segunda-feira, maio 26, 2014

E AGORA, EUROPA?

Europa, fim do eixo franco-alemão. A anti-Merkel chama-se Marine Le Pen.”

“Berlim confirma a confiança na Chanceler. Em Paris triunfa a Frente Nacional, nacionalista e xenófoba, que quer a implosão das instituições comunitárias. Grécia e Portugal, os países mais atingidos pelos sacrifícios, viram à esquerda”

Este é o título e subtítulo de um artigo do semanário italiano L’Espresso. 
Será mesmo o fim da aliança franco-alemã, uma aliança ou um entendimento que tudo cozinhava em proveito próprio, ignorando os princípios básicos da União Europeia e perante a apatia dos demais Estados-membros?

Que um quarto dos eleitores da civilizadíssima França tivesse votado por um partido indecentemente racista, anti-semita, nacionalista e antieuropeu, é caso para perguntar: a loucura abafou o bom senso das gentes?

Acho verdadeiramente vergonhosa a abstenção dos eleitores portugueses. Atribuo a culpa máxima aos nossos candidatos. Salvo raríssimas excepções, vão representar Portugal, no Parlamento Europeu, sem ter dado a conhecer ao país o esboço de um qualquer programa em prol de uma União mais coesa e mais preocupada com a questão social. Um programa que demonstrasse, por exemplo, luta em favor de uma regulação dos mercados financeiros, cuja prepotência e anomia são, socialmente, repugnantes.

Quanto à Itália, sincera e conscientemente, sinto-me eufórica. Contrariamente ao que Jorge Almeida Fernandes escreveu no Público, permito-me corrigi-lo: o Partido Democrático – o partido de Renzi – não se salvou; o Partido Democrático triunfou com o esplêndido resultado de 40,8%! Acha pouco? 
No que concerne Grillo, o qual apregoava que bateria todos os maiores partidos, os eleitores italianos fizeram-lhe compreender que não apreciam atitudes fascistóides ou similares. Mesmo assim, ainda houve quem lhe desse 21,1%.

Na Alemanha tudo se processou de acordo com a tranquilidade social, económica e financeira. Votou-se, confirmando e garantindo a estabilidade interna, em nada alterando, portanto, a continuação da imposição de uma política de rigor e consequentes lições de moral a países económica e financeiramente pecadores.

E são estas lições de moral que sempre me provocaram uma péssima impressão. Não se admite, dentro da União Europeia, sobrancerias de Estados-membros em relação a outros. Considero-as indignas de países civilizados. Pior ainda, quando a estes outros países estão ligados por tratados que estabelecem união e solidariedade.

Solidariedade! Onde estás? Quem te conhece? Que significado atribuíram a esta palavra? Vocábulo ornamental para enganar ingénuos? Assim parece. Substituamo-lo com a expressão "egoísmo altaneiro" de quem se crê superior.
Paralelamente, acrescentemos-lhe desdém de quem salvou os próprios bancos, sacrificando os ingénuos e imprudentes que se empanturraram de créditos fáceis que os mesmos bancos tinham impingido com tanto afã.
Foi isto, precisamente, o que a Alemanha fez com a imposição da uma austeridade intransigente, a fim de salvar, acima de tudo, a sua banca e os seus interesses.

Não lhe desculpo a ingratidão de como se comportou com a Grécia. Gostaria que Martin Schulz fosse eleito presidente da Comissão Europeia. Não esqueço o quanto se esforçou por salvar aquele país.

E agora? Agora cultivo a esperança que iniciem a recomposição ou reconstrução da Europa. A ruptura da União já se verificou e os desastres estão à vista. Oxalá haja competência, grande competência e boa vontade para elevar e concretizar uma autêntica União Europeia.

Estou de acordo com o que escreveu, ontem, o director do jornal de referência La Stampa, Mário Calabresi. Transcrevo.

“A geração mais jovem, a que é mais atraída pelo vento do populismo, é a mais europeia desde sempre. Os rapazes de Mónaco, hoje, são iguais aos de Manchester e de Turim. Escutam a mesma música, tomam as mesmas linhas aéreas, vestem-se da mesma forma, comunicam de maneira idêntica, têm os mesmos problemas e as mesmas esperanças.

É para eles que é necessário recompor o tecido social europeu: não merecem outros escombros, cenários de rupturas apocalípticas em nome da catarse, mas um espaço de paz e liberdade no qual construir-se um futuro.
 Não fiqueis em casa hoje, não vos comporteis como aqueles turistas que se mantém à distância das calamidades, que nada fazem para dar uma mão, mas que estão sempre prontos para obter uma foto do desastre.

segunda-feira, maio 19, 2014

“PLURALISMO E RELIGIÃO: 
OS INTELECTUAIS ISLÂMICOS
QUE RECOLHEM O DESAFIO”

Este é o título de um artigo de Monica Ricci Sargentini, publicado hoje no Corriere Della Sera. Achei-o interessante e muito pertinente, sobretudo quando pensamos em actos  de terroristas que se servem da própria religião para justificar autênticas barbáries. Procuro traduzi-lo.

Enquanto o mundo se indigna pelas estudantes nigerianas, raptadas por Boko Haram, e pela condenação de uma sudanesa cristã por apostasia, em Istambul, filósofos, historiadores, juristas e activistas dos direitos humanos apresentam-nos um Islão diverso, capaz de conviver com a democracia, o pluralismo e de praticar a paridade de género.

As condenações à morte por blasfémia ou apostasia, as perseguições dos cristãos, a limitação da liberdade das mulheres são aplicações de uma verdade, conteúdo do Corão, ou uma sua distorção?
Ouvindo os professores e expertos do Islão, reunidos na Bilgi University para os “Istanbul Seminars”, organizados pela Reset, existe uma via diferente da que é seguida pelo fundamentalismo e que, com o perdurar do tempo, poderia tornar-se predominante.

«O Corão deve ser contextualizado na nossa época» - diz o indonésio Syafiq Haysim, perito em questões do género dentro do Islão e co-fundador da Rahima Foundation - «Tomemos como exemplo a poligamia. Nos tempos de Maomé era muito praticada, portanto o Corão procurou limitar-lhe o uso. Isto significa que, nos dias de hoje, deveria ser abolida, se considerarmos e evolução dos tempos. É absurdo dizer que, se não aceitas a poligamia, vais contra Allah.»

O problema é que o Islão é uma religião sem um centro, falta uma autoridade jerárquica e, portanto, cada um aplica a sharia em modo diverso.
«O pluralismo – defende Haysim – é absolutamente compatível com a nossa religião. Em Medina, Maomé escreveu uma Constituição na qual todos os grupos estão presentes na estrutura política: muçulmanos, judeus, cristãos e pagãos. Na Indonésia, por exemplo, temos mais igrejas que mesquitas. Certamente que houve episódios de falta de respeito pelas minorias também na Indonésia, mas estamos a superá-los".

Compromisso é a palavra-chave para o israelita Avishai Margalit, professor de filosofia em Princeton e autor de "A Decent Society": «Devemos sempre pensar que a consequência do pluralismo é a capacidade de chegar ao compromisso, de encontrar um consenso de maneira que evite o conflito. Eu sou optimista. Estou convencido que esta sociedade deverá ceder ao pluralismo através da pluralidade. Caminhamos para mundos sempre mais variegados, nos quais não existe uma única verdade, uma única religião, uma única cultura.
Mais as sociedades muçulmanas se tornarão plurais maior será uma pressão para o pluralismo. Penso que serão necessários dez ou quinze anos».

Margalit dá o exemplo da Constituição tunisina, aprovada em Janeiro passado depois de infinitas discussões e limaduras e considerada um exemplo de modernidade, sem precedentes, nos países árabes.
«Houve choques sobre a paridade de género. No início falava-se de complementaridade com o homem o que, claramente, era a negação da igualdade. Em seguida, esta passagem foi cortada, mas ficou o cavalo de Tróia da defesa da moralidade. No artigo 49 diz-se que a lei limita as liberdades garantidas pela Constituição, a fim de proteger os direitos de outrem, a segurança pública, a defesa nacional, a saúde pública ou a moral pública. É claro que este passo presta-se às mais diversas interpretações».

«A Constituição tunisina atesta a liberdade de credo e de consciência e proíbe o takfir, isto é, o tratar uma pessoa como descrente ou apóstata», assevera Ferida Abidi, advogada, a qual se sente particularmente orgulhosa, pois contribuiu para a redacção da Carta.
Abidi, membro do partido islâmico Ennahda e presidente da Comissão dos direitos e das liberdades, não quer ouvir falar dos casos de grande retumbância no mundo, como o das estudantes raptadas na Nigéria. Nos seus olhos emoldurados pelo véu, desponta uma clara desconfiança por quem traz como exemplo o que em muitas partes do mundo desencadeia a islamofobia.
Diz então: «As liberdades, a igualdade, a fraternidade são os objectivos do Islão, assim como a democracia, a qual é o equivalente da nossa Shura e é baseada no diálogo. O Islão sempre deu grande espaço à mulher que é igual ao homem. O meu partido condenou o rapto das jovens na Nigéria, pois é contrário aos princípios do Islão».”

“Insiste Syafiq Haysim: «Certamente que Maomé não odiava os livros, pelo contrário dizia de os ler».
Do centro de reflexão dos Seminários de Istambul, aquela ponte ideal sobre o Bósforo que une culturas diversas parece mais real do que nunca  -  
Mónica Ricci Sargentini - Corriere Della Sera  - 19 / 05 / 2014

segunda-feira, maio 12, 2014

VOTAR OU NÃO VOTAR?

Nunca pus em discussão ou em dúvida essa questão. O voto, como muito bem esclarece a Lei Eleitoral, é “um direito e um dever cívico. Deste direito e deste dever cívico, jamais abdicarei.
E jamais introduzirei nas urnas um voto branco ou nulo. Podem significar protesto ou indignação contra os que deveriam ser nossos representantes e, frequentemente, não o são. Todavia, o campo de preferências é amplo e, insisto, é um dever positivo a que ninguém deve fugir.

Assim, se qualquer problema existe, e ultimamente surgiram-me tantas perplexidades, é a escolha por quem votar.

Nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, tal perplexidade não terá razão de ser, pois votarei um partido italiano e sei bem a quem dedicar a minha preferência.
Com dupla nacionalidade, só tenho o direito de voto num único país. Escolhi a Itália, visto que Beppe Grillo e Berlusconi inquietam-me, sobretudo Grillo, e entendo que o meu voto será ali mais necessário.

Felizmente, não temos em Portugal aquele género de movimentos que não têm uma única ideia construtiva e cuja actividade quer apenas expressar fúria, caos e dano. É motivo para disso nos regozijarmos.

Relativamente a Beppe Grillo, vejo-o como uma versão século XXI de um Mussolini que berra na praça pública, mas muito bem camuflado sob uma retórica de cariz indefinível.

Eugénio Scalfari, fundador do jornal La Repubblica, no seu editorial de ontem fez uma descrição perfeita do que é Grillo e o “grillismo”, logo, o “Movimento 5 Estrelas”. É leitura interessante. Traduzo:

A alternativa à abstenção é o voto a Grillo, o qual não é nem da direita nem da esquerda ou de qualquer outra cor política. É antipolítica pura que se concentra sobre um programa destrutivo.
Não tem propostas realizáveis de nenhum género, quer para a Itália, quer para a Europa, excepto destruir tudo o que existe, todos os partidos, todas as instituições e todas as pessoas que as representam. Nenhuma delas é poupada. (…)”

“Tudo deve ser anulado. Os Parlamentos tornar-se-ão em repartições que dêem forma de lei às decisões indicadas pelos referendos. Democracia directa.
O Governo será composto por funcionários que permanecem no cargo durante um período breve e, depois, todos para a rua.
Pelo pouquíssimo que contarão, os parlamentares deverão respeitar o vínculo de mandato, isto é, as decisões que os partidos escolheram nos seus programas e que o povo, numa certa medida, aprovou.”

“Faz algum sentido votar por um programa deste género que, no caso em questão, é o do “Movimento 5 Estrelas” que dá a Grillo todo o poder, transformando a democracia, com todos os seus vícios e defeitos, na tirania de um cómico? Efectivamente, não tem qualquer lógica e a gente vota-o como protesto.
O voto a Grillo equivale ao não voto, mas é muito mais perigoso, e o porquê é evidente.”

Além de ter adquirido vestes de personagem política – mais arruaceira que política -, acrescente-se que o blogue de Beppe Grillo, segundo artigos publicados em meados de Abril passado, rende milhões de euros ao titular desse blogue e a Gianroberto Casaleggio, gestor técnico e co-proprietário do mesmo blogue, um dos 50 mais importantes e mais visitados no mundo.
O elevado número de visitantes – milhões, segundo escrevem – é, comercialmente, muito rentável.

Insinuam também que certas explosões “grillescas” sobre conteúdos ausentes nos meios de comunicação, “quase sempre fotos e vídeos produzidos por outrem”, são apresentados no blogue, a custo zero, com todo aquele sensacionalismo que faz aumentar o número de visitantes. Logo, mais lucros.
Conflito de interesses? Aventam essa hipótese.
Que lata a desta gente e quão irresponsável quem lhe dá aval político!

Não bastava o palhaço e cadastrado Berlusconi? Deus proteja a Itália e lhe inspire fortes antídotos contra estas calamidades. Mas, acima de tudo, espero que adquira a arte, intensa e ininterrupta, de informar, informar e informar os seus cidadãos sobre tudo o que concerne a função de um Estado e dos seus administradores.

Exprimo o mesmo desejo, obviamente, para Portugal.

segunda-feira, maio 05, 2014

SÉCULO XXI: BASTOU UMA DÉCADA
PARA O RETROCESSO AO SÉC. XIX

No dia três de Maio, no jornal italiano Corriere Della Sera – jornal mais na área do conservadorismo que esquerdista - líamos o seguinte:
Os 10 homens mais ricos de Itália dispõem de um capital cerca de 75 mil milhões de euros, igual ao conjunto de quase 500 mil famílias operárias. Releva-o uma análise do CENSIS (instituto italiano de investigação socioeconómica).
Pouco menos de 2 mil italianos riquíssimos, membros do clube mundial dos ultra-ricos, dispõem de um património global superior a 169 mil milhões de euros (sem contar o valor dos bens imóveis).
As distâncias na riqueza cresceram no tempo e hoje, em plena crise, o património de um dirigente é igual a 5,6 vezes o de um operário – três vezes mais do que há vinte anos… - seguem-se as diferenças de várias categorias em relação a um operário


No jornal La Repubblica, sempre no mesmo dias e sobre o mesmo assunto, mas citando a OCDE:
O 1% dos italianos encaixa quase 10% dos rendimentos totais.
Aumenta a concentração da riqueza: segundo a OCDE, nos últimos trinta anos, quem encaixa os cheques mais pesados conseguiu interceptar uma fatia desproporcionada de incremento dos salários. Nos Estados Unidos regista-se a concentração maior. (…)
Nos últimos trinta anos os rendimentos concentraram-se cada vez mais nas mãos de poucos.

Esta análise do CENSIS e o relatório da OCDE já não constituem novidade para ninguém. Os mais diversos comentadores e analistas, idóneos e menos idóneos, não se têm cansado de apontar o desnível que se instalou entre os rendimentos das elites dirigentes e o resto da sociedade.

O que mais enoja em tudo isto é a desfaçatez como justificam os altíssimos salários de um qualquer top manager.
Poder-se-á perguntar: porque possuem maior nível académico? Não faltam pessoas inteligentes que atingem normalmente esse nível e que, portanto, estariam aptos para desenvolver eficientemente a mesma actividade.
Porque são tecnicamente mais capazes? Não consta que devam ser génios reconhecidos os dirigentes de bancos, grandes empresas, multinacionais e quejandos. São seres normais com capacidades apreciáveis (quando as possuem!), mas não avis rara.

Após a Segunda Guerra Mundial construiu-se uma sociedade mais justa e um grande progresso económico, mas durou poucas décadas.

E durou poucas décadas, porque piorou a qualidade da política; logo, piorou tudo. Se reflectirmos sobre a perduração da crise, sobretudo na Europa, e sobre as numerosas análises que nos informam, é inevitável chegarmos a essa conclusão. Tudo parte da política, esta “arte ou ciência” de organizar a administração jurídica, social e económica da coisa pública: precisamente, com arte e ciência.
Ora, nesta crise, onde podemos encontrar a arte, ciência, engenho e coragem na política que nos governa, quer europeia, quer nacional? Certamente que, para isso, deveria haver grandes e respeitáveis políticos, mas onde estão? É um deserto!
A política reduziu-se a joguinhos de poder e de blandícias para os potenciais eleitores; não sobra lugar para decisões sérias e corajosas.

Consequentemente, eis por que não foi capaz de prever e avaliar certos aspectos negativos da globalização.
Não foi capaz de regulamentar o nascimento de um capitalismo sem alma. 
Não foi capaz, e permanece nessa incapacidade (ou táctica de conivências), de impor regras à voracidade do capitalismo financeiro.
Não foi capaz de criar leis que estabelecessem uma menor desigualdade de rendimentos, não omitindo a justeza do mérito, obviamente.
Finalmente, não é capaz de se regenerar e de saber reconstruir o sistema de partidos que apodreceu e se tornou intolerável. Transfigurou-se em ninhos de oportunistas, carreiristas, facções em vez de homogeneidade ideológica, incompetência, agentes encapotados dos poderes fortes. As consequências estão à vista.

O profundo sentido de democracia caiu em sonolência; esperemos que não se transforme em coma. Esperemos também que não surja uma Europa de totalitarismos camuflados. Parece-me que o vocábulo democracia começa a ser o passe introdutor de ideias e procedimentos que nada tem que ver com o seu valor intrínseco e real.

Os denunciadores do crescimento de populismos perigosos para a democracia não inventam nem exageram. Estes populismos são reais e confesso que me assustam. Como exemplo adequado, vejo o “Movimento 5 Estrelas” de Beppe Grillo. Nota-se neste indivíduo tiques acentuadamente fascistas – e sem banalização da palavra - que não prenunciam o que quer que seja de construtivo.
Dado o alto seguimento dos que o vêem como castigador dos execrados partidos, estes seguidores em boa-fé não se apercebem que dão aval a uma pura e simples propaganda demolidora; nada mais.