sexta-feira, novembro 30, 2007

QUANDO NÃO HÁ FACCIOSISMO
(ANÁLISE DE AVRAHAM B. YEHOSHUA)


Quero traduzir e deixar neste blogue um esplêndido artigo do escritor israeliano Avraham Yehoshua, publicado no jornal “La Stampa”, em 27 de Novembro 2007.
É uma análise objectiva do conflito israelo-árabe. Vale a pena ser lida e por duas razões: não é escrita por um observador neutral; apresenta os factos com lucidez e honestidade.
Eis o texto traduzido do italiano

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ANNAPOLIS, A 30 ANOS DA PAZ COM SADAM
Avraham B. Yehoshua

Agora que os olhos de todos, em Israel e talvez no mundo árabe, estão dirigidos com esperança e também grande incerteza para a conferência de Annapolis, recordamos, com saudade, a surpreendente visita do Presidente egípcio Sadat a Israel, em Novembro de 1977, considerada como uma viragem dramática, única na história da diplomacia e que antecipou a assinatura de um tratado de paz entre o Egipto e Israel.

Nestes últimos dias, a televisão israeliana transmite as imagens do avião presidencial egípcio no aeroporto Ben Gurion de Telavive e do Presidente Sadat que desce as escadas, emocionado, ao som do Hino nacional de Israel.

A visita foi organizada com grande rapidez. De surpresa, Sadat anunciou, no Parlamento egípcio, a sua intenção de deslocar-se a Israel. Poucos dias depois, quando israelitas, egípcios e todo o universo árabe ainda digeriam com dificuldade o dramático anúncio, já ele tinha aterrado no Estado Hebraico.
Eu, e todo os meus compatriotas, seguimos a visita deste líder corajoso com sincera emoção e lágrimas de alegria.
Sempre acreditei que chegaria o dia em que os árabes reconheceriam o Estado de Israel e concluído a paz connosco. Não acreditava que isso acontecesse no arco da minha vida; mas aconteceu.

Os pontos principais do acordo tinham sido ajustados antes da visita de Sadat, a qual era destinada, mais que por qualquer outra razão, a forçar um bloco psicológico dos israelitas.
Tais pontos previam a restituição de todo o deserto do Sinai e a sua desmilitarização, em troca de uma normalização das relações entre o Egipto e Israel.
O primeiro-ministro israelita, Menachem Begin, nutria a esperança que o seu País pudesse manter o controlo sobre alguns locais, na região de El Arish, mas Sadat opôs-se categoricamente, e com muita razão. A terra é também identidade e não havia motivo para que o Egipto renunciasse a uma parte do seu território (embora mínima) a favor de Israel.

Não voltarei à história das negociações, que foram árduas e complexas, embora os pontos principais tivessem sido estabelecidos a priori.
Sob a pressão de um movimento popular, fundado em 1978 e denominado “Peace Now”, o Governo israelita recebeu uma mensagem imperativa: negociai até à exaustão as condições de paz, mas não percais, absolutamente, a ocasião de concluí-la agora. Onde a palavra-chave era "agora".
O então ministro dos Negócios Estrangeiros, Moshe Dayan, e o da Defesa, Ezer Weizmann, fizeram própria essa mensagem. A pressão que eles também exerceram convenceu Menachem Begin a renunciar a ocupações israelitas no Sinai e o tratado de paz foi assinado no jardim da Casa Branca.

O acordo com o maior Estado árabe teria podido, já então, dar impulso a um processo de paz com todas as nações árabes. Mas Menachem Begin, que obteve o prémio Nobel da Paz por aquele acordo, cometeu três erros gravíssimos que influíram sobre a dinâmica dos eventos e fizeram precipitar a região em sucessivas guerras e conflitos.

Quer Ezer Weizmann, quer Moshe Dayan, apercebendo-se da perigosa direcção que tomava Begin, demitiram-se do Governo, pouco tempo depois do acordo com o Egipto.
Begin, líder de direita, homem de personalidade complexa e com tendências maníaco-depressivas, nomeou para o ministério da Defesa uma personagem extremista e perigosa, Ariel Sharon.
Decidiu, de imediato, anexar formalmente as Alturas de Golã, qual compensação pela renúncia do Sinai. Deste modo, transformou a Síria, de potencial dialogante, num inimigo total; levou-a a consolidar o seu apoio a Hezbollah, no Líbano, assim como ao movimento palestiniano Hamas.
Além disso, tendo sancionado a anexação do Golã com uma lei que só pode ser revogada por uma maioria relativa do parlamento (Knesset), eis a razão por que qualquer entendimento com a Síria permanece, ainda hoje, extremamente problemático.

Em segundo lugar, disseminou colonatos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, comprometendo qualquer futura possibilidade de criar um Estado palestiniano e tornando complexa uma eventual solução do problema. Se, a seu tempo, os americanos tivessem impedido Begin de levar a cabo o seu grandioso programa de ocupações, ter-se-ia poupado, em trinta anos, o constante vaivém de Secretários de Estado, na tentativa de criar um acordo.

Em terceiro lugar, em Junho de 1982, Begin desencadeou a primeira guerra no Líbano: um conflito desastroso e sangrento que deu origem à organização extremista Hezbollah e empenhou Israel em duros recontros.
A intenção era de expulsar, do Líbano, os milicianos da OLP, mas tal objectivo foi alcançado através de um pesadíssimo custo.
Os milicianos da OLP, refugiados na Tunísia, regressaram aos territórios ocupados da Palestina, depois do acordo de Oslo. Abu Mazen, o actual partner palestiniano para um eventual tratado de paz com Israel, é um deles.

Um ano após a invasão do Líbano, Begin, reconhecendo provavelmente os erros cometidos, demitiu-se do Governo e encerrou-se, deprimido e solitário, na sua casa.

Sadat foi assassinado no Cairo por um fanático muçulmano, devido ao acordo de paz assinado com Israel e pelo processo de modernização que tinha empreendido no seu País. Era um líder audaz, idealista que, assumindo riscos e tomando uma iniciativa de profundo significado histórico, contribuiu para a paz mundial.
Diferentemente de Sadat, Menachem Begin não somente não soube aproveitar o entendimento com o Egipto, a fim de conseguir o apaziguamento de toda aquela região, mas transformou-o num álibi para prosseguir numa política destrutiva e trágica. Os sucessores, no governo, deverão trabalhar arduamente para remediar os seus erros.

domingo, novembro 25, 2007

O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NOS EUA
UMBERTO ECO NA SUA “BUSTINA DE MINERVA”


A “Bustina di Minerva” é uma rubrica que Umberto Eco escreve, quinzenalmente e desde 1985, na revista “L’Espresso”.

Segundo explicou, o título da rubrica deriva do nome da carteira de fósforos, Minerva, que traz sempre consigo para acender o cachimbo. Quando lhe surgem ideias para a sua rubrica, anota-as no que tem à mão: a carteira de fósforos.
Inútil dizer que são crónicas sempre interessantes e que, frequentemente, as leio com um sorriso divertido.

Em 2000, com o mesmo nome da rubrica, foi publicado um livro, precisamente “La Bustina di Minerva”, cujo tema é uma larga selecção desses artigos.
O seu editor chinês, com um certo espanto do autor, decidiu também publicar essa obra.
Na crónica de 09/11/2007 – "Mas que compreenderá o chinês?" - Umberto Eco alude às dificuldades que a tradutora encontrava perante referências a actualidades ocidentais, a citações de factos ou de personagens tipicamente italianos.
“Ler uma “Bustina” de há poucos anos, corre-se o risco de não reconhecer nomes ou situações. Imaginemos para um leitor chinês”.

O subtítulo do artigo é elucidativo:
O facto que o meu editor chinês queira traduzir uma recolha de “Bustine” de 2000, testemunha uma realidade: há gente que deseja superar a divisão das culturas e compreender o que compreendem os outros”.

O artigo prossegue com outras considerações. O penúltimo parágrafo, todavia, redobrou a minha atenção e interesse.

Na civilizadíssima França, de há pouco mais de cento e cinquenta anos, alguns académicos eram de tal modo nacionalistas ou ignaros (ou desinteressados) de outras culturas que não conseguiam imaginar que no mundo se falasse qualquer coisa de diverso do francês. Por outro lado, mais ou menos na mesma época, no Texas, um deputado opôs-se à introdução do ensino de línguas estrangeiras nas escolas, dizendo: "Se o inglês era suficiente para Nosso Senhor Jesus Cristo, será suficiente também para nós".
(…) O episódio recorda-nos que, durante séculos, as forças do etnocentrismo puseram filtros impenetráveis entre culturas diversas”.

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Recentemente, a nossa corda patriota vibrou irritada, porque o Sr. Bush declarou que não entendia financiar o ensino da língua portuguesa nos estabelecimentos de ensino americanos, se não entendi mal.

Está-me cá a parecer que este nosso enfado demonstra soberba e presunção.
Se nas terras de língua portuguesa, a maioria é católica – mas será melhor usar o hiperónimo cristã; se no Texas – tinha de ser no Texas! – entendiam que a língua inglesa foi suficiente para Nosso Senhor Jesus Cristo, pergunta-se: que pretensões são as nossas?! Quem somos nós, faladores de dialectos latinos sem importância, perante o universal e venerável inglês de Jesus Cristo?
Haja humildade, assim diria o Prof. Vital Moreira!
Alda M. Maia

domingo, novembro 18, 2007

OS TARIMBEIROS DA POLÍTICA

Observando os mais recentes acontecimentos de carácter político, nacionais e internacionais, frequentemente o meu pensamento fixa-se na palavra tarimbeiro, sobretudo na acepção negativa.

Ninguém perdeu a ocasião de comentar ou criticar o “por qué no te callas” do Rei Juan Carlos dirigido a um papagaio grulhento que, praticamente, impedia outros oradores de serem ouvidos.
Esse papagaio grulhento, todavia, é um Chefe de Estado. Foi elegante mandá-lo calar?
Elegante não foi; protocolar, muito menos; inédito num vértice de altas individualidades, inegável.

É possível que o Rei de Espanha tivesse transgredido o protocolo. Mas quanta alegria deu a muitos de nós, sul-americanos, e a tantos milhões de venezuelanos!”Mário Vargas Llosa.

Dentro de impressões contraditórias, não pude deixar de sorrir, satisfeita, por ver aquele perfeito exemplo do que considero “tarimbeiro político”, ser convidado a calar-se, a fim de refrear às suas proverbiais intemperanças.

Presidente ou não presidente, que o Sr. Chavez aprenda a comportar-se com educação, dignidade e a moderar as poses de caudilho achamboado.
Certamente que o Rei de Espanha, embora com atenuantes, foi deselegante; porém, não foi a sua intervenção que humilhou a Venezuela, mas a incivilidade de quem a representava.

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Como todos sabemos, tarimbeiro, além do sentido próprio - e que pode ser lisonjeiro - tem outros significados absolutamente negativos: mal-educado. Inculto, rude, grosseiro, incivil, ordinário.
Aplicando-os na esfera política, além destas últimas acepções, e por extensão, acrescento: populismo desbragado; a falta de sentido de estado; o pouco ou nenhum respeito pela coisa pública e pelo adversário político; o carreirismo sem ética.

Os exemplos abundam. Cito dois e dos dois países que mais tocam os meus sentimentos.

Quando vejo um líder, entre as tantas bacoradas por que se tornou conhecido, asserir que “é preciso ser um “coglione” (não é necessário traduzir nem quero) para votar o centro-esquerda”; ou que “votar aqueles “coglioni” (os adversários) é estúpido”; q
uando esse mesmo líder, recentemente, com a febre de fazer cair um governo democraticamente eleito, tenta aliciar senadores da coligação governativa para votar contra o Orçamento - o que não conseguiu - o epíteto de tarimbeiro e amoral não poderia ser mais apropriado.
Aliás, escreveram que tentou comprá-los, prometendo futuros altos cargos ou mesmo dinheiro. Certamente que não há provas e os aliciados negaram, como não podia deixar de ser!

Entremos no nosso País.
Quando um ex-ministro da Defesa, nos últimos dias de “reinado”, faz copiar 60 mil páginas dos arquivos do ministério de que era responsável, alegando que se trata apenas de notas pessoais – o que parece uma anomalia – como poderemos classificar este acto?

Se eram notas pessoais, acaso tinha um apartamento privado no ministério? Sendo assim, entendeu ali armazenar todos os documentos acumulados durante a sua vida e, à saída, decidiu coligi-los num gigantesco ficheiro de quase setenta mil páginas, para maior comodidade de transporte e que nada se perdesse? É isto credível? Evidentemente que não.

Aludindo a notas pessoais, e se era Ministro da Defesa, essas notas não fazem parte do conjunto de documentos inalienáveis desse ministério? E se eram documentos que se relacionavam com a “Nato, Iraque, submarinos”, conforme noticiaram, um ex-ministro tem o direito de se apropriar?
Que credibilidade pode ter o nosso País, se matérias confidenciais, dos vários ministérios, são páginas de colecção de um comum cidadão?

Há perguntas que gostaria fossem formuladas por qualquer Procurador do Ministério Público: qual a finalidade da posse dessas 60 mil páginas?! Qual interesse, legal, pode justificar a digitalização de documentos de um ministério?
Se essa iniciativa - que nenhum outro ministro teve, pelo menos tão descaradamente – é legítima, não seria hora de pôr travão, com uma lei bem clara, a um acto fora de qualquer ética, direi mesmo indecente?
Se não houve respeito pelo recato devido a documentos de estado; se com tanta desenvoltura se fazem milhares de cópias de ficheiros de um ministério de que se foi titular; se a ética foi espezinhada, como devemos classificar este indivíduo, isto é, o Sr. Paulo Portas? Um petulante tarimbeiro, obviamente.
Alda M. Maia

domingo, novembro 11, 2007

BOM JORNALISMO
UM "MONSTRO SACRO" DESSE BOM JORNALISMO: ENZO BIAGI

Enzo Biagi 1920-2007
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Sendo uma inveterada leitora de jornais, sempre atribuí grande importância ao que um bom jornal pode proporcionar: quer em informação, quer em opiniões ou interpretações dos factos, da realidade. Implicitamente, consagro grande admiração àquela espécie de jornalista que jamais se adequa às tortuosidades do poder, seja de que espécie for. Àquele jornalista que vai ao encontro dos factos, dos acontecimentos, partindo sem opiniões ou ideias preconcebidas.

Admiro um jornalista original, simples, com estilo claro e transparente, confiante apenas na sua experiência de grande observador imparcial ou, pelo menos, honesto.

Enzo Biagi foi o grande mestre dessa espécie de jornalistas que admiro.

Morreu no passado dia seis. Tinha 87 anos, mas sempre com uma mente lucidíssima e brilhante.
Nunca aceitou compromissos. Dizia que se errasse, erraria por sua conta, mas nunca por conta de terceiros - por isso mesmo teve, várias vezes, de recomeçar a sua actividade de jornalista.

A faceta - a grande especialidade - que mais lhe admirava era a de entrevistador. Insuperável na arte simples e concisa de formular as perguntas, sem que estas jamais fossem agressivas ou provocatórias. Teve oportunidade de entrevistar quase todas as celebridades ou potentes da Terra
A Itália tributou-lhe uma sincera e indiscutível homenagem. Melhor dizendo, toda a Itália, não: os acólitos do Sr. Berlusconi limitaram-se a frases de circunstância. Arrogantemente, sentiam-se envergonhados e há uma razão.

Enzo Biagi, não somente foi grande no jornalismo impresso, como jornalista televisivo, além de escritor de "mais de setenta livros traduzidos em dez países e com uma difusão de sete milhões de exemplares".
De 1995 a 2002 era autor e apresentador de uma excelente rubrica, “O Facto”, transmitida após o telejornal das 20h e que sempre foi muito seguida. Durava 10 ou 15 minutos, salvo erro, e comentava o facto do dia que lhe merecesse mais atenção.
Quando necessário, sabia arranhar os eventos ou as personagens, mas sempre com classe e modos suaves.

Em plena campanha eleitoral, 10 de Maio 2001, entrevistou Roberto Benigni (já o tinha entrevistado outras vezes: o brilho do entrevistador e a génio do entrevistado tornavam essas entrevistas irresistíveis). Pois bem, nessa última entrevista, quando Biagi lhe acenou à política, Benigni respondeu: Sr. Biagi, hoje não quero falar de política… só quero falar de Berlusconi. E dali partiu a sua verve cómica, sendo Berlusconi, obviamente, o alvo. Assisti a esse episódio e nada vi que pudesse ser denigrativo.

Berlusconi, o parvenu da política, embriagado pela popularidade que alcançou - popularidade para a qual os seus jornais e televisões muito contribuíram – encontrando-se em Sófia, numa conferência de imprensa declarou que havia uns senhores na RAI, um dos quais Biagi, que faziam um uso criminoso dos programas de uma TV que os contribuintes italianos pagavam. A RAI deveria providenciar para que mudasse tal situação.
Pois bem, a “esses senhores criminosos” – jornalistas que mantiveram as costas direitas perante a onda berlusconiana - não foi renovado o contrato! Enquanto durou o reinado de Berlusconi, nunca mais puderam trabalhar na RAI. Esta grave indecência ficou e é conhecida como “édito búlgaro”.

E esta é também uma das razões por que detesto “il Signor Berlusconi” político. Vê-lo então como primeiro-ministro, para mim é só concebível como uma aberração de uma democracia doente, mas muito doente!

Hoje, nega ter contribuído para o afastamento de Biagi. Até nisto demonstra a falta de estilo e dignidade. Se ao menos estivesse calado!...

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Quero transcrever alguns dos chamados aforismos (ou frases com um certo humorismo) de Biagi e que alguns jornais publicaram. Vale a pena lê-los.

Após uma enésima gafe de Berlusconi, com muita pacatez e diante das câmaras televisivas, exprimiu-se deste modo:
Como cidadão italiano, peço desculpa pelas extravagâncias verbais do nosso Primeiro-Ministro: algumas vezes, primeiro fala e depois pensa.

A sociedade é permissiva nas coisas que não custam nada.

Pode-se estar à esquerda de tudo, mas não do bom senso.
(Biagi era um socialista da velha guarda: princípios de grande humanidade e equilíbrio)

Se Berlusconi tivesse as tetas, também faria a anunciadora televisiva

O dinheiro chega sempre quando já não se tem fome

O belo da democracia está nisto: todos podem falar, mas não ocorre escutar.

Somos todos irmãos, mas é difícil estabelecer quem é Caim e quem é Abel

Algumas vezes é incómodo sentir-se irmãos, mas é grave sentir-se filhos únicos.

Na história da humanidade não cai o pano. Se somente nos pudéssemos afastar do teatro antes do fim do espectáculo!

Sempre acreditei que, se há um lugar no mundo onde não existem raças, este é precisamente a Itália: efectivamente, as nossas antepassadas tiveram demasiadas ocasiões de entretenime
nto.

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Para terminar, descrevo um episódio da rubrica “O Facto” que muito me divertiu.
O actual Ministro da Justiça é o líder de um pequeno partido, UDEUR (1,2% do eleitorado!). Chama-se Clemente Mastella. Faz parte da coligação do governo, mas muito atento a não contrariar a oposição; nunca se sabe!...
Não sei se classificá-lo politicante ou politicastro.

Num dos anteriores governos, durante as negociações para a distribuição de cargos executivos, Mastella, ciente da utilidade dos seus votos, apresentou as suas reivindicações… para se manter fiel, obviamente! - aliás, a mesma peça foi repetida com este governo Prodi.
Enzo Biagi, escolhendo essa matéria para o Facto do dia, começou a enumerar as tais pretensões: ministérios, subsecretariados, e por aí adiante.
Esperei um comentário irónico (a ironia era uma outra sua característica). Porém, não despendeu muitas palavras: apenas duas. Quando terminou a enumeração, concluiu: Que apetite!! E passou à frente.
Alda M. Maia

segunda-feira, novembro 05, 2007

O “ÊXODO” DOS ROMENOS

Na periferia de Roma, no dia 30 de Outubro, já ao anoitecer, um imigrante romeno atacou uma senhora, mulher de um oficial da Marinha Militar, quando esta regressava a casa e devia percorrer um tracto de estrada deserto. Como a senhora reagiu com todas as suas forças, o agressor espancou-a com extrema brutalidade, pondo-a em fim de vida (segundo a reconstrução dos factos, arrastou-a para a barraca onde vivia e tentou violá-la). Roubou-lhe a bolsa, carregou às costas o corpo exânime e atirou-o para um fosso como fardo já inútil.
Uma compatriota deste criminoso, de etnia cigana, viu parte do que estava a acontecer, gritou, implorando-lhe que pusesse termo à agressão. Correu desesperada a dar o alarme.
Quando encontraram a pobre senhora, esta ainda respirava. Ficou em coma durante dois dias, mas não sobreviveu.

Este crime, de uma ferocidade impressionante, pôs toda a Itália em alvoroço e levantou uma tempestade de horror e revolta contra uma insegurança que alastra. Efectivamente, os crimes de assassínio, rapina, estupro, assaltos a vivendas (onde, por vezes, os moradores são brutalizados, se não assassinados) são perpetrados, numa assustadora percentagem, por estrangeiros que vivem no país, sobretudo imigrantes irregulares.

“Entre os estrangeiros, a nacionalidade romena salienta-se pelo maior número de arguidos ou encarcerados, quer pelo crime de violência sexual (são 16% dos estrangeiros e 6,2% do total), quer por homicídio voluntário (15,4% e 3% do total). Mas ocorre também observar que os romenos constituem a maior percentagem de imigrantes na Itália: com 556 mil presenças representam 15% dos estrangeiros.
Distinguem-se pela maior propensão para os crimes de “furto com destreza” (
carteiristas), cuja percentagem é de 37% em relação aos demais estrangeiros denunciados e 24,8% do total (o total de italianos mais os imigrantes especialistas do género!); furto de automóveis (26,9% dos estrangeiros e 8,7% do total); rapinas em estabelecimentos comerciais (26,9% e 7%). (Giovanna Zincone – La Stampa).

Desde que a Roménia entrou na UE, a partir de Janeiro 2007 milhares de cidadãos romenos espalharam-se por vários países da União e a Itália foi o país preferido, principalmente pelos que migraram com intenções delinquenciais.
Torna-se necessário, a este ponto, precisar claramente um factor: a população romena é digna, nobre e civilizada como qualquer outro população europeia. Os que emigram deslocam-se com as mesmas esperanças de uma vida melhor; com as mesmas intenções de arranjarem um trabalho honesto, exactamente iguais às de tantos outros migrantes das mais diversas nacionalidades. Infelizmente, os marginais romenos, portanto aquela parte podre que todos os países possuem, entenderam que a Europa - na Itália talvez com mais intensidade – seria o melhor território para a prática dos piores crimes. Entenderam que poderiam mover-se como enguias sem que jamais chegasse a punição.

Não se deve omitir a acção da testemunha (insisto, ela também de origem romena), que quase foi atropelada por um autocarro, pois colocou-se à frente do veículo para que este parasse e alguém fosse em socorro da senhora agredida. Denunciou o compatriota e só assim se pôde chegar rapidamente à captura do indivíduo.
Esta romena, Emília, está agora sob a protecção da polícia, a fim de a proteger de possíveis vinganças ou agressões de qualquer género.

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Paralelamente à indignação e horror, surgiu o previsível.
Primeiro, manifestações de inegável xenofobia; para completar o quadro, ostentação de um racismo inequívoco – uma boa percentagem dos romenos imigrantes é de etnia cigana.
Segundo, um indecente e nojento aproveitamento político do caso. Destes dois aspectos da questão, não sei distinguir qual é o mais odioso!

E como era de temer, uma ronda punitiva, todos encapuzados e armados de varapaus e navalhas, atacou um grupo de romenos, numa zona de estacionamento de um centro comercial de Roma. Três deles tiveram de ser internados no hospital, um dos quais em estado grave.
Ninguém se eximiu de condenar um tal acto: a maior parte de uma forma indignada e sincera; outros, formalmente - não esqueceram, todavia, de acrescentar uns “mas” e uns “ses”!...
Perguntou-se se a acção destes encapuzados seria de matriz política. Perplexidade ficticiamente ingénua. Os grupos fascistas - os autênticos fascistas - nunca esconderam a aversão contra o estrangeiro. Ora, Roma não é o habitat da “Liga Norte” (partido declaradamente xenófobo); na Capital, predominam os nostálgicos do fascismo, e que crescem cada vez mais em arrogância e visibilidade.

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Os debates televisivos, acerca deste assunto, têm sido superabundantes! Não há programa onde se não discuta o caso romeno, a entrada abusiva e caótica dos imigrantes.
Somente num único debate, onde havia representantes de diversas opiniões políticas, foi possível observar um modo civilizado, correcto e pacato de discutir os vários problemas sociais, inerentes a esta situação.
Tudo o resto foi o pior lixo, de carácter político, que um programa televisivo é capaz de apresentar: tons inflamados, rixas verbais, cada qual julgando-se o melhor e atirando culpas ao adversário, quando, ao fim e ao cabo – seja direita, seja esquerda – todos tiveram falhas, relativamente a esta matéria.

De novo, também se pôde constatar que o centro-direita se demarcou, e demarca, por agressividade e eterna campanha eleitoral: o Presidente da Câmara de Roma deve demitir-se; o Primeiro-Ministro deve demitir-se; deve atirar-se o Governo para as ortigas; o ministro da Administração Interna não tem vergonha nenhuma!...
Mas estavam em boa companhia! Os radicais de esquerda não deixaram de alinhar na irracionalidade, péssimo gosto e retórica balofa e repetitiva – como lhes é habitual, aliás – e as medidas de bom senso, mas severas, para regularizar uma situação que piora dia a dia, foram imediatamente carimbadas como fascistas – aqui, sim, termo inflacionado por aqueles papagaios.
Em conclusão, todas as ocasiões são boas para os politicantes e politicastros demonstrarem a mísera formação que os caracteriza.

Em circunstâncias desta natureza, acho estas tácticas, não somente incivis e grosseiras, como verdadeiramente indecentes.
Um caso destes, então, nunca deveria dar azo a atitudes de discórdia, mas à predominância do bom senso e boa vontade, a fim que, todos juntos, possam resolver o grave problema da insegurança que se instalou no país. Dar avio a uma séria reforma da justiça, de modo a que os delinquentes saibam que a punição cairá certa, rápida e implacável: actualmente, tal não acontece. A delinquência internacional conhece bem essa realidade: eis uma das razões por que escolhe a Itália.
Alda M. Maia