segunda-feira, julho 27, 2015

AS DUAS SURPRESAS INESPERADAS

Primeira: a Turquia, de há anos com a violência e a pior barbárie às portas de casa, finalmente saiu do que se classificou como ambiguidade e atacou os terroristas do Estado Islâmico. Uma decisão confiável, sob o ponto de vista de como é considerado, no mundo ocidental, o combate a tanta e tão cruel violência? Certamente que acarreta dúvidas. 

Entretanto, aproveitou a normal reacção ao primeiro atentado terrorista no seu território - em Suruç, perto da fronteira com a Síria - para dar início a uma guerra paralela ao Estado Islâmico e aos curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Mas sobretudo a estes últimos.
Segundo várias opiniões, “a Turquia tem na cabeça um único inimigo, os curdos. O Estado Islâmico é secundário”.

Quem tem seguido as manipulações e reduções da democracia turca por Erdogan, o já primeiro-ministro e actual presidente da Turquia; quem tem seguido o caminho que iniciou em direcção do fundamentalismo islâmico, facilmente acredita que Recep Tayyip Erdogan alimenta ambições desmesuradas sobre a probabilidade do renascimento de um moderno califado otomano e subsequente influência no mundo muçulmano.
Económica e militarmente tem a potência, mais que necessária, para se impor no Médio Oriente.

Sempre me causou uma irritante e desagradável impressão a imobilidade da Turquia ante as convulsões devastadoras das acções barbáricas do autoproclamado Estado Islâmico. Ademais, nunca interpôs obstáculos à passagem dos simpatizantes desses terroristas, provindos da Europa e doutros continentes.
Sempre ignorou a passagem, no seu território, do petróleo e objectos de arte que os terroristas vendiam para financiar a própria loucura.
A poucos quilómetros das fronteiras, o exército turco assistia impávido ao massacre de minorias étnicas ou religiosas. Mas que motivos políticos podem justificar insensibilidades tão arrepiantes?

Finalmente reagiu, mas os normais observadores deduzem que o acordo dos Estados Unidos com o Irão sobre a questão nuclear desconjuntou os projectos de Erdogan. Se é assim, ainda bem. Agora já permite o uso das suas bases aéreas aos Estados Unidos. Um bom passo na direcção justa.

Segunda surpresa: o semanário alemão Der Spiegel escreveu que Wolfgang Schäuble, o excelentíssimo e intratável ministro das Finanças alemão, propõe – quem diria! - um imposto europeu, a fim de “dar poderes e disponibilidades financeiras especiais à zona euro, de modo a enfrentar qualquer emergência de orçamento soberano em crise ou conjuntura negativa dentro dos países da moeda única” – assim reza a notícia.
A Senhora Merkel parece que se demonstra céptica; outros dizem que ficou furibunda com esta iniciativa.

Os países que deverão contribuir para este fundo comum serão os 19 da zona euro ou os 28 países da União Europeia. Com o egoísmo soberano como instituição, será isto realizável?

“As estradas a seguir são duas: A primeira prevê que os Estados devam destinar parte das entradas do IRS e IVA à UE. A segunda prevê um imposto directo com uma contribuição autónoma paga pelos contribuintes dos países singulares".
"Para gerir este imposto seria criada uma task force de nove membros da Comissão Europeia, do Parlamento e do Conselho Europeu. Deverão trabalhar durante meses para decidir que plano adoptar. Será guiado por Mário Monti”

François Hollande pediu a criação de um ministro das Finanças da zona euro.
Vejamos as opiniões de dirigentes e eurodeputados alemães: “Uma tal transferência de poderes consentiria à Europa de ter margens de manobra e de acção bem maiores, no caso de recessão ou crise social” – Marcel Fratzscher, número um do Instituto alemã para a investigação económica.
A zona Euro deve reflectir sobre a possível necessidade de cobrar um imposto próprio. Ocorre um novo mecanismo de estabilização fiscal para a área da moeda única”. – Elmar Brok, veterano dos eurodeputados da CDU e CSU (o partido de Merkel e Schäuble).

Aguardemos o que daqui nascerá, se verdadeiramente for avante.

segunda-feira, julho 20, 2015

ALEMANHA, ACTUAL CENTRO DAS ATENÇÕES

Atenções não somente europeias, mas mundiais. Mas atenções por motivos que atraem apoios e admiração ou por comportamentos dignos de severas críticas? As duas coisas. Todavia, creio que, nas opiniões sérias e equilibradas, predominam as críticas e os alemães mais informados, como é óbvio, conhecem-nas.

A Alemanha sempre se quis distinguir – ou impor? – como o melhor e primeiro país continental. Ser primo inter pares, o que não foge à realidade e merece louvores, não entra nas suas concepções. Deve hegemonizar do alto da cátedra, salvaguardando, sempre e acima de tudo, os seus interesses, mesmo que estes provenham de situações esmagadoras para outrem.
  
Nos últimos tempos, os exemplos ditatoriais desse Estado-membro, um dos fundadores da União Europeia, estão à vista de todos. Não os vê quem não quer e quem esquece que a dignidade e bem-estar dos habitantes de qualquer outro país merecem atenção e respeito. Se alguns países da zona euro prevaricaram no que concerne a disciplina orçamental, existem instituições e mecanismo de correcção para solucionarem esses problemas e aplicarem as sanções regulamentares. Repito, existem instituições; nenhum Estado-membro deve substituí-las, emitindo diktats que são autênticas mortificações e sofrimentos para quem os deve suportar.
  
Gostaria, então, que me informassem se, oficial e regularmente, a Alemanha foi eleita supervisor das regras e instituições da União, visto que nada se faz sem a presença e aprovação da Senhora Merkel.  

Bem sabemos que a Alemanha prima na eficiência, laboriosidade, tecnologia, ciência, cultura, mas não esconde “um inato e histórico desprezo pelas nações que com ela convivem no mesmo continente”. Afora o Reino Unido e a França, os demais países são ignorados ou “objecto de vassalagem”.
E quanta vassalagem verificamos, actualmente!

Corrigir derrapagens orçamentais, eliminando situações que elevam a despesa pública injustificadamente, é mais que aconselhável, é obrigatório, embora esses actos políticos impliquem pesados sacrifícios e renúncias para os cidadãos.
O que se torna intolerável e humilhante é a falta de aprumo, de dignidade de dirigentes políticos que se prosternam ante o país economicamente poderoso e, insisto, se autoproclamou fiscal das chamadas regras de ouro. Esqueceu-se, na sua arrogância, que essas regras que intransigentemente impõe aos outros foram por ele transgredidas, quando lhe convinha. Mas nunca ninguém lhe chamou a atenção. Muito menos impor-lhe sanções.

Última pergunta: são os contribuintes alemães os únicos que financiam os fundos europeus? Absolutamente, não. Todos os países da União contribuem, nas devidas proporções. Que lenda é essa que os “preguiçosos” do Sul da Europa vivem à custa dos contribuintes alemães?
Infelizmente, este argumento é muito do agrado de vários opinantes portugueses. Reflictam e deixem-se de genuflexões onde não ocorrem e só aviltam quem as mete em acto.
 
Recordando os políticos alemães antecessores de Angela Merkel, desde os fundadores da União Europeia, sempre se notou equilíbrio e jamais adoptaram atitudes prepotentes. Podemos recordá-los como óptimos dirigentes europeus. Decididamente, os tempos mudaram e as mediocridades apoderaram-se do ceptro.

Na triste questão Grécia / Alemanha, o que mais me indignou foi a proposta de um fundo fiduciário exigido à Grécia: se não pagares confiscar-te-emos ilhas, Pártenon, Erecteion e demais tesouros artísticos.
Exagero, obviamente, mas o significado da exigência daquele fundo não anda longe destes exemplos.

segunda-feira, julho 13, 2015

A BELEZA DOS GESTOS ALTRUÍSTAS

Presentemente, aqui na Europa, estamos inundados por um tremendo egoísmo de países completamente cegos e surdos ao que o mundo civilizado e progressista, donde provêm, lhes deveria sugerir: solidariedade, coesão, humanidade e respeito por cidadãos que sofrem.
Não existem situações negativas que, com inteligência e competência adequada, não possam ser solucionadas. Não obstante, seja a competência, seja a inteligência, estão ao serviço de poderes que se agigantaram: preconceitos e interesses financeiros que tudo dominam.

Felizmente, porém, verificam-se actos de cidadãos comuns que, francamente, nos deslumbram. Referir-me-ei a duas histórias verdadeiras que bem o concretizam.

Nas Filipinas, cidade de Mandaje, uma criança fazia os deveres escolares no passeio da rua onde morava, debaixo de um lampião, visto que não tinha luz em casa.
 Com quatro pedaços de madeira improvisou uma mesa e, de joelhos, com o caderno pousado no “mesa de trabalho”, diligentemente cumpria o seu dever de bom aluno.
Uma rapariga filipina, Joyce Gilos Torrefranca, ante este espectáculo tão insólito, tirou uma fotografia a esta criança que estudava à luz do lampião. Publicou-a no Facebook com uma frase: “Fui inspirada por este menino”.

A imagem correu mundo e foi partilhada por milhares de simpatizantes. Hoje, Daniel vê-se noutras fotos, mas numa escola e sempre agarrado aos livros. Recebeu muitas doações, a fim de realizar o seu sonho: estudar para, mais tarde, ser um membro da polícia. A mãe informou que também lhe fora confiada uma bolsa de estudo universitária.

 A segunda história é mais complexa. Começou em Abril, na Ligúria, noroeste da Itália e narra a adopção de uma recém-nascida de origem africana, abandonada pela mãe, após o parto.

Uma senhora ainda jovem, Elena Scaramazzi, casada e com três filhas, foi ver um jogo de voleibol. Encontrou casualmente uma assistente social conhecida, pois ambas exerciam o voluntariado na Casa Família da zona.
A assistente social disse-lhe que devia ir embora, para assistir uma mulher que tinha dado á luz uma menina no banho. Helena respondeu que a acompanharia. Chegou-se a tempo ao hospital para salvar mãe e filha.

Helena ajudou a parturiente a enfrentar as complicações das primeiras horas. Falaram uma com a outra longamente. A certa altura, a mãe natural da criança, a quem deram o nome de Sara, disse á Helena: “Agora pensas tu nela”. A Helena respondeu que sim. Na manhã seguinte traria tudo quanto fosse necessário para a pequenina Sara.

Passado um dia ou dois e, conforme prevê a lei, a mãe da Sara assinou para sair do hospital. Também assinou para ali deixar a filha que dera à luz; isto é, abandonou-a.
Helena voltou ao hospital com vestidos e outro material para a bebé, mas informaram-na que a mãe abandonara o hospital sem a criança, dizendo que a Helena cuidaria dela.

Foi ver a menina e viu a solidão em que ficara. Tomou a menina nos braços e a pequenina sorriu. A interligação de afectos foi integral. O marido de Helena também ficou encantado com a menina de cor.
Um juiz inteligente concedeu imediatamente a entrega de Sara aos cuidados deste casal. 

Em toda esta história, toda ela pujante de generosidade e sentimentos, ressalta uma parte que, para mim, é uma das mais interessantes, ou seja,  a reacção das três filhas do casal que adopta a Sara: Nicole com 14 anos; Ginevra com 10; Victoria com 6 anos.
A mais novinha, quando a mãe a informa que “Sara é negra”, responde: “Mas tu não sabes que o leite e o chocolate combinam sempre bem?”
Toda a família se pôs de acordo para tratar de Sara e fazê-la entrar no mundo dos grandes: a cada um a sua tarefa.

Antes de levar Sara para casa, Helena quis estudar as reacções das filhas (o marido ficara imediatamente apaixonado pela menina).
E se quando Sara for para a escola, se alguém vos criará problemas, porque não é uma vossa irmã natural, porque é negra, porque…”   
As filhas interromperam-na: “Será uma grande coisa, porque compreenderemos quem é nosso amigo verdadeiro e quem finge que o é. 

segunda-feira, julho 06, 2015

CARTA ABERTA DE ACADÉMICOS EUROPEUS
PARA A INTEGRAÇÃO DA UE

A iniciativa partiu do Prof. Roberto Castaldi, em 16 de Junho, e em dois dias aderiram mais de cem académicos e altas personalidades europeias.
A carta é dirigida aos presidentes das instituições europeias - Comissão Europeia, Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Eurogrupo, Banco Central Europeu.

O tema predominante é o apelo para que se realizem, no mais breve tempo possível, as quatro uniões indispensáveis para uma União sólida e inspiradora da plena confiança dos seus cidadãos.
Confiemos na esperança de uma plêiade de líderes, num futuro muito próximo, dignos das instituições europeias e sem jamais curvar a espinha a economias poderosas.
Eis o texto da carta aberta aos excelentíssimos de turno:

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Excelentíssimos Presidentes

"No próximo Conselho Europeu, apresentareis um relatório crucial sobre a reforma da União Económica e Monetária que fixará a agenda política da integração europeia para a legislatura em curso.
Podeis basear-vos sobre o sucesso da integração europeia cujo núcleo é a compartição da soberania através de instituições democráticas supranacionais. Deveis partir das lições apreendidas da crise: não podemos viver num mercado único com uma moeda única e 19 políticas económicas e fiscais.
O reconhecimento da insustentabilidade de longo prazo desta assimetria tinha levado os vossos antecessores a estabelecer, no documento de Dezembro 2012, Towards a Genuine Economic and Monetary Union, os objectivos das uniões bancária, fiscal, económica e política.

Os cidadãos europeus esperam dos Senhores uma visão ambiciosa do futuro da Europa, com um percurso claro e prazos certos, a fim de atingir estas uniões e criar uma União Europeia mais eficiente e democrática.
A acção importante do Banco Central Europeu atenuou a pressão dos mercados e, hoje, a União Monetária assemelha-se a uma criança abandonada da qual ninguém queira cuidar.
Desde 2012, por falta de vontade política dos Estados-membros, apenas houve progressos significativos no que concerne a União Bancária. Mas sem progressos em relação às 4 Uniões, a crise poderia ainda piorar.

Os instrumentos de emergência, digamos o Mecanismo Europeu de Segurança, deve ser reposto no quadro jurídico da União e transformado num Fundo Monetário Europeu, administrado por um Vice-presidente da Comissão, o qual também deverá ser o presidente do Eurogrupo. Encarregar-se-á de gerir uma capacidade fiscal e de empréstimo, fundada sobre recursos próprios, pelo menos para a Eurozona, sob o efectivo controlo democrático do Parlamento Europeu.
Isto é essencial para uma política económica europeia, para investimentos destinados ao crescimento e para passar da solidariedade entre os estados à solidariedade entre os cidadãos.

A crise mostrou a ineficácia da mera coordenação das políticas económicas e fiscais nacionais e a parálise produzida pela unanimidade. Os Estados-membros têm agora mais vínculos de orçamento que num sistema federal plenamente desenvolvido, mas sem beneficiar de um orçamento e de políticas federais. Deste modo, a Europa não consegue superar a crise. O completamento das uniões, bancária, fiscal, económica e política, é necessário para conduzir a UE a uma estável e sustentável prosperidade económica e social.
A integração diferenciada pode conjugar o aprofundamento da Eurozona com o desejo de alguns Estados-membros de reduzir o seu nível de integração, sem, todavia, dar-lhes um poder de veto sobre as necessidades dos cidadãos europeus.

O desvio do focus estratégico americano sobre o Pacífico criou um vazio de poder que promove instabilidade, inteiramente à volta da Europa, de Este a Sul.
A Europa deve passar de consumidora a produtora de segurança. Somente os Estados de dimensão continental – como USA, China, Índia, Rússia e Brasil – contam no mundo global.
A UE deve avançar para a União Política com uma única política estrangeira de segurança e de defesa, a fim de estabilizar os seus confins, enfrentar as actuais ameaças e os desafios geopolíticos.
O início de uma Cooperação estruturada permanente sobre a defesa é uma questão de vontade política e não de recursos, visto que os países “Euro-Plus” têm a segunda despesa militar do mundo.

O “todo o necessário” do presidente Draghi foi crucial no momento mais difícil da crise. O vosso Relatório deveria ser o “todo o necessário” político da parte de todas as instituições da União. Deveria fornecer um percurso e prazos fixos para completar a união bancária e criar a união fiscal, económica e política dentro do período desta legislatura europeia. Se isto implica uma alteração dos Tratados, que seja feita. 

Os cidadãos têm necessidade de uma visão e de um percurso para uma Europa fundada sobre a democracia, a solidariedade e a subsidiariedade; nada mais poderá restituir a confiança na União. A alternativa é a difusão de uma percepção social de um declínio, inevitável e irreversível, que alimenta o populismo, o nacionalismo e a xenofobia.
A liderança implica uma responsabilidade em relação aos cidadãos de hoje e de amanhã. Os europeus contam com a vossa liderança, responsabilidade e visão para os tirar, assim como à sua União, fora da crise.”

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Este documento foi publicado no jornal La Repubblica em “20 / 06 / 2015, citando alguns nomes das ilustres personagens que o assinaram.
Os sublinhados são meus.