domingo, maio 30, 2010

“APERTAR O CINTO”
EVASÃO FISCAL


Globalização de uma crise inesperada (?) e explodiu o desastre nas contas públicas. Desapareceram optimismos encorajadores, mas que eram puramente ilusórios. Impôs-se a urgência de medidas draconianas.

Cortes na despesa pública. E nas benesses dos privilegiados?
Sacrifícios gerais e exigência de sentido de responsabilidade.
Resumindo: ponto final na ostentação e gastos de riquezas que não se possuem, o que significa “apertos de cintos” para todos os cidadãos. Mas será mesmo para todos?

Há um facto que não deve ser colocado na penumbra. É ou não é verdade que a dívida privada é superior à dívida pública?
Abstraindo as empresas com graves problemas e instituições com dificuldades, sobre as dívidas restantes seja permitido colocá-las no prato das perplexidades.
Quando se pensa em greves gerais, protestos ou revoltas, não seria preferível fazer um pequeno exame de consciência e repensar no modo como até agora expendemos nas nossas necessidades e as expandimos?

Bruxelas impôs estas directivas e temos de as aplicar”: esta é a justificação que o Governo italiano apresentou.
Evidentemente que foi Bruxelas, não a irresponsabilidade dos Estados esbanjadores, cujos dirigentes pensavam mais na conservação de votos eleitorais que aplicar decisões ou reformas impopulares, mas oportunas e indispensáveis!

O nosso Primeiro-Ministro perdeu, nas últimas eleições, uma excelente ocasião de se dirigir aos eleitores com uma franqueza total sobre o “monstro-crise” que pairava sobre o País. Teria demonstrado coragem se tivesse indicado, sem rodeios nem douramentos de pílula, as medidas austeras que seria obrigado a introduzir nos programas de governo. Se os eleitores o não premiassem, significaria que gostam de ser enganados.
Mas seguiu as praxes do costume, infelizmente.

É inegável que a crise financeira contribuiu, com um forte empurrão, para a queda de tantas certezas de um statu quo que parecia estável. Paralelamente, pôs na berlinda factores muito negativos que medravam num quase silêncio tácito da maioria dos cidadãos comuns e dos políticos.

Um deles, e que fortemente incide no desequilíbrio do orçamento de Estado, é a evasão fiscal. Um cancro erosivo, claramente contribuidor para o défice desse Estado.
O Governo enumerou as medidas de austeridade que porá em acto; não me apercebi de uma determinação de potenciar a luta contra este cancro.

Quando todos pagam, paga-se menos”, verdade sacrossanta. O problema, todavia, é fazer compreender isso a quem os impostos deve pagar, pois não é entendida como verdade sacrossanta, mas como uma máxima abstrusa, inacessível à inteligência comum.

Tommaso Padoa Schioppa, conhecido economista italiano (um dos “pais fundadores do Euro”), foi ministro da Economia/Finanças (um único ministério) de 2006 a 2008.
Nesse período, a luta à evasão fiscal italiana foi sem quartel e profícua, mercê de normas oportunas e seriamente aplicadas. Com a queda do governo Prodi e reentrada de Berlusconi, tudo saltou.

Com muita naturalidade, Padoa Schioppa emitia opiniões que desencadeavam protestos e aplausos.
A polémica anti-impostos é irresponsável. Devemos ter a coragem de dizer que os impostos são uma coisa belíssima e civilizadíssima; um modo de contribuir, todos juntos, para bens indispensáveis, como a saúde, a segurança, a instrução e ambiente”.

A oposição não perdeu a oportunidade de mostrar-se indignada. “Meter as mãos nos bolsos do cidadão”, não, senhor! Classificar como belíssimo o pagamento de impostos?! vade retro satana!

A resposta foi um comentário não menos interessante:
A quem diz que metemos as mãos nos bolsos dos cidadãos, respondo que são os defraudadores do fisco que metem as mãos nos bolsos do Estado”.
Muito bem dito!

De evasão fiscal, na Itália, fala-se e escreve-se exaustivamente, talvez porque é um dos países onde mais se foge aos impostos e onde os jornais se empenham a informar, verdadeiramente, os seus leitores.

As estatísticas de fugas ao fisco, em cinco áreas precisas, são de arrepiar: alude-se a cerca de 156 mil milhões de euros, por ano, subtraídos ao erário.
Essas áreas de incivilizados dizem respeito à “economia submersa (paralela); economia criminosa; evasão das sociedades financeiras; das big company; trabalhadores autónomos e pequenas empresas”.

Parece-me que se trata de tiques epidémicos!

Viremo-nos para o nosso lindo País. No jornal Público de ontem, num pequeno espaço da última coluna, lê-se a seguinte notícia: “Fuga ao fisco. Economia paralela vale 30 mil milhões”.
Isto na economia não declarada; e nos outros sectores? Quantos mil milhões são sonegados ao que é essencial para um país civilizado, democrático e sempre atento às causas sociais?

O mesmo Público de ontem dedicou as duas primeiras páginas internas às despesas dos vários ministérios. Óptimo serviço. Já sabíamos da indecência dos despesismos de estado; foi útil ao nosso conhecimento a informação, muito completa, sobre os pormenores desses gastos.

Por que razão este jornal, tão atento e persistente nas criticas aos governantes – e muito bem – não dedica serviços idênticos, mais incisivos, sobre os espertalhões de economias fantasma para o fisco?

Por que somos tão pouco informados sobre esta matéria? Porque deverão escavar em zonas proibidas ou desaconselháveis?
Alda M. Maia

domingo, maio 23, 2010

PERPLEXIDADES

Os muçulmanos americanos, há tempos, apresentaram o projecto da construção de uma grande mesquita - com centro cultural, jardins pênseis e uma piscina coberta - utilizando um dos edifícios danificados pelo ataque da jihad islâmica de 11 de Setembro, 2001.
Esta mesquita seria (ou será) construída nos edifícios do World Trade Center, “quadrilátero do massacre, ao lado do arranha-céus da Liberdade, em construção, aos memoriais e aos santuários para recordar as quase três mil vítimas”.

Resumindo, uma mesquita e um centro islâmico, precisamente no lugar onde o terrorismo semeou destruição e milhares de mortes.
O centro chamar-se-ia “Córdoba House” - recordando Córdoba como capital do califado, a escolha deste nome não dará lugar a interpretações erradas?
Um funcionário municipal, talvez discordante, rompeu o silêncio e fez com que a notícia se tornasse pública.

Como era previsível, nasceu a revolta, sobretudo dos que perderam, naquelas circunstâncias trágicas e cruéis, familiares e amigos.
Os mortos não o suportariam". "Que coisa poderia ser mais insolente e ofensivo que uma mesquita no lugar onde a jihad islâmica pôs em acto a carnificina do ódio?”: dois exemplos dos múltiplos comentários de quem se opõe.

Concomitantemente, também lançaram o grito de guerra os que identificam o islão com terrorismo e em tudo vêem razões para a “islamofobia”, não se apercebendo que alimentam sentimentos idênticos aos dos extremistas que repudiam.
Na matança do onze de Setembro, também morreram muçulmanos, judeus, budistas, etc. A loucura dos terroristas apenas se preocupou com a espectacularidade da devastação. As vítimas imoladas seriam um factor inerente, como é óbvio, mas talvez de secundária importância.

A directora da “Sociedade para o Progresso Muçulmano”, Daisy Khan, sustenta que “uma mesquita no lugar do delito terrorista seria aquele sinal de reconciliação, de pertença e, portanto, de distanciamento da jihad violenta.”
Mas produzirá esse efeito?

E chego agora às minhas perplexidades. Lendo a extensa reportagem sobre este caso – autor Vittorio Zucconi, de La Repubblica; analisando as justas considerações sobre o direito desse projecto ser aprovado, exactamente como o de qualquer outro lugar de culto e cultura; considerando que todas as religiões me merecem igual respeito e que odeio fundamentalismos e intolerâncias; sabendo que o islão jamais deve identificar-se com os extremistas que agem em nome dessa fé, conspurcando-a, o meu primeiro pensamento não foi ao encontro da coerência.

Não foi, pois exactamente como muitos nova-iorquinos, a minha reacção foi idêntica: - “Mas deviam mesmo escolher aquele local? Não haveria outros sítios para erigir a mesquita com as finalidades que auspiciam?”

Incoerente ou não, não quero ser hipócrita e escrever o que o meu instinto não compartilha: entendo que a escolha é infeliz.
Estarei errada, mas quando escrevo procuro desenvolver um raciocínio honesto. Ora, neste caso, não vou forçar nem adulterar o meu pensamento, a fim de demonstrar o estafado “politicamente correcto”.

Não duvido das boas intenções desse projecto na “Ground Zero”. Todavia, a sensibilidade, neste caso, deveria ter a primazia e aconselhar prudência.
As feridas ainda sangram e sangrarão. Os ânimos de quem perdeu um cônjuge, filhos, pais ou quaisquer outros entes queridos ainda permanecem exasperados. Logo, não se pode pretender compreensão. E é aqui que deveriam intervir a sensibilidade e o bom senso.

****

Noam Chomsky, judeu americano, intelectual de renome, linguista. Contestatário sem ambages, quando deve atacar o que não lhe agrada. Implacável censor do Estado de Israel e da política americana.

Como todos leram, no dia 16 deste mês, a Noam Chomsky foi-lhe negada a entrada em Israel, quando compreenderam que era directo à Cisjordânia para uma conferência na Universidade de Birzeit, perto de Ramallah.

Os funcionários aduaneiros entenderam que não tinha nada que participar em conferências de uma Universidade palestiniana. Logo, inflexibilidade absoluta.
Juntamente com a filha e outras três pessoas tiveram de regressar, forçadamente, a Nova Iorque.
Sucintamente, estes os factos.

Aqui, seguindo o sucedido, não há perplexidades ou dificuldades de entendimento: a estupidez e a arrogância intolerante dos funcionários que rejeitaram Chomsky são bem claras.
A perplexidade nasce e avoluma-se, quando devemos observar, dia após dia, o comportamento do governo do Estado de Israel.
É difícil compreender e aceitar as razões de tantas atitudes intransigentes que só prejudicam este Estado, o denigram e desacreditam, subtraindo-o à solidariedade que as suas razões, paralelas às dos palestinianos de boa vontade, devem merecer.
Mas de um governo de extrema-direita que se pode esperar de equilibrado? Fundamentalismo contra fundamentalismo. Ora, para estas mentalidades obtusas, conta apenas a brutalidade das armas.

Como seria desejável que a grande percentagem dos moderados de Israel e Palestina – que existem, pois as insistentes manifestações de protesto demonstram-no - cansados de tantas violências gratuitas, guerras destrutivas e intolerâncias exacerbadas dessem as mãos, gritassem mais forte e em maior número que os sectários fundamentalistas e, embora com recíprocas e inteligentes renúncias, conseguissem uma convivência serena!
Impossível?
Alda M. Maia

domingo, maio 16, 2010

CRER OU NÃO CRER, EIS A QUESTÃO

Agora que a euforia nacional e a bebedeira de entusiasmo passaram, são inevitáveis os tais pensamentos vagabundos que giram à volta de tantos temas atinentes á visita do Papa.

Que o entusiasmo dos crentes sinceros ou daquela beatice irritante que abunda no nosso País se tivessem manifestado, nada vejo de anómalo, muito menos criticável. Vivemos num Estado laico, mas com uma religião predominante que é o catolicismo.

Houve exageros que nada tem que ver com o aspecto religiosa, mas sim com certos aparatos e ostentações que poderiam ter sido reduzidos a uma forma mais simples, mais sugestiva.

Mas não é sobre estas facetas da visita papal que desejo exprimir-me. O que cativou mais a minha atenção, aliás como sempre me acontece, é a fé comovente dos milhares de crentes que se dirigem a Fátima.

Podemos crer ou não crer. Podemos alimentar dúvidas ou perplexidades. São problemas ou estados de alma muito legítimos em qualquer pessoa. O que não merece a minha simpatia é o modo desdenhoso como certos agnósticos, ou ateus de trazer por casa, comentam ou analisam estas manifestações religiosas.

O agnosticismo nega à inteligência humana a capacidade de entender o absoluto, as questões transcendentes; os ateus negam a existência de Deus. Até aqui, aceitam-se e compreendem-se essas posições.
São absolutamente legítimas e aceitáveis, quando expostas como entendimentos pessoais honestos, conhecedores e meditados. Passam a ser irritantes e ofensivas, quando apresentadas como verdades irrefutáveis – frequentemente por semi-ignorantes – reforçadas com profundo desdém por quem assim não pensa ou cultiva uma fé religiosa. São estas últimas atitudes que desprezo e não suporto.

Posso não compartilhar o empenho de quem vai a Fátima com fervor e esperança; nunca posso evitar, nem quero, o respeito e enternecimento que me merecem.

Num blogue italiano foi publicado um cartoon sobre a visita do papa a Portugal. Nele está desenhada uma flor de papoila. Em italiano chama-se “papavero” (papávero); decompondo a palavra, ficaria “papa vero” (papa verdadeiro).
À papoila foi acrescentada a seguinte legenda: “Foi a Turim rezar diante de um falso. Veio a Fátima rezar sobre uma «lenda metropolitana». Como me agradaria ser um papa verdadeiro”.
«Leggenda Metropolitana” - Lenda metropolitana: conto ou notícia de dúbia veracidade, ampliada pelos meios de comunicação; invenção, mentira… galga.

Ao cartoon desse post deixaram o seguinte comentário: “A opinião da papoila é válida como qualquer outra. Todavia, há um «mas»: quando naquela “lenda metropolitana” crêem milhões e milhões de pessoas, a ironia poderia dar lugar ao respeito. Questão de bom gosto”.

O comentário mereceu a resposta, não do autor, mas de uma senhora participante desse blogue colectivo: “Milhões de pessoas acreditavam que existiam as bruxas e ficavam satisfeitas de as verem queimadas”.

Concluindo: crer nas aparições de Fátima é o mesmo que ter acreditado que havia bruxas e que deveriam ser imoladas na fogueira. Decididamente, a cristandade não evoluiu mesmo nada!... Ou será a petulância de quem é ateu - frequentemente ostentada como atitude superior – que de tudo faz uma indigesta caldeirada?

Mas ponhamos de parte ironias. A senhora esqueceu a era em que vivemos e as sacrossantas liberdades que nos são garantidas, uma das quais é a liberdade de culto, de religião. Esqueceu, ou ignora, que ouve o Iluminismo que procurou varrer obscurantismos.
O mundo evoluiu. Nos tempos de hoje, as manifestações de fé sincera e jamais fruto de beatice hipócrita, repito, merecem absoluto respeito. Este é o cerne da questão e que a tal senhora das bruxas não soube individuar. É normal, em muitos blogues.

Já que falamos de evolução – insisto neste assunto - seria tempo que a Igreja Católica sacudisse ou arejasse princípios rígidos sobre certas matérias a que o ex-cardeal de Milão, Carlo Maria Martini, chamou “males menores”; logo, discutíveis nos tempos hodiernos.
Quando assim se exprimia, referia-se ao divórcio, às uniões legalizadas de homossexuais e outros problemas que o Vaticano não aceita considerar.
Bento XVI pensa diversamente. Numa das suas homilias em Portugal, de novo quis mencionar os valores “não negociáveis”.

Seria auspicioso que estes homens do Vaticano reformassem as mentalidades de quem olha o resto da humanidade do alto da cadeira gestatória. Esta é já objecto de museu. Caridade e humildade nunca foram contraproducentes no ministério das hierarquias: só dignificariam e revigorariam toda e qualquer autoridade eclesiástica.

****

Daria um conselho a quem defende o “casamento homossexual”. Deixem de usar a palavra casamento e usem a expressão “união legalizada” ou algo equivalente. É aquele vocábulo, casamento, que cria perplexidades e confusões.
Cria indignação nos bem-pensantes: bem-pensantes interpretáveis, na sua maior parte, como intolerantes enfileirados na coluna dos crentes de fachada.
O crente de coração e alma aborrece princípios que ignoram escolhas angustiantes ou direitos que nada prejudicam os direitos dos demais cidadãos, quer isto entre ou não nos cânones intransigentes da Igreja Católica.
Alda M. Maia

segunda-feira, maio 10, 2010

EUROPA, MERCADOS E POLÍTICA DOS GOVERNOS

Como capítulo final de um tema que tanto tem absorvido e preocupado a minha atenção nestes últimos tempos, não quero deixar de transcrever excertos de opiniões que me agradaram e continuaram a elucidar-me sobre aquela espécie de anaconda que procura estrangular e engolir o euro, atirando para o precipício da insolvência os países de economia frágil.

Mas, cá no nosso Portugal, tenho a impressão que ninguém ande preocupado, pois é mais importante - e não me canso de insistir sobre este triste espectáculo dos nossos parlamentares – perder tempo e dinheiro no inquérito PT/TVI.

Acaso ainda não se aperceberam que já provocam náusea com esses absurdos e inúteis modos inquisitoriais? O essencial é legítimo, mas quem lhes deu o direito ao abuso? Aonde querem chegar?

Neste momento não ponho em causa a cor política do Primeiro-Ministro. De direita, de centro ou de esquerda, apenas me interessaria - mais uma vez o repito - que se verificasse uma preocupação e conversão únicas sobre os graves problemas que nos afectam e que a imprensa estrangeira aponta como o próximo alvo - depois da Grécia, Portugal e sempre Portugal.
Um «máxi-plano» até 750 mil milhões, com a participação do FMI, para blindar a zona euro dos ataques da especulação (…) Solicitados também novos sacrifícios a Espanha e Portugal, os dois Países considerados de maior risco nesta fase” - Corriere Della Sera de hoje, 10/05/2010.

No entanto, qual a tarefa mais urgente imposta ao chefe do Governo, quando este teve de preparar-se explicar bem, em Bruxelas, a nossa situação financeira e económica? Pois neste período de grande empenho e responsabilidade política, deve responder, por escrito e num espaço de dez dias, a setenta (se não erro) ociosas perguntas de deputados sem ideias e irresponsáveis. Penoso!

Há um outro aspecto que me deixa perplexa, se não indignada. A escassa informação, quer escrita, quer falada.
No jornal “Público” de hoje, leio no artigo de Domingos Ferreira (professor e investigador, Universidade do Texas/Universidade Nova): Apesar de desdramatização das autoridades portuguesas e da incompreensível apatia da generalidade da comunicação social portuguesa (à excepção do jornal Público), as notícias para Portugal não poderiam ser piores (…)”

Permito-me discordar do que concerne a “excepção Público”. É jornal que leio diariamente e comporta-se como os demais. A comprová-lo, basta a edição de hoje, dia 10. As primeiras seis páginas internas, além da grande foto da capa, ocupam-se da vitória do Benfica! Dispensam-se comentários.

Certamente que apresentaram na primeira página, em grandes parangonas, a decisão, em Bruxelas, do “pacote de 600 mil milhões para apoiar os Países em dificuldade”; tema, porém, muito pouco desenvolvido numa única página da secção economia, quando haveria tanto para escrever e melhor elucidar os leitores.

****

Cai também o Estado na bolsa de valores. Parece que ninguém se apercebe que a situação da Grécia é a síndrome da crise do Estado moderno.
(…) Por um lado, é responsável pela desastrosa situação financeira na qual se encontram outros Países da União Europeia; pelo outro, é incapaz de sair desta situação senão reconfirmando a própria natureza e os próprios limites.
.
Se o Estado estivesse, como deveria, ao serviço do cidadão, e não vice-versa, a “cura” do governo grego deveria consistir, sobretudo, na eliminação de entidades inúteis, na redução de desperdícios, na contenção da burocracia, na luta à corrupção e às cumplicidades político-financeiras. Numa palavra: na reforma de si mesmo”.

Piero Ostellino - Corriere Della Sera, 07/05/2010
O negrito é meu, pois vejo este parágrafo muito aplicável a Portugal.

****

(…) A novidade das últimas 48 horas é esta: os governos compreenderam que o ataque da especulação já não é somente contra a Grécia. O objectivo é bastante mais alto, a derrocada da economia grega foi apenas o detonador, mas agora é bem claro qual seja o alvo: o euro, a moeda única europeia, a resistência do sistema europeu e a sua necessária evolução política.
(…) A este ponto as perguntas que devemos formular são três: por que motivo a especulação ataca a Europa, as suas Bolsas, a sua moeda? Quais são, técnica e politicamente, os pontos débeis da União Europeia? Quais são as terapias necessárias para defender-nos? Podemos ainda acrescentar uma quarta pergunta: quem são os especuladores? Como é possível que tenham tantos meios e tanta coragem de partir em batalha contra uma estrutura de dimensões continentais que coincide com a área mais rica do mundo?

(…) O conjunto de forças que operam nos mercados, a especulação, sabe de há tempos que o BCE é o único banco central existente que não tem atrás um Estado soberano. Esta situação confere-lhe o máximo de independência, mas, paralelamente, a máximo solidão e fragilidade.

(…) Os Estados membros mantêm o completo domínio das respectivas políticas de orçamento, das respectivas políticas fiscais, da despesa pública, quer nacional, quer local, dos incentivos, das retribuições públicas, do sistema de saúde. Os mecanismos de coordenação são brandos e, na maioria dos casos, resolvem-se em recomendações
”.
Eugénio Scalfari, La Repubblica, 09/05/2010

****

Desejo concluir com uma nota cómica. Como a noite avançava e em Bruxelas não havia maneira de tomarem uma decisão, surgiu o homem de acção e intuição aguda: Berlusconi!
Telefonou a Ângela Merkel e tudo se “desbloqueou imediatamente” – comunicado da sede de Governo italiano: “o plano desbloqueou-se, graças à intervenção de Berlusconi”

Barack Obama foi relegado, quanto a importância, para segundo lugar: os seus telefonemas à Senhora Merkel e a Sarkozy já chegaram tarde.
O peso que toda a imprensa atribui à intervenção de Obama, portanto, é absolutamente descabido!
Dá vontade de sorrir, para não rir às gargalhadas.
Alda M. Maia

domingo, maio 02, 2010

AS PARCAS DA VIDA FINANCEIRA DAS NAÇÕES

Do muito que procuro ler sobre esta famigerada crise, pois entendo, obviamente, que a boa informação é indispensável para melhor compreendermos a dimensão das tempestades económicas e financeiras que nos vergastam, o factor que sempre me indigna é a autoridade assumida pelas agências de notação financeira.

Não porque se tornou de moda atribuir-lhes todas as culpas, mas porque, paralelamente à péssima actuação europeia, são a causa primária de tantos problemas para as dívidas soberanas.

Passei a assemelhá-las às fatídicas três Parcas: Cloto, Láquesis, Átropos.
A Standard & Poor’s atribuo-lhe o papel de Átropos, a parca que corta o fio da vida. Nestas circunstâncias, porém, corta o fio da esperança das nações endividadas, em luta contra as exorbitantes taxas de juros.
Se, pelo contrário, o fim principal é a morte do euro, S&P (Átropos) está a executar bem a incumbência, se lho permitirem.

Assim, é com redobrado interesse que leio os artigos e análises que condenam, usando argumentos válidos, estes mercenários da avaliação.

Permito-me transcrever algumas partes de um excelente artigo de Federico Rampini, enviado especial do jornal La Repubblica nos Estados Unidos, escritor, um currículo académico consistente, autor de análises e artigos de grande interesse.
Título do artigo: “Os Senhores do rating que desclassificam as nações

O endereço é 250 Greenwich Street, a dois passos de Ground Zero.
Aqui, no vigésimo andar do arranha-céus de Moody’s, o visitador é recebido por uma placa de ouro: «Crédito. A confiança do homem no homem».
Artur Cifuentes, ex-dirigente de Moody’s, pensa diversamente. Hoje define «uma vergonha o modo como as agências de notação financeira estabelecem as suas tabelas sobre o crédito, os votos de solvibilidade».

Eric Kolchinsky, também ele dirigente arrependido de Moody’s, pronuncia a palavra «fraude».
Frank Raiter, que trabalhou para Standard & Poor’s, fala de oligopólio que acumula lucros, graças ao papel de árbitro»
(…) «Esta é gente que distribui passaportes falsos», segundo Paul McCully, de PIMCO, o maior fundo de investimento mundial e títulos de Estado.

Eis-nos no universo das agências de rating: desacreditadas, vituperadas pelo papel infame que tiveram na última crise financeira. Todavia, mais potentes do que nunca.
Quarta-feira, foi suficiente que Standard & Poor’s desclassificasse a dívida espanhola para fazer cair o euro, precipitando os mercados na falta de confiança e levando Barack Obama a telefonar a Ângela Merkel, a fim de convencer a Alemanha a pôr de lado vetos sobre as ajudas à Grécia.
O governador do banco central austríaco, Ewald Nowotny, protestou que «é inaceitável que o destino da Europa dependa do juízo de uma agência de notação financeira».

Vejamos o que escreve o famoso economista Paul Krugman (Nobel 2008 de Ciências Económicas), num artigo onde denuncia o comportamento indecente das agências de rating.

(…) As agências de rating iniciaram as suas actividades, ocupando-se de investigações sobre os mercados e tornando disponíveis, a pagamento, avaliações sobre posições de dívidas societárias.
De todas as maneiras, por fim transformaram-se em algo completamente diverso.

(…) A subcomissão do Senado concentrou as próprias investigações nas duas agências de rating mais importantes, Moody’s e Standard & Poor’s. O que trouxe à superfície confirma as nossas piores suspeitas.
Numa mensagem de correio electrónico, por exemplo, um empregado de S&P explica que um certo encontro torna-se indispensável «para
discutir os critérios de ajustamento», necessários para avaliar os títulos garantidos da propriedade imobiliária, dado o perigo actual da perda de contratos.
Noutra mensagem, o remetente lamenta-se de dever falsificar as cifras dos subprime e das letras A, a fim de tutelar as quotas de mercado.

É evidente que as agências de rating distorceram as suas avaliações, no sentido de contentar os clientes.

****

Não quero justificar ou absolver a “finança alegre”, despesista e irresponsável, como muitos governos administram a finança pública; não quero diminuir a grave responsabilidade da acção política europeia e a dos países singulares; não quero ignorar a mediocridade dos dirigentes políticos europeus; neste aspecto, o panorama é desolador.

Se as agências de rating emanam sentenças do alto da cátedra, é porque encontraram, na União Europeia, um “far west” adequado, sem temer possíveis reacções dos xerifes responsáveis. Mas estes - ai de nós! - apenas curam a protecção dos próprios interesses.

Quanto à triste política portuguesa, pergunto: que espécie de gentinha nos fizeram eleger para a Assembleia da República? Não escrevo o vocábulo “gentinha” com ironia, mas com desprezo.
Certamente que há excepções apreciáveis; só lamento que se vejam afundadas no meio de tanta mediocridade e improvisação.

Na semana passada augurei uma aproximação dos dois maiores partidos. Passos Coelho efectuou o lindo gesto. Sincero? Cálculos promocionais? Seja o que for, mereceria ser encorajado.
Foi com profunda náusea que tomei conhecimento das reacções negativas de elementos do PS, PSD e demais partidos.

Desponta a louca vontade de pegar-lhes pelas orelhas, sentá-los à volta de uma grande mesa, fechar a porta e proceder como se fazia nos conclaves de antanho: não saireis daqui enquanto não encontrardes soluções para a agonia financeira e económica do nosso País. Foi para isto que vos elegemos e não para andardes a perder tempo, despudoradamente, em estafados joguinhos políticos. Haja bom senso e vergonha!
Alda M. Maia