segunda-feira, julho 26, 2010

REQUIEM PELO MODELO SOCIAL EUROPEU?

Este modelo que estabeleceu regras de segurança social tornou-se obsoleto, deve encolher-se e conceder espaço ao que se aceita como normalidade: dumping social ou dumping ambiental, deslocalização, precariedade e outros conceitos que justificam as crises e servem para dar asas a um “capitalismo selvagem”.

Não se vê no horizonte uma via de harmonização entre as economias dos diversos países europeus e a protecção social que as sociais-democracias souberam inventar.

Caminha-se para uma rápida anulação das conquistas sindicais e da economia social de mercado dos anos sessenta até ao início deste século” –Eugénio Scalfari. Não penso que exagere.

Há duas semanas embirrei com a globalização enfatizada; esta semana é a deslocalização, a filha predilecta, que se me apresenta com aspectos, a partir de um certo ângulo de reflexão, bastante antipáticos. E chego ao acontecimento que me provocou estas reflexões e sentimentos.

Sérgio Marchionne, o director executivo da “Fábrica Italiana de Automóveis de Turim” - o famoso acrónimo FIAT - nestas últimas semanas é uma das personagens que mais tem merecido as parangonas dos jornais.

Decidiu que o novo modelo, monovolume L-0, em vez de ser produzido na sede central de Turim, Mirafiori, e ao contrário do que fora prometido, será fabricado na Sérvia: “Na Itália custa demasiado, sindicatos pouco sérios e a Fiat não pode correr riscos. Quanto a investimentos na fábrica de Mirafiori, pensar-se-á num futuro próximo”: assim esclareceu Sérgio Marchionne numa entrevista ao jornal La Repubblica.
Mas serão estas as verdadeiras e únicas razões? Difícil acreditar e, efectivamente, poucos acreditam.

Alarme dos operários, desconcerto nos observadores políticos e económicos, críticas de quem conhece os mecanismos da nova “cultura do trabalho” e compreende perfeitamente que “os accionistas da sociedade de Turim não têm dinheiro para novos investimentos”; esperar intervenções da parte do Governo, pior ainda.

A Fiat deslocalizou o que deveria ser construído em Mirafiori para a fábrica sérvia de Kragujevac, mercê dos altos benefícios que daí advirão. Vejamos.

O salário dos operários sérvios é de 400 euros – na Itália, 1100 / 1200 - embora a mão-de-obra incida apenas 8% nos custos globais, segundo asseriu o director executivo Fiat.
Em mil milhões de investimento, 650 serão pagos pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Governo sérvio.
A gestão Fiat terá absoluta isenção fiscal durante dez anos e um contributo de 10 mil euros por cada novo assalariado.
Perante todas estas excelentes condições, só um dirigente irresponsável hesitaria em deslocalizar a fabricação da monovolume L0! Não se pode pedir altruísmos a quem trabalha para “criar valor aos accionistas”.

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Servindo-me do exemplo Fiat / Sérvia, as deslocalizações apresentam-se-me como uma realidade muito discutível e humanamente cruel.

Por um lado, penso nos novos postos de trabalho para milhares de operários sérvios e no que possa representar de positivo para a região onde a fábrica operará; acrescentemos que muitas outras pequenas indústrias surgirão, satélites da empresa principal.
Mas quando os benefícios fiscais desaparecerão, a classe trabalhadora pretenderá melhores condições e mais respeito pelos direitos laborais, que farão as empresas ambulantes em permanente busca de ínfimos custos contra fortes lucros? Nova deslocalização, obviamente.

De deslocalização em deslocalização, para que uns encontrem a oportunidade de um emprego, quantos outros trabalhadores ficarão desempregadas, porque a nova situação implicou o despedimento, por falta de trabalho?

Deslocalizar não significa alargar a produção, criando novas fábricas que irão beneficiar países não industrializados ou com fracos rendimentos; expandir a produção não é subtrair o trabalho de um lado para o localizar em países onde o dumping social ou ambiental é soberano.

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Quando o director executivo da Fiat alude aos sindicatos e que estes não garantem uma produção regular, pois quase sempre demonstram extrema rigidez, não deixa de não ter uma certa razão.

Defender somente os direitos e mostrar uma grande miopia perante absentismos injustificados (por vezes absurdos), indiferença pelo trabalho e pela situação de dificuldades económicas da própria empresa, isto é, ignorar certos deveres, é fenómeno corrente.
Os sindicatos devem compenetrar-se de uma verdade óbvia que, se a empresa onde trabalham tem problemas, estes são problemas de todos, não somente dos “patrões”.

Há um outro aspecto da actuação sindical que, frequentemente, me deixa perplexa. Refiro-me á facilidade como proclamam e efectuam greves. Não deveria ser este um último e extremo recurso, de modo a surtir, efectivamente, um forte impacto?
Para quê banalizá-lo e com isso prejudicar o regular andamento da produção?
Por que razão devem dar motivo a suspeitas de que a greve, algumas vezes, serve para cobrir abstenções oportunistas?

Paralelamente, os dirigentes executivos nada perderiam se fossem transparentes, se se sentassem à mesma mesa com os responsáveis sindicais, expusessem claramente a situação da empresa e concordassem medidas, mesmo quando estas pressupusessem sacrifícios – mas sacrifícios para todos.
Será assim tão árduo assimilar a possibilidade de um acordo onde a flexibilidade de horários e salários fosse encarada com a devida coragem de uns e de outros, caso a gravidade da situação assim o exigisse?
Alda M. Maia

domingo, julho 18, 2010

QUANDO A ALMA É PEQUENA

No século XVI, o nosso Camões colocava o Reino Lusitano no “quase cume da cabeça de Europa toda”.
Eis aqui, quase cume da cabeça / De Europa toda, o Reino Lusitano / Onde a terra se acaba e o mar começa / E onde Febo repousa no Oceano – Canto III; estrofe 20.
Nos tempos hodiernos, Portugal está no fundo da Europa. E para muitos dos descendentes daquele Reino Lusitano, o “fundo da Europa” adquire uma significação metafórica negativa, aceitando-a como realidade incontestável, sem remédio, sem esperança, com o que não estou de acordo.

Já aqui escrevi que, durante os anos salazaristas, quem nasceu, cresceu e recebeu instrução nessa era ditatorial, foi bombardeado, diariamente, com a famosa trilogia nacional: Deus, Pátria e Família.

O vocábulo pátria, então, assumiu conotações que apenas serviram para o esvaziar daquele sentido nobre que o termo sugeriria, banalizando-o e lesando-o.
Também escrevi que, mais tarde, quando saí do meu analfabetismo político e pude assimilar e respirar a plenos pulmões a democracia, o som desse abusadíssimo termo passou a irritar-me, rejeitando-o com enfado.

Hoje, revejo esses sentimentos. Procuro discernir e separar a concepção do amor pelo próprio País - aquele orgulho sem jactâncias da nossa identidade de portugueses - da concepção reaccionária de patriotismo. É esta última que eu não suporto: concepção sempre baseada em apologias, grandezas e falsa superioridade que conduzem ao nada

Esclarecidos estes pontos, começo também a não suportar o pedantismo moderno dos modernos portugueses que assimilaram aproximativamente o significado de democracia.
Muitos entendem – entre os quais pessoas com certo grau de instrução e cultura – que demonstrar amor e sentir o orgulho da pertença não é adequado e apenas demonstra estreiteza de visão.
Eu diria que testemunha a estreiteza de espírito de almas pequenas. E, aqui, recorro a uma outra glória das nossas letras: Fernando Pessoa.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.

[…] Quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena
. – “Mensagem”; “Mar Português”

Há censuras sobre um "patrioteirismo salazarento", nesta obra poética.
Quando “Mensagem” foi publicado em 1934, ainda predominava o que se chama “nacionalismo literário”. Não creio, todavia, que um poeta culto e inteligentemente complexo como Pessoa se deixasse imbuir de retórica da época.

Deixou-se embalar pelos sonhos, recorreu aos mitos do sebastianismo e do "Quinto Império". E quem lê aqueles poemas com a mentalidade que a cultura moderna nos tem formado e informado, tudo isso é facilmente interpretável.
Mitos que dão lugar ao sonho: um sonho que é sempre válido para quem deseja ver o nosso País a elevar-se da pequenez a que as sólitas estatísticas nos querem relegar e que nada fazemos para as desmentir.

Acostumámo-nos ao conceito de “país pequeno”, onde vigoram os tais índices de pequenez: na economia, na instrução, na finança, no nível de vida, na indústria, em tudo. Praticamente, não há sectores que avultem; muito menos a coragem de sair da resignação ou apatias indecentes para um povo com a história que temos.

Saudosismos? Não. Apenas a habituação de envergarmos o mesmo vestuário medíocre que, em parte, os malditos Tribunais da Santa Inquisição nos modelou. Cortou-nos as asas e perdemos a vontade de as fazer crescer para, de novo, voarmos no que de positivo as modernidades iam e vão desenrolando.
A somar a esta pequenez de alma, predomina a indiferença por quaisquer causas de cariz nacional, o que resulta no pior carcoma da prosperidade de um país

Aproveitando o actual período de crise, de dívidas soberanas, de desemprego, não vejo motivo por que não devamos sonhar com um “quinto império”, qual alavanca de arranque para dar valor e impor, com dignidade, o que já possuímos e criar oportunidades de podermos responder com firmeza ao "valerá a pena?"
Tudo vale a pena se não cultivarmos almas pequenas; se não pecarmos de subestimação; se votarmos ao ostracismo a triste mania de dar nota de bom somente ao que é estrangeiro.
Não somos superiores, mas nunca inferiores - exprimo-me com um certo conhecimento de causa.

Veio-me agora á ideia a sigla “pigs” (Portugal, Itália ou Irlanda, Grécia, Espanha) que classifica - com um certo desdém de quem se crê superior – a economia negativa destes países do sul da Europa. Apetece recorrer à história e recordar-lhes que nenhum destes Países concedeu títulos nobiliários a célebres rapinadores dos mares e cujas rapinas beneficiaram o país de origem.
E com diferenciados graus de piratarias, cresceram os impérios.

Não é que em todos os seus feitos os “pigs” fossem isentos de violência e actos desumanos, pois todos os países, sem excepção, têm as suas grandezas e as suas misérias. Simplesmente, os corsários eram persona non grata – espero não errar!
Mas deixemos apartes jocosos, falemos de coisas sérias e tornemos aos sonhos.

Como Martin Luther King, eu também tenho um sonho: ver este meu País, todo ele, sonhar que pode, deve e tem potencialidades – e aqui já não será sonho, mas certeza de uma realidade – para ser o Portugal que Vasco Da Gama descreveu ao rei de Melinde: “quase cume da cabeça / De Europa toda”.

Seria um cume de civismo; de instrução e cultura; de criatividade e inovação, logo, da coragem de arriscar da classe empresarial; de política lúcida, sensata, iluminada e altruísta… Este último desejo deixemo-lo nas brumas do sonho, embora nos atrevamos a arriscar um outro: ver parte do geral entusiasmo pela “selecção nacional” alargar-se a uma boa equipa de governo, exigindo-lhe remates certeiros.

Sonhar o impossível?! Tudo vale a pena, se deixarmos que a alma cresça, sonhe e avance.
Alda M. Maia

domingo, julho 11, 2010

A GLOBALIZAÇÃO ENDEUSADA

E em nome destas modernas divindades ou realezas, tudo por que se lutou, na primeira metade do século vinte, mandou-se para as ortigas. Melhor, procura-se fazer “tabula rasa”, pois há outras majestades que se impõem: a competitividade, produtividade, mercado livre, livre circulação de capitais e, qual divindade superior destes dogmas, a deusa globalização.

E a deusa domina e determinou a minimização da política. Esta que se ponha de lado ou não incomode os operadores das majestades acima referidas.

Neste momento estou a pensar no caso Telefónica, Vivo, Golden Share.
Tendo em conta a liberdade de circulação de capitais – em vez de livre circulação, chamar-lhe-ia o sólito “Far West” sem lei nem grei: ganhe o mais forte e mais bem armado - só me pergunto por que razão esta liberdade não deva obedecer a uma determinada ética. Evito de aludir a regras; fiquemo-nos pela ética.

O que me incomodou e enojou em toda esta polémica, primeiro que tudo foi a arrogância e prepotência da Telefónica: a Vivo é uma presa apetecível, atiro-te com alguns milhões, afasta-te e reduz-te à tua insignificância, quer queiras, quer não.
No sector, a Telefónica pretende retornar a terceira mundial; logo, a PT que abdique da excelente quota na Vivo.
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Livre circulação, já que assim deve ser, mas com delicadeza e respeito pelos interesses dos consócios: parece-me que não é difícil compreendê-lo e exigi-lo.

Em segundo lugar, o comportamento hipócrita do PSD e o desejo de tantos opinionistas de não se afastarem do politicamente correcto, pois o contrário seria a demonstração de apoio à acção do Governo ou manifestação de patrioteirismo serôdio.
Pergunta: serão sinceros no que escrevem? Acaso não se vêem tantos países – os tais países desenvolvidos - a fazerem, em iguais circunstâncias, o que fez o Governo português? É assim obsoleto e inoportuno proteger interesses nacionais?

Mas deixemos este assunto e aguardemos o desenvolvimento.

A propósito de globalização e fiéis súbditos, transcrevo passagens de artigos de dois excelentes editorialistas e que melhor descrevem o que, de há muito tempo, me deixava perplexa e em quase completa discordância com o que impunham como verdades indiscutíveis da economia moderna.

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O Capital, a Ética e a Crise – de Giorgio Ruffolo (licenciado em Direito, ensaísta sobre assuntos económicos, político) - no Jornal La Repubblica de 07 Julho 2010)

(…) “O verdadeiro sucesso histórico do capitalismo fora a realização, no Ocidente e nos primeiros decénios do após guerra, de um pacto entre o capitalismo e democracia. Um compromisso social-democrático na Europa e liberal-democrático nos Estados Unidos que associava a promessa da prosperidade económica e a de uma crescente equidade social.

Aquele compromisso foi varrido pela libertação dos movimentos de capital. A globalização – que é disto a consequência – derrubou as relações de força entre os Governos e as Multinacionais, entre o capital e o trabalho, entre a política e a economia.
Gerou um enorme e crescente desequilíbrio entre rendimentos de trabalho e rendimentos de capitais.

Este desequilíbrio poderia ter ressuscitado os conflitos ruinosos do anteguerra. Foram evitados, mercê do recurso maciço e desinibido ao endividamento e este impeliu o consumo americano muito para além dos limites da produção, ignorando, graças à impunidade do dólar, o problema do défice.
O endividamento provocou a extraordinária expansão das actividades financeiras até ao quádruplo do produto real, constituindo a base dos novos super poderes financeiros.

(…) No fim do primeiro decénio deste século, a crise mais devastante dos últimos oitenta anos investiu a América, alastrando, depois, pelo mundo.
Esta vez, porém, a reacção foi fulminante: os Estados pagaram as contas da crise. O endividamento passou de privado a público.

(…) Resta a perspectiva mais improvável: a de reorientar a economia na direcção de um desenvolvimento «racional e compatível», ecológica e financeiramente.
Isto comporta grandes desvios na actual distribuição de rendimentos, excessivamente desequilibrada, e na recolocação dos recursos entre bens privados e bens sociais.
Mas também, e sobretudo, uma reorientação ética.

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A Globalização do Operário” de Luciano Gallino (sociólogo, escritor, docente de sociologia) – jornal La Repubblica, 14 Junho 2010.

(…) "Em fim de contas, o ideal da WCM (World Class Manufacturing) é o robot que não se cansa, nunca diminui o ritmo, jamais se distrai. Com a métrica do trabalho adestram-se as pessoas, a fim de que operem quase como robots. E é aqui que caem os véus da globalização. Esta consiste, desde o início, numa política do trabalho á escala mundial.

Desde os anos 80 do século passado a esta parte, as empresas americanas e europeias têm perseguido duas finalidades.
A primeira foi deslocar a produção para os países onde o custo do trabalho era mais baixo, a mão-de-obra dócil, os sindicatos inexistentes, os direitos do trabalho ainda num futuro longínquo. Tudo isto ornamentado e mascarado com os véus espessos da ideologia neoliberal.
Sob esses véus, surge, desde sempre, a segunda finalidade: empurrar para baixo os salários e condições de trabalho nos nossos países, a fim de que se alinhem com os dos países emergentes. Nome em código: competitividade.

A crise económica que eclodiu em 2007 fez cair os véus da globalização. Políticos, industriais e analistas já dizem, sem ambages, que o problema não é o de elevar os salários e as condições de trabalho nos países emergentes: são os nossos que devem – por sentido de responsabilidade, bem entendido - descer ao nível deles.

(…) Se nos outros países os trabalhadores aceitam condições de trabalho duríssimas, porque é sempre melhor que ficarem desempregados - assim dizem, em coro, os construtores – não se vê por qual razão o mesmo não deva acontecer no próprio país. Não há alternativas.
Infelizmente, no momento actual isso é verdade. Todavia, a falta de alternativas não caiu do céu. Foi construída pela política, pelas leis; em parte com instrumentos científicos, em parte pela obtusidade ou avidez.

Tocaria à política e às leis provar a redesenhar um mundo no qual as alternativas existem: para as pessoas não menos que para as empresas".

domingo, julho 04, 2010

RADIOAMADOR: CURIOSIDADES E BELEZA DESTE PASSATEMPO
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Exactamente como me aconteceu a semana passada, revendo e dando uma nova ordem ao que considero os meus “tesouros”, desta vez a atenção perdeu-se nas centenas de cartões de QSL, recebidos de todas as partes do Mundo e das mais variadas personagens com a mesma paixão: o radioamadorismo.

Como consequência, em vez de encaminhar-me para “conversas” sobre assuntos que fazem reflectir, preferi deixar-me seduzir pelas relembranças. E sendo assim…

Chama-se QSL o cartão a que eu chamaria “bilhete de identidade” de um radioamador.
Sempre que, pela primeira vez, contactamos um colega procedemos ao envio do nosso cartão pessoal (QSL), confirmando a data, hora e condições de transmissão desse contacto (QSO). O envio pode ser directo ou através das nossas respectivas associações.

Todos os países concedem diplomas, mediante certas condições e sempre baseadas na confirmação dos contactos entre radioamadores dos vários países, de recantos longínquos, de ilhas perdidas nos Oceanos; contactos estes que se comprovam com os cartões recebidos, obviamente.

A obtenção desses diplomas – desde os mais acessíveis aos mais difíceis - são os nossos troféus, as nossas coroas de glória.

Neste momento, olho a parede que me está à esquerda e vejo os troféus mais importantes - sejam perdoadas a vaidade e gabarolice!
Estão ali as provas dos contactos com todo o Pacífico, toda a África, toda a Ásia, toda a Europa, todos os States da América, a Antárctida, Commonwealth, o Mediterrâneo, diplomas russos, “Diplome d’Excellence de l’Union Française”, todos os Continentes, etc., etc., etc.

Não quero esquecer o pior de todos, pelo menos para mim: contactar as 40 zonas em que dividiram os cinco continentes e oceanos e em cada uma das cinco bandas de radiofrequência concedidas aos radioamadores: 5 Band WAZ, diploma conferido pela “revista CQ (The Radio Amateur's Journal) - diploma n.º 28, 13 Agosto 1980. *

Não menos precioso uma placa, muito bonita, sempre concedida pela associação americana, premiando o contacto com não menos de cem países e sempre em cada uma das cinco bandas: 5 B DXCC: placa n.º 1018, 7 Abril 1981.

Relativamente ao modo de operarmos, é interessante e provoca sempre uma sensação agradabilíssima, lançarmos uma chamada geral e responderem-nos dos mais inesperados pontos da terra. Aliás, já aqui me expressei sobre esta faceta.
Ou, então, surgir uma chamada, na frequência onde transmitimos, de quem menos esperaríamos.

O cartão acima reproduzido (o reverso) é do rei Hussein da Jordânia. Naquele período, era o único e sumo radioamador daquele país. Logo, uma raridade e, dada a importância da personagem, uma preciosidade duplamente desejada.

Um dia, ao fim da tarde, fazia provas de um microfone que me parecia defeituoso, identificando-me. A um certo momento, ouvi que me chamavam: I1YG. Como havia interferências (QRM), não compreendi bem o indicativo de quem me chamava e respondi, convencida que se tratava de uma estação alemã.
Todos os países têm o seu próprio prefixo. O de Portugal, por exemplo, é CT; da Itália, I1/2/3, etc. Cada radioamador tem o sufixo que o identifica.

Iniciei com os preliminares usuais: o meu nome, localidade (QTH), tabela das condições de escuta da estação com quem falava, e por aí adiante. Passei o microfone ao meu correspondente.

Resposta da outra parte: Here is JY1 (um rei não necessita de sufixo!). My name is Hussein, my QTH Hamman, Jordan. Recordo que acentuou bem a localidade: Amman.

A este ponto dei um salto na cadeira! Tudo esperaria, menos que o falecido rei Hussein chamasse I1YG, quando havia centenas de radioamadores, dotados de potentíssimas aparelhagens, que o não deixavam em paz, sempre que assomava às radiofrequências amadorísticas e tornava-se dificílimo contactá-lo.

Imediatamente lhe enviei o meu cartão via directa. Respondeu-me, também directamente, escrevendo no próprio cartão frases muito gentis.
Repito, cartão duplamente apreciado e estimado.

Mas não ficamos por aqui com as “altezas reais”.
Depois de vários contactos com a Malásia, não havia forma de receber qualquer confirmação daquele país. Contactei uma nova estação, cujo indicativo era 9M2TR. Aproveitai para lamentar a falta de correcção dos radioamadores malaios, pois tinham o péssimo costume e má educação de não confirmar os contactos.

O senhor convidou-me a enviar-lhe o meu cartão directamente. Assim fiz.
Foi rapidíssimo na resposta, com muitos 73’s e um 88 (tradução: 73 significa cumprimentos; 88, para as senhoras, um beijo).
Nome do radioamador: Sua Alteza Tunku A. Rahman. Seguem-se umas iniciais, pouco claras, que não sei interpretar
Ri-me divertida pelo meu directo protesto, nada suave, contra os colegas seus compatriotas e talvez súbditos. Mas não se ofendeu.

Recordo um outro contacto simpático, conversação muito afável, também com o já sólito coroado, mas da Arábia Saudita. Tratava-se de H. R. H. Prince Jalal Al Saud que operava com o indicativo de HZ1TA.

Mas regressemos à gente comum.
Há uns bons anos atrás, havia poucas senhoras radioamadoras, excepto nos Estados Unidos.

Quando tínhamos oportunidade de encontrar outra colega, estabelecia-se imediatamente uma grande cordialidade.
Um dia chamou-me uma voz, vinda da Inglaterra. Era uma voz que poderia pertnecer a um lindo meio-soprano. Respondi com grande satisfação, manifestando o meu agrado, pois nunca tinha contactado uma senhora inglesa.

Quando a “senhora” radioamadora inglesa tomou o microfone, com um evidente sentido do humor, iniciou deste modo: OK, Alda, my name is Peeeeeter!
E prosseguiu - sem outras referências, pois fora claro - indicando o local donde transmitia e demais temas das normais conversações entre radioamadores.

Enquanto o escutava, cogitava sobre o modo como iria “descalçar a bota” e sair da gafe cometida. Mas que gafe!!
Muito simples: fiz de conta que não houvera gafe nenhuma e retomei a conversa com naturalidade, abdicando de inúteis explicações que só iriam agravar a situação.

Fico-me por aqui. Se continuasse, são tantos os episódios divertidos e curiosos que me assaltam a memória que se torna mesmo necessário pôr-lhes travão.

Como nota final, aproveito para enviar um cordialíssimo 73 a CT1CIR – titular do http://www.dispersamente.blogspot.com/ - e um repenicado 88 à XYL (esposa), Zaida.
Alda M. Maia
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PS *
Já corrigi o erro, acima indicado com um asterisco. Os diplomas Waz e 5BWAZ são concedidos pela revista CQ - The Radio Amateur's Journal e não pela American Radio Relay League, como incorrectamente escrevera.
Um lapso imperdoável, pois o diploma está ali encaixilhado e bem visível.