segunda-feira, julho 30, 2012

CONTRA-SENSOS INDIGERÍVEIS

Praticamente, os contra-sensos são quase sempre intragáveis, pelo absurdo ou disparate que revelam. Todavia, há certos contra-sensos que vão muito além daquilo que se pode aceitar com indiferença.

Comecemos pelo primeiro a que desejo dar relevo. Escandalizou-me e li a notícia duas vezes, pois temia equivocar-me.
O presidente do BPI, Fernando Ulrich, em declarações ao jornal Público (quinta-feira passada) “considerou incompreensível que o Ministério das Finanças realize reuniões em inglês com os banqueiros portugueses” - «É irritante ter de falar com o Governo do meu país em inglês».

Repito, li duas vezes, pois o disparate era de tal ordem que perplexidade e espanto confundiam-se. Tentei procurar justificações, mas quais? Chegava sempre ao ponto de partida: não somente se tratava de um absurdo, como de uma indecência contra este nosso Portugal, sempre tão maltratado pela miserável falta de auto-estima dos seus cidadãos, acrescida, frequentemente, de uma ridícula pedantice.

E pobre língua portuguesa de Portugal! De novo traída e humilhada e de novo sem qualquer justificação válida. Ou a linguagem económica e financeira, se não for em inglês, não é entendida pelo nosso Ministro das Finanças? Mudem de ministro ou ministrem-lhe umas boas horas de lições de português europeu.

Todavia, queiram os senhores banqueiros consentir-me uma pergunta: por que não disseram, in loco e claramente, que estavam em Portugal, eram genuínos cidadãos portugueses e apenas se exprimiriam na sua língua materna?
A não reacção às estranhas praxes do Ministério das Finanças não foi também uma falta de sensatez e demonstração de tibieza?
Não se esqueçam que estamos em democracia. Não se esqueçam que é o uso e abuso de iniciativas deste género que diminuem o país e contribuem para um amplo desconhecimento, lá fora, do que é e quem é Portugal.

E a propósito, descrevo um hábito, quase inveterado, que noto nos meios de informação italianos, quando se referem a factos exclusivamente espanhóis. É comuníssimo ouvir ou ler as seguintes expressões: o Governo ibérico; o ministro da Economia ibérico; a banca ibérica; o primeiro-ministro ibérico, etc., etc.
Para aqueles agentes da informação, que lugar terá Portugal, um dos mais longevos países europeus, nesta Península Ibérica?!
Por muito que não queiramos precipitar em “patrioteirices”, há sempre aquela dignidade da comunidade a que pertencemos e à qual não devemos, nunca, renunciar. Assim, mais dia, menos dia… protestarei, pois já não tolero tanta superficialidade e estupidez.
Ma sobre este desconhecimento das coisas portuguesas haveria tanto que escrever! Por hoje, continuemos a falar de contra-sensos.

Fernando Ulrich aludiu a outro contra-senso: «O BPI já pagou 5,3 milhões de euros a consultores estrangeiros contratados pelas Finanças e Banco de Portugal. É lamentável que, numa situação difícil, se esteja a exigir este pagamento e, por isso, peço que utilizem menos consultores. E se é necessário contratá-los, contratem consultores portugueses».
Explicou que esses consultores estrangeiros são maioritariamente ingleses e com “posições muito críticas face ao euro”.

Esta é mais uma variedade dos contra-sensos nacionais que adquiriram foros de instituição.

Quando se trata da Administração Pública, por exemplo, seria oportuno interrogarmo-nos se não existem funcionários públicos idóneos ou equipas técnica e juridicamente especializadas, capacíssimas de enfrentar, resolver e aconselhar soluções e métodos que redundem numa correcta e profícua administração da coisa pública. Como consequência, obviamente, afastar-se-ia qualquer ideia dos tais contratos externos de consultorias - preços exorbitantes - e que nem sempre brilham por transparência e oportunidade.
Há uma razão válida, equilibrada e honesta que explique e justifique este péssimo hábito institucionalizado?

Neste período de vacas magríssimas, esperar-se-ia do Governo que enfrentasse esta anomalia com seriedade e determinação. Tem anunciado alguma iniciativa e agido de imediato, nesse sentido?

E como contra-senso príncipe, exemplo das piores anomalias que assolam um continente, não podemos eleger outro que não seja a crise económico-financeira europeia.
Não houve guerras destruidoras; não houve tsunamis que devastassem cidades e aldeias; não houve invasões de bárbaros, porque se esgotou esse fenómeno.
É desolador verificar, portanto, que tantas aflições e agonias, na zona euro, apenas são motivadas pelo estúpido e banalíssimo contra-senso de dirigentes europeus que não têm sabido, até hoje, bater o pé, com medidas justas e tempestivas, às arremetidas dos mercados financeiros contra dívidas soberanas. Este, para mim, é o contra-senso dos contra-sensos e, simplesmente, pela inexplicabilidade que o caracteriza, embora as opiniões técnicas superabundem. Mas aqui, evoca-se Pirandello: proporcionar-nos-ia uma interpretação magistral!

segunda-feira, julho 23, 2012

PRIMAVERAS ÁRABES TRAÍDAS?
PERMANECE O OBSCURANTISMO?

Desviemos as atenções desta Europa doente de “spreads”, de tendências por cortinas de ferro (agora Norte contra Sul), concentremo-las na Síria e demos relevo a um grande poeta, pensador, filósofo muçulmano nascido no norte da Síria, nacionalidade libanesa e candidato, com muito mérito, a um Nobel da Literatura. Actualmente, vive em Paris.
É conhecido como Adonis (indicam que se deve pronunciar Adunis), pseudónimo de Ali Ahamed Saïd Esber. Foi buscar o pseudónimo ao Adónis fenício, também símbolo da ressurreição.

Para os fundamentalistas é um nome que “renega a tradição islâmica”. A questão é que este poeta e intelectual árabe sempre se bateu pelas liberdades democráticas e pela emancipação das mulheres. Sempre foi um inimigo do regime de Assad, mas não tem poupado críticas ao fundamentalismo islâmico que pretende substituir aquele regime.
Estes mesmos fundamentalistas, há cerca de um mês ou dois, lançaram uma campanha online, acusaram-no de apostasia e heresia, condenando-o à pena de morte. Imediatamente, 150 intelectuais formaram barreira em defesa de Adonis, declarando: “Não se toca no ícone da liberdade árabe.”

Em Portugal, Adonis não é muito conhecido. Investiguei sobre obras publicadas no nosso País, mas somente o Brasil me respondeu. Como sempre, brilhamos por ausência ou apatia. Mas espero estar enganada.

Quinta-feira passada, o jornal La Repubblica publicou um artigo deste poeta sobre o que se passa no seu país nativo. Transcrevo integralmente a versão do texto publicado, embora de difícil tradução, pois não brilha por clareza. Todavia, esforcei-me pelo melhor que me foi possível. Vale a pena conhecer o pensamento deste ilustre intelectual muçulmano.

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A MINHA SÍRIA REFÉM DO OBSCURANTISMO

"A tragédia que se consuma na Síria é a de um país de história e civilização multimilenárias que tinha sabido dotar-se de um tecido social e cultural o mais avançado no mundo árabe. A pergunta é esta: que fim terão os passos essenciais efectuados em direcção da modernidade, a superação das linguagens arcaicas das “minorias” e das “religiões”, da sujeição das mulheres às “leis” de uma pretendida fé?
Efectivamente, se se fala da Síria, é imperativo distinguir entre os regimes – passageiros - e a sociedade.
O regime é indefensável, como todos os regimes árabes e que devem ser mudados. Mas isto já não é o essencial.
A catástrofe das vítimas de nada serviria se não se enfrentasse a questão central: o renovamento da sociedade. A revolução, porém, é muda a este respeito. Não diz o quê e muito menos como deseja mudar. Não esclarece como será o pós-regime. Hoje, o discurso unificador tornou-se, sobretudo, num discurso regressivo.

Aflora uma linguagem medieval que insiste sobre as ditas “minorias”, propõe divisões de sunitas, xiitas, alawitas, cristãos, em vez de promover a cidadania. O conceito de “cidadão”, um cristão, por exemplo, dotado dos mesmos deveres dos sunitas, mas também dos mesmos direitos.

Para que serve uma revolução num país árabe se não se concretizam dois factores essenciais? Primeiro, os direitos das mulheres, começando pela sua libertação da lei religiosa; segundo, a separação da religião de tudo o que é política, sociedade e cultura, a fim de que a religião seja uma experiência individual desligada das instituições.
Um verdadeiro revolucionário, portanto, não pode falar aquela linguagem, muito menos na Síria, onde, de há milénios, existem mais de vinte confissões religiosas. Não pode arregimentar-se na extraordinária regressão que hoje se verifica no mundo árabe.
Após 200 anos de empenho e de luta pela modernidade, progresso e libertação; desde quando Muhammad Ali, no Egipto, entre os séculos XVIII e XIX, abriu as portas à modernidade, agora aquelas portas parecem fechar-se.

Seria verdadeiramente trágico se nos libertássemos de um fascismo militar para substituí-lo por um outro fascismo de marca religiosa; se a revolução na Síria fosse confiscada pelos interesses estratégicos internacionais e onde a guerra opõe duas frentes: de um lado o Ocidente; do outro, A Rússia e a China.

Para que serviria a nossa revolução? E em que tipo de revolução se tornaria, se conduzida por forças externas? Submeter-se às ingerências externas, como mínimo, é anti-revolucionário. É a prescrição para uma guerra civil, talvez ditada por estranhos com projectos delineados noutros lugares. E se é guerra civil, é difícil adivinhar como acabará e o que sucederá aos cristãos, às minorias, às mulheres. Por todas estas razões, a oposição deve falar com extrema clareza, exprimir-se sobre o futuro deste grande país.

A Síria tem direito a um regime digno do seu povo. O crime de hoje é a destruição daquele povo.
Uma parte de culpa é do Ocidente que se vai associando às forças pró-religião ou abertamente religiosas no mundo árabe. Não demonstra interesse pelo homem, pelos seus direitos. Parece que se deixa guiar, acima de tudo, pelos seus interesses; dá a impressão que deseje operar a fim de que o mundo árabe estacione e a Síria precipite no obscurantismo medieval."
AdonisLa Repubblica, 19 / 07 / 2012

segunda-feira, julho 16, 2012

A VERDADEIRA INFORMAÇÃO
 ESTÁ NOS DETALHES

Frequentemente, nos principais órgãos de informação, os detalhes esclarecedores e concretizadores de eventos importantes pecam por superficialidade e omissão ou, ainda mais frequentemente, são desvirtuados conforme as ideias e interesses de quem os comunica.
É deste modo que o grande público, mal informado, constrói opiniões deformadas e interioriza concepções muito próximas de populismos que se dispensariam, mas sempre bem aproveitados pelos politicantes de turno.

Insisto nesta minha ideia: cidadãos bem informados e alvo de uma informação alargada, séria e objectiva constituem uma apreciável mais-valia para qualquer país onde essa preocupação é consuetudinária.
Refiro-me, obviamente, à informação sobre acontecimentos e factos do funcionamento das instituições que regem a democracia, o progresso, o bem-estar das populações, assim como tudo o que concerne a relação do país com outros Estados.

Tudo isto vem a propósito da União Europeia e da qual fazemos parte.
Há duas semanas, escrevi neste blogue que começava a desgostar-me o sentimento antialemão que se ia intensificando.

Sabia que, dentro da Alemanha, existia uma forte corrente contrária a qualquer ajuda financeira aos Estados-membros em crise. Desconhecia, porém, o rancor e desprezo como, nesse país, se referem aos portugueses, italianos, espanhóis e gregos.

Em vez de um apanhado, prefiro transcrever o que a ilustre filha de um dos maiores impulsionadores da fundação da União Europeia, Altiero Spinelli, escreveu há dias sobre este assunto.

[…] O Sul da Europa não se cansa de advertir Berlim, evocando a expansão do sentimento antialemão. Mas conhece pouco os sentimentos antieuropeus que se adensam na Alemanha.
Citamos, entre os epítetos usados pelos frequentadores dos jornais no Web, os mais significativos: “italianos, gregos, espanhóis, portugueses são escroques, parasitas, pérfidos, descarados”. “Quando apontam o dedo ao passado dos alemães, são, acima de tudo, chantagistas». São “cães, mas que ladram conforme a sua altura”. Um leitor conclui: “Quem tem amigos destes não precisa de inimigos”.
Este ódio atinge também os europeístas como Schmidt e Kohl; os verdes Trittin e Roth; o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Joschka Fischer (“um depravado moral”): “são traidores do povo, odeiam a Alemanha”.

É um clima que deve ser considerado, quando se fala do escudo anti-spread ou se celebramos progressos alcançados nos vértices europeus.
É um clima incendiário que as classes dirigentes alemãs, evidentemente, não sabem governar. A maior parte das vezes lisonjeiam-no; outras, contrastam-no, mas têm-lhe medo. Falta, tragicamente, a pedagógica capacidade de explicar as coisas «nos detalhes»: é a crítica, pesada, que o Presidente Joachim Gauck dirigiu ao Governo”. […] – Bárbara Spinelli

Foi esta expressão “nos detalhes” que me impeliu a escrever sobre a incompletude ou tendenciosidade da informação, pois vem ao encontro do que sempre pensei e que acima explicito.

Alguns órgãos de imprensa e Governo alemães deveriam ter a preocupação de explicar aos concidadãos que a contribuição do próprio país para os fundos de estabilidade financeira da zona euro é de 27% (190 mil milhões€, mas grande parte em valores de garantia) de um total de 700 mil milhões.
Superior à dos demais países, pois é em proporção à sua economia, mas não é a única a garantir esses fundos: a França contribui com 20,4%, a Itália, 17,9%, etc., etc. Recordo também que a Itália, até hoje, nada tem pedido, mas pagou para socorrer Grécia, Irlanda e Portugal. Somente a Alemanha a “grande sacrificada”!?

Deveriam ter a preocupação e honestidade de informar que a coesão e solidariedade não significam financiar gratuitamente quem quer que seja e que as condições desses financiamentos são pesadíssimas para os cidadãos dos países que deles necessitam.

Mas entretanto, e aqui vislumbro um certo cinismo, omitem informar que a Alemanha é financiada a custos abaixo de zero e inundada de capitais: a sua política do nein e as persistentes declarações hostis aos fundos de estabilidade financeira também servem de chamariz. Involuntariamente? E quem acredita nisso? A pura economia ariana é um novo credo, sacrificando friamente as populações dos países em crise, mas que foram um bom mercado para as exportações germânicas?

Não surpreende, portanto, (sempre informação de Bárbara Spinelli) que 172 conceituados economistas alemães, com o beneplácito do governador do Bundsbank, tivessem assinado um apelo onde “intimam o Governo a não ceder às pressões e recusar as medidas concordadas em 28 de Junho passado, excessivamente onerosas para Berlim”.

Porém, também é útil saber que houve um contra-apelo de grandes economistas alemães no qual os 172 “foram acusados de nacionalismo e incompetência”.
Mais um motivo que robustece a minha antipatia pelas generalizações. Em todos os países há o bom e o mau. Há a boa informação e a tendenciosidade, mil vezes pior que a mentira.

Para finalizar, quando leio os artigos de opinião dos nossos comentadores, em grande parte desses editoriais avulta o pensamento único: catastrofismo e é a Alemanha que deve cobrir, financeiramente, estes PIGS "escroques, parasitas, pérfidos, descarados”. Os detalhes onde ficaram? Alguém se preocupa em explicar clara e minuciosamente como tudo funciona?

Seria interessante também informar que Portugal, com as suas reservas áureas de 382,5 toneladas, excluindo o FMI e BCE, está no 12.º lugar mundial e o quinto país na União Europeia – dados de Agosto 2011.
Já é uma consolação!...

segunda-feira, julho 09, 2012

GLOBALIZAÇÃO:
QUANTAS PERPLEXIDADES!

Certamente que a Globalização foi benéfica para todos aqueles países pobres, não desenvolvidos e para quem o mundo estava fechado. Originou oportunidades a tantos outros, a fim de melhor explorar as suas capacidades técnicas e produtivas. Todavia, o modo como a globalização explodiu – penso seja este o verbo mais adequado – pode classificar-se como imparável e sem quaisquer estacadas, onde necessárias, que lhe atenuem o ímpeto de potro selvagem?
A crise em que nos debatemos não será também uma consequência da super ou subavaliação deste fenómeno e a forma irruptiva como se expandiu?

A estas minhas perplexidades encontrei algumas respostas no artigo de Giovanni Sartori - Professor emérito, “um dos máximos conhecedores da Ciência Política a nível internacional”. Lê-lo ou ouvi-lo, capta sempre o interesse. Sobretudo, pelo estilo directo e claro como se exprime.
Neste artigo – transcrito integralmente - o que escreve sobre a Itália adapta-se perfeitamente a Portugal.

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"A DEFESA DA EUROPA
GLOBALISTAS SIM, MAS NÃO DEMASIADO"

"Não foi ontem, mas há dezanove anos (em 1993), escrevi que a globalização económica – não a financeira, que é uma coisa diversa – parecia-me um erro e por esta simples razão (em condensadíssima síntese): dentro da igualdade tecnológica, os países com baixo custo do trabalho criariam desemprego nos países ricos, pois que a manufactura transferir-se-ia para os países pobres e, deste modo, repito, os trabalhadores dos países ricos ficariam sem emprego.

Fiz esta observação em várias outras ocasiões, mas falei sempre com surdos. No entanto, o argumento era simples e óbvio. Actualmente, o elevado desemprego no Ocidente e a transferência da mão-de-obra para países onde o custo é dez vezes menor estão à vista de todos.
Mas os economistas não o tinham previsto; hoje, fingem que nada aconteceu. A receita deles para o Ocidente é que se torne sempre mais inventivo e na vanguarda. É um álibi sem consistência. Eles sabem, como todos, que de há longo tempo o Japão, sucessivamente a China e Índia, são tecnicamente tão desenvolvidos como nós. Resta o facto, agora, que a trapalhada está feita.

Nesta trapalhada, os italianos colocam-se entre os que reúnem piores condições. Estamos claramente em recessão. Para ultrapassá-la e reconquistar o cimo, a palavra de ordem é: investir/crescer; investir/crescer. Muito obrigado. Mas onde está o dinheiro? O Estado está sobrecarregado de dívidas e nem sequer tem meios para pagar os seus fornecedores. Se prescindirmos da caça aos que evadem o fisco (sacrossanta, mas que apanha, sobretudo, os peixes pequenos, porque os grandes estão tranquilamente aparcados nos paraísos fiscais), o presidente Monti deve, ele também, recorrer a novos impostos e cada vez mais altos. Mas a este ponto, estamos a espremer sangue de um nabo. Admitamos que o nabo sobreviva. Mesmo assim, o círculo é perverso: reactivamos produções que, a fim de sobreviver, dever-se-ão, pelo menos em parte, deslocalizar. Tornamos ao ponto de partida e cada vez mais jovens sem trabalho.

Regressar à lira, regressar à dracma? Temo que seria uma ulterior loucura. Entretanto, ninguém pensou numa união alfandegária na zona euro. Dentro da Eurolândia, nenhum imposto, nenhuma alfândega. Mas, ocorrendo, taxas e protecções para salvar, na Europa, o que não podemos permitir-nos de perder.

Vale a pena recordar que o primeiro país industrial foi a Inglaterra. Todos os outros protegeram as criações do próprio sistema industrial. Ninguém disse, na altura, que esta protecção fosse uma coisa horrenda. Era necessária e foi benéfica. Pergunto-me: por que é que ninguém (ou quase) propõe uma união alfandegária europeia? Será seguramente uma construção complicada. Todavia, por que razão não possuí-la, quando Estados Unidos e Inglaterra são, hoje em dia, libérrimos de proteger-se e, caso seja necessário, erguer barreiras protectoras ou desvalorizando, sem pedir licença a ninguém, as próprias moedas?
É isto o que sucede em todo o mundo que conta (economicamente). Deve ser proibido somente a nós, europeus? Porquê?

Admiti que a nossa protecção alfandegária será uma construção difícil. Mas comecemos, pelo menos, a pensar nisso."
Giovanni Sartori - Corriere Della Sera, 26 Junho 2012.

segunda-feira, julho 02, 2012

GRANDE MÁRIO!

O título deveria ser no plural, quer no adjectivo quer no nome. O primeiro pensamento, todavia, fugiu para Mário Monti e condicionou esse título, embora Mário Draghi e M. Balotelli mereçam destaque.

Falemos então deste primeiro-ministro técnico, mas que eu vejo como um excelente político. Ademais, reforçado por um prestígio que assenta, sobretudo, em competência, seriedade e, acrescentemos, um sentido do humor que me diverte.

A partir do momento em que assumiu a responsabilidade do Governo italiano, respirei de alívio e satisfação, pois doía-me o desprestígio e descrédito da Itália que Berlusconi e acólitos espalhavam com uma irresponsabilidade ostensiva. Virou-se página: espero definitivamente.

Enquanto ouvia as boas notícias sobre a acção de Monti em Bruxelas, não pude evitar de formular conjecturas: e se Berlusconi não tivesse sido forçado pela crise a demitir-se e fosse, agora, o número um da delegação italiana?
Inevitavelmente, representaria um país que ajudara a conduzir até às bordas do precipício; inevitavelmente, desprovido de idoneidade moral e política, seria tratado sem qualquer consideração nem credibilidade. Em conclusão, um desastre para toda a Europa.
Aliás, a perspectiva de ver Berlusconi de novo em cena aterrorizou os dirigentes europeus. Não era para menos!

Creio seja errado dizer que Mário Monti se limitou a bater o punho na mesa no Conselho Europeu.
Sempre diplomático com a Senhora Merkel, nunca desistiu de dizer certas verdades e, com respeito e teimosamente, convencê-la a abrir-se sobre outros horizontes que não fossem interesses eleitorais ou interesses mesquinhos do mundo empresarial e bancário alemães.

Antes do Conselho da Europa, portanto, foi incansável a organizar e participar em encontros com a Chanceler alemã, Hollande e o Primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy. Chegado a Bruxelas, ia decidido a não entrar no sólito minuete que sempre baldara as inconcludentes cimeiras anteriores e lutou pelo que mais o preocupava: o escudo anti-spread, “medidas imediatas para os mercados”. Se assim não fosse, usaria o poder de veto nos demais temas em discussão. Em poucos segundos, Rajoy tomou a mesma atitude; Hollande apoiou-os.
Aí, sim, demonstrou tenacidade e determinação contra o persistente não de Alemanha, Finlândia e Holanda, os meninos do “triplo A” bem instalados nos financiamentos a baixo custo.

Nas múltiplas análises sobre os resultados do vértice de Bruxelas, amplamente ilustrados, a maior parte são positivas. Não falta, porém, quem os diminua e lhes aponte defeitos, esquecendo o quão tudo isto é complicado e que, como início de uma nova era política, onde não comanda apenas o mais forte, marcou-se um precedente encorajador.

Em tal precedente, um dos mais importantes foi a quebra de um muro (mais um que caiu) construído com o NÃO a quaisquer ideias ou sugestões que aviassem a resolução da crise do euro, das dívidas soberanas, da União Europeia. Um Não como punição para quem não foi virtuoso.
Os famosos deveres de casa – que não desaprovo, quando executados com racionalidade - devem ser feitos custem o que custar. Se as taxas de juro sobem até às estrelas para quem já não tem papel para esses deveres e agoniza, isso não importa ao Não sistemático e míope.

Era um muro que irritava e indignava, pois apenas retratava uma intransigência devastadora e sem horizontes que dessem esperança.
Ninguém discorda do rigor e equilíbrio nos orçamentos e de futuras medidas que evitem a grave situação a que chegámos. Acho-as imprescindíveis. Mas já não sei compreender atitudes de superioridade de quem quer que seja.

Martin Wolf, ilustre editorialista do Financial Times, a uma pergunta sobre Angela Merkel, respondeu: “Promovê-la-ia como líder da Alemanha e reprová-la-ia como líder da Europa”.
È fácil chegar a essa conclusão. Eu reprová-la-ia também como líder do próprio país. Não está à altura dos autênticos estadistas que foram e são os seus predecessores, além de dar uma imagem negativa da Alemanha, o que lamento.
Logo, a desgraça dentro da desgraça da crise do euro foi a Alemanha ter de a enfrentar com um líder inegavelmente medíocre. Ao menos se esta senhora Merkel tivesse o bom gosto de trocar impressões com Helmut Kohl!

Por fim, começa a desagradar-me o clima antialemão que alastra, no nosso e noutros países. Podemos criticar asperamente a política e atitudes do governo germano, as tendências conservadoras, altamente reprováveis na sua concepção de capitalismo sem alma, que o sustentam. As generalizações, todavia, são sempre erradas.