos de 1 ano: o mais novinho contava apenas duas semanas.
Por muitos conhecimentos que tenhamos sobre dramas deste género e similares, sempre que são evocados, o sentido do horror conserva o mesmo grau de intensidade. Arrepiam.

A notícia da condecoração veio no jornal alemão “Pforzheimer Zeirung”. Na Itália, alguém a leu na Internet. Imediatamente deu o alarme; partiu uma forte reacção.
Walter Cardi, presidente do “Comité Honras aos Mortos de Marzabotto” e primo da pequenina vítima de duas semanas, ficou furibundo e, acto contínuo, chamou o Procurador do Tribunal Militar de Roma, Marco De Paolis. Este procurador da república, com grande tenacidade, conseguira condenar, à revelia, 57 criminosos de guerra nazis. Esclareceu que “nenhuma destas sentenças jamais foi executada pela Alemanha e pela Áustria”.

O mesmo Walter Cardi dirigiu-se ao Governo alemão e ao embaixador da Alemanha na Itália: “Tirai aquela medalha ao carrasco de Marzabotto”.
“Desejaria que a Chanceler aceitasse o convite de vir a Marzaboto este ano, no aniversário do massacre. Fazer o que fez, em 2002, o presidente da República Johannes Rau que pediu desculpa”.

As reacções italianas, todavia, provieram de várias entidades, sobretudo das regiões mais afectadas por aquele crime de guerra. Consideram a medalha a Kusterer um ultraje às vítimas, aos familiares e à região onde os nazis perpetraram um massacre sem justificação. Crueldade e violência pela violência, nunca é de mais repeti-lo.

Em 2012, Martin Shulz, presidente do Parlamento Europeu, visitou a comunidade de Marzabotto. Confessou que se sentiu chocado com a brutalidade dos nazis, acrescentando: Depois de tudo o que sucedeu, é um milagre ser acolhido como um amigo. Por esta dádiva, porque a considero uma dádiva, ser-vos-ei grato por toda a minha vida”.