segunda-feira, dezembro 29, 2014

VAI-TE EMBORA 2014. NÃO ME DEIXAS SAUDADES. SEJA BEM-VINDO O 2015 

                                O repouso do panda (La Stampa)

Esta será a minha última “conversa” de 2014, ano que não me ofereceu qualquer motivo para o recordar com serenidade.
Gosto pouco de falar de assuntos pessoais, porém, seja o ano 2013, seja 2014 foram períodos de grande tristeza e mágoas, sitas em recordações difíceis de apagar: para mim e para a minha família. Portanto, vai-te embora, maldito ano.

Entretanto, talvez seja caso para considerar que, fecharmo-nos nos nossos problemas existenciais e olharmos com distanciamento tantas tragédias que se avolumaram e impuseram durante o ano que agora finda, também não é aconselhável, quer esses dramas se desenrolem perto ou longe. Servem, pelo menos, para atenuar e temperar a nossa natural propensão para nos sentirmos isolados nas próprias amarguras.

Partindo das causas máximas, estou a pensar, por exemplo, no que sucede no Médio e Extremo Oriente. Estou a pensar nos indizíveis sofrimentos provocados pelas tremendas crueldades que percorrem toda a gama do que a bestialidade humana é capaz. Estou a pensar nas vítimas da nova praga do horror que é o jihadismo.
Principalmente no ano que está a extinguir-se, quantas ferezas foram perpetradas em nome de uma religião que não merece manipulações e exige respeito?
Impressionante o rapto de raparigas e crianças para serem violadas e vendidas como no pior período do esclavagismo; impressionante, repugnante a decapitação de inocentes transformada em espectáculo; impressionante a perseguição, morte e as mais horrendas violências sobre minorias de diferentes credos; impressionante assassinar crianças numa escola e forçá-las a assistir ao suplício dos professores regados com gasolina e incendiados.  
Classificar aqueles facínoras como seres humanos é uma ofensa à classe humana que todos sabemos ser um binómio: corpo e alma. Ora, aqueles seres não têm alma. E quando esta se esvai, surge a besta apta a todas essas e outras monstruosidades.    

Será o ano 2015 capaz de abrir as mentes de todas aquelas populações muçulmanas, a grande maioria, que decidem não mais aceitar o vilipêndio da própria religião que está a servir de pretexto para tantas aberrações? Por que não se unem e não se opõem com decisão, pois cabe-lhes todo esse direito? Espero que assim suceda.
Espero também que os povos ocidentais lhes forneçam todo o apoio moral e técnico que for necessário.

Á semelhança do sono deste panda - na imagem acima reproduzida - que dorme sossegadinho naqueles ramos sem temor de estatelar-se, a mesma serenidade e tranquilidade surjam, sobretudo, para quem, actualmente, vive acossado por aquelas bestas humanas sem alma.
Bom Ano 2015.

segunda-feira, dezembro 22, 2014

SOMOS TODOS EUROPEUS

Parafraseando Barack Obama, surgiu-me a tentação de também acentuar esta identidade que nos acomuna: somos todos europeus. Todos! E todos, sem excepções, contribuíram para que esta Europa se tivesse distinguido como berço da civilização que se expandiu pelos demais continentes; não é retórica, mas realidade. Houve um período no século XX, todavia, em que um destes países europeus caiu na barbárie mais atroz. Mas, repito, foi um período desencadeado por um louco. Houve o bom senso, posteriormente, de perdoar a dívida material pelos desastres causados. 

E como somos todos europeus, como todos temos igual dignidade, sobretudo no que diz respeito à própria soberania de países independentes, espera-se que a czarina Merkel, o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schauble, e o insuportável e enfatuado presidente do banco central alemão, Jens Weidmann, desçam do pedestal da arrogância no qual se alcandoraram, deixem de dar lições a quem as não solicita e comportem-se como personalidades às quais se exige diplomacia e respeito. Tudo se pode dizer e por justificados motivos, mas insisto: com diplomacia e respeito.

A minha antipatia cresce sempre que vejo estes personagens a pôr entraves às iniciativas anticrise do Presidente do Banco Central Europeu, ministrando avisos e insistindo no rigor dos “trabalhos de casa” (que expressão estúpida!) dos países que crêem economicamente inferiores, ignorando os péssimos resultados a que conduziu esta doutrina. Cegos pela arrogância ou com visão de horizontes estreitos?

Mas deixemos estas divagações e voltemos à frase exacta que desviou os meus pensamentos: “Somos todos americanos”. Parabéns, Sr. Presidente Obama. Não desista e continue por este caminho.
Aplaudi este entendimento com Raul Castro, esta quebra de hostilidades entre os Estados Unidos e Cuba.  
Restabelecer-se-ão relações diplomáticas, desaparecerá o bloqueio económico, o gigante americano e a maior ilha dos Caraíbas renovarão um bom entendimento social, diplomático, enfim, de bons vizinhos. Acabaram-se os contenciosos. Oxalá!
Obviamente, tudo isto é o que se espera, embora “não possa ser feito da noite para dia”, como bem prognosticou Obama. Alguns primeiros e bons resultados, porém, são já evidentes.

Em primeiro lugar, gostei das reacções de alegria dos cubanos, muito acentuadas na população mais jovem. Por aqui se vê a sensação de gueto em que viviam, e ainda vivem, e a esperança que se lhes apresentou como futuro resgate deste isolamento a que foram constrangidos durante cinquenta e três anos. “Uma prisão ao ar livre”, além do um embargo comercial, económico e financeiro que lhes subtrai todas as condições para uma vida de qualidade normal.
Houve exclamações de “finalmente livres”. Houve danças. “Somos todos americanos” já se tornou canção para animar o bailado.

“O sonho de Cuba é também a Internet para todos” – título de um serviço jornalístico (de Daniele Mastrogiacomo - La República, 21/12/2014) muito elucidativo.
“Hoje, navegar nas redes da Ilha, é árduo. Não somente porque o Governo de Raul Castro abre e fecha as torneiras dos contactos conforme as circunstâncias. É um problema de proibições e infra-estruturas… Internet é cara e não está ao alcance das pessoas… Se pensarmos que, em média, se ganha mensalmente a mesma cifra, 18 euros, é impensável, para um cubano, deitar fora o salário inteiro para uma pequena viagem no WEB.”
Comentário de um grupo de jovens à porta de uma universidade: “Quando se abrirem as fronteiras, abrir-se-á também a Internet e tudo será mais fácil”

Quanto à reacção negativa de muitos membros do Congresso, quer republicanos, quer democratas, não surpreende. Usam argumentos muito próprios de quem não é capaz de alargar horizontes, acreditando na imutabilidade de um statu quo perene: eles são os maus, nós os bons, mantenhamos as sanções; serão abolidas se mudarem de regime e os Castros desaparecerem da circulação.
Muito mais assisada a política de Obama: estendamos a mão, conversemos; o tempo encarregar-se-á de operar as mudanças que o povo cubano espera obter em prosperidade e direitos humanos, e que o “socialismo o muerte” passe a expressão folclorística.

Relativamente à comunidade cubana nos Estados Unidos que também discorda da abertura a Cuba, talvez seja compreensível. É difícil esquecer as agruras de quem teve de fugir de uma ditadura que nada concedia à liberdade e dignidade de cidadãos sem direitos.

E para finalizar, achei divertido que, para já, os Estados Unidos podem importar de Cuba 100 dólares de produtos de tabaco e álcool. O problema é que uma caixa de charutos Havana custa mais de 100 dólares. Têm de se contentar com uns charutos avulsos, caso não funcione o contrabando. 

segunda-feira, dezembro 15, 2014

ATRACÇÃO IRRESISTÍVEL PELOS TEXTOS
ADAPTÁVEIS À REALIDADE PORTUGUESA

Explico melhor no que consiste esta “atracção irresistível” por análises ou certos artigos de opinião, escritos noutras línguas mas que, pelo seu conteúdo específico, bem se adaptam ao que se passa e observamos dentro do nosso país.
O director do quotidiano La Stampa escreveu ontem um desses textos. Obviamente refere-se à Itália, mas as similitudes com a realidade portuguesa são de tal ordem que decidi transcrevê-lo. Não é a primeira nem será a última vez que penso escrever sobre um determinado assunto e, no último instante, mudo de ideia.

Título e texto do artigo publicado ontem:

“Se o País não se liberta do passado”
O nosso campo de jogo é o mundo, mas já nos passou a vontade de o dizer; pelo contrário, desejaríamos negá-lo e, se possível, esquecê-lo. «Basta com este planeta global, com a Europa, com a sua moeda e todas estas regras; basta com os esforços e as reformas que nos pedem»: estas palavras, pronunciadas de uma maneira mais ou menos gentil e na ordem que prefirais, já são um sentimento comum, ribombam na televisão, nos bares, nas cozinhas de casa e saem da boca de qualquer político que deseje apresentar-se como novo e em sintonia com os tempos.

Pensamos que temos o direito – visto o preço que estamos a pagar por uma crise que não quer acabar – de fecharmo-nos em casa e ser deixados um pouco em paz, a fim de pousar a cabeça em cima da almofada e poder sonhar com os belos tempos passados.
Se servisse para alguma coisa ou se não provocasse danos, não seria mau tomar-se uma pausa e deixar-se envolver pela nostalgia. Mas não é assim: cada instante que perdemos, porque preferimos estar parados, ou de recuar, e no qual nos encantamos a olhar para trás, é um novo resvalamento para o fundo, uma nova hipoteca sobre o futuro. 
O debate de estas semanas é um insulto à razão, todo construído sobre polémicas internas, enquanto o país afunda nos escândalos.

Sexta-feira, em Turim, durante toda a manhã escutei um confronto entre italianos e alemães, aberto na noite anterior pelos Presidentes dos dois países.
Participaram professores, diplomáticos, empresários, jornalistas. Todos falaram, de uma maneira verdadeiramente franca e sem falsas cortesias, da relação, cada dia mais fatigante, entre nós e Berlim.

Normalmente irritam-me as pessoas que falam ex cátedra e não suporto quem recorda diariamente que devemos fazer bem «os deveres de casa». Todavia, passado um primeiro enfado em relação a quem tende a dar-nos lições, impressionou-me a paixão com a qual os alemães falavam da Itália e dos seus jovens. O género de pessoas que estava perante mim era amplamente representativo da sociedade alemã e das suas classes dirigentes. Captei um espanto geral, que em alguns era incredulidade, pela nossa inércia ante o declínio.
Quatro frases ficaram gravadas nos meus apontamentos: «É imoral o desemprego juvenil italiano. É um escândalo aceitar de ter quase metade dos jovens sem emprego; deveis ensinar-lhes que podem ter êxito, construindo-lhes uma chance. É eticamente irresponsável que existam jovens que saem das escolas sem ter alguma perspectiva profissional. Mas como podeis pensar de não endireitar o país para os vossos filhos? Nós, quando compreendemos que nos arriscávamos a não ter um futuro, fizemos reformas verdadeiras.»
O tom de quem pronunciava estas frases era realmente preocupado e quando saí, enfiei-me no tráfego congestionado pela greve geral. Pensei no quanto o nosso debate quotidiano tinha a cabeça dirigida para o passado, discussões nas quais olhamos para os nossos pés, nas quais nunca pomos a cabeça fora de casa, nas quais o futuro não existe, porque não se tem a coragem de imaginá-lo, mas, sobretudo, de construí-lo.

Reformas, «há necessidade de reformas»: todos no-lo repetem, dia a dia, com uma insistência que parece petulância. A palavra já provoca alergias, refutação, mas se experimentarmos traduzi-la na realidade, poderia também significar ter uma vida melhor, tornar normal o país.
As reformas deveriam servir para fazer funcionar uma Itália agora imóvel, na qual ninguém investe – nem de dentro nem de fora – porque não há certezas.
Uma voz alemã explicou-o com uma clareza matemática: «É impossível prever os tempos de abertura de uma actividade, pois ninguém sabe quanto será necessário para obter uma licença, uma assinatura, um certificado; ninguém sabe o tempo que durará um processo em caso de contencioso; e depois há inimizades excessivas, contraposições e não se pode olhar sempre com suspeita quem investe»
Mas um pouco de certeza não seria também benéfico para nós que pagamos cada dia a conta de ritos e burocracias e cuja existência não faz nenhum sentido?

Paralelamente às reformas, teríamos necessidade de uma mudança cultural, de actualizar um debate rançoso. Jornais e televisão continuam a ler a realidade com lentes do século passado, a representar os sujeitos em campo segundo esquemas superados.
Se pensamos que agora também a palavra crescimento é proibida, dizem-nos que deveríamos esperar pelo decrescimento feliz. De decréscimo, infelizmente, há muito, mas de felicidade nada vejo e penso que, pelo contrário, seja natural crescer e desenvolver-se, mesmo porque nunca vimos uma criança decrescer.
 Apoiemos quem, dia a dia, tem a coragem de abrir uma loja, uma actividade, de inventar-se uma profissão em vez de partir, de esperar em vez de lamentar-se.
Experimentemos, finalmente, fazer o funeral de um passado que não voltará, a ajustar contas com o luto, a liberar-nos dos fantasmas e, sobretudo, a pôr de parte uma conflitualidade suicida que já arruinou demasiadas vezes a Itália. 
Mário Calabrese; La Stampa – 14/12/2014
*****  
(Os sublinhados são meus)

segunda-feira, dezembro 08, 2014

UM JOVEM INVESTIGADOR EMIGRADO
ESCREVE AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

O caso passou-se na Itália. Pela sua aproximação ao que se passa no nosso País, cuja situação é idêntica; pelo conteúdo e beleza desta carta, decidi traduzi-la. Merece ser lida.
Foi publicada no jornal La Repubblica,  teve um grande eco, sobretudo no
meio académico, e já mereceu a resposta do Presidente Giorgio Napolitano, o qual não deixou de dar-lhe razão.

Quem a escreve é um jovem de trinta e dois anos, forçado a emigrar para o Reino Unido, exactamente como milhares de outros jovens: na Itália como em Portugal. 

Eis o que diz a carta:

Ex.mo Senhor Presidente da República

O meu nome é Cosimo Lacava, a minha profissão é investigar no âmbito da optoelectrónica para as comunicações em fibra óptica.
Escrevo-lhe esta carta após ter conhecido as medidas que o Governo actual entende levar avante, relativamente à Universidade e à Investigação. Refiro-me especialmente à norma prevista pelo art. 28, alínea 20 da Lei de Estabilidade, em discussão no Parlamento.

Tal norma pretende cancelar quanto previsto pelo art. 4 do decreto-lei 49/12 que introduzia um princípio sacrossanto, isto é: dever-se-ia pensar também no futuro e não somente no presente, assim com na didáctica das universidades; que os recursos disponíveis deveriam ser distribuídos com equidade entre as progressões de carreira (legítimas) e as imissões no quadro de jovens investigadores do tipo b (em conformidade com a lei 240/10). É a única forma com uma perspectiva certa e clara, depois de três anos de trabalho de investigação de qualidade, certificado pela obtenção da habilitação nacional de professor associado, a fim de poder entrar e fazer parte do orgânico da universidade.

A abolição daquele princípio, Sr. Presidente, representará uma escolha míope e insensata, pois não olharia para o futuro, mas apenas o presente, piorando um quadro já comprometido e com o risco de reduzir o futuro capital humano da Investigação Italiana: capital humano que deverá inovar e confrontar-se com as outras realidades europeias e mundiais. Seria uma escolha que daria o aval àquela política universitária predisposta a premiar quem, estavelmente, já trabalhe como efectivo. Também sob o ponto de vista simbólico, tratar-se-ia de um péssimo sinal para os mais jovens.

Rogo-lhe, portanto, conhecendo a atenção que desde sempre dedicou ao sistema universitário e ao seu futuro, de fazer tudo quanto é possível, dentro das suas possibilidades políticas e institucionais, a fim de esconjurar aquela modificação normativa que a Lei de Estabilidade quer introduzir.

Também lhe escrevo, Sr. Presidente, para contar-lhe a minha história. Creio que é igual a tantas outras, mas talvez mereça ser contada, para evitar que tudo se torne normal, tudo se aceite.
A minha história é simples: nasci em Grottaglia, província de Taranto. O meu pai trabalhou 40 anos na ILVA de Taranta. Graças aos seus sacrifícios, estudei Engenharia Electrónica no Politécnico de Bari. Fiz o Mestrado em Pavia, Universidade plena de excelências no campo que mais me interessava, a optoelectrónica. Decidi inscrever-me no concurso de doutorado do qual saí vencedor de uma bolsa de estudo. Foi um dos momentos mais belos da minha carreira de estudos, porque, naquele momento, compreendi que “era uma coisa possível” e que a Investigação italiana, daquela maneira, tinha decidido investir recursos em mim. Há cerca de um ano concluí o doutoramento. Foram três anos intensos, nos quais, quem me seguiu “ensinou-me uma profissão”, literalmente a partir de zero: a de investigador.

Nestes anos não pude ignorar a outra grande paixão da minha vida: fazer Política. Sempre pratiquei Política, fora e dentro da Universidade. Penso que fazer Política signifique, simplesmente, esforçar-se por resolver problemas. Quando faço política sento-me no lugar certo, no momento certo, porque me apercebo que, se há problemas para resolver, de qualquer maneira a paixão ajuda-me a compreender qual é a solução. Só quem faz isto dia a dia sabe o que entendo dizer, e penso que o Sr. Presidente compreende o que entendo.

Depois de um ano de pós-doutorado tive de abandonar tudo isto. Tive de deixar o meu trabalho na Itália, porque me apercebi (e não é difícil chegar a esta conclusão) que ali não existiam (e não existem) perspectivas para quem quer exercer a minha actividade. Fui forçado a emigrar, abandonando um potencial grupo de investigação em crescimento. Tudo isto enquanto o nosso Governo quer aprovar normas, como a que lhe descrevi no início, que vão na direcção errada, sem olhar para o futuro e que, porque injustas, abatem o moral de quantos, entre os mais jovens, desejariam e querem continuar a fazer investigação no nosso amado País.

Hoje, na Universidade italiana, resiste-se, Sr. Presidente, nada mais. Procura-se, estrenuamente (em diversos casos, no entanto, consegue-se, mas a preço de enormes sacrifícios!), fazer investigação de qualidade com poucos fundos, logo, com pouco pessoal e poucos meios.

Sei já o que poderão dizer alguns dos que estão a ler esta carta: O dinheiro deve-se procurar noutro lado, Fundos Europeus, etc. Tudo verdadeiro, mas isto, pelo menos no departamento do qual provenho, é feito e até bem. Não se pode fazer mais, porque continuando a cortar fundos corta-se a base sobre a qual, nós, investigadores, devemos construir o resto e, de seguida, encontrar fundos externos. É um conceito simples: se não existe a base não se pode construir o que deve ser feito em seguida.
Para não falar do facto incrível dos projectos SIR (Scientific Independence of Young Researchers), publicados em Fevereiro, caducidade em Março (um mês para escrever um projecto?) e dos quais, até hoje, não se conhecem os resultados (pelo meio, uma história feita de ineficiências e incompetências… mas fico-me por aqui). 
Alguém dirá que é positivo fazer “uma experiência” no estrangeiro. Não posso deixar de concordar, na condição, porém, que haja a possibilidade de regressar e que a Itália hospede outros investigadores de outras partes do mundo para que também ela possa enriquecer-se. É o que está a acontecer neste momento? Absolutamente, não.

Actualmente vivo em Salisbury, uma pequena cidade inglesa de Wiltshire. Todas as manhãs, às 7,30, tomo o comboio que me transporta até Southampton, onde trabalho. A minha investigação é de interesse internacional e poderia trazer, nos próximos anos, tantas inovações no campo das comunicações a banda larga que, seguramente, serão também de interesse primário para o nosso País.

Não sei quantificar, com precisão, quanto o Estado italiano gastou para a minha formação. Sei que o custo, para o Estado, desde a escola primária até à obtenção do título de Doutor de Investigação, é estimado em 500.000 euros. Hoje, um outro país cobra a vantagem de tudo isto sem nada dar em troca. E as estatísticas destes últimos anos, que não cito, Sr. Presidente, porque imagino que as conheça, relatam um autêntico êxodo para o estrangeiro de tantos, tantíssimos jovens como eu. Não é normal, e só desejaria que alguém se apercebesse disso.

Enfim, desejaria acrescentar, Sr. Presidente, que esta não é uma carta para comunicar “quanto me sinto mal”. Pelo contrário, eu estou muitíssimo bem, sinto-me “um privilegiado”, porque faço um trabalho que me agrada, que me apaixona. O salário que recebo é justamente proporcionado ao trabalho que me foi atribuído e as perspectivas que tenho são prometedoras, vivo bem e sou feliz: desejaria, porém, decidir de fazê-lo no meu e para o meu País.

Nestes momentos tenho consciência que contribuir para o bem comum da Itália está a tornar-se num privilégio para nós, italianos, e creia-me, Sr. Presidente, isto dói, dói muito. Desejaria, pelo contrário, poder regressar e investir uma consistente parte do meu tempo livre em empenhos civis e políticos para deixar um país melhor às gerações que se seguirão.
No resto do tempo desejaria simplesmente trabalhar, fazer o meu trabalho, através do qual contribuir igualmente para o bem comum e também demonstrar que o investimento feito sobre a minha pessoa foi um bom investimento.
Com uma cordial saudação
Cosimo Lacava
Southampton, 27/11/2014 

segunda-feira, dezembro 01, 2014

ANTES, ERA A INTERNACIONAL VERMELHA;
HOJE, A INTERNACIONAL NEGRA

Decididamente, o mundo anda mesmo às avessas. Tomar conhecimento das manobras da política russa em relação aos partidos da extrema-direita europeus e da atenção reservada pelo Senhor Putin aos grupos reaccionários ocidentais, não sabemos se nisso encontrar motivos de comicidade se razões para um forte alarme.

Marine Le Pen obteve para o seu partido, Frente Nacional, o financiamento de 9 milhões de euros do banco russo, First Czech Russian Bank - mas há quem afirme que a soma seja mais elevada –, qual gentileza russa pelas boas relações com este partido de extrema-direita, inimigo jurado da União Europeia: qualidade muito apreciada por Vladimir Putin.

No Congresso de “Frente Nacional” em Lyon, dias 29 e 30 de Novembro, um jornalista italiano que seguia o evento, entre um ar divertido e espantado, acentuou a originalidade do que se presenciava nesse congresso: comunistas a aplaudir fascistas e vice-versa.

Paralelamente, o mesmo jornalista tinha dificuldade a conter o riso, quando repetia as palavras de encómio de Marine Le Pen a Matteo Salvini, líder da Liga Norte e seu fiel aliado: “Matteo Salvini tem uma energia transbordante e também eu, por vezes, fico em êxtase perante a força da sua capacidade de convencer e a bravura no trabalho”.
Face a este êxtase de Marine Le Pen, a chuva de ironias foi inevitável.

Parece que também houve gargalhada geral na sala do Congresso, quando o russo A. K. Isaev, vice-presidente da Duma (câmara baixa), iniciou o discurso com a expressão: “Caros camaradas”.
Para ex-anticomunistas ferrenhos (ou anticomunistas encobertos?), souberam encarar a situação com sentido do humor. Para mim, todavia, a comicidade reina nestas tácticas despudoradas de uma política rasteira, quer de Putin, quer dos extremistas da direita.

Falemos então de Matteo Salvini, Secretário da Liga Norte, partido italiano xenófobo, antieuropeu, antieuro e, praticamente, contra tudo o que entre em conflito com a sua retórica fascistóide.
Tornou-se num entusiasta da Federação Russa e da sua política; outro “sincero” amigo que espera ajuda financeira do grande benfeitor do Kremlin. Mas o Senhor Salvini declara: “Até hoje não chegou nem um rublo nem um euro. O nosso apoio à Rússia é totalmente desinteressado”. E quem acredita nisso? Difícil.

Salvini visitou a Crimeia, a Rússia e, durante essas visitas, não poupou elogios a Putin, desempenhando o encargo de “porta-voz dos adversários das sanções.  Efectivamente, um grande número de pequenos empresários e comerciantes do Norte da Itália foram muito prejudicados pelas sanções impostas à Federação Russa. O Secretário da Liga Norte soube colher a oportunidade para captar estes votos e, mais uma vez, desencadear a sua aversão à Europa e à moeda única.

Seguindo a estratégia da URSS, o Kremlin de Putin procura infiltrar-se em todos os movimentos ou partidos que criem problemas aos países onde operam. “O canal bancário resta, em teoria, a estrada mais simples e transparente. A «moral suasion» do Kremlin, no sector, é altíssima”.
“Desde a Liga Norte, Front National a outros partidos e movimentos que aparentam formar uma verdadeira «Internacional Negra», há austríacos, holandeses, os alemães do AfD, Tea Party, UKIP de Nigel Farage, os anti-semitas húngaros, os neonazis de Alba Dourada. Uma mistura letal que mira a fazer explodir internamente a União Europeia” – La Repubblica de 25/11/2014.

Concluo que a União Europeia deve estar muito atenta e ponderar bem as suas políticas, pois que o panorama que se apresenta não é tranquilizador. Porém… a União Europeia tem alguma política? Ou a única preocupação e actividade das instituições da União são de carácter económico e, portanto, impor orçamentos de acordo com os cânones “austeritários”?