segunda-feira, janeiro 31, 2011

QUANDO O BOM SENSO SE EXPRIME

Terminadas as votações e publicados os resultados, a enchente de declarações, opiniões, discussões e demais bla bla bla foi asfixiante.
Agora, já reduzida a regatos, tornou-se mais comedida e atraente.
Dentro da modéstia do que penso e escrevo, junto-me a esses regatozinhos.

Ouvi muito pouco do que disseram nos múltiplos debates dos nossos canais televisivos. Deliberadamente, boicotei a maior parte e dediquei pouco tempo aos restantes.
Tudo se assemelhava. As argumentações e pareceres nada diziam de original e esclarecedor, se de esclarecimentos ainda necessitássemos.

Em contraposição a quem se exprime num palco, prefiro a leitura do que os diferentes quotidianos publicam sobre o mesmo tema.
Chamaram-me a atenção, todavia, os comentários ao artigo de Mário Soares no jornal «Diário de Notícias», do passado dia 25 de Janeiro: “Eleições Presidenciais”.
Imprimi-o, como sempre faço, quando entendo que um texto merece interesse.

Li as quatro páginas atentamente. O conteúdo pareceu-me muito equilibrado e sensato. Embora o título nos conduza às eleições presidenciais, o artigo aborda vários argumentos de grande actualidade.
As apreciações à vitória de Cavaco Silva, no que imprimi, condensam-se em oito parágrafos. E tudo ficou dito.

Escreve Mário Soares: “Numa entrevista em que me interrogaram sobre se, desta vez, iria votar Cavaco Silva, afirmei, discretamente, para desfazer equívocos, que «nunca votaria em Cavaco Silva». E agora acrescento: por razões político-ideológicas e não pessoais”.
Resposta muito correcta e óbvia.

Como pessoa comum e sem qualquer rudimento do que é a alta política, daria outra justificação.
As razões político-ideológicas pesam sempre muito pouco nas minhas escolhas, quando devo eleger um Presidente da República. É o candidato singular, é a personalidade desse candidato que eu avalio.

Ora, a personalidade política e humana de Cavaco Silva está completamente fora dos cânones que eu entendo deva caracterizar um dos máximos representantes de um país.
Assim, sem hesitações, dei o meu voto a quem estava menos afastado desses cânones, o Dr. Fernando Nobre.

[…] em democracia os políticos, dos diversos partidos e os independentes , não se consideram inimigos, mas tão-só adversários – escreve sempre Mário Soares - “Estranho e lamento que o candidato Cavaco Silva não o tenha feito, no passado domingo, em relação aos seus adversários. Como aliás lamento os dois discursos que proferiu no momento da vitória. Em lugar de ser generoso e magnânimo para com os vencidos, foi rancoroso […].”

Efectivamente, certas asserções, nestes discursos do reeleito presidente, são penosas.
“A honra venceu a infâmia. Venceu a verdade sobre a calúnia. Campanha de calúnias, insinuações e mentiras. Os órgãos de comunicação social devem revelar os nomes dos que estão por trás da campanha suja", etc., etc.
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A toda esta falta de fair play também se pode chamar uma desmesurada egolatria. E o ególatra, naturalmente, nunca se apercebe dos seus limites.
Ora esses limites são claramente patentes, por exemplo, quando se refere aos órgãos de comunicação social que devem revelar os nomes!...

No Público de quinta-feira, dia 27, Paulo Moura alonga-se em conjecturas sobre as razões por que Cavaco Silva fez um discurso vingativo.
No dia 29 e no mesmo jornal, o escritor Rui Cardoso Martins deu um título, digamos sarcástico, à sua análise sobre a campanha de Cavaco Silva: “É um Santinho”.

Todas as apreciações convergem para as seguintes conclusões: não foi géneros nem magnânimo; foi cruel; foi rancoroso e vingativo; não viu os outros candidatos como adversários, mas inimigos.

Sou menos diplomática e concentro a minha opinião num único vocábulo: mesquinhez.

O segundo tema do artigo de Mário Soares ocupa-se do pessimismo dos nossos economistas “sobre os números que são, realmente, assustadores”, opondo várias considerações a estes “vencidos da vida” (como lhes chamou e que alguns deles não gostaram).

Faz uma análise resumida da crise que nos atenaza, reconhecendo-lhe o dramatismo que merece. Todavia…
[…] A História não se escreve apenas com números, mas, principalmente, com as inovações e os imprevistos com que os homens mudam a realidade, criando fases diferentes da nossa vida colectiva.
[…] “Simplesmente, a realidade não é estática: é dinâmica, como se sabe. Depende das pessoas e não dos números. São as pessoas que mudam a realidade, por vezes de modo totalmente imprevisível e rápido. E no caso em questão – Portugal -, a crise global que nos bateu à porta depende mais do euro que da nossa própria vontade e esforço
”.

E assim se exprime o bom senso e o equilíbrio.

Também eu me pergunto se, no meio de tanto pessimismo e críticas estéreis, não haverá ideias corajosas que ponham em marcha mecanismos e iniciativas que desencadeiem o tal dinamismo, positivo, de todas as forças económicas, financeiras e administrativas deste País.

No batalhão dos pessimistas e nesses economistas full time televisivo, não existirá quem se esforce e meta mãos à obra, a fim de que o tal dinamismo se torne concreto, visível e, consequentemente, envie um bom sinal a todo o País e ao exterior?
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 24, 2011

A ÉTICA E A DECÊNCIA AINDA TÊM SIGNIFICADO?

A pergunta surge espontânea, pois uma difusa e preponderante mentalidade moderna – assim nos parece - apresenta um claro esvaziamento destes dois termos. Praticamente, poder-se-ia dizer que se tornaram arcaicos.

Se caíram em desuso, porém, não foi por terem nascido outros vocábulos, mais eficazes, que os tivessem substituído, mas por uma falta de aplicabilidade, logo, não terem cabimento na linguagem dos nossos tempos.
Ética? Decência? De que falamos? Que temas são estes?

Em toda a tormenta que está abalando a Itália, por responsabilidade de um indivíduo sem escrúpulos, sem a mínima noção da decência e respeito pelas instituições, o que mais me impressionou não foi o enésimo escândalo de marca Berlusconi. O que me deixou enojada foi o lixo moral das personagens que gravitavam e gravitam no ambiente daquele tarado sexual.

Não menos desagradável, a forma impudente como é defendido pela sua maioria de governo. As senhoras, então, são as que mais se têm expendido, nas várias aparições televisivas. Sempre altaneiras na repetição de uma defesa falaciosa e atacando a magistratura, segundo um já estafado guião.

Nestas mulheres (recuso-me a chamar-lhes senhoras), tratando-se de um caso tão escabroso e onde o papel feminino é concebido apenas como fonte de prazer de um velho rico e libidinoso, apreciaria um pouco mais de bom senso, dignidade e reserva.

No que concerne os ataques aos ministérios públicos que fazem o seu dever de magistrados investigadores, considero-os execráveis e inaceitáveis num Estado de direito.
A documentação, testemunhos e interceptações telefónicas são explícitos e irrefutáveis, mas o chefe do Governo italiano convenceu-se que o voto lhe dá direito a todas e quaisquer ilicitudes. Consequentemente, a magistratura deve ser punida, caso se atreva a chamá-lo às suas responsabilidades.

Apenas foram interceptadas as raparigas, algumas menores, que alegravam as noitadas do sátrapa, além dos intermediários que lhe procuravam esse género de “mercadoria”, muito bem paga, aliás – de mil a dez mil euros, conforme o grau de satisfação.
A magistratura teve todo o cuidado de não envolver as pessoas que entravam na casa de Berlusconi alheias à investigação, obviamente.

Lendo parte dessas interceptações, fica-se aturdido com a falta de princípios e o cinismo demonstrado por essas jovens mulheres, incluindo familiares, para quem tudo é válido e natural, desde que se ganhe dinheiro fácil e se faça carreira na televisão ou mesmo obtendo cargos políticos. Que esqualidez!

A Universidade de Génova concedeu o Doutoramento Honoris Causa em jurisprudência ao escritor Roberto Saviano. Na sua Lição de Sapiência, o escritor dedicou a homenagem recebida aos três magistrados de Milão que investigam o caso Ruby / Berlusconi - Boccassini, Sangermano e Forno – “que estão vivendo momentos difíceis somente por terem feito o seu mester de justiça.”

Reacção imediata da filha de Berlusconi, Marina: “Faz-me literalmente horror que uma pessoa como Roberto Saviano, que sempre declarou de querer dedicar toda a sua energia à batalha pelo respeito da liberdade, da dignidade das pessoas e da legalidade, chegue a espezinhar e, por consequência, renegar tudo aquilo que sempre proclamou defender. O «mester de justiça» (como lhe chama Saviano) e os que são chamados e exercitá-lo não deveriam ter nada que ver com a perseguição pessoal e o fundamentalismo político que, pelo contrário, este caso põe tristemente e com despudorada evidência ante os olhos de todos”.

Aqui temos a essência da arrogância de quem sofre de delírio do poder (o pai desta senhora) e se crê impune, inatacável. O cliché é sempre o mesmo: trata-se de uma perseguição e um complô da magistratura para eliminar quem foi eleito pelo povo.
Ninguém aconselhou a Sra. Marina Berlusconi que o silêncio, em certos eventos, é ouro puríssimo e agiganta a dignidade de quem o respeita.

Saviano replicou: “O verdadeiro horror é isolar os magistrados. Mete-me horror os que procura, culpável e conscientemente, deslegitimar e isolar quem, em todos estes anos, contrastou mais do que ninguém as máfias.
[…] Dar-me-ia um grande prazer que a palavra horror tivesse sido aplicada em todos os episódios de corrupção e criminalidade que, de há largos anos, se verificam neste País”.

Qual o papel da Igreja Católica – mais objectivamente, o Vaticano - em todo este lamaçal?
Muita cautela, muito genérico, muito atento (e refiro-me sempre ao Vaticano) a não prejudicar os seus interesses materiais no que concerne benefícios governativos e que o Berlusconi espertalhão tem concedido. Muito atento a fazer gorar quaisquer iniciativas oficiais que se afastem dos seus ditames religiosos e que se aproximem de um Estado laico. Também aqui tem encontrado a subserviência da maioria berlusconiana.

Não nos podemos surpreender, portanto, da predilecção dos homens do Vaticano por este Governo. Uma outra espécie de esqualor.
Felizmente que existe uma Igreja Católica paralela: a que opera no território e que dá louváveis exemplos de altruísmo, caridade e noção concreta do que é a vida real em todas as suas vicissitudes, mitigando-a, quando ocorre.
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 17, 2011

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
QUAL CANDIDATO?

Com o poder de escolha que o direito ao voto me concede e a que não entendo renunciar; cultivando sempre o interesse por uma informação clara e, sobretudo, objectiva - algo de precioso, mas muito raro no nosso País, infelizmente – tenho o hábito de concentrar-me e analisar, com a máxima acuidade de que sou capaz, não as presumíveis qualidades de quem defende a própria candidatura, mas o que me desagrada ou não gostaria de ver na pessoa que será elevada a Presidente da República.

Sendo o primeiro dos quatro órgãos de soberania, (…) “representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas”.

Perante esta definição, devemos permitir que sejam apenas as simpatias ou tendências políticas a determinar o nosso voto? Ou, pelo contrário, não seria mais sensato observar, ouvir com atenção, ponderar, contrapor o que, à nossa sensibilidade, se apresenta como defeitos e qualidades e, só então, escolher a pessoa que nos parece mais digna e culturalmente preparada para exercer um tão alto cargo?

Como são as facetas negativas que mais absorvem a minha atenção, descrevo o que não me agrada.

Em primeiro lugar, não aprecio um candidato a Presidente da República que apregoa superioridades, seja no que for, quando seria mais aceitável e correcto, nestas circunstâncias, falar de méritos, se os tem.

Não aprecio quem se alcandora em posições de privilégio e usa o desdém, quando alude aos adversários, precisamente porque se crê superior. Síndrome de uma enfatuação de si mesmo ou arrogância da mediocridade? Não interessa a resposta: são equivalentes.

Não aprecio quem agita a bandeira da honestidade como estandarte da tal superioridade, quando entendo que a honestidade é uma segunda pele de quem nasce honesto e é bem formado. E sendo assim, tudo é normal e jamais sentimos o impulso de o pôr em evidência, quando as circunstâncias o não exigem. Portanto, retórica dispensável.
Ademais, quando se torna de conhecimento geral actos discutíveis de um qualquer político, nem sempre os devemos catalogar como actos desonestos, mas claramente incorrectos. Serão legítimos, mas não são sérios.

Não aprecio quem demonstra um nível cultural deficitário. Quero ser representada, orgulhosamente representada, por um Presidente da República que é capaz de discursos sem retóricas de manuais oratórios, ocas e repetitivas, mas onde as palavras e frases são prenhes de um conteúdo rico de ideias.

Quero ser representada por uma figura dotada de extensos conhecimentos que melhor iluminem a interpretação e aplicação das suas competências. Como a Constituição indica, são de primária importância.

Não aceito a diminuição a que, muito frequentemente, relegam a função de Presidente da República.
Se consegue ser e demonstrar-se equidistante, mas sempre atento às realidades do País e, dentro das suas competências, saber encorajar iniciativas criadoras; se recolhe todas as ocasiões para conseguir uma sã coesão de todas a forças políticas – sem quaisquer cálculos eleitoralistas - na resolução de graves problemas, como a nossa dívida soberana e a recessão económica, por exemplo; se recolhe todas as ocasiões que lhe parecem oportunas para, no exterior, impor a sua autoridade de Presidente sério e competente e dar voz e peso a este País, então podemos afirmar, sem hesitações, que soubemos eleger um óptimo Presidente.

Concluindo: dos cinco candidatos, quem escolher? A quem dar, reflectidamente, o nosso voto?
Cheguei a uma única certeza: apenas sei por quem não votar.
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 10, 2011

HOMICIDA CONSIDERADO UM “POLÍTICO PERSEGUIDO”

No último dia do seu mandato, à última hora e talvez como último acto político, Lula da Silva podia ter evitado uma atitude que não brilhou por correcção nem acume diplomático: negou a extradição dum pluriassassino - César Battisti - de uma maneira decididamente deselegante e incorrecta.

Talvez uma certa altanaria, alimentada pela sua grande e bem merecida popularidade, o tivesse induzido a ignorar o respeito e delicadeza das relações internacionais, sobretudo quando em causa está um país amigo.

Quem seguiu os factos e conhece o que verdadeiramente significaram “os anos de chumbo” do terrorismo italiano dos anos 70, do século passado (é fácil informar-se, pois a documentação é vastíssima), não pode deixar de dar o justo valor ao modo equilibrado e firme como a Itália enfrentou essa onda de assassínios, raptos, atentados, rapinas, enfim, uma gama ampla dos piores crimes

Sem recorrer a meios excepcionais, essa batalha foi combatida pelo Governo italiano e pelas forças da ordem, dentro da Constituição e das leis vigentes. Os incriminados foram julgados por uma magistratura absolutamente independente. Todos os partidos do "arco constitucional", desde a Democracia Cristã ao Partido Comunista, enfrentaram esse período com admirável firmeza e coesão.

Sendo assim, e isso é mais que comprovado, não sei compreender o procedimento de Lula da Silva nem as posições de vários intelectuais, sobretudo nomes bem conhecidos da intelectualidade francesa, quando terçam armas na defesa de César Battisti, julgado em contumácia, mas defendido por bons advogados, e condenado nos três graus de juízo – insisto: dentro de toda a legitimidade e com todas as garantias de um estado de direito - pela responsabilidade de quatro homicídios, em 1978 / 79.
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Considero esses intelectuais meros papagaios ou em má-fé, pois demonstram total desconhecimento dos factos e das instituições que regiam e regem a vida democrática italiana, o que é imperdoável.

Lamento a forma incorrecta e injustificável de Lula da Silva e do seu “entourage”. Muito menos são aceitáveis as justificações alegadas: “haveria razões para supor que César Battisti poderia ter a situação agravada, inclusive o risco de perseguição política, se entrasse nas cadeias italianas”.

A que país se referiam? À China? À Rússia de Putin, à Bielorrússia?
É lícito insultar deste modo um país democrático, onde não podem existir nem existem perseguidos políticos e com o qual se mantém excelentes relações? É lamentável, Senhor Lula da Silva.

Foi um louvável Presidente da República do Brasil, na política interna; um deplorável intérprete da política exterior.
Ademais, pecou por grave incorrecção para com o Presidente da República italiana, Giorgio Napolitano, homem de grande probidade, visto que faltou à sua palavra de comunicar-lhe directamente a própria decisão sobre o caso Battisti. Desdenhosamente, negou a extradição – contrariando o Supremo Tribunal Federal – através de um comunicado do ministro Celso Amorim.
Podia ter evitado esta mancha no final de um excelente mandato.

Para finalizar, vejamos quem é este “político perseguido” pelas autoridades italianas, mas que sempre se demonstrara um delinquente comum.
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Ainda adolescente, abandonou os estudos e foi detido, duas ou três vezes, por rapina. Atingida a maioridade, de novo foi preso pelo mesmo motivo.
Na cadeia de Údine, conheceu um terrorista que pertencia ao grupúsculo “Proletários Armados pelo Comunismo”.
Oportunamente, decidiu “politizar-se”, aderiu ao grupo e prosseguiu, com natural desenvoltura, na senda da criminalidade.

Foram assassinados um agente da polícia (27 anos), um guarda carcerário, um açougueiro e um ourives. O filho deste último, então um rapaz de 15 anos, foi atingido por uma bala na coluna vertebral e ficou paraplégico.
César Battisti, que na clandestinidade se tornou escritor (não sei de que género), foi reconhecido como executor de três destes homicídios e de co-autor na execução do quarto.

Em 1981 conseguiu evadir da prisão e refugiou-se na França. Mudou-se para o México. Regressou a Paris. Em 2004, a França concedeu a extradição.
O homem desapareceu. Aterrou no Brasil. Em Janeiro de 2009, este país concedeu-lhe o estado de “refugiado político” (?!).
Todas as partes políticas e a sociedade civil italianas consideraram esta decisão como uma bofetada ao próprio País. Mas duplicaram-na com a recusa de extradição deste criminoso.

Deve-se também acrescentar que, neste período de trinta anos, os sucessivos governos italianos não brilharam por diplomacia, eficiência e tenacidade, no que concerne a extradição deste indivíduo o qual, dotado de uma arrogância e insensibilidade desagradáveis, nunca demonstrou qualquer arrependimento.
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 03, 2011

O GENTLEMAN DO COLECCIONISMO FILATÉLICO: ALBERTO BOLAFFI
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Como primeiro texto do novo ano, quero escrever sobre esta personagem de quem muito me falaram, quer familiares muito próximos, quer pessoas que a conheceram bem ou com ela contactaram.
As opiniões não divergiam: um senhor muito culto, educado, sereno e bondoso, dotada de um fino sentido do humor. Em conclusão, um verdadeiro gentleman.

Tive grande, grande pena de o não ter conhecido, mas falecera em 1944 e eu cheguei a Turim quase vinte anos depois.

Em Maio de 2010, os correios franceses, celebrando o 150.º aniversário da “Bourse aux timbres”, dedicaram uma emissão de selos a personagens que maior lustre deram à filatelia. Entre elas, um italiano: Alberto Bolaffi – selo acima reproduzido.

Fez-me sorrir o início do artigo do jornal La Repubblica (secção de Turim), quando publicou esta notícia.
Precedentemente, os emproados franceses (gli spocchiosi francesi) tinham dedicado um selo apenas a cinco italianos: Leonardo da Vinci, Francesco Petrarca, Michelangelo Buonarroti, Giuseppe Lagrange e Giuseppe Mazzini. Desde segunda-feira passada (17 Maio 2010), a efígie do sexto, num selo de além Alpes, é a de Alberto Bolaffi (…)

Grande motivo de orgulho, certamente, para os descendentes, embora já tivesse sido editado um selo italiano, em 1991 – dia da filatelia – dedicado a Alberto Bolaffi e ao filho Giulio.

Mas descrevamos a origem da paixão deste senhor pela filatelia.
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Nos últimos anos do século XIX, um adolescente enamorou-se dos selos da correspondência proveniente de uma tia que residia num país da América do Sul. Iniciou a sua colecção. Assim nasceu a mais importante casa filatélica italiana, em Turim, e um nome de grande projecção internacional: “Bolaffi Coleccionismo 1890”. Também com sede em Milão, Roma e Verona, tornou-se numa sociedade por acções em 1997.

O jornal Corriere Della Sera, num artigo em que aludia a Bolaffi, usou a expressão: “Uma instituição em Turim”. Não está longe da verdade.

Ultrapassados os tormentos da guerra, em 1945, o filho mais velho, Giulio Bolaffi, tornou-se no digno continuador da actividade e da casa fundado pelo pai, já nessa altura um nome de grande prestígio.

Giulio não só ampliou essa actividade, como a diversificou, abrangendo vários campos a que um coleccionismo culto pode levar e dando também origem, em 1961, à “Giulio Bolaffi editor” (GBE).
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Creio que o filho, Alberto Bolaffi Jr., e hoje titular daquela importante casa, tivesse sido o grande impulsionador das preciosas publicações de arte e criação de uma das melhores revistas de arte italianas, a “Bolaffi Arte”.

Poder-se-á afirmar que há uma particularidade que caracteriza a GBE. Refiro-me á publicação de catálogos sobre as mais diversas matérias, além do catálogo filatélico Bolaffi que é, praticamente, o emblema da casa, assim como a revista “O Coleccionador”.

Nos anos 60, portanto, nasceu uma esplêndida série de catálogos anuais, muito completos e úteis para quem se interessava de arte ou quem seguia os relativos mercados.
Surgiu o primeiro em 1962: Catálogo Bolaffi de Arte Moderna. Mas a este juntaram-se outros: catálogo de arte do século XIX, do século XVIII; catálogos de gravuras, de escultura.
A coroar estas edições, publicaram um dicionário, em onze volumes: “Dicionário Enciclopédico Bolaffi dos Pintores e Gravadores Italianos”.
Possuo, com sumo prazer e interesse, a quase totalidade destas obras. Considero-as uma rica e inesgotável fonte de documentação e informações.
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Mas outros catálogos surgiram: catálogo de cartazes de época; de vinhos; de armas de caça; de automóveis; do cinema; de cachimbos e por aí adiante.

Em 2005, a “Bolaffi Coleccionismo” criou o neologismo filografia.
Da atenção pelo selo – o motor que, a partir de 1840, tornou possível a difusão universal da comunicação escrita – Bolaffi passou, consequentemente, à investigação sobre a escrita, desde as suas origens até aos mais recentes desenvolvimentos.”
Novo catálogo e inauguração de um rico arquivo histórico sobre essa preciosa documentação.

Não posso deixar de assinalar a já famosa sala de leilões filatélicos, numismáticos, cartazes de época, autógrafos e livros antigos, mobílias e pinturas antigas: Hastas Bolaffi embaixador.
Se alguém possui, esquecidos em casa, artísticos cartazes de época, já sabe onde valorizá-los.
Também nisto a Bolaffi foi criadora e inovadora.

Um último particular. O filho mais novo do fundador Alberto Bolaffi, Dante Bolaffi - também ele filatelista, tendo exercido essa actividade, durante 14 anos, em Nova York - foi um veterano e inveterado radioamador cujo indicativo era I1TU.
Não se pode dizer que aquela família não prime por uma admirável originalidade.
Alda M. Maia