domingo, fevereiro 22, 2009

CONDENOU-SE O CORRUPTO;
O CORRUPTOR É DESCONHECIDO!...


Gostaria de ver a notícia desta sentença contra um advogado corrupto, em grandes títulos, ocupando as primeiras páginas dos jornais italianos. Mas interessou mais a demissão de Walter Veltroni, secretário do principal partido da oposição.
Não se pode omitir, todavia, os excelentes artigos publicados sobre o assunto e o relevo concedido ao que escreveu, sobre o mesmo caso, a imprensa estrangeira.

Mesmo que se trate de um caso italiano, penso valha a pena dedicar um pedacinho de tempo à leitura do artigo que passarei a traduzir nas suas partes essenciais: descreve, passo a passo, a corrupção do advogado inglês, David Mills, consultor fiscal das empresas de Mr. Berlusconi e agora condenado a 4 anos e seis meses de cadeia – corrupção em actos judiciários.
Mas vamos ao artigo de Alexander Stille.

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Se o caso Mills explodisse nos Estados Unidos da América”
Alexander Stille - La Repubblica, 19-02-2009

«Faz-me então compreender bem (escreveu-me um colega jornalista americano): foi condenado por corrupção o co-imputado do primeiro-ministro, mas quem se demite é o presidente da oposição? Que estranho país é a Itália!».
Mais tarde chamou-me uma outra colega que pergunta: «Mas é mesmo possível que a condenação de David Mills não terá consequências?»

(…) Recapitulemos os factos principais.
Em Fevereiro de 2004, David Mills, o advogado britânico de Berlusconi que se ocupava das contas "off-shore" de Mediaset, - as contas por assim dizer “very discreet” - para operações financeiras secretas e talvez ilegais, deitou mãos à caneta. Receoso de ser apanhado em falso, devido a um encaixe de 600 dólares não declarados ao fisco inglês, decidiu escrever ao seu fiscalista, explicando-lhe que a origem desse dinheiro provinha de uma prenda ou um empréstimo a longo prazo pelo silêncio nos vários processos de Berlusconi, a quem ele chama sempre B. ou Mr. B.
O fiscalista consultado, para não se tornar cúmplice num ilícito, passou a carta às autoridades britânicas. Estas, por sua vez, enviaram-na para a magistratura italiana.
Logo, o processo nasceu, não de uma caça às bruxas pelos juízes italianos, mas de uma comunicação de um crime denunciado no Reino Unido e ao qual a magistratura teve de responder.

Mills confirmou aos magistrados italianos o conteúdo da carta. Mais tarde, quando se apercebeu que tinha agravado seriamente a própria situação, retratou a sua deposição, declarando que recebera o dinheiro doutra fonte.
Evidentemente que o tribunal de Milão achou mais convincente a primeira versão e condenou-o.

No processo originário, Berlusconi era co-imputado com Mills e, com toda a probabilidade e dado o êxito do processo, também ele teria sido condenado se o seu governo, muito tempestivamente, não tivesse aprovado a "lei Alfano", lei que protege o primeiro-ministro de qualquer processo penal durante o seu mandato.

Que um caso assim grave (um primeiro-ministro que se arrisca a uma condenação por ter corrompido uma testemunha, a fim de evitar, talvez, outras condenações – falseando completamente o sistema judiciário - e depois foge das consequências, usando o Parlamento para fazer leis "ad personam") passe quase inobservado, provoca estupefacção e incredibilidade no público americano. (…).
Como se explica esta falta de resposta na Itália?

(…) Recordemos que a opinião pública era maciçamente a favor da magistratura nos tempos dos inquéritos “Mãos Limpas”, quando Berlusconi entrou na política. Porém, num país normal, nunca o poderia ter feito, sendo proprietário de três grandes redes televisivas.

Teria sido posto fora de jogo pelo dinheiro que pagou a Craxi; pelas luvas a funcionários das finanças, embora os processos não tivessem chegado a condenações. Ou o caso Previti: por conta de quem é que o advogado Previti corrompeu o juiz Renato Squillante? Ou o caso Dell’Utri: para quem trabalhou Marcello Dell’Utri em todos aqueles anos que manteve relações com importantes expoentes da máfia?
Poder-se-ia continuar por muitos parágrafos.

Obviamente, a resposta é mais complexa. Uma das maiores performances de Berlusconi (se assim lhe podemos chamar) é a de ter desmantelado, sistematicamente, “Mãos Limpas”. Por cada grave problema judiciário de Berlusconi e da sua empresa Mediaset, partia um ataque feroz contra os juízes. Lançavam, sistematicamente, acusações gravíssimas – de corrupção a assassínios – contra os juízes Di Pietro, Borrelli, Caselli e tantos outros magistrados que representavam um perigo.
Inventaram acusações infamantes de corrupção contra Prodi e outras personalidades da oposição. O facto de que todas estas calúnias se tivessem demonstrado infundadas, não importa. Criava a aparência, falsa, de uma equivalência moral: “são todos iguais”.

As rajadas de acusações e contra-acusações estabelecem uma tal confusão que o eleitor médio decidiu não ter em nenhuma consideração as questões judiciárias e morais. A retórica antipolítica de Berlusconi agravou o já difuso cinismo dos italianos e do qual obtém benefícios políticos (…)

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Alexander Stille conclui o artigo, apontando o dedo para uma grave responsabilidade dos meios de informação italianos e indicando factos nos quais o silêncio, ou minimização, seriam inadmissíveis nos demais países democráticos.
A culpa - acrescento eu - também cabe à oposição que, até hoje, não tem sido digna da especificidade de uma oposição pertinaz, esclarecedora e envolvente.

Uma nota final. Transcrevo a parte mais elucidativa que David Mills escreveu na famosa carta:
(…) conheciam muito bem o modo como, habilmente, soube testemunhar (não menti, mas contornei alguns pontos espinhosos, suavizando-os) e mantive o Sr. B. fora de grandes sarilhos, nos quais o poderia enterrar se dissesse tudo o que sabia”. Exemplar!!

Pergunto-me, frequentemente, se os grandes da União Europeia não sentem um certo constrangimento, quando batem palmadinhas nas costas de um primeiro-ministro detentor de um currículo judiciário com estas dimensões!
Alda M. Maia

domingo, fevereiro 15, 2009

A DESPROMOÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA:
NÃO É UMA LÍNGUA CULTA


Este idioma da Península Ibérica foi despromovido e passará a dialecto. Apenas servirá para o linguajar corriqueiro, até que uma fagocitose, de origem anglo-saxónica, o conduzirá ao cemitério das línguas mortas.

Assim o decretou o filósofo Desidério Murcho, no blogue “De Rerum Natura”: “Contra a Língua do João” – 10/02/2009.

(…) “As pessoas apenas deixam de usar uma dada língua e passam a usar outra; e o que foi escrito na língua antiga continua disponível, podendo até ser lidas pelos especialistas nessa língua morta ou em boas traduções.”

(…) “Muitas línguas são puras mentiras políticas, inventadas por políticos espertos que queriam dividir para conquistar. É o caso da língua portuguesa. Não é mais do que latim à toa (…).

(…) Porque não há a coragem política de fazer da língua inglesa a língua escolar oficial em Portugal e no Brasil, os alunos andam perdidos a ler tolices mal traduzidas, porque não dominam uma língua culta”.

Mais duas pérolas do Dr. Murcho, qual resposta às dezenas de comentários:
A língua portuguesa foi língua franca em termos meramente comerciais, quando os portugueses colonialistas, racistas e mal cheirosos dominavam os mares. Nunca foi uma língua culta nem nunca será”.
(…) Ora, pelo que se lê nos jornais, nos blogues, nos comentários dos blogues, a língua portuguesa não é cultivada e cuidadosamente trabalhada pela generalidade das pessoas: é avacalhada, aporcalhada, e torna-se uma lixeira de ideias feitas”
(…) Mas querer obrigar as pessoas a fazer ciência ou filosofia ou artes com a língua que por acaso é a nossa língua-mãe, é algo que não só é indefensável como tem um recorte marcadamente fascista" -
os negritos são meus

Dislates de ignorantes, com pretensões de intelectualidade, aceitam-se como normais.
Afirmações deste jaez, proferidas por um professor e estudioso de filosofia, colocam-nos perante um dilema: ou se trata de uma provocação, e foi bem congeminada; ou se trata de um caso de arrogância de um literato, o qual se crê autorizado a exprimir opiniões que, se não são despropósitos, são reveladoras de grande confusão – se não ignorância – sobre a origem e evolução da língua que falamos, assim como da história da nossa Literatura.

Línguas cultas, segundo a interpretação de Desidério Murcho, “são línguas nas quais se produziu um acervo razoável de conhecimentos e artes de valor universal. Isso não acontece na língua portuguesa, mas acontece evidentemente com as línguas alemã, latina, grega, francesa e inglesa".

Após a leitura do que escreveu Desidério Murcho, que devemos inferir? Primeiro: o “acervo razoável de conhecimentos e artes de valor universal” chegaram apenas aos falantes de francês, inglês e alemão; tudo o resto não passa de incultos linguajares regionais. Nem o italiano se salvou!!

Segundo: esta língua portuguesa inculta, "avacalhada e aporcalhada" é desprovida da erudição necessária para saber compreender o que as sumidades inglesas, alemãs e francesas exprimem. Logo, língua incapacitada de nos proporcionar boas traduções!

E eu a pensar que "língua culta" fosse uma linguagem literária harmoniosa, correcta, rica de um vocabulário e valores semânticos que desse voz aos pensamentos mais articulados, expressivos e poéticos; pudesse captar e assimilar, em todos os campos do saber, o que de positivo e instrutivo nos possa chegar de outros povos e outras línguas!

Afinal, é tudo errado o que nos ensinaram: falamos uma língua que “não é mais que um latim à toa”!
Estudámos tudo o que sucedeu á volta do demorado e complicado parto das línguas novilatinas, e eis que vem um professor de filosofia dizer-nos que não é uma língua românica, mas um latinório sem pés nem cabeça!

A História da nossa Literatura não passa de atabalhoados documentos dos politiqueiros ignorantes de antanho. Nem sequer podemos aplaudir o nosso D. Dinis que aboliu o latim bárbaro nos documentos, substituindo-o com o vernáculo que lhe inspirou “ay flores ay flores do verde pyno / se sabedes novas do meu amigo / ay deus e hu e”...

Pondo de lado ironias, algumas perguntas tornam-se obrigatórias: O professor Murcho conhece a evolução das várias línguas europeias, sobretudo as de origem românica ou germânica e o que representam para os respectivos povos?
Acha que os caminhos percorridos, as confluências e influências, os enriquecimentos lexicais do inglês, francês e alemão provêm de vias totalmente diversas das que seguiram os demais idiomas, e refiro-me sempre aos dois grupos de línguas supracitados?

Como “línguas cultas” e, obviamente, de "exclusiva informação científica, filosófica e artística", Desidério Murcho teve de incluir as duas grandes clássicas: o grego e o latim.
Nunca as poderia omitir, porque sem estas, os tais conhecimentos linguísticos de valor universal e cujos termos, normalmente, recorrem a elementos de formação greco-latinos, necessitariam de complicadas expressões autóctones.
Adeus universalidade e aura de línguas superiores!

Ao Prof. Desidério Murcho permito-me aconselhar-lhe um livro muito interessante de Henriette Walter: “A Aventura Das Línguas Do Ocidente, a sua origem, a sua história, a sua geografia".
É uma leitura que lhe seria útil. Evitaria de dizer tantos disparates.

Entretanto, não me venham com a história de nacionalismos salazarentos, de “recortes marcadamente fascistas”, quando não aceitamos deturpações dos valores culturais que caracterizam o nosso País. Críticos, sim, mas jamais amesquinhadores.
A este propósito, foi muito completa a resposta do Professor catedrático, Dr. João Boavida, no mesmo blogue.

Convém recordar que Desidério Murcho manifestou-se intensamente, quer na sua rubrica do jornal Público, quer noutras publicações, contra o acordo ortográfico. Volubilidade ou incongruência?

Que se potencie e intensifique o ensino de inglês, certamente que é útil e oportuno nos tempos de hoje. Neste sentido, as opiniões são unânimes.
Mas que, nas escolas, se pretenda elegê-lo como língua oficial, arrumando para um canto o português, cheira-me muito a pedantaria de esquerdismo mal digerido.
Alda M. Maia

domingo, fevereiro 08, 2009

QUO VADIS, BENTO XVI?

Talvez seja mais acertado interrogarmo-nos até onde Bento XVI pretende fazer recuar a Igreja Católica: aos tempos singelos de uma espiritualidade que fala às consciências ou aos séculos do poder temporal dos papas?

A investidura de autoridade moral, ética e religiosa dos homens do Vaticano, que se crêem os únicos detentores dessa autoridade, desaparelhou-lhes o bom senso e o equilíbrio, levando-os a uma intromissão pesada e grosseira nas decisões de um Estado laico e soberano.

O que se está a passar na Itália, acerca do caso Eluana Englaro, em estado vegetativo há 17 anos, ultrapassa toda a nossa compreensão, embora nos esforcemos por considerar os vários pontos de vista, os diferentes graus de sensibilidade, as concepções que situações dolorosas como esta possam sugerir.

À volta desta pobre senhora desencadeou-se uma rumorosa série de tomadas de posição, não somente esquálidas, mas incivilizadas e inexplicáveis.

É uma questão delicadíssima que deveria ser tratada com piedade e respeito.
Todas as dúvidas, a este propósito, são válidas. Já o não são, quando se apresentam como verdades indiscutíveis.

As hierarquias católicas, em vez de manifestar e defender, persuasiva e pacatamente, os princípios que a orientam, lançaram uma campanha rude, autoritária, peremptória. A pressão sobre o governo caracterizou-se por uma impudência fora do tolerável. Este deveria agir, isto é, anular as várias sentenças – de primeira instância, da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça – e apenas obedecer às leis de Deus: leis ditadas pelo Vaticano, obviamente.

O respeito pelos poderes de um Estado laico é um valor que o novo integrismo do Vaticano não concebe.
Não houve cardeal que não lançasse os seus anátemas contra "a eutanásia, um crime, um homicídio de Estado por fome e sede", criticando tudo e todos os que não acatassem as interpretações da Igreja.

Gostaria que me explicassem, e que a minha inteligência pudesse aceitar, o que significa manter em vida, a todo o custo, um corpo sem reacções, uma existência vegetativa de há 17 anos, mediante uma alimentação forçada, mediante recursos técnicos.
Como poderemos interpretar, então, o decurso natural da morte?

Todos nós defendemos a vida; mas não a podemos impor, sobretudo em casos dramáticos como o de Eluana Englaro.
Ninguém tem o direito de apresentar diktats: nem a política nem quem se arroga a primazia de impor certezas.
Penso que só a família e os médicos bem conscientes da sua missão devam intervir.
Os pais de Eluana recorreram a tudo o que estava ao alcance da ciência médica para a recuperação da filha. Quando lhes deram a certeza do seu estado irreversível, lutaram com civismo e coragem, a fim de que a filha tivesse uma morte digna, dentro da legalidade.

Usa-se e abusa-se do termo "eutanásia": situações destas devem ser definidas, classificadas como eutanásia?!
Recuso-me a entendê-la desse modo e respondo com as palavras de um filósofo católico.
“Eu não deixo aberta nenhuma frincha à eutanásia. Não digo: faz-me morrer. Mas digo: deixa-me morrer como estabeleceu a natureza. Nem eu nem tu: a natureza” – Giovanni Reale.

Quando me refiro aos "homens do Vaticano", aludo sempre às altas hierarquias que se movem dentro dos corredores alcatifados do Estado do Vaticano.

Gostaria que me fossem permitidas algumas sugestões a Bento XVI.
Pedir-lhe-ia que, de vez em quando, trocasse os trajos de Sumo Pontífice por o de um qualquer sacerdote que vive em contacto com o povo. Que caminhasse, mas usando sapatos de montanha, pois os trilhos que a humanidade percorre são íngremes e acidentados. Que se misturasse, anonimamente, com essa mesma humanidade e vivesse, lado a lado, as suas dores e problemas.
Tenho a certeza que essa fé cerebral de hoje, ancorada em princípios teológicos académicos, transformar-se-ia naqueles sentimentos religiosos que brotam do coração, à imagem e semelhança da fé de João Paulo II: fé robusta e inquebrantável, por vezes conservadora, mas fé límpida, sincera e contagiosa que irresistivelmente atraía o afecto e admiração de todos nós.

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Falemos agora do cínico aproveitamento político deste sórdido alarido.
De princípio, o primeiro-ministro, Berlusconi, não se manifestou. Porém, as ingerências e pressões do Vaticano eram incessantes.
Por cálculos políticos, a maioria não deve descontentar as hierarquias católicas. Têm sido uma boa aliada.
Assim, o Conselho de Ministros (sob imposição de Berlusconi, pois nem todos estavam de acordo) decidiu aprovar um decreto-lei que ia completamente ao arrepio da sentença do Supremo Tribunal de Justiça, a qual autorizava, dentro de um determinado protocolo, a suspensão da nutrição artificial a Eluana Englaro.

O decreto-lei proíbe essa suspensão - aliás, gestores da coisa pública, aliados do Governo e atentos aos ditames do Vaticano, tentaram e tentam, por todos os meios, impedir a execução da sentença.

Um estrondoso choque, sem precedentes, de poderes institucionais!

O Presidente da República enviara-lhe uma carta privada, explicando-lhe que não poderia assinar um decreto-lei desse género, pois seria anticonstitucional.
Ignorou-a, chegando a insinuar que a morte de Eluana seria responsabilidade do Presidente da República e que este defendia a eutanásia
Se não pudesse governar com decretos-lei, mudar-se-ia a Constituição..
E as bacoradas berlusconianas iam-se encadeando. Por exemplo: “Eluana tem condições de poder gerar um filho”. Nem merece comentários!
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Este homúnculo, que vive emproadamente a função de chefe do Governo, sofre de uma egolatria desmesurada.
Não admite os pesos e contrapesos de um estado democrático que lhe limitem o poder, a importância. Logo, não podia “tolerar” que o garante da Constituição, a figura mais representativa do País, lhe impusesse regras.
A separação de poderes é algo que este parvenu da política não quer assimilar. Sonha com a presidência da República; sonha com Mussolini.

Ignora que, para se chegar a ditador - mesmo ditadorzeco de trazer por casa - é necessário possuir umas certas qualidades de tribuno.
Ora, apreciando-lhe o modo de se exprimir e de agir, a ideia que estamos perante um artista de cabaret que ascendeu a primeiro-ministro permanece inalterada.
Infelizmente, porém, os golpes desferidos contra o sistema democrático vão-se multiplicando.
Alda M. Maia

domingo, fevereiro 01, 2009

COISAS NOSSAS

Não estou a servir-me de uma tradução de cosa nostra, expressão que todos sabem corresponder à máfia siciliana.
Quando dou o título de “coisas nossas” à minha “conversa” de hoje, quero mesmo referir-me, no plural, às variegadas coisas que vão sucedendo nesta borda europeia, o nosso País.

Poderia chamar-lhe “factos nossos”. Mais que factos, porém, vejo coisas do arco-da-velha. E acho-as extraordinárias, respeitando o valor semântico da expressão, pela exuberância de informações sobre o caso da semana e relativas deduções acusatórias. Algumas destas conclusões quase se poderiam classificar como sentenças, sub-repticiamente sugeridas.

Cartas rogatórias que, apenas chegadas, imediatamente constituem parangonas das primeiras páginas dos jornais.
Diversos e-mails comprometedores (segundo dizem), dados a público e superabundância de pormenores sobre um presumível envolvimento do Primeiro-Ministro em actos de corrupção, quando não foi constituído arguido nem há elementos, incontrovertíveis, que recebera dinheiros ilícitos.

Nos bons livros policiais, as provas ad hoc, servidas em bandeja de prata, bem alinhadinhas, levam o famoso detective a desconfiar de tanta evidência e a enveredar por caminhos mais correctos.
Aqui, estamos perante um “crime” cujo autor já foi, implicitamente, sugerido ao leitor. Mas confiemos na argúcia de um Mr. Poirot.
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Não estou a criticar a imprensa ou quaisquer outros meios de informação que trouxeram a lume o caso Freeport. O quarto poder, para mim, é tão importante como o legislativo, executivo ou judiciário.
Uma boa imprensa tem obrigação de informar e desmascarar - com a máxima objectividade possível e sem contemplações por ninguém - as podridões de todos os sistemas que governam um país. É um órgão de controlo; é um precioso contrapeso à arrogância de quem detém o poder.

O que nunca suportei foi a imprensa tendenciosa ou a aquela imprensa superficial, apenas votada ao escândalo.
Esta última tem um único fim: captar a atenção, fazer-se publicidade. A imprensa tendenciosa, talvez a mais sórdida, é perigosa e bem consciente do mal que provoca.
Só é lamentável que haja tantas pessoas que não saibam discernir o real desejo de informar do fim inconfesso de denegrir ou destruir.

Em tudo o que li e ouvi, houve informações correctas, devidas e oportunas. Uma grande percentagem dessas informações, todavia, pecava e peca por uma não muito velada tendenciosidade: transformaram o caso Freeport num autêntico chafurdeiro, o que é pena.

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Não gostei da reacção de José Sócrates: excessivamente prolixa de explicações. Falta-lhe o domínio do ego ofendido e, consequentemente, a grande arte de dizer, uma vez por todas, o essencial a que o País e a sua honorabilidade têm direito.

Como corolário desse esclarecimento, seria aconselhável explicitar toda a confiança, como aliás já declarou, na função da Justiça, exigindo-lhe celeridade e o máximo rigor no que concerne a sua actuação como ministro do Ambiente. É isto o que pretendemos do Primeiro-Ministro.

Descabido aludir a “campanhas negras geridas por poderes ocultos”. Não são frases adequadas a um político que deve enfrentar as tempestades com segurança e equilíbrio, mesmo quando a sua credibilidade está em jogo. Que deixe tais argumentos a politiqueiros enfatuados de uma importância que não possuem.

Mas valha-nos Deus, Senhor Primeiro-Ministro! Ponha-se ao largo de certos parentes, porque é melhor perdê-los que achá-los! Com a agravante de ainda lhe chamarem Zezito, em vez do simpático e portuguesíssimo Zé!...

Uma última observação. È muito curioso que a nossa imprensa, escrita ou falada, desencadeia um interesse morboso e um zelo sem tréguas, quando se deve ocupar do actual primeiro-ministro ou de personagens do seu partido.
Insisto na opinião que esse interesse é sacrossanto; já o não é quando se torna morbosa e zelosamente suspeito.
Por que razão não usa esse furor com outros casos de maus costumes políticos dos demais partidos? Ou será que estes têm o privilégio da cobertura de uma imprensa benevolente, distraída?

Um exemplo, e que até não será dos piores.
Acerca do Senhor Paulo Portas, quando ministro da Defesa, li que houve perplexidades sobre uma aquisição de submarinos (salvo erro). Alguém quis aprofundar esse caso? Paulo Portas pretendeu que se investigasse rigorosamente, a fim de que tudo ficasse esclarecido? A imprensa fez o mesmo?

Terminado o seu mandato, o mesmo Paulo Portas levou para casa cerca de setenta mil fotocópias de documentos. Alegou que eram documentos que lhe diziam respeito.
Uma forma muito sui generis de interpretar a função de ministro! Esqueceu-se que tais documentos pertencem ao Estado. Se não constitui crime apoderar-se, torna-se suspeito e eticamente execrável.
Este caso escandalizou-me. Alguns senhores da imprensa o verberaram e denunciaram? Não me apercebi.

Enfim, coisas nossas que fogem à minha compreensão.

Ah! Estou à espera que o jornal "Público" nos informe se José Sócrates tem o hábito de pagar as suas contas a pronto ou às prestações. Falta-nos essa informação.
Alda M. Maia