segunda-feira, novembro 26, 2012

A REBELDE QUE NÃO ACEITA O VÉU


Há cerca de um ano, um grupo de mulheres árabes – Diala Haider libanesa), Yalda Younes (libanesa), Farah Barqawi (palestiniana) e Sally Zohney (egípcia) - criaram uma conta no Facebook: The Uprising of Women in the Arab World (A Revolta das Mulheres no Mundo Árabe). Quiseram lançar uma campanha de sensibilização e chamar a atenção sobre as consequências das primaveras árabes no que concerne a questão feminina. Em pouco tempo, as inscrições eram cerca de 70 mil.

Para celebrar o primeiro ano de actividade, as fundadoras convidaram os apoiantes a enviar fotos com um letreiro onde era obrigatório escrever “Eu estou ao lado das mulheres do mundo árabe, porque”, completando essa mensagem com as justificações pessoais. Seriam admitidas todas as línguas.
As adesões, femininas e masculinas, foram muitas, provenientes de um grande número de países, e os porquês variadíssimos. Dois exemplos: “Porque a liberdade é um direito humano, não masculino”; “Porque sem as mulheres não se chega a lado nenhum

Aderindo a essa campanha, Dana Bakdounis, uma rapariga síria de 21 anos, crescida na Arábia Saudita e retornada ao seu país de origem, enviou a fotografia acima reproduzida. Tirou-a no seu quarto e no letreiro acrescentou a página do passaporte no qual se vê o seu rosto envolvido pelo véu islâmico. Por baixo do enunciado obrigatório, acrescentou: “Porque durante vinte anos não pude sentir o vento entre os cabelos”.

A imagem é significativa e nada tem de provocante. Todavia, para a concepção do mundo árabe, a fotografia foi julgada escandalosa e a sua inserção no Facebook motivou uma investida de protestos de homens e mulheres desse mundo. Como consequência, a direcção do Facebook eliminou a foto.
As responsáveis da página, acusando Facebook de agir por motivos de censura, imediatamente a republicaram. Facebook tornou e eliminá-la e bloqueou a conta. Não calculou, todavia, a impetuosidade da onda de protestos contra essa nova decisão. As activistas reagiram com determinação, transferiram-se para Twitter, criaram o hashtag #Wind-toDana e organizaram dois dias de protesto.

O efeito não se fez esperar e a administração do Facebook foi inundada por centenas de e-mails escandalizados, além de outras formas de desagrado, pelo modo indecente como conduziu este caso tão delicado e tão importante para as mulheres que tomam consciência dos seus direitos como um ser humano absoluto e não, por exemplo, “um complemento do homem”, como alvitraria a nova constituição tunisina. 
A direcção viu-se constrangida a dar explicações a jornalistas de todo o mundo. Há cerca de 10 dias, o porta-voz de Facebook publicou uma nota em que se esclarecia que “o caso era fruto de um erro”. Mas parece que esta explicação não aplacou a indignação das mulheres e de quem as apoia.

Dana Bakdounis, embora o não esperasse, tornou-se famosa. A BBC contou a sua história, foi aplaudida por outras mulheres que usam o véu, ganhou um grande número de amigos no mundo árabe e fora; talvez possa tornar-se no símbolo da revolta das mulheres árabes. 
The Uprising of Women in the Arab World” prossegue nos seus intentos, no entanto, aquelas mulheres terão muito por que lutar.

O que se pensava de positivo sobre a primavera árabe começa a estiolar-se. As perspectivas de um avio para uma democracia onde os direitos das mulheres e das minorias são respeitados, esfumaram-se.
Como último exemplo, observe-se, no Egipto, a aprovação do recente “decreto constitucional” que define as decisões do presidente, Mohamed Morsi, “inapeláveis e definitivas”.

Segundo El Baradei (ex-presidente da “Agência Internacional de Energia Atómica”), “Nem sequer os faraós tinham o poder que agora tem o presidente egípcio!”
De Mubarak a Morsi, será o caso de ter-se de pensar no velho ditado: atrás de mim virá quem bom de mim fará? Oxalá que o bom senso prevaleça e aquelas sociedades enveredem pelo caminho de um estado de direito, mas de direito sem excepções.

Devemos ser nós, árabes, que devemos lutar, dentro das nossas sociedades, contra os impostores, os falsificadores, os mentirosos, os poluidores que corrompem a nossa imagem e a nossa história, sacrificando o futuro dos nossos filhos.
[…] Mas enquanto continuará a ingerência da religião na política, enquanto reinará a confusão entre a razão e a fé, ofereceremos aos americanos e aos ocidentais, em geral, as melhores ocasiões para nos representarem como caricaturas ou como marionetas. – do escritor Tahar Ben Jelloun, no artigo: “Por que Razão os Filmes sobre o Islão Sacrificam a Verdade” – La Repubblica, 12/11/2012. 

segunda-feira, novembro 19, 2012

A MIOPIA DE ISRAEL

Cegueira, miopia política que se adensa e multiplica em períodos eleitorais; aliás, como sucede em quase todas os países democráticos, quando os candidatos apenas vêem o fascínio do poder sem considerar a responsabilidade e equilíbrio que esse poder exige.
Em Israel, efectuar-se-ão eleições políticas em 22 de Janeiro 2013. A campanha eleitoral será alheia a esta nova escalada de violência em Gaza?

O homicídio selectivo de Ahmed al-Jabari, comandante militar do Hamas, só demonstrou inoportunidade e miopia política de Netanyahu. Era justificado para a defesa de Israel? Era oportuno, quando o próximo Oriente está cada vez mais explosivo e Israel tudo tem feito para aumentar o seu isolamento internacional?
Nos múltiplos conflitos em que se viu envolvido, a experiência nada lhe ensinou sobre a necessidade de uma justa e equilibrada paz com o povo palestiniano?
Por muita simpatia que se tenha pelo Estado de Israel, é impossível ignorar a persistência no erro dos seus Governos em ponderar as razões e sofrimento do adversário – embora estes sofram do mesmo mal - acentuada nos últimos governos de direita: arrogantes, fundamentalistas, de cultura política verdadeiramente mísera.

No jornal Haaretz, em língua inglesa, de 15/11/2012, Michal Vasser – residente num kibutz perto da fronteira de Gaza - publicou uma mensagem – plausível - dirigida aos líderes do Governo de Israel e que inicia deste modo:

A primeira coisa que quero dizer-vos é: por favor, não me defendais. Não o aprecio.
[…] Se vós quereis defender-me, então, por favor, não envieis as Forças de Defesa de Israel por nós, a fim de “vencer”. Começai por pensar a longo prazo e não apenas sobre as próximas eleições.
Tentai negociar até que se veja o fumo branco sair da chaminé. Estendei a mão ao Presidente da Palestina Mahmoud Abbas. Acabai com os homicídios selectivos e investigai o que dizem os olhos dos civis do outro lado.
[…] Assim, parai de matar civis para além da fronteira. Abri os vossos corações e começai a ouvir.
Se nós somos tão importantes para vós, por favor, parai de nos defender através de mísseis, assassínios seleccionados e “componentes aeronáuticos”.
Em vez da “Operação Coluna”, embarcai na “Operação Esperança para o Futuro”. Esta é mais complicada, necessitais de mais paciência e é menos popular, mas é a única via.

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Conheçamos agora as opiniões de dois grandes escritores israelitas: Abraham Yehoshua e David Grossman. (extractos de entrevistas às duas ilustres personagens)

Abraham Yehoshua sempre se demonstrou firmemente pacifista e contra os colonatos no território palestiniano. Condenou o homicídio do presidente do braço armado de Gaza, pois actos desta natureza não resolvem nada e só pioram a situação. Relativamente ao Hamas, porém, perdeu a paciência: já não suporta os contínuos lançamentos de mísseis sobre o sul do seu país.
É difícil não dar-lhe razão. Durante um ano, que deveria ser de trégua, foram lançados mais de 750 projécteis, provenientes de Gaza, com a consequente reacção de Israel. E não saem disto!

"É tempo que Israel reconheça que Gaza é um inimigo. Declare oficialmente que estamos num estado de guerra e, consequentemente, proceda.
Não se pode tratar com Gaza como se fosse um território ocupado ou um grupo de terroristas: Gaza é um inimigo e como tal deve ser tratado; é um Governo e deve ser considerado responsável das suas acções.
Falamos de um Estado (Gaza) que tem um exército e o usa contra nós. A situação deve ser esclarecida e de uma vez para sempre.
Penso que a paz não se faz com Gaza. Com o Governo da Autoridade Palestiniana existe a possibilidade de negociar: podemos discutir sobre a cessação dos colonatos em território palestiniano e o regresso às fronteiras de 1967.
Mas Gaza não obedece à autoridade do Governo palestiniano. Gaza é uma outra história".

David Grossman, um escritor que admiro e estimo pela sua humanidade e sentido de justiça no eterno conflito palastino-israelita. Vale a pena, mais uma vez, ler o seu pensamento sobre a questão. E não esqueçamos que perdeu um filho, jovem soldado na guerra do Líbano 2006.

"A situação das relações entre Israel e Hamas é o de uma esfera hermeticamente fechada, na qual domina a lógica distorcida da guerra e do ódio. No âmbito desta lógica, Hamas faz tudo o que pode para fazer cessar a ocupação israelita que dura há 45 anos; Israel faz tudo o que pode para defender os próprios cidadãos dos ataques contínuos do Hamas.
Ambos têm as suas específicas justificações para o que estão a fazer; ambos sentem que têm razão. No entanto, para um observador externo, tudo isto parece uma loucura".

"A pergunta que se deve pôr é por que estamos todos prisioneiros, há 45 anos, dentro de tal esfera.
Creio que a resposta seja que as duas partes, neste momento, não estão em condições de libertar-se do ritual automático de ataques e retorsões e, sozinhos, são incapazes de o conseguir.
Condenam-se a um round após outro de violência e de mortes e haverá sempre cada vez mais palestinianos e israelitas que se deixarão arrastar neste círculo de brutalidade e vingança.
Se tivesse havido um diálogo, mesmo que fosse apenas entre israelitas e palestinianos da Cisjordânia, hoje tudo seria diverso.
Precisamente sobre este ponto, espero que Israel, o qual tem muito mais possibilidades de manobra, pois é o mais forte dos dois, faça tudo o que estiver ao seu alcance, a fim de que o processo de paz recomece.
Se hoje existisse um processo de paz, o mundo estaria disposto a aceitar com maior compreensão a reacção israelita".

domingo, novembro 11, 2012

UM CONVITE AO SENHOR NETANYAHU
DO ESCRITOR DAVID GROSSMAN

Antes de entrar no assunto sobre o convite ao Senhor Natanyahu, ainda algumas linhas a propósito das considerações infelizes sobre “a nódoa de Portugal”, proferidas por Ehud Gol, embaixador de Israel acreditado em Lisboa, e das reacções que provocaram.

Pedro Lomba, editorialista do jornal Público, deu apenas relevo ao desconhecimento do embaixador sobre actos protocolares e ao erro sobre o facto de ter sido Portugal o único país a pôr a bandeira a meia haste, aquando da morte de Hitler, pois houve outros países que também o fizeram: Espanha, Suíça, Suécia, por exemplo.

Se a crítica de Pedro Lomba se concentra apenas nestes dois factores - “A acusação que fez é factualmente errada, é injusta e ignora o cânone protocolar” – como únicos dignos de nota, quase condescendesse com a acção do governo português de então, estarei errada, mas esta acção, a mim, repugna e indigna.  
Em 30 de Abril de 1945, data da morte de Hitler, os hediondos crimes nazis, já conhecidos, irromperam com mais força. Não vejo nenhum bom motivo que justifique protocolos indeclináveis, naquele período, de um qualquer governo europeu.

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E agora passemos ao convite que o prestigiado escritor israelita, David Grossman, endereçou em carta aberta ao primeiro-ministro de Israel e publicada no jornal La Repubblica, em 06/11/2012. Mais que um convite, é um apelo ao bom senso e à aplicação da “arte de governar” com acerto e clarividência.

O presidente da Autoridade Nacional Palestiniana, Mahmoud Abbas, numa entrevista à televisão israelita dissera que gostaria de regressar a Safad – a cidade onde nasceu e situada no norte de Israel - apenas como turista. Esta declaração foi interpretada como uma renúncia ao “direito de regresso” dos palestinianos. Os protestos no mundo árabe foram imediatos, sobretudo do Hamas.
“Numa entrevista em árabe, Abbas esclareceu que fora uma opinião pessoal e nada tinha que ver com a renúncia a esse direito inviolável.

Foi sobre este facto e tudo o que daí pode advir que David Grossman apela a Natanyahu, para que recolha da entrevista de Mahmoud Abbas uma oportunidade de procurar sair do pântano das incompreensões onde se atolaram.
 Achei-a belíssima, oportuna e bem reveladora do que pensam as pessoas equilibradas e justas.
Transcreverei alguns extractos.

Que espera, Senhor Netanyahu? O Presidente da Autoridade Palestiniana declarou, numa entrevista à TV israelita, de estar disposto a tornar a Safad […] como turista. Nas suas palavras era discernível a mais explícita renúncia ao “direito de regresso” que um líder árabe possa exprimir, num momento como este, antes do início de uma negociação. Porque espera, Senhor Netanyahu?
É evidente que Abbas não usou precisamente as palavras “renúncia ao direito de regresso” e numa entrevista em árabe apressou-se a distanciar-se das próprias declarações […] Conhecemos esta dança palestiniana: um passo à frente em inglês; dois atrás, em árabe.

Todavia, nas palavras de Mahmoud Abbas há qualquer coisa de novo, um sinal. Na conhecida cacofonia de gritos e acusações que as duas partes -inevitavelmente surdas uma com a outra - trocam entre si, há um som novo. Uma nota que solicita uma atenção diversa e uma reacção mais complexa e criativa. Mas o Senhor Netanyahu não reage.
A coisa é um pouco embaraçosa, porém, recordo-lhe, Senhor Netanyahu, que foi eleito para governar Israel, para reconhecer os sinais raros de oportunidade como estes e aproveitá-los para tirar o país do beco sem saída, onde, de há decénios, permanece bloqueado.
[…] O Senhor, obviamente, pode liquidar as palavras do presidente Abbas, definindo-as uma tentativa de manipulação. Contudo, enquanto líder sujeito a pressões da parte de extremistas e fanáticos, pode também apreciar, intimamente, a coragem que foi necessária a Abbas para pronunciar, em alta voz, estas palavras, bem sabendo o quanto poderiam custar-lhe.

[…] É verdade que, neste momento, os palestinianos estão tranquilos. Quarenta e cinco anos de ocupação esmagaram-nos, esboroaram-nos e paralisaram-nos. E visto que estão tão derrotados e apáticos, aqui, em Israel, cresce um sentimento de indiferença e a ilusão que as coisas irão para a frente até à eternidade.
Mas onde há seres humanos não existe uma verdadeira paralisia. E onde existem milhões de pessoas oprimidas não existe um verdadeiro “status quo”. O desespero e o sentido de derrota têm uma dinâmica própria que aumentarão e se adensarão na sombra, até que explodem de improviso com enorme violência. 
Quando sucederá um novo embate entre nós e os palestinianos, o Senhor poderá dizer-nos, com honestidade, que tudo fez para evitá-lo? Que removeu todas as dificuldades? Que respondeu a todos os apelos, mesmo os mais débeis e hesitantes?

Provavelmente, o Senhor Netanyahu pensará: é época de eleições, não é o momento de agitar as águas e cada passo na direcção dos palestinianos poderia comprometer a sólida maioria de direita. O Senhor, político experiente, sabe que também há argumentações concretas, válidas e fortes a favor de uma eventual negociação com os palestinianos neste período. Mas não quero penetrar nestas argumentações, porque uma discussão pertinente deveria desenvolver-se noutro nível, numa outra dimensão.

Numa dimensão na qual o Senhor Netanyahu deveria dar prova de ser um líder, não um político. Numa dimensão na qual o Senhor deveria reconhecer que Mahmoud Abbas é talvez o último alto expoente a declarar que não permitirá que haja uma terceira intifada e novos actos de terrorismo.
Numa dimensão em que o Senhor deveria reconhecer que as palavras de Abbas naquela entrevista – embora “mitigadas” e remodeladas em seguida (em fim de contas, o presidente da Autoridade Palestiniana, além de um líder, também é um político) - são talvez a última oportunidade de iniciar um processo que poderia libertar Israel do declínio e do erro em que está enredado, há dezenas de anos.

Mas governar, por vezes, é uma verdadeira arte. É criar do nada. Entre nós e os palestinianos, neste momento, há o deserto, o nada, o vácuo. […] No entanto, na situação em que se encontra Israel, o Sr. Primeiro-Ministro deve responder a este sinal, porque, se o não faz, se realmente não tem intenção de reagir com seriedade a esta minúscula possibilidade, ser-me-á extremamente difícil compreender por que motivo pede para ser reeleito chefe do Governo.

segunda-feira, novembro 05, 2012

SE EU TIVESSE A IMPORTÂNCIA…

Se eu tivesse a importância de um político sério e conceituado, de um alto dirigente de qualquer uma das nossas instituições, de um intelectual de irrefutável prestígio, enfim, a importância de uma pessoa cuja voz transmitisse autoridade, idoneidade e, portanto, fosse ouvida com o respeito devido, não teria hesitado, publicamente, em fazer compreender a um embaixador acreditado em Lisboa que Portugal não pode tolerar declarações infelizes e inoportunas.

Ademais, recordar-lhe-ia, visto que esse embaixador se exprime com tanta desenvoltura, que tais declarações podem induzir a reflexões, involuntárias, pouco abonatórias da acção do Governo que representa, pois há por lá muitos telhados de vidro, incompreensíveis num povo que tanto sofreu. Assim, não dê lugar a mais antipatias do que aquelas que a política actual desse Governo tem coleccionado.

Mais concretamente, não hesitaria a levar o Embaixador de Israel em Portugal, Ehud Gol, a remodelar apreciações pouco lisonjeiras sobre o nosso país, expressas quarta-feira passada na Fundação Gulbenkian, durante uma sessão da conferência sobre a introdução do Holocausto no ensino.

Arrogância do Sr. Embaixador ou a nobre arte da diplomacia nunca o bafejou? Em qualquer uma das conjecturas, não é perdoável que se dê curso livre a opiniões discutíveis e imponderadas. Mais imperdoável ainda, quando se espera de um diplomático aquele respeito que a sua função lhe impõe. Mas, neste caso, seria uma espera vã. Ehud Gol apontou o dedo e acusou sem reticências:

Aquando da morte de Hitler, Portugal “foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste, durante três dias”. É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada a Portugal”.
Além de outras observações pouco delicadas, esta assume conotações de uma acusação sem atenuantes. E que eu não aceito.

Digo mais: este facto indignou-me, e por duas razões, embora independentes uma da outra.
Primeira razão: não aceito essa “nódoa” para Portugal, porque essa decisão indecente – não penso duas vezes para assim a classificar – ocorreu durante uma ditadura, onde o povo português não tinha opinião: porque lhe não era consentida; porque vivia intoxicado por uma propaganda maciça e exclusiva; porque não lhe era permitido buscar ou receber informações que o iluminassem. Como testemunha e vítima desse período, as minhas recordações, sobre o que nos oprimia e isolava, são múltiplas e muito claras.

O Sr. Embaixador de Israel veio tão impreparado que não sabe reflectir, logo, ponderar sobre este longo período da nossa História? Nunca ninguém lhe explicou ou nada leu sobre o que é a existência de um cidadão sem direitos de cidadania?
O Sr. Embaixador que se fique com essa nódoa na sua educação. Nós, portugueses de hoje, livres e informados, taxativamente recusamos a que nos quer imputar. Tanto mais que, na data a que se refere, até essa responsabilidade nos foi negada.

Segunda razão. Indignou-me que, na sala repleta onde se efectuou a conferência acima citada (jornal Público, 31/10/2012, página 15), apenas um professor da Universidade de Coimbra contestou e repudiou a acusação do Embaixador Ehud Gal. Os demais portugueses ali presentes ouviram Ehud Gol com uma passividade que desconcerta! Mas não devo surpreender-me.

Na WEB, como era de prever, os comentários e dissertações sobre o episódio não se fizeram esperar: quem não se sente não é filho de boa gente e “o melhor povo do mundo” não permite coisas deste género!
Mas ponhamos de parte as ironias.
Não somos o melhor povo do mundo, mas um povo de um país pluricentenário com a dignidade que merece como nação independente, democrática e de uma identidade única bem definida.
Entendo que esta dignidade deve ser implicitamente respeitada. Se assim não sucede, nada devemos descurar para a impor.

Continuo com a esperança que o povo português também seja capaz de levantar a voz e manifestar-se com determinação, em todos os momentos oportunos, na defesa dos valores que lhe são próprios, frequentemente diminuídos: dentro e fora do país.
 Obviamente, sem patrioteirismos salazarentos e descabidos, mas com uma percepção bem esclarecido daquela “personalidade colectiva” que Hernâni Cidade descreve. Mas fico-me na esperança.

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Amanhã realizar-se-ão as dispendiosíssimas eleições presidenciais norte-americanas. Os melhores auspícios para a vitória de Barack Obama.