segunda-feira, janeiro 29, 2007

SHOAH
NEGACIONISMO

No dia 27 de janeiro, sábado, comemorou-se o "Dia da Memória": memória da eliminação - científica e bem organizada - de judeus, ciganos, homossexuais, doentes mentais, comunistas. Recordou-se, portanto, o Holocausto.
A palavra Shoah, analisadas as circunstâncias, dizem que é o termo mais adequado. Define correctamente o que significou a "solução final", isto é, o aniquilamento daqueles seres humanos, "inferiores", que poderiam contaminar a "pureza da raça ariana". Provoca-me arrepios só o facto de escrever estas frases!
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Escolheu-se o 27 de Janeiro, pois foi neste mesmo dia que as tropas soviéticas abriram os portões do inferno do campo de extermínio de Auschwitz.
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Ângela Merkel e o seu Ministro da Justiça tinham lançado um apelo aos paíse da UE para que, em todos eles, fosse declarado crime a negação do Holocausto.
Já é assim considerado em nove países europeus: Áustria, Alemanha, Bélgica, França, Lituânia, Eslováquia, Polónia, Roménia, República Checa - o que não impediu o pulular de extremistas de direita, nesses países!
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O Ministro da Justiça italiano delineou um projecto de lei com a mesma finalidade (sucessivamente, foi alterado).
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Uma carta, assinada por quase 200 historiadores italianos, foi enviada ao governo, mostrando-se preocupados e críticos, perante uma proposta que proíbe o negacionismo: "Substituir uma necessária batalha cultural e uma prática educativa (...) com uma solução baseada sobre a ameaça da lei, parece-nos particularmente perigoso, por diversos motivos (...)"
"Oferece-se aos negacionistas, como já aconteceu, a possibilidade de se arvorarem em defensores da liberdade de expressão"
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Concordo plenamente que tais proibições não devam ser objectos da lei. Ou se respeitam as verdadeiras regras democráticas ou se abre as portas a futuras e sub-reptícias ocasiões de leis discutíveis.
A negação da Shoah não passa de mais uma face do anti-semitismo; ora, não são leis severas que o podem combater.
"Só a informação correcta e persistente, a discussão aberta, os comportamentos políticos consequentes, isolando sempre, e em todas as circunstâncias, os indivíduos ou grupos que depositam no negacionismo, directa ou indirectamente, a própria identidade pública" - Stefano Rodotà, "La Repubblica"
O negrito é meu e reforço a ideia: isolando e jamais criando alianças, por uma questão de votos eleitorais, com esses grupos ou indivíduos.
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No nosso País, parece-me que o dia 27 de Janeiro em nada interessou os jornais ou noticiários televisivos. É pena! Se demonstraram uma espécie de indiferença, própria de quem se julga à margem do que aconteceu, descuraram uma boa oportunidade de levar a nossa juventude - insisto, sobretudo a nossa juventude - a tomar conhecimento de uma tragédia, única na história das atrocidades praticadas pelo homem.
Depois, seria bem não esquecer que fazemos parte da UE e que foi no coração desta Europa que tudo aconteceu. Não esqueçamos ainda os milhares de fugitivos, acossados pela barbárie, que Portugal acolheu.
É confortante ver o Cônsul Aristides de Sousa Mendes na lista dos dez portugueses mais importantes - equilibra um pouco o desconforto de ali ver um Salazar ou um Cunhal (bem aparelhados, estes dois!...)
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PERSEGUIÇÕES RACIAIS
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Tive ocasião de ouvir, directamente, tantas histórias, narradas na primeira pessoa, sobre o que foram as perseguições raciais.
Também pude ver o fatídico número tatuado no braço de uma sobrevivente - não recordo de qual campo de extermínio. De toda a família, foi a única, criança ainda, que se salvou.
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Na semana passada, os jornais e televisões italianos ocuparam-se, amplamente, do "Dia da Memória". Não surpreende. Na Itália, as feridas do Holocausto continuam presentes. O fascismo não foi apenas conivente com o nazismo, mas lucidamente cooperante no rastreio e envio de vítimas judaicas para o matadouro; outras vítimas, para campos de concentração.
Ideias fascistas continuam bem latentes; sucede que procuram enroupá-las com outras aparências.
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Embora haja quem coloque a Shoah a par de outros genocídios ou massacres, sempre discordei dessa equivalência. Não pela crueldade e hediondez, pela dimensão, pelo horror que inspiram; em tais aspectos, nada há que que os diferencie. São apenas as diferentes bases que os determinaram que me levam a classificar a Shoah como caso único.
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O Nazismo determinou que certas categorias de pessoas deveriam constituir uma subespécie do género humano: tudo em função da "pureza da raça ariana"!... Consequentemente, primeiro, era necessário desumanizar esses seres que poderiam contaminar os "puros". Em segundo lugar, eliminá-los, científica e metodicamente.
Na escala dessas "raças degeneradas", os judeus ocupavam o último lugar, o de maior degradação. A leitura do livro de Primo Levi, "Se Isto é Um Homem!" - leitura aconselhável a tanta gente! - é bem elucidativa a este respeito.
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Comunistas, opositores, inimigos do regime tiveram o mesmo tratamento nos campos da morte, mas jamais por serem considerados raça inferior; eram apenas elementos perturbadores da marcha triunfal de Hitler. O que vem a dar no mesmo, ao fim e ao cabo.
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 22, 2007

EXTREMA-DIREITA NO PARLAMENTO EUROPEU.

Com a chegada da Bulgária e Roménia à UE, os extremistas de direita obtiveram quórum para formar, com toda a legitimidade, um novo grupo no Parlamento Europeu: “Identidade, Tradição, Soberania” – ITS.
Como “Identidade”, já sabemos aonde querem chegar: na Europa, só cristãos; os demais que regressem à terra deles.
“Tradição”: a que género de tradição se referem, visto que todo o Continente Europeu é um belíssimo mosaico de tradições, explicá-lo-ão.
“Soberania”, isto é: a UE apenas deve ocupar-se em recolher e distribuir fundos; providenciar a fim que sejam bem distribuídos e as transacções económicas funcionem harmoniosamente. Quanto ao resto, ao gigantesco resto, ninguém se atreva a imiscuir-se nas decisões da sacrossanta soberania dos países componentes. “Guerra ao super-estado europeu” - e
is, para já, uma parte da ementa que entendem apresentar e defender.

Não admitem que os classifiquem racistas, xenófobos, anti-semitas. Ameaçam processos em tribunais e argumentam: “Direita moderada, sim; extremistas, não. Não metemos bombas em nenhum aeroporto”.
Não consta, lá isso não. Somente, defendem teses tão nojentas como a gravidade das bombas.

Em democracia, todos devem ter voz e representatividade, sei-o muito bem e, nesse aspecto, a minha convicção é férrea. Todavia…
Segundo The Independent, são pessoas que “Odeiam ciganos, negacionistas do Holocausto, xenófobos, homófobos, anti-semitas”; portanto, elementos que bem espelham estas odiosas características. Ora, que estes fascistas constituam uma regular força política no PE, as minhas convicções democráticas, aqui, e contraditoriamente, restringem-se bastante, vacilam.

Nesta nossa Europa, onde se procura cultivar uma sã democracia, vejo essa gente como um vírus perigoso. Assim, custa-me aceitar que sequazes de tais ideologias ostentem foros de legalidade, onde quer que seja.

Sabê-los com a autonomia de proclamar aqueles fundamentos que, no século passado, foram o motor de uma imane tragédia; saber que a União Europeia nasceu e desenvolveu-se, precisamente para que a tais ideologias se opusesse um “nunca mais”; tomar conhecimento, agora, que esse grupo se sentará no Parlamento Europeu para defender esses mesmos princípios, embora camufladamente, não, decididamente custa-me aceitá-lo.
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A neta de Mussolini, Alessandra Mussolini, e Luca Romagnoli, puro fascista do grupúsculo “Chama Tricolor”, são os dois italianos que fazem parte da comandita. Por estes dois elementos, é-me fácil avaliar os companheiros!

O Presidente socialista, Martin Schulz, “pediu que fosse criado um cordão sanitário, à volta do ITS, para evitar que aos seus membros seja atribuída uma presidência de comissão” – La Repubblica de 17/01/2007.
Funcionará? Não creio. Se o grupo está dentro de todas as condições de aceitabilidade no PE, certamente que não poderá ser posto de lado, infelizmente.
Esperemos que as forças democráticas disponham de meios, legítimos, para os neutralizar.
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 15, 2007

MORRER NO HOSPITAL POR FALTA DE HIGIENE!...

A revista italiana “L’Espresso”, de 05/01/2007, publica uma ampla reportagem sobre a falta de higiene de um dos maiores hospitais italianos: “Policlínico Umberto I”, em Roma.
O título desta reportagem já era bem elucidativo: “Policlínico dos Horrores”.
No jornal “La Repubblica”, do mesmo dia, lia-se, em letras garrafais:
“Hospitais sem higiene; morre-se - 7 000 vítimas por ano devido a infecções / Ausência de respeito pelas regras. Sob acusação, médicos e enfermeiros”.

Um jornalista de L'Espresso, Fabrizio Gatti, fingindo-se empregado de limpeza, por um mês – em Dezembro passado - com uma pequena máquina fotográfica digital e máquina de filmar escondidas, pôde fotografar e filmar situações e hábitos profundamente negativos, inimagináveis em qualquer hospital, muito menos no grande e prestigioso "Hospital modelo da Universidade La Sapienza!"
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Ninguém se apercebeu de nada. Lendo toda a reportagem, no “Umberto I”, pelos vistos, não há quem controle o que quer que seja.

As anomalias que o jornalista descreve e documenta são impressionantes. Traduzo algumas:
“De 4 a 29 de Dezembro, o laboratório de Física Sanitária, frequentemente apresentava-se sem nenhuma vigilância e com o frigorífico e os armários abertos,
não obstante a presença de substâncias radioactivas";
"O depósito de culturas de bactérias e vírus do departamento de doenças infecciosas e tropicais não tem fechadura:
sem vigilância, o congelador com as provetas a risco de contágio está sempre acessível a quem quer que seja";
"Por três dias, ninguém limpou os excrementos que, no dia 26 de Dezembro, um cão vadio deixou num corredor que é usado para transportar doentes de um departamento a outro";
"È normal ver enfermeiros e maqueiros a fumar, mesmo quando empurram macas ou cadeiras com doentes";
"Dezenas de pontas de cigarro, atiradas para o chão, foram varridas para um canto próximo de Pediatria”;
"De cada vez que sobem ou descem das salas de reanimação, urgências, salas operatórias, as pessoas hospitalizadas, inclusive as mais graves, seguem o mesmo percurso por onde passa toda a espécie de lixo”… etc., etc., etc. A soma das indecências é elevada.

De tudo o que li, o que mais me escandalizou foi a individuação dos agentes violadores de normas que deveriam ser rígidas e obrigatórias: médicos, enfermeiros e demais pessoal que, diariamente, lida com os doentes. Agentes que, dada a formação profissional, mais do que ninguém deveriam observar e fazer respeitar regras que, ao fim e ao cabo, não se concebe possam ser traídas num hospital.

A média dos doentes vítimas de infecções hospitalares é de 6,7% - mais ou menos a média internacional. Para mim, 1% já seria de mais!
Torna-se deprimente saber que tais infecções poder-se-iam reduzir de um terço se os médicos respeitassem rigorosamente o preceito da lavagem das mãos, quando devem visitar um doente

“As últimas análises de comportamento de médicos e enfermeiros – entre as quais a que foi publicada no «International Journal of Infections Disease» – revelam que, em dez, só quatro lavam as mãos correctamente antes de visitar ou intervir num doente”. Encorajador!...

Certamente, nunca se deve generalizar. Conheço óptimos hospitais e médicos ou enfermeiros fora de todas as críticas; bem pelo contrário!

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O jornal Público dedicou a este assunto dois artigos. Mais ou menos descreveu a “galeria dos horrores”, noticiando também que o Ministro da Saúde italiano – uma senhora, Lívia Turco – tinha mandado efectuar uma inspecção a todos os hospitais do país.

Qualquer bom jornalista do Público não gostaria de emular o seu colega Fabrizio Gatti e, nos nossos hospitais, lançar-se numa aventura semelhante?
Que género de reportagem apresentaria?
Quanto a higiene, encontraria tudo impecável ou, pelo menos, aceitável? Encontraria situações isentas de quaisquer reprovações, seja em organização, eficiência, dedicação ao doente da parte do pessoal médico e paramédico?
Qual a percentagem dos hospitalizados portugueses que contraem infecções e sucumbem?

Esse mesmo jornalista poderia preparar e pôr em acto uma iniciativa de tal género? Poderia publicá-la?
Serei injusta, mas nutro fortes dúvidas.

Há uns anos atrás, houve um Ministro da Saúde italiano que, sem avisar ninguém, de vez em quando visitava os vários hospitais espalhados pelo país e, em cada hospital, percorria todas as secções.
O nosso Ministro da mesma área não sentiria tentações de imitar o colega italiano?
Os bons exemplos mereceriam ser conhecidos e cultivados
Alda M. Maia

domingo, janeiro 07, 2007

UM LINDO SORRISO APAGADO POR UM IDIOTA

A cena já se passou há dias, mas não me deixa o pensamento.
Bem, conversemos com o computador. Pode ser que, revirando-a de um lado e do outro, a consiga colocar na repartição dos factos odiosos e, consequentemente, a encare com aquela filosofia caseira que encontra sempre, e perante gestos irritantes, a banal explicação: nada que fazer contra quem é imbecil. Neste caso, contra quem também não possui o dom da sensibilidade ou, pelo menos, aquele mínimo de educação necessário para uma convivência civilizada.

Na Praça 9 de Abril, parei a conversar com uma pessoa amiga. Perto, estava um casal com um menino – quatro, cinco aninhos - com ligeira síndrome de Down. Mais afastados, uns rapazitos brincavam, atirando uma bola uns aos outros. Arremessada com mais força, esta rolou para longe e foi parar aos pés do casal com o menino. Naquele momento, aproximava-se um homem: bem vestido, aspecto de pessoa educada. Que engano!...
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O pequenino recolheu a bola. Pensando, talvez, que pertencesse a este indivíduo, com um sorriso dulcíssimo, entregou-lha:- “Pega!”
Resposta grosseira do homem: - “P’ra que quero a bola? Não é minha.”
Sempre com o mesmo sorriso, o menino insistiu: - “Pega”
Ainda mais grosseiramente: “Já te disse que não é minha, não me aborreças. Deixa-me passar.”
O sorriso da criança desapareceu e olhou para os pais, desorientada. Num relance, vi neles a indignação, mas, sobretudo, uma grande mágoa.

Que ganas, mas que ganas de pespegar duas valentes bofetadas naquele energúmeno sem coração nem civismo!!
Mas não era possível. Passaria por maluca. Além disso, e desgraçadamente, a malvadez das atitudes de certa gente, quando não é delituosa, goza de ampla liberdade.
Alda M. Maia