segunda-feira, fevereiro 29, 2016

QUE ADJECTIVOS USARÍAMOS
NA DEFINIÇÃO DE UMA FLOR?

Matteo e o seu petaloso

A definição mais espontânea seria recorrer à adjectivação linda, perfumada. E por que não acrescentar “petalosa”, sabendo que pétalas são as folhas que formam a corola, uma das partes caracterizantes da flor?
Todavia, em português, como na língua italiana, este adjectivo não existe.

Mas eis que surge um menino de 8 anos, Matteo, aluno do terceiro ano do primeiro ciclo, na escola Marchesi di Copparo (Ferrara). E eis que também surge uma linda história.
Num exercício de gramática sobre adjectivos, Matteo deveria definir uma flor. Definiu-a-a com os seguintes adjectivos: perfumada, petalosa. Explicou mais tarde: A professora pediu-nos para descrever uma flor. Escolhi a minha preferida que recolho no jardim de casa. Gosto dela porque tem muitas pétalas e, assim, escrevi petalosa.

A professora, excelente professora, corrigiu petalosa como erro, palavra inexistente no vocabulário, classificando-o, no entanto, como um “1 erro belo”. Mas foi mais longe. O neologismo agradou-lhe e sugeriu que fosse enviado, a fim de obter uma avaliação, à academia que é o rigoroso guardião da língua italiana (na Itália e no mundo): a “Accademia della Crusca”.
Explicou aos alunos o que é esta Academia, estudaram bem o assunto, prepararam uma carta, escrita por Matteo, e enviaram-na.

Todos estes acontecimentos sucederam nos primeiros dias de Fevereiro. A resposta da Academia chegou no passado dia 23 do mesmo mês. Foi saudada com uma salva de palmas, pois não poderia ser melhor.

Resposta da Accademia della Crusca:
“Caro Matteo, a palavra que inventaste é uma palavra bem formada e poderia ser utilizada em italiano como são usadas palavras formadas da mesma maneira. A tua palavra é bela e clara. É necessário que a nova palavra não seja usada somente por quem a inventou, mas que a usem tantas pessoas e que tantas pessoas a compreendam. Se conseguirás difundir a tua palavra entre tantas pessoas e tantas pessoas na Itália começarão a escrever e dizer «Como é petalosa esta flor!» ou, como tu sugeres, «as margaridas são flores petalosas, enquanto as papoilas não são muito petalosas», eis que, então, petalosa tornar-se-á numa palavra italiana, porque os italianos conhecem-na e usam-na.”

Além desta resposta, a famosa Academia convidou a classe de Matteo a visitar a sede da “Accademia della Crusca” em Florença.
A redactora da mesma Academia, Maria Cristina Torchia, esclareceu que “A carta de Matteo fez-nos discutir. Chegou numa bela grafia, escrita numa folha protocolar, bem estruturada e bem argumentada. Comoveu-nos. Então decidimos encorajar Matteo a difundir a sua nova palavra”.
Nas redes sociais desencadeou-se, imediatamente, uma grande mobilização para ajudar Matteo a divulgar o seu neologismo. Petaloso ecoou e ecoa por todo o lado (em italiano, o substantivo flor (fiore) é do género masculino); todos os meios de comunicação relataram o caso da invenção, gramaticalmente correcta, do pequeno Mateus.

Um utente de Twitter, estudioso de arte e historia, assinalou que, em 1693, um botânico e farmacêutico londrino, James Petiver, escrevera o livro Centuriae Decem Rariora Naturae, um registo de espécies animais, vegetais e fósseis, usando termos latinos e italianos. Descrevera a malagueta como “flor petalosa”. Como os seus colegas da época classificavam o autor como um péssimo latinista, talvez, por essa razão, o adjectivo petaloso não se propalou.
Esperava-se por um aluno do terceiro ano de escolaridade para pegar no substantivo pétala, acrescentar, com muito acerto, o sufixo oso (sentido de qualidade) e a língua italiana adquiriu mais um adjectivo. Estou convencida que será oficializado; o Primeiro-ministro italiano já deu o exemplo, usando-o num discurso

E na língua portuguesa adaptar-se-ia perfeitamente: quer o termo pétala, quer o sufixo oso não sofreriam quaisquer modificações. Um cravo petaloso ou uma dália petalosa são duas flores lindíssimas.

segunda-feira, fevereiro 22, 2016

UMBERTO ECO, O ASSOMBROSO INTELECTUAL


Morreu às 23,30 do passado dia 19 deste mês de Fevereiro. A notícia ecoou por todo o mundo, tão elevada é a sua fama de académico de intensa cultura – poder-se-á dizer que é uma cultura sem limites.

Os títulos dos jornais italianos demonstravam o afecto e admiração por este “filósofo, pai da Semiótica, escritor, docente universitário, articulista feliz, especialista em livros antigos, crítico literário”.
Paralelamente, não omitem de sublinhar a sua bondade de carácter.
“Gentil, generoso, afável. Eco recusou a cátedra que a América lhe oferecia, brincando: «Não posso viver num país onde não se fuma nem se bebe um café» - “Adeus a Umberto Eco, com ele a cultura tornou-se Best-seller” - Gianni Riotta; jornal La Stampa.
 
Sempre segui com interesse e grande simpatia as suas entrevistas ou participações televisivas. O que facilmente se notava eram atitudes e comportamentos simples. Jamais adoptava tons de arrogância ou do intelectual pomposo de vastos saberes. Pelo contrário, esses vastos saberes impeliam-no para a simplicidade e uma espontaneidade que se aliava à naturalidade da sua ironia e bom humor.

O semanário L’Espresso intitulou a notícia da sua morte: “Caro Umberto, deixaste-nos órfãos”. Efectivamente!
De há vários anos, Umberto Eco exprimia as suas opiniões neste semanário, na célebre rubrica “Bustina di Minerva”.
O nosso crítico literário, António Guerreiro, traduziu Bustina di Minerva em (“A coruja de Minerva", como sabemos, é a ave da filosofia, aquela que Hegel dizia que só levantava voo ao crepúsculo).

Alguns anos atrás, falei desta célebre coluna do Espresso, “Bustina di Minerva”, escrevendo sobre a explicação que Umberto Eco dera sobre a escolha deste título. Repito-a: “O título da rubrica deriva do nome da carteirinha (bustina) de fósforos, Minerva, que traz sempre no bolso para acender o cachimbo. Quando lhe surgem ideias para os seus artigos, anota-as no que tem à mão: normalmente, a carteira de fósforos Minerva. Daqui nasceu “A Bustina di Minerva”. 
É possível que Umberto Eco tivesse aludido à ave da filosofia, porém, quando se decidia a escrever, não levantava voo ao crepúsculo: confessou que escrevia nos fins-de-semana.  

Os livros, a leitura, o amor pela leitura, a defesa dos livros em papel, enfim, a atmosfera que circunda publicações literárias ou menos literárias, pode dizer-se que foram uma das grandes paixões de Umberto Eco.
Mais uma razão por que cultivo um grande interesse e simpatia por este assombroso intelectual.
Possuo seis ou sete obras deste escritor. Sempre me despertaram grande curiosidade as suas frases célebres. E são tantas! Transcrevo algumas, precisamente sobre livros:

O bem de um livro está em ser lido.
Uma biblioteca não se limita a recolher os teus livros; lê-os também por tua conta.
A biblioteca é o testemunho da verdade e do erro
Um livro bem escolhido salva-te de qualquer coisa, até de ti mesmo.
Quando escreves um livro, não tens o controlo sobre o que os outros compreenderão.
Pode-se ser culto, quer tendo lido 10 livros, quer 10 vezes o mesmo livro. Deveriam preocupar-se aqueles que de livros nunca leram nenhum.

Quem não lê aos 70 anos terá vivido uma só vida. Quem lê terá vivido 5.000 anos: existia quando Caim matou Abel, quando Renzo casou com Lúcia, quando Leopardi admirava o infinito. Porque a leitura é uma imortalidade para trás.

Termino com um conselho de Umberto Eco, fora do tema livros:
"Deixa falar o teu coração, interroga as caras, não escutar as línguas..."

segunda-feira, fevereiro 15, 2016

SUBMETIDOS ÀS AGÊNCIAS 
INFORMADOS COM ANGLICISMOS

A maioria dos leitores das páginas económicas ou de análises de carácter financeiro, nos vários quotidianos, frequentemente não compreende siglas e expressões técnicas que sempre se apresentam escritas em inglês. Logo, imperam os bail in, bail out, stress teste, default, eurobonds, etc., etc..

Por vezes, há o cuidado de, entre parênteses, os explicar. Porém, por que não encontrar uma tradução fiel, dentro do contexto, com palavras, locuções, expressões da própria língua, de maneira que todos compreendamos, imediata e claramente, quais os fenómenos financeiros e económicos que envolvem os nossos países? Mas não somente o país, pois é mais que necessária uma clara informação sobre actividades bancárias. 

Esta sujeição às expressões inglesas é generalizado e expandiu-se pelas demais línguas. Mas usemos o neologismo de moda: tornou-se viral.

A “Accademia della Crusca” (A Academia do Farelo), “o centro mais importante de investigação científica dedicado ao estudo e promoção da língua italiana, reprovou estes termos técnicos e aconselhou os operadores financeiros e jornalistas a usar locuções italianas”.
Dada a importância desta academia, creio que os interessados seguirão o conselho.

O valor da “Accademia della Crusca” é de grande importância para o idioma italiano. Foi fundada no século XVI por um grupo de amigos que pensaram atribuir ao termo farelo (tradução de Crusca) um novo significado. A Academia, simbolicamente, dedicava-se a separar a flor de farinha (a boa língua) do farelo, “segundo o modelo de língua que previa o primado do vulgar florentino, modelado sobre os autores do séc. XIII”.

A história da "Crusca" (forma como frequentemente é citada)  é muito, mas muito interessante e que adiarei para um outro poste. Entretanto, mudemos de assunto.

Há normas da União Europeia que eu não compreendo e tenho dificuldade em aceitar. Uma das mais estúpidas é a condição que obriga o Banco Central Europeu depender dos votos de fiabilidade das agências de notação financeira como garantia para comprar títulos de dívida pública dos Estados-membros, no mercado secundário.

Portugal, neste momento difícil, com uma dívida pública muito elevada, olha com ansiedade para a agência canadiana DBRS, qual entidade assertiva da classificação de fiabilidade da sua dívida pública. Como Estado-membro, não bastam os exames a que são submetidos, pela Comissão Europeia e quejandos, o Orçamento de Estado, o défice e a dívida soberana?
É admissível que os níveis de risco das dívidas de um Estado soberano estejam à mercê das agências de rating, como se se tratasse de uma qualquer entidade privada, mesmo importante, e não envolvesse o presente e o futuro da totalidade dos cidadãos desse Estado e o poder legal e administrativo que dele emana?

Dentro das instituições financeiras e económicas da União, não haverá departamentos com alta competitividade técnica para avaliações dos riscos de crédito similares às das agências e fornecer uma análise neutra e de carácter oficial?
Acaso algumas agências têm demonstrado, sempre, equidistância entre a avaliação de risco financeiro de certas empresas e os respectivos votos emitidos? Os factos provaram que essa equidistância nem sempre existe, pois houve falências onde a notação mais alta, “triplo A”, tinha sido generosamente atribuída. 
Sobre este tema, tinha anotado as respectivas críticas e comentários sobre as falências de Enron, Worldcom, Lehman Brothers. Mas quantas outras haverá idênticas, mas que não provocaram o mesmo estrondo?  
   
Posto isto, não será discutível ver as dividas de um Estados soberano submetidas a avaliações de risco pelas famosas agências? Creio que também este facto tem sido posto em causa pelos estudiosos da matéria.
Porém, urbi et orbi a finança comanda em regime totalitário e a classe política obedece.
Estou plenamente de acordo com a Sra. Teresa de Sousa, jornalista, quando escreve sobre a subida das taxas de juro: "Do lixo financeiro ao lixo político" - Público, 14/02/2016.
"Desculpem, portanto, a insistência, mas o meu medo é que, do "lixo financeiro" a que as agências nos condenaram, passemos rapidamente ao "lixo político, esse sim com um alto risco de rebentar de vez com a Europa".

segunda-feira, fevereiro 08, 2016

NO ACENTO CIRCUNFLEXO NÃO SE TOCA!

#JeSuisCirconflexe: eis o mote de revolta dos franceses que não aceitam a revisão ortográfica da língua francesa, aprovada em 1990.
 Sempre aconselhada, mas não obrigatória e jamais posta em prática, há alguns dias, do Ministério da Educação, informaram que, a partir do próximo ano lectivo, entrará em vigor a nova ortografia.

Inevitavelmente surgiram polémicas, desacordos e protestos. Não é necessário alongarmo-nos sobre estas reacções, pois, em Portugal, conhecemo-las de sobejo. Aliás, parece que, linguisticamente, este 1990 francês foi contagioso, embora de forma diversa nas intenções e aplicações.

Ce document (les règles de la nouvelle orthographe) vous présentes de façon synthétique, les rectifications orthographiques (« nouvelle orthographe ») proposées par les instances francophone compétentes, parmi lesquelles l’Académie française. L’emploi de la “nouvelle orthographe” n’est pas imposé, mais il est recommandé. – (www.orthographe-recommandee.info)

Traduzamos: “Este documento (as regras da nova ortografia) apresenta-vos, de forma sintética, as rectificações ortográficas (“nova ortografia”) propostas pelas instâncias francófonas competentes, entre as quais a Academia francesa. O uso da “nova ortografia” não é imposto, mas sim recomendado”.

Sublinhei o último período, no qual se explica que não se impõe a aplicação das novas regras, mas aconselha-se.
Não deixei de também sublinhar que tais rectificações ortográficas foram propostas por “instâncias francófonas competentes”.
Rectificaram onde a grafia seria simplificada e que já o era pelo uso comum. Todavia, houve a preocupação de salvaguardar o étimo das palavras.

E agora viremo-nos para o lado de cá. Os nossos lusófonos, que deveriam ser competentes e atentos à riqueza dos étimos que caracterizam o português de Portugal e dos PALOP, não rectificaram absolutamente nada, pois nada havia que rectificar: pura e simplesmente, mutilaram e abastardaram a língua; não há argumentos que me convençam do contrário. Agiram por servilismo e questões económicas. A ignorância do âmago da língua materna, na classe política, fez o resto.

Muito interessante a peça do jurista Artur Magalhães Mateus, no jornal Público de 18/01/2016: “O Acordo Ortográfico” de 1990 e as Presidenciais”.
O artigo “Visa responder à necessidade de registar e divulgar as posições dos Candidatos à Presidência da República”.
    
Entre os que são a favor está o Presidente eleito, O Dr. Rebelo de Sousa.
Já conhecia este seu amor ao AO90. Reconhece-lhe virtuosidades e que as alterações à língua portuguesa não são substanciais. (?!) Mas, entretanto, acrescenta:
O Brasil hoje é a maior potência económica e o maior país lusófono. Para Portugal conseguir lutar pela lusofonia no mundo tem de lutar para dar a supremacia ao Brasil”.

Excelentíssimo Sr. Presidente Eleito, eu espero que tão bizarra opinião, como presidente da República Portuguesa, a arrede, imprescindivelmente, da sua plataforma de acção. Melhor, faça-a esvair, totalmente, do seu pensamento.
Estimamos o Brasil, desejamos que, como país emergente, a sua economia progrida e se desenvolva, mas não é permitido ultrajar o património linguístico que nos caracteriza, um património de todos os portugueses - desde o mais informado ao menos favorecido no campo da instrução - pensando em abdicar da nossa dignidade aplaudindo unificações utópicas, absurdas e degradantes.
Não seria inútil esfolhar uma gramática, reler as características das variações linguísticas: a variação diatópica ou geolinguística, pensando na variedade de português do Brasil a nível semântico, sintáctico, fonológico, etc., é bem esclarecedora.
O Brasil, multiétnico, tem a sua variedade de português que deve ser respeitada na mesma medida em que é respeitado o português que herdámos e falamos, jamais esquecendo as raízes greco-latinas donde provém.

Por último, Portugal não necessita de lutar pela lusofonia, a fim de dar a supremacia a quem quer que seja. Esta concepção é um ultraje ao país que nos viu nascer.
Exijamos, isso sim, um profundo conhecimento da própria língua. Paralelamente, acarinhemos o português europeu que se fala nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

Lusofonia, em teu nome, quantos abusos e iniciativas que te descaracterizam!