domingo, janeiro 31, 2010

RECORDAR O HOLOCAUSTO
RECONSIDERAR ATITUDES NO MÉDIO ORIENTE

No dia 27 de Janeiro, celebrou-se mais um dia da memória do Holocausto.
Na Itália, cujo regime fascista deu um bom contributo a tanta barbaridade, houve celebrações que verdadeiramente recordassem esta data simbólica, isto é, a libertação de Auschwitz pelas tropas soviéticas.

Não faltaram as escritas murais anti-semitas, quer em Roma, quer noutras cidades.
Quando alguns elementos da hierarquia católica, embora não sustentem o negacionismo, utilizam argumentos ambíguos que, indirectamente, o alimentam, não é de estranhar que energúmenos da extrema-direita manifestem racismos da pior espécie.

Em Portugal, penso que esta praga nunca tivesse atingido uma dimensão que nos envergonhasse – refiro-me à era moderna. Certamente que não podemos pretender imunidade sobre o ser ou não ser racista.
Há sempre quem ostente um certo ar de superioridade em relação ao diverso, seja por religião, seja por características somáticas.

Quando disso me apercebo, sinto pena de tanta estreiteza de inteligência e opacidade de espírito.
Superioridade de humanos sobre outros humanos por razões desse género?! A exclamação mais terra a terra, mas eficaz, é única: é preciso ser muito estúpido ou cego por uma presunção mil vezes mais imbecil!

Mas voltando ao Holocausto, ao que significa esta tragédia e ao dia da memória. Serve a alguma coisa este dia da memória? Serve: “Demos á memória um futuro, para que nunca mais…”

De cada vez que leio recordações ou descrições daquela matança programada – algumas destas descrições tive oportunidade de ouvi-las directamente de quem se salvou - descubro sempre novos particulares horripilantes, novos casos de inaudito sofrimento humano, novas manifestações de crueldades inimagináveis. Há sempre um dado novo a acrescentar ao que já conhecia.

Não podemos ignorar que houve, há e haverá outras aniquilações bárbaras de seres humanos e onde o sofrimento não é menor.
Todavia, em relação a tantos crimes odiosos, o Holocausto expressou o maior requinte de malvadez que o espírito humano jamais engendrou a frio.

Deu-se aviamento á programação matemática, organizadíssima da eliminação de uma dada categoria de pessoas, em nome da pureza da raça, de uma raça superior. Bastaria olhar para o aspecto ridículo de Hitler ou a figura grosseira de Mussolini – o promotor e o sequaz dessa aberração - para largar uma gargalhada, ante um argumento já de si fora de qualquer lógica ou aceitabilidade, caso não se tivesse concretizado.

O horror de tudo o que aconteceu, porém, está também no facto, incontestável, que houve milhões de pessoas que aplaudiram ou preferiram ignorar. E o drama completou-se. Já não faltava nenhum elemento.

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O pensamento, agora, foge para o eterno conflito do Médio-Oriente.
Há dias, no jornal Público, li com atenção um artigo de Alan Stoleroff, de origem judaica, professor universitário de Sociologia, onde condena a política míope de Israel.
Conheço opiniões idênticas de outras personagens de igual espessura académica e sérios analistas de uma guerra que não somente destrói vidas e recursos materiais como já assassinou as razões que lhe deu origem.
Não é difícil concordar com estas opiniões.

Os impulsos que, de um lado e do outro, dão início a ataques e a sequentes retaliações, duras e desproporcionadas, passaram a ser analisados como factos incompreensíveis, irracionais, inconcludentes.

Israel merece, e sempre mereceu, toda a minha simpatia, enquanto defende a sua segurança e existência. No entanto, isso não me impede de atribuir-lhe crueldade e arrogância, quando ocupa territórios que não lhe pertencem; quando nega dignidade aos habitantes desses territórios e os submete a um contínuo estado de sofrimento e direitos negados.

Um grande património mundial de simpatia e solidariedade, Israel dissipou-o com as suas contínuas intransigências e a criação dos indecentes colonatos.

Sei que uma grande percentagem de israelianos quer a paz e boas relações com os árabes da Palestina. Desgraçadamente, os últimos governos têm sido expressão da parte mais ignorante e fundamentalista de Israel.
Só me pergunto por que razão os grandes intelectuais não dão princípio a uma sublevação, dentro do que as regras democráticas permitem. E quando se quer, essas regras, bem aproveitadas, permitem muito.

De todos os aspectos que não me agradam, nas atitudes de Israel, há um factor – no meu entender, de grande importância - que se me antepõe a quaisquer outros e me leva a evocar o principal motivo que levou a ONU a proclamar o Estado de Israel, em 1948: o Holocausto.

Se os israelitas tanto sofreram e tantos vexames suportaram; se foram acossados como sub-humanos que deveriam ser eliminados, como é possível ficar indiferentes ante as condições de vida das gentes palestinianas?
Não se apercebem que estas são duplamente vítimas, quer dos próprios correligionários - profissionais da violência - que as usam, quer de Israel nas suas acções bélicas e usurpadoras de territórios?

Ainda existem sobreviventes do Holocausto e familiares dos que morreram nos campos de extermínio ou nos fornos crematórios; existe um museu riquíssimo de documentação em Jerusalém, o Yad Vashem, que manterá sempre viva a memória. Logo, como é possível não projectarem esta dor e sensibilidade, de povo perseguido, nas angústias e sofrimentos das populações que lhes são vizinhas - os palestinianos - procurando compreendê-los e tudo fazendo para sanar a gangrena daquele conflito?
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 25, 2010

SOCIEDADE CIVIL E INCONSCIÊNCIA CIVIL

Frequentemente, interrogo-me se a consciência civil é positivamente activa e atenta ao que sucede na comunidade a que pertence ou se antepõe a quaisquer outras preocupações o egoísmo, de mistura com uma total indiferença pelo bem e decência comuns.

Após a vigésima lei ad personam – já aprovada no Senado - e que, pela enésima vez, cuida dos interesses de Berlusconi e o coloca no Olimpo dos improcessáveis ou inimputáveis, não posso conceber que uma sociedade civil, ciente do que é um Estado de direito, aceite anomalias que a deveriam envergonhar, sentindo-se representada por um primeiro-ministro de tal jaez.
Ver-se-á, nessa lei, as manhas usadas para livrar Berlusconi de dois processos que, pelos vistos, não sabe como defender-se.

Também não sei compreender a razão por que os partidos fora da maioria de Governo não desencadeiem uma oposição tão vigorosa e generalizada que nenhum recanto do País fique ao abrigo de uma campanha seriamente esclarecedora, despertando consciências.

O vocábulo “reformas” tem sido o leitmotiv da oratória política.
O País, à semelhança de tantos outros, luta, sobretudo, contra problemas de carácter laboral e social. Para Berlusconi e cortesãos, todavia, tal situação não é de primária importância. A reforma mais urgente é a da Justiça. Não é difícil adivinhar o motivo!

Eles chamam-lhe reforma, mas a semântica do termo foi violentada. Analisando os actos dessa gentinha, trata-se apenas de um esvaziamento do poder judiciário, exactamente como tem vindo a suceder com o poder legislativo.

A “lei burla”, como muitos a classificam, chama-se “Processo breve” - em nome do “interesse comum”, obviamente!...

Com a finalidade de salvar um único imputado, milhares de outros processos, muitos de grande relevo, serão eliminados, com graves prejuízos para tantos cidadãos e uma irreparável lesão a um valor de primária importância num país.

Seria normal que, antes de elaborar e aprovar uma reforma para um justo e célere funcionamento da Justiça, se adoptassem medidas que potenciassem os recursos humanos e materiais, procurando eliminar as múltiplas lacunas repetidamente denunciadas e que ninguém ignora.
Paralelamente, corrigir uma profusão de leis que vão sendo aprovadas sem ter em conta que atropelam outras existentes; rever normas dilatórias que contribuem para emaranhar ou travar a marcha dos processos, cíveis ou penais. Existe um decreto-lei, por exemplo (refiro-me sempre à Itália), que permite aos advogados apresentar 300 testemunhas em tribunal!

Num País onde o crime organizado é potentíssimo, o sistema justiça deveria merecer a máxima atenção do poder legislativo e executivo.

Quem é que não deseja uma justiça expedita, tanto mais que a justiça italiana é “patologicamente lenta”?
Porém, todos os preliminares necessários para elaborar e aprovar uma boa reforma foram ignorados.

Vejamos, então, no que consiste a “grande reforma” berlusconiana - grosso modo, além de várias directivas, impõe limites de tempo:
A máxima duração de um processo não deve ir além de três anos no primeiro grau; dois, para o segundo; um ano e seis meses no Supremo.
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Para crimes com penas superiores a dez anos, o limite será de 4 anos em primeiro grau; dois, no segundo; um ano e seis meses no Supremo.
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Crimes de máfia e terrorismo, 5 anos primeiro grau; 3 no segundo; dois no Supremo, mas prolongados de um terço por cada grau de juízo, quando existam
dificuldades de investigação.” – www.altalex.com
A não observância destas normas determina a prescrição do processo.

Mas há mais, e neste mais reside a chave de tanto zelo reformador:
Norma transitória retroactiva: a extinção processual aplica-se aos processos em curso somente quando se trata de crimes indultados ou indultáveis, cometidos antes do primeiro de Maio 2006 e se são passíveis de penas inferiores a dez anos”.
Exactamente as condições em que se encontram os processos Berlusconi: corrupção em acto judiciário; fraude fiscal.

Esta norma transitória retroactiva, logo que entre em vigor, determinará e extinção de um processo se decorrerem dois anos a partir da solicitação do ministério público para que seja levado a juízo

É constitucional, é correcto, é decente, é crível votar uma reforma com normas retroactivas?! È aceitável que milhares de processos, já a meio ou no fim do percurso, devam acabar no caixote do lixo, mercê de uma norma aberrante inventada com um único fim?

Não é difícil, para as pessoas sérias e competentes do mundo judiciário, exprimirem pareceres unânimes, quando prevêem um desastre para a Justiça italiana; “um autêntico tsunami”, na opinião de alguns.

Mas nada disto interessa à massa de acéfalos que apoiam Berlusconi.
Urgia apresentar uma lei que protegesse os interesses do patrão. As pesadas consequências colaterais não conseguiram penetrar no bom senso e inteligência daqueles títeres, os quais repetem, como papagaios, os falsos argumentos, contradições e mentiras que aquele homenzinho propala, sem pudor e com arrogância, através dos imponentes meios de comunicação de que é proprietário ou que pode controlar – a RAI, por exemplo.
Contra isto, a oposição, por enquanto, caminha descoordenada e sem rumo certo. Oxalá o encontre.
Alda M. Maia

domingo, janeiro 17, 2010

SE ISTO É UM SER HUMANO!
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Imagem do vídeo "Morrer no deserto" - L'Espresso
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Parafraseando o título do conhecido livro de Primo Levi – “Se isto é um Homem” – quantas circunstâncias, eventos e manifestações de inumanidade continuarão a horrorizar-nos?

As mãos negras levantadas para capturar o ar. Poucos passos mais além, o vento sobre a camisa anima o esgar do último respiro de uma mulher. Imediatamente ao lado, o corpo de um rapaz ainda curvado a rezar e nunca mais se soerguerá - a imagem acima reproduzida.
Assim morrem os emigrantes. Assim acabam os homens e as mulheres que já não desembarcam na ilha de Lampedusa. Bloqueados na Líbia, mercê do acordo Roma-Trípoli, e entregues ao deserto. Abandonados nas areias, imediatamente a seguir às fronteiras. (…) Um vídeo revela uma destas mortandades. – “Morrer no deserto” de Fabrizio Gatti; L’Espresso. (espresso.repubblica.it)
É chocante ver aqueles seres humanos, sete homens e quatro mulheres, que chegaram a pé até àquele ponto e não puderam prosseguir, porque se perderam e morreram de sede.

Quando se escreve “se isto é um ser humano” – e muito se escreveu, nesta última semana, evocando Primo Levi - alude-se à crueldade como estes emigrantes, estas pessoas que fogem da miséria dos países do Continente africano, são tratadas: seres que se despreza e a quem não são poupadas humilhações e sofrimento; mão-de-obra barata ultrajada ou escravizada. Frequentemente, lixo que se atira para o deserto ou se deixa ir para o fundo do mar.

Paralelamente, interrogo-me se os autores destas cruezas pertencem ao nosso género. No meu pensamento, tomam a forma de bestas sem alma que pretendem fazer parte da raça humana.
Se calhar, não pertencem. E se nasceram com esse semblante, convençamo-nos que são monstruosidades da natureza.

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Cheguemos agora à Calábria, ao polémico e mediático caso Rosarno, uma cidade de 15 mil habitantes e cuja junta comunal fora dissolvida por infiltrações mafiosas - naquelas regiões, é caso comum.

Depois de tantas humilhações, quando uns rapazotes, a bordo de um automóvel e apetrechados com uma arma de ar comprimido, decidiram divertir-se, escolhendo como alvo imigrantes africanos que trabalhavam na apanha da laranja, ferindo dois, explodiu a revolta desta moderna escravatura.

Correu voz que três africanos foram assassinados e ninguém mais pôde conter a fúria devastadora dos imigrantes contra a cidade.

Foi lamentável. Porém, a reacção dos habitantes de Rosarno não se fez esperar. Percorreu todos os graus caracterizadores do pior racismo e deu-se início à “caça ao negro”.
Nenhum género de violência foi esquecido contra infelizes que apenas procuravam trabalhar, embora dentro das piores condições - alguns indocumentados (os clandestinos, assim lhes chamam), mas essa circunstância convinha a quem os explorava, pois teriam de suportar todas as vexações, perante o medo de serem denunciados ou nem serem pagos pelo trabalho efectuado.

Normalmente, trabalhavam, e trabalham, 12/13 horas diárias por 20 euros. Desta cifra deveriam pagar ao engajador (caporale) cinco euros. Transportando dezenas e dezenas de imigrantes para os locais de colheita da laranja (ou quaisquer outros produtos agrícolas), pode-se imaginar os lucros diários destes vampiros.
Esta actividade dos engajadores (caporalato), de recolherem trabalhadores e conduzi-los aos lugares de trabalho, predomina sobretudo nas regiões do sul da Itália, embora não seja fenómeno desconhecido na região norte.
É uma praga, mas crescem e prosperam sem acções contrastáveis por parte das autoridades.

Rosarno decretou que não quer mais "negros" a viverem na cidade: “São uns animais, uns selvagens”, etc., etc. Quem o decidiu? Os habitantes ou a máfia (la Ndrangheta) que ali reina incontestada e não tolera revoltas?

Muitos fugiram; a maior parte foi obrigatoriamente evacuada com destino a outras cidades ou a centros de acolhimento.
Cerca de quinhentos imigrantes, assim li ontem, ainda vagueiam pelos campos, escondendo-se apavorados e alimentando-se de fruta, as laranjas, obviamente - muitos agricultores acharam que seria mais proveitoso deixar a fruta nas árvores e aguardar os reembolsos europeus!

Vendo os locais onde eram compelidos a viver - edifícios abandonados e decrépitos, sem um mínimo de higiene, sem água, sem conforto e expostos às intempéries - cresce a indignação contra quem consentia um tal degrado de um seu semelhante.

Não é aceitável, e não há justificação, que os poderes e autoridades centrais ou locais jamais se tivessem preocupado em controlar estas situações indignas de países civilizados e onde deveria imperar o respeito pelo ser humano; f
iscalizar o modo brutal como se aproveita e explora a mão-de-obra de pobres imigrantes.
É simplesmente inadmissível.

Ai da economia italiana se estes novos cidadãos, devidamente documentados e dentro de todas as regras de um trabalho regular, abandonassem o País!

Mas existe um Governo que é condicionado pelos ignorantes – e quão ignorantes!! - da Liga Norte. A estúpida xenofobia deste partido – além de um latente fascismo já pouco encoberto - só tem causado um péssimo ambiente contra quem contribui para a riqueza da Itália e uma fama desastrosa contra os italianos. É pena, porque o não merecem.

Alda M. Maia

domingo, janeiro 10, 2010

ORTOGRAFIA “À LA CARTE

A querela torna à ribalta sobre o malfado Acordo Ortográfico. E pela enésima vez, cabe-nos ouvir, ou ler, sempre os mesmos e frágeis argumentos dos autores que gizaram esta pessegada.

Não só insistem nessas razões, quase sempre capciosas, como as exprimem num tom arrogantemente desdenhoso contra os que não concordam: estes seriam primários, retrógrados, “posições tacanhas”, desrespeitadores de solenes acordos internacionais.

Não concebem resistências a tão iluminada decisão, qual um acordo ortográfico que será à la carte – cada um escolha o que mais lhe agrade - e sem o mínimo respeito por um património cultural nascido, evoluído e consolidado neste nosso território com vários séculos de percurso.

O País está baralhado sobre o Acordo Ortográfico e com razão. Não sabe que já está em vigor, quando e como vai ser aplicado, e desconhece o seu conteúdo. Nós, no Público, sobretudo não compreendemos para que serve e, incapazes de entender a necessidade e as vantagens de uma norma global para o português, decidimos não o adoptar."
Assim se exprimiu o jornal Público - no editorial “Por que rejeitamos o acordo” - do dia 30 de Dezembro 2009.
O mesmo jornal deixa “liberdade de escolha” aos seus colunistas; a redacção usará o português que nos caracteriza. Aplaudo esta decisão.

O professor Vital Moreira, como leitor e colaborador do Público, num artigo de 05 de Janeiro 2010, “discorda desta posição” e declara “improcedentes os argumentos que a sustentam”.
Perde-se em justificações jurídicas que não se refutam, mas entra em considerações linguísticas discutíveis e que podia ter evitado.

Vital Moreira escreve ainda: “A reforma ortográfica pode reivindicar a seu favor dois factores de que as anteriores não beneficiaram”.

Dêmos atenção ao primeiro factor: “Desde a sua elaboração até à entrada em vigor, (…) o acordo ortográfico levou mais de duas décadas de intensas discussões académicas e políticas”.

Vejamos agora as asserções de um competente professor de Linguística, o Dr. António Emiliano.
“O considerando contido no texto do AO, assinado por sete governantes lusófonos e aprovado pela Assembleia da República, contém uma falsidade gritante, uma mentira de Estado: o Acordo Ortográfico de 1990 nunca foi objecto de discussão pública, nunca foi objecto de discussão científica. Não há, de facto, qualquer registo de uma tal discussão: não há actas publicadas de encontros científicos (colóquios, congressos ou seminários) promovidos pelo Estado ou pela Academia de Ciências de Lisboa, não se conhecem quaisquer relatórios elaborados pela Academia ou por qualquer dos negociadores portugueses dos Acordos de 1986 e 1990. Tudo o que existe, em termos oficiais, é a “Nota Explicativa do Acordo ortográfico da língua Portuguesa (1990)”, o anexo II do Acordo, um texto pejado de problemas e deficiências técnicas”.
(O negrito é de minha responsabilidade)

Em que ficamos, Prof. Vital Moreira? Como podemos conciliar esse factor que indica como muito positivo e o esclarecimento de um docente de Linguística, António Emiliano?
Pode indicar factos (não fatos), dados absolutamente técnicos que reforcem a supremacia deste acordo sobre os precedentes?

Certamente que me merece maior credibilidade a denúncia do Prof. António Emiliano. Este não a teria publicado se não estivesse dentro da verdade.

Moral da história: quando se quer defender decisões controversas, discutíveis, à revelia da maioria dos nossos linguistas e intelectuais; quando se defendem, por razões de parte, actos políticos insuficientemente ponderados, qual foi a ratificação deste acordo desnecessário, é sempre aconselhável dar atenção ao que dizem e escrevem os verdadeiros e desinteressados – sublinho desinteressados - estudiosos e profundos conhecedores das matérias em causa, isto é, o idioma em que nos exprimimos.

Lendo atentamente as variações que esse acordo nos quer impor, qualquer cidadão português que conhece e estudou suficientemente a sua própria língua, que participa do linguajar das nossas gentes, fica aturdido com a superficialidade e incongruência como tudo se processou: quer da parte da delegação portuguesa, quer dos nossos representantes políticos.

Se bem que, neste acordo, houve mais politiquice subserviente que dignidade e profunda reflexão sobre o que se propunham levar a cabo.

Compreendo e aprovo o interesse do Brasil em defender as suas conveniências. Não aceito a inconsciência e indiferença dos portugueses, quando elaboraram e ratificaram um acordo que impõem como um diktat a uma maioria que o acha atabalhoado e inútil.

Lendo atentamente toda a argumentação favorável; mais atentamente ainda o guia prático da Porto Editora, não encontro uma só razão que me convença ou me leve a reflectir. Encontrei, sim, estranhezas imperdoáveis.

Voltarei a “conversar” sobre este tema, pois é assunto que muito ma apaixona.
Por hoje, termino com uma frase que li numa excelente gramática que possuo, de 1924: “Curso prático de Português; prática oral e escrita da língua portuguesa”, de José Portugal.
A língua de um povo é o monumento mais importante da sua História”.
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 04, 2010

O ANO DAS INCERTEZAS
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Henri Fantin-Latour; 1836 - 1904
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Para este novo ano 2010 que já se instalou, uns procuram transmitir um tímido optimismo; outros usam tons solenes e prenunciam tempos difíceis, graves problemas sociais, crise económica imparável: busquemos um ponto de equilíbrio.

Entretanto, confiemos na esperança de que “amanhã é um outro dia” e quem sabe se não será um dia melhor!
E sendo assim, apelemos à alegria.

Como primeiro post do novo ano, nada mais agradável que a sinfonia de tonalidades destas flores de Fantin-Latour.

È curioso que quase todos os grandes da pintura nunca desdenharam de aplicar o próprio virtuosismo neste género de natureza morta. Certos críticos torcem o nariz: pintura académica; pintura banal, etc.
Académica ou banal, quando de uma composição harmoniosa, de um excelso sentido das cores, de um desenho perfeito sem ser fotográfico deflui a poesia, para mim é sempre uma obra de arte que nos arranca um espontâneo “que lindo!”

À beleza das flores, porém, também quero acrescentar a beleza irónica e cómica da palavra. E qual melhor escolha que um poema do poeta romano Trilussa?!
Vejamos como retrata o “sufrágio universal”, em dialecto romanesco - com a devida tradução.

"Suffraggio Universale"

Un’Aquila diceva: - dar momento / che adesso c’é er suffraggio universale, / bisognerà che puro l’animale / riabbia un rappresentante ar Parlamento; / dato l’allargamento, o primo o poi, / dopo le donne lo daranno a noi.

Ma allora chi faremo deputato? / Quale sarà la bestia indipennente / che rappresenti più direttamente / la classe animalesca de lo Stato / E a l’occasione esterni er su pensiero / senza leccà le zampe ar Ministero?

Per conto mio, la sola che sia degna / de bazzicà la Cammera e conosca / l’idee de l’onorevoli è la Mosca, / perché vola, s’intrufola, s’ingegna, / e in fatto de partiti, sia chi sia, / passa sopra a qualunque porcheria
!
(01 de Janeiro 1914)

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"Sufrágio Universal "

Uma Águia dizia: - dado
Que agora existe o sufrágio universal,
É necessário que também o animal
Ganhe um representante no Parlamento.
Visto o alargamento, cedo ou tarde,
Depois das mulheres, concedê-lo-ão a nós.

Mas então quem faremos deputado?
Qual será o bicho independente
Que represente mais directamente
A classe animalesca do Estado
E, quando necessário, manifeste o seu pensamento
Sem lamber as patas ao Ministério?

Na minha opinião, a única que se mostre digna
De frequentar a Câmara e conheça
As ideias dos deputados é a Mosca,
Porque voa, insinua-se, engenha.
E na questão de partidos, seja quem for,
Transita por cima de qualquer porcaria!

Trilussa (Carlo Alberto Salustri; 1871 – 1950)

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Hoje como em 1914. Infelizes partidos tão miseramente considerados!
Alda M. Maia