segunda-feira, outubro 31, 2016

PRINCÍPIOS DE NOVEMBRO:
COMO SEMPRE, AS SAUDADES IMPÕEM-SE

 Henri Fantin-Latour, cesto de rosas

Queremos atenuá-las, transformá-las em doces recordações, mas, como sempre exponho e no que me concerne, não consigo.
Relembremos “Quadras ao gosto popular” do nosso Fernando Pessoa:

Saudades, só portugueses
Conseguem senti-las bem,
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm.

A terra é sem vida, e nada
Vive mais que o coração…
E envolve-te a terra fria
E a minha saudade não!

Depois da dia vem a noite,
Depois da noite vem o dia
E depois de ter saudades,
Vêm as saudades que havia.

E enquanto houver memória, sobretudo memórias tristes e sempre com o aguilhão pronto a avivá-las, as saudades que “só os portugueses conseguem senti-las bem”, aqui, reflectem os retratos permanentes dos nossos entes queridos que partiram. Paz para eles e para quem nunca os esquecerá: o cesto de rosas de Fantin-Latour acompanha as outras flores reais. 

segunda-feira, outubro 24, 2016

AS CONTRADIÇÕES DA UNESCO

Esplanada das Mesquitas e Muro das Lamentações 

Chamemos-lhe contradições em vez de decisões facciosas da UNESCO. Que me seja perdoado o termo “facciosa”, mas é muito difícil conciliar a UNESCO - (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) - com a recente resolução sobre Jerusalém.

Esta organização tem o nobre objectivo de “contribuir para a paz, segurança e cultura no mundo”. Conhece perfeitamente o amontoado de pólvora que permanece naquela zona do Médio Oriente, sempre em ponto de explosão ao menor pretexto. Por qual motivo aprovou uma resolução “com o fim de tutelar o património cultural da Palestina”, usando sempre a terminologia árabe para designar lugares denominados em modos diferentes por árabes e judeus?
O “Muro das Lamentações” não tem a mesma sacralidade para judeus como a “Esplanada das Mesquitas” tem para os muçulmanos? E os cristãos, onde os colocamos?

Embora, no parágrafo três da resolução, tivessem citado a importância da Velha Cidade de Jerusalém com muros sagrados das três religiões monoteístas, a direcção executiva da UNESCO, antes da decisão final, deveria ter prestado mais atenção às palavras da directora, Irina Bokova, que, não concordando, exprimiu as suas razões:

“Jerusalém, mais do que qualquer outro lugar, é espaço de património e tradições compartilhado por judeus, cristãos e muçulmanos. A sua herança é indivisível e cada uma das suas comunidades tem o direito ao reconhecimento explícito da própria história e á relação com a cidade. Negar, esconder ou eliminar qualquer tradição hebraica, cristã ou muçulmana mina a integridade do sítio e contrasta com as razões que têm justificado a sua inscrição na lista de Património Mundial da UNESCO”.
Mais claro do que estas palavras seria redundância.

Israel indignou-se, protestou e abandonou a UNESCO. Nesta controvérsia tem absoluta razão. Todavia, relativamente a este assunto, surgem outras considerações.
Em primeiro lugar, entendo que Jerusalém, precisamente porque é Jerusalém, não deveria ser capital de qualquer Estado: quer de Israel, quer da Palestina, as duas comunidades em causa.

Em segundo lugar, o Estado israeliano deveria ser rigorosamente vigilante e inculcar bem nos partidos de direita, nos ultra-ortodoxos ou quaisquer outros fanáticos o respeito pelos muçulmanos, sobretudo quando vão orar na “Esplanada das Mesquitas”, bem sabendo que estas devoções hebraicas, naquele local sagrado para os islamitas, constituem uma inaceitável atitude provocatória.

Recorde-se a famosa passeata de Ariel Sharon (parlamentar da direita conservadora de Israel) na Esplanada das Mesquitas, em Setembro de 2000, e as revoltas palestinianas que daí resultaram: uma segunda intifada que se alongou até 2005.
Recordemos também que para os países árabes tudo serve para adquirir posições extremas, explorando todos os símbolos que fomentem os extremistas  e alimentem o contencioso com Israel.

Em questões desta natureza, o bom senso, a ponderação e o equilíbrio são bens inacessíveis; para atingir uma paz consistente, concordância e solidariedade são conceitos proibidos. Taras das comunidades humanas.

segunda-feira, outubro 17, 2016

“DARIO FO, O SUMO JOGRAL”

O grande actor e dramaturgo Dario Fo

Milão, Piazza Duomo: funeral de Dári Fo: "milhares de pessoas para o último aplauso"

Dario Fo sempre captou o meu interesse e grande simpatia pela originalidade do seu humor, do seu talento, da sua coragem de dizer o que pensava sem jamais cair na bajulação. 

A mim ensinou a nunca ser cortesão, a divertir-me quando críticos e nunca me tomar a sério” – testemunho do escritor Roberto Saviano.
"Foi constante o empenho político de Fo em todas as suas produções. O teatro, para ele, não podia ser senão o espelho da sociedade". - Marica Stocchi
E neste aspecto, a sua objectividade não alterava a imagem, apesar de as suas tendências políticas alinharem na extrema-esquerda.

Não me alongo sobre quem foi Dario Fo, pois os nossos jornais publicaram amplas informações concernentes à morte e vida deste grande actor, escritor, dramaturgo, ilustrador, pintor, Nobel da Literatura em 1997.

No jornal Público, o encenador Jorge Silva Melo informa que “No fundo, ele é um filho da televisão dos anos 50”. Não é exacto. Desde o início da sua carreira, sempre foi conhecido como actor teatral. Só em 1962 Dario Fo e a sua esposa, Franca Rame, conduziram um programa televisivo e, obviamente, a popularidade destes dois actores aumentou.  

“O imponente corpus dramatúrgico, quase uma centena de textos teatrais, valeu-lhe, em 1997, o Nobel da Literatura”Corriere Della Sera, 13/10/2016.
Sendo assim, será adequado estabelecer similitudes com o Nobel da Literatura de 2016? Responda quem é competente nesta matéria.
Curiosa coincidência, todavia, sobre a data 13 de Outubro 2016: atribuição do Nobel da Literatura a Bob Dylon; morte de Dário Fo.

Os títulos da imprensa italiana, anunciando o seu falecimento no passado dia 13, foram quase todos coincidentes no aposto que caracterizava esta popularíssima figura do teatro italiano: “Dario Fo, o sumo jogral”.

Vem então a propósito o que o “Sumo Jogral” dizia:
“Ainda não se compreendeu que é somente no divertimento, na paixão e no riso que se obtém um verdadeiro crescimento cultural”.
“O riso é sacro. Quando um bebé dá a primeira gargalhada é uma festa.

Mas também acrescentava:
O homem sem ideias, como dizia Voltaire, é um imbecil”.
“Em toda a minha vida nunca escrevi nada para divertir e basta. Sempre procurei introduzir, nos meus textos, aquela brecha que é capaz de mandar em crise as certezas”.

Aquando do banimento das suas obras na Turquia - “porque não encarnam o espírito nacional turco” - numa entrevista em que as perguntas incidiam mais sobre o facto de ser posto fora da lei conjuntamente a Shakespeare, Cechov, Bertold Brecht e similares, as respostas caracterizam Dario Fo:
É belíssimo! Mas que honra! Parece-me, todavia, que na Turquia se esqueceram de alguém igualmente importante. Na lista dos rejeitados faltam os antigos Gregos e, talvez, alguém da Comédia da Arte. Só assim o elenco estaria completo.”
“Acomunado a estes grandes, admito que me dá um grande prazer. Sinto-me como se me tivessem dado um outro prémio Nobel”.
 
O funeral de Dario Fo realizou-se sábado passado. O cortejo partiu do Teatro Strehler para a Praça Duomo (Praça da Catedral) onde se efectuou o funeral laico. Fo era ateu, mas alimentava dúvidas.
Um sacerdote do Duomo quis negar o espaço Sagrado para o funeral. Uma reunião com a Câmara Municipal de Milão e a promessa que, no Sagrado, apenas estariam o féretro e os familiares, esvaeceram o problema. 


 A Praça encheu-se de milhares de pessoas que quiseram assistir ao último adeus a Dário Fo, embora a chuva fosse persistente. Uma homenagem de Milão merecida. Dizem que não será a última. É credível. 

segunda-feira, outubro 10, 2016

E NÓS, PORTUGUESES,
POR QUE NÃO ORGULHARMO-NOS?

Guterres num acampamento de refugiados somalis em 2011

Não se tratou da nomeação de um campeão de ténis, de xadrez ou similares, mas a do mais alto cargo político mundial: Secretário-Geral das Nações Unidas.
Escolheram um português. A minha satisfação e, acentuo, o meu orgulho é, acima de tudo, por terem escolhido, entre vários candidatos/as, a pessoa mais competente e adequada para o exercício de tal função.

 “O ex-primeiro ministro português combina ideais humanitários com pragmatismo e dotes diplomáticos”. (La Stampa).
Irina Bokova (búlgara), Helen Clark (Nova Zelândia), Kristalina Georgieva (búlgara)… Nenhuma foi considerada sólida como Guterres que, entre os seus encargos anteriores, também inclui o de presidente da Internacional Socialista e, sobretudo, em 10 anos do ACNUR, demonstrou sageza e equilíbrio”. (La Repubblica)
“A imagem deste político português (Lisboa, 1949) engana; por detrás das suas maneiras suaves, existe uma fé inquebrantável nos impossíveis e uma vontade de ferro”. (El País)  
 Estas são três das múltiplas e idênticas opiniões do que se pôde ler nos jornais internacionais. Todos afinaram pelo mesmo diapasão: equilibrado, competente, pragmático, diplomata, “a figura mais adaptada para navegar e mediar”, etc., etc..    

Não houve combinações diplomáticas nem os sólitos joguinhos políticos de potências que tudo devem determinar, verificando-se um facto quase inédito: o acordo, por convicção, de Rússia e USA por Guterres.
As decisões de bastidores foram banidas, brilhou a transparência e foi designado um português, única e simplesmente pelos seus méritos.

Não será um “Santo António de Nova Iorque”, senhor João Miguel Tavares, - (Público de 08/10/2016). Ninguém quer santificar ninguém. Estamos felizes e orgulhosos porque, mais uma vez, verificamos que este país tem valores e pessoas de valor. E não pense que esta espécie de regozijo se manifeste somente em Portugal. É comum a quem ama a sua terra, em qualquer parte do mundo.

Ainda uma última consideração e sobre a nomeação de mulheres para altos cargos, como se pretendia para o novo Secretário-Geral da ONU.
Perfeitamente de acordo quando existem candidatos ou candidatas em circunstâncias iguais de competência e qualidades. Que jamais predomine o machismo e escolha-se, sempre, o candidato mais idóneo.

Nomeações baseadas em alvitres sobre a oportunidade de se eleger uma mulher e de determinada zona, isso é humilhante e nenhum ser feminino deveria aceitar esses preliminares: ou sou competente e reúno as condições necessárias, paralelamente ao que é exigido a qualquer outro candidato/a, ou não o sou. Ponto final.

PS. Houve um erro: no texto que publiquei ontem, escrevi Miguel Sousa Tavares em vez de João Miguel Tavares. Já foi corrigido (11/10/2016)

segunda-feira, outubro 03, 2016

AS DUAS BELAS CRIAÇÕES DE VAN GOGH
ROUBADAS E REENCONTRADAS

A saída da igreja protestantede Nuenen  - 1884

A Praia de Scheveningen  -  1882

Decorridos 14 anos, foram reencontrados, na região de Nápoles, os dois quadros de Van Gogh, roubados em horas nocturnas de sete de Dezembro 2002, no museu de Amesterdão dedicado às obras daquele grande pintor.

A tenacidade da Procuradoria de Nápoles e o núcleo da polícia tributária da Guarda de Finanças daquela região conduziu-os ao local onde os quadros estavam escondidos: uma casa de campo em Castellammare di Stabia, casa condutível a um dos grandes chefes do narcotráfico internacional, Raffaele Imperial”.

A arte, sobretudo a arte contemporânea, é o canal número um para a reciclagem. Desloca-se mais facilmente e é um investimento relativamente seguro. Camorristas, evasores fiscais, criminosos comuns investem na arte. Provavelmente, hoje, é a via principal de capitais de proveniência ilícita”: esta é a opinião idónea de Roberto Saviano, grande estudioso e testemunha credível do que é a Camorra na região napolitana, e não só.

Mais informa que “estes clãs mafiosos, em várias zonas arqueológicas, saqueiam ânforas, estátuas e outros achados arqueológicos de grande valor histórico e artístico, revendendo-os no mercado clandestino; uma rapina ao ar livre e um negócio que não deve ser subavaliado”.

Acrescente-se que existem respeitáveis amantes da arte, assim como alguns museus, que não alimentam grandes escrúpulos em conhecer a origem das obras que adquirem. O amor à arte ou o investimento sobrepõem-se a qualquer outra consideração.

Em 29 de Julho de 2013, no Corriere Della Sera foi publicado um longo e esplêndido artigo com o título: “Um milhão de obras de arte roubadas e nunca encontradas”
Subtítulo:Saquear a Itália é fácil e ninguém paga. Dos nazis de ontem à máfia de hoje”. Paralelamente aos nazis, o exército russo, quando invadiu Berlim, também se dedicou a uma pilhagem similar: não só de objectos de arte alemães como os que foram saqueados pelos nazis na Itália e transferidos para Berlim.   
Imprimi essa publicação. Fornece-nos um grande número de informações cativantes e bem detalhadas sobre as preciosas obras de arte rapinadas.

Viva, pois, os dois Van Gogh reaparecidos; aplausos à perseverança de quem os encontrou.