segunda-feira, fevereiro 23, 2015

ROMA INVADIDA POR BÁRBAROS

O que sucedeu em Roma nos dias 18 e 19 deste mês de Fevereiro foi notícia que ecoou em toda a Europa. A maior parte das referências limitava-se a citar desacatos e distúrbios provocados pelos adeptos da equipa de futebol holandesa Feyenoord que jogaria, no dia 19, com a Roma (Liga Europa).

Não penso que os vocábulos “desacatos e distúrbios” possam bastar, na sua concreção, para exprimir actos de autêntico vandalismo levados a cabo por cerca de 500 a 600 indivíduos, adeptos do Feyenoord.

Na quarta-feira, dia 18, ao fim da tarde iniciaram os desacatos e menosprezo da parte histórico da capital italiana. Prosseguiram no dia seguinte, fazendo da Praça de Espanha, meta diária de numerosos turistas, o centro de uma guerrilha de devastação de monumentos e ofensas à cidade de Roma.
Desta guerrilha de bêbedos, desordeiros e vândalos contra polícia e carabineiros resultaram cerca de 20 feridas nas forças de segurança.

É desolador ver aquela praça transformada numa autêntica lixeira. Foi necessário mobilizar 10 operadores com 4 meios adequados para efectuar uma limpeza maciça e recolher 20 metros cúbicos de lixo, sobretudo vidro.

Mais desolador ainda é o dano causado à Fonte de Bernini, a famosa Barcaccia, e o aspecto degradante que apresentava esta obra de arte: um receptáculo de garrafas de cerveja e outras imundícies. As garrafas serviram de tiro ao alvo, provocando estilhaços, lascas do monumento, o que tornará difícil a reparação; lesões que já classificaram como irreparáveis. Poucos meses antes tinham terminado obras de restauro desta Fonte, obras que custaram 200 mil euros.
Muito acima da desolação, todavia, está a indignação por esta falta de respeito pelo que é sacro em todos os países: os seus monumentos.

Os prejuízos causados à cidade foram ingentes. Além de vitrinas partidas e outras devastações, foi calculado um dano de 3 milhões de euros aos comerciantes daquela zona por falta de encaixe, visto que foram forçados a fechar os estabelecimentos enquanto os bárbaros se divertiam a mutilar a cidade.  
   
 Conhecem-se casos de tropelias e violência, aquando de jogos de futebol de uma certa importância e popularidade, em várias cidades europeias. Todavia, vândalos como os que agiram em Roma, não consta que haja paralelo.
Aqueles energúmenos partiram da Holanda, mas chegaram a Itália com proveniência da Bélgica. Desviaram o trajecto a fim de evitar sinalizações que os apontassem como adeptos desordeiros. Portanto, livres de praticar acções de ultraje e proceder com uma total falta de civismo numa cidade, toda ela um monumento ao ar livre, qual é a cidade de Roma.

Estes arruaceiros vieram da Holanda, país ultracivilizado! Como se compreende? Pergunta ociosa. Provocadores deste género existem em todos os países e ser hooligan da pior espécie, pelos vistos, é um ponto de honra, mesmo de pessoas de uma classe social privilegiada, como se verificou na maior parte dos holandeses detidos em Roma. 

segunda-feira, fevereiro 16, 2015

ALEMANHA, “INSTITUIÇÃO” DA UE
O ACTIVISMO DA SENHORA MERKEL

Onde existe uma crise, está Angela Merkel. Que se trate da Ucrânia ou da Grécia, ela é o interlocutor que representa a Europa. Os outros protagonistas – desde o pacato François Hollande aos vários comissários europeus, Federica Mogherini ou Pierre Moscovici – são apenas comparsas que servem para salvar a ficção de uma política estrangeira que seja vagamente europeia e não somente uma projecção da política alemã” – Stefano Feltri - Il Fatto Quotidiano, 13/02/2015.

O que escreve este editorialista italiano é exactamente aquilo que eu penso sobre a preponderância da Alemanha em todas as contingências da União e a tácita subalternidade dos demais países-membros.
O mais interessante, sobre esta matéria, é a naturalidade como os enviados das diversas redes televisivas noticiam esta aquiescência: a Alemanha decide e impõe; os outros países entendem que assim deve ser e condescendem. Que não se espere outras reacções, visto que tudo isto é normal.

Normal? E por qual razão? Porque se fez passar a opinião que é a Alemanha o único país a sustentar os fundos de estabilidade, quando bem sabemos que todos os Estados-membros, obviamente, são contribuintes segundo o poder económico de cada um?
Porque é economicamente superior? Esta superioridade provém de melhor organização ou também porque é muito favorecida pelos juros a custo zero, mercê de uma austeridade que afunda outros países, enriquecendo a Alemanha?
Onde se refugiaram os ingentes capitais que a austeridade, fria e implacavelmente imposta pela Alemanha e países nórdicos, fez desviar dos países em crise?
Por que razão se fez crer, aos contribuintes alemães, que os países do Sul da Europa vivem à custa deles? Não é esta uma semântica grosseira para descrever a crise dos países com problemas económicos?  

É desolador observar a mediocridade política que reina dentro de tantos Estados-membros da União Europeia. Não se entrevê um único estadista europeu que se imponha pela sua competência e agudeza política. Se assim não fosse, verificar-se-ia maior coesão e disposição para resolver a crise europeia com outros sistemas mais humanos e menos escravos dos poderes económicos e financeiros. Paralelamente, atenuar-se-ia, até ao ponto justo, a hegemonia alemã.
Que a Alemanha seja o país guia, mercê do seu peso económico, aceita-se perfeitamente. Ora, impor diktats dentro da União, indispõe e cria repulsas, perfeita antítese do que se pretende seja a União Europeia.

A sempre activa Angela Merkel – passo a citar - “… enfrenta todos os dossiês com o mesmo método: estuda. Parece pouco, mas numa Europa com primeiros-ministros improvisados e inexperientes, a preparação é uma arma. Nos Conselhos Europeus, Angela Merkel domina os capítulos dos países sob a Troika melhor que os Governos locais. Num vértice recente, pediu notícias ao Primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, sobre a nova linha do Metropolitano de Lisboa. Passos Coelho mostrou-se impreparado”. – Stefano Feltri.

Não conhecia este pormenor sobre as performances do nosso Primeiro-ministro. Não me surpreendeu. Como primeira reacção, deu-me vontade de rir, mas imediatamente surgiu a raiva e desconforto. Com gente deste calibre a representar-nos, como se pode pretender respeito e apreço pelo nosso Portugal?
No actual panorama político português, haverá personagens que nos incutam plena confiança no que concerne seriedade de acção, ética política e indiscutível competência na gerência da coisa pública? Que perspectivas, neste sentido, vislumbramos para uma boa escolha nas próximas eleições?

Mereceu elogios, merecidos, a intervenção da Senhora Merkel, juntamente com François Hollande, a fim de encontrar uma solução ao grave problema da guerra na Ucrânia e a descarada intervenção russa.
Na Cimeira de Minsk, portanto, por que motivo altos representantes da União Europeia ficaram na penumbra, quando significariam um acrescido peso contratual e persuasivo perante a Rússia?

Numa entrevista do Corriere Della Sera a Federica Mogherini, Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, quando lhe apontam o quanto a sua ausência em Minsk tivesse sido estigmatizada, esta senhora responde: “Do meu ponto de vista, o mais importante não é a foto-opportunity, mas o que conta é o jogo de equipa e a busca de um resultado, e que se viu”. Uma equipa sem a presença deste Alto Comissário da política exterior?!
Li com atenção toda a entrevista e apenas notei argumentos retóricos, genéricos, mas nada que já não se conhecesse sobre as titubeações da União acerca da política externa e de segurança.

Fala-se da força diplomática alemã, da capacidade dos seus funcionários, nas instituições europeias, de infundir pontos de vistas sempre próximos das conveniências alemãs: o que interessa ao bom funcionamento da União Europeia, qual testemunho de coesão, é de secundária importância.
A confirmação de tudo isto está à vista de todos.

segunda-feira, fevereiro 09, 2015

UMA REFORMA EDUCATIVA BIZARRA

Na civilizadíssima Finlândia, nasce uma reforma dos programas educativos: a partir do próximo ano não será obrigatório aprender a escrever à mão. “Aprender a caligrafia em cursivo não será matéria de estudo obrigatório nas escolas do primeiro ciclo”.

A notícia desta revolução finlandesa, no que concerne o ensino da escritura na escola primária, não desaparecerá totalmente dos programas de instrução pública. Os professores continuarão a ensinar aos alunos o alfabeto e a escrita das palavras, mas o uso desta aprendizagem efectuar-se-á mais sobre os computadores que no uso de cadernos e canetas.

Cada professor terá a liberdade de decidir quanto tempo dedicar, além do mínimo garantido, ao ensino da escrita à mão em papel.
Segundo a notícia, parece que o debate ficou em aberto sobre o tema “se a escrita à mão em papel é secundária ou renunciável”. 

É importante que as crianças aprendam velozes a escritura líquida, isto é, nos teclados dos computadores e ecrã táctil. Sabemos que se trata de uma mudança radical, temerária, porém, é necessário ter em atenção o facto que, na quotidianidade da vida das crianças e no seu amanhã de adolescentes e, depois, de adultos, a velocidade da escrita digital é sempre mais importante para a sua formação cultural e seu futuro profissional”. - Esta é a opinião de Minna Harmanen, a responsável, no ministério da Educação, dos princípios orientadores dos programas educativos e respectivas reformas.

Que seja uma mudança radical e temerária não oferece a mínima dúvida, sobretudo no que concerne a temeridade. Que seja racional, digo já, claramente, que me parece que se assemelhe mais a um excesso de devoção tecnológica de quem acertou em tantas iniciativas óptimas (no campo social e educativo), mas que perdeu a noção de que nem todas as técnicas modernas podem substituir certos saberes. Um destes é, precisamente, o milenário saber escrever à mão, a caligrafia.

Como bem sabemos, as máquinas falham; o conhecimento humano está sempre presente para remediar ou suprir essas falhas.

No futuro, as crianças finlandesas aprenderão a assinar o próprio nome? Saberão escrevê-lo legivelmente? Serão os computadores capazes de substituir uma assinatura num cheque ou em qualquer documento que nos identifique?... Perdão, isto são perguntas ultraconservadoras. A nova tecnologia de informação e comunicação a tudo saberá dar remédio, mesmo que uma assinatura autógrafa seja o método mais simples, prático e fiável. Todavia, está fora da concepção finlandesa de progresso.

Ler, escrever e contar: a trilogia básica do ensino primário; só a partir daí é que se chega a outros e mais elevados conhecimentos.
Para um professor do ensino primário, o primeiro ano (a primeira classe) talvez seja o período que mais surpresas agradáveis e satisfatórias proporciona.
 Quando se chega ao fim do ano lectivo e se verifica que crianças, inicialmente uma autêntica matéria em branco, além de saber ler e contar, sabem escrever numa caligrafia bem desenhada, a satisfação de, interiormente, poder dizer “isto é obra minha” é irreprimível.

A Finlândia, no campo educativo e social é, efectivamente, um país modelar. Abolindo a obrigatoriedade da aprendizagem da caligrafia no ensino público, crê-se um país ultra-evoluído, promovendo esta reforma? Ou ultrapretensioso?
A aprendizagem da caligrafia que obstáculo opõe à “importância da velocidade da escrita digital”? São inconciliáveis? Não, não são. Trata-se, simplesmente, de aprendizagens, paralelas, de enriquecimento educativo e cultural.

Não creio que as crianças finlandesas sejam diferentes de todas as outras crianças das mais diversas latitudes: cérebros férteis que, na sua frescura, assimilam com naturalidade todos os saberes que lhes são ministrados.
Quanto ao “debate em aberto se a escrita à mão é secundária ou renunciável”, a resposta é simples: cultivem o sentido dos limites, pois nem é secundária nem renunciável.

Só espero que nenhum outro país europeu queira imitar esta bizarra reforma educativa. Se bem que, não me admiraria nada se qualquer político ou ministro português quisesse demonstrar-se evoluído à finlandesa. Que Deus nos acuda! Já basta os vexames e mutilações a que submeteram a língua portuguesa pela ignorância que demonstraram.

O autor do artigo onde li esta informação (Andrea Tarquini – La Repubblica, 13/01/2015), conclui o seu artigo com a seguinte opinião: Sabemos que os países nórdicos têm longas tradições e experiências fiáveis de reformas inovativas e solidárias que, normalmente, funcionam (…)
Não me parece que, neste caso, possamos considerar esta reforma fiável e inovativa. Apenas uma “temerária mudança radical”, nada mais. 

segunda-feira, fevereiro 02, 2015

A ELEIÇÃO DE UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Eleger, isto é, escolher através de um voto é o prosseguimento de uma prévia selecção de candidatos que se presume reúnam uma indiscutível idoneidade moral e a necessária competência para o cargo em causa.
Muito frequentemente, todavia, nessa selecção são apresentadas personagens muito populares, mas mais de aparências que possuidoras de sólidas qualidades. Haja bom senso, portanto, e muita ponderação, a fim de que o voto seja destinado a um óptimo e justo candidato.

Sábado passado foi eleito o 12.º Presidente da República italiana. Houve quatro escrutínios. Visto que os franco-atiradores costumam ser a praga habitual em tais eleições, a maioria de Governo decidiu o voto em branco nos primeiros três escrutínios; no quarto, votar-se-ia o candidato escolhido, indicado nos últimos instantes: Sérgio Matarella.

Os elogios à táctica política do Primeiro-ministro, Mattia Renzi, são unânimes. Conseguiu vencer resistências dentro do próprio partido, desaparelhou as estratégias de Berlusconi, escolheu uma excelente figura política como candidato e à qual ninguém poderia opor qualquer tipo de objecções. Acertou. O quarto escrutínio deu uma ampla vitória a Sérgio Matarella.
É sobre este candidato, hoje presidente eleito, que desejo concentrar a minha atenção.

Segui com interesse todos os percursos e ziguezagues dos diversos partidos e seus representantes. Os programas televisivos superabundaram em debates, opiniões e alvitres sobre os vários nomes propostos ou prováveis e, como é normal, tinha as minhas simpatias.
Quando se falou em Sérgio Matarella, aguardei. Conhecia o nome, sabia que era um juiz do Tribunal Constitucional, ocupara várias vezes o cargo de ministro, tivera um irmão - presidente da região Sicília - que fora assassinado pela máfia em 1980, e pouco mais.

Quando a sua eleição se apresentou como quase certa, as informações e descrições de Sérgio Matarella foram exaustivas. Assim, avultou a figura moral, ética, política e intelectual do que seria, e é, o novo Presidente da República.
No que descrevem, sobre a sua personalidade, o seu passado, não existem contradições nem senãos: pessoa muito reservada, honestidade rigorosa, competência institucional – “um cavalheiro das instituições”, assim o classificaramesquivo, “evita as telecâmaras, fala em voz baixa e cultiva as virtudes da pacatez, do equilíbrio e da prudência”
Resumindo: um perfeito cavalheiro sobre qualquer aspecto seja avaliado.

Após conhecer todos estes dados e ter observado a forma simples como o novo presidente se apresentou, fiquei encantada e muito satisfeita por os 665 grandes eleitores que o votaram terem dado um exemplo de seriedade e perfeita cognição das qualidades de quem deverá ocupar o mais alto cargo do Estado, logo, a importância das competências e honorabilidade de um presidente da República.

Como sempre, não posso deixar de estabelecer confrontos com o nosso país. A um ano de distância, mais ou menos, também em Portugal se efectuará a eleição do Presidente da República. Já se fala de candidatos. Deprimente! E nada mais quero acrescentar.

O Sr. Berlusconi e companheiros decidiram votar em branco - não todos, pois alguns traíram o partido e votaram o candidato eleito – visto que Matarella não entrava nas simpatias de Berlusconi. Tem motivos.

Anos atrás, Sérgio Matarella demitiu-se de ministro da Educação por discordar de uma medida do respectivo Governo que garantia o monopólio das frequências televisivas do império Berlusconi.
Ademais, Matarella, com toda a naturalidade, nunca poupou críticas ao Berlusconi político, pois soube compreender quais interesses se escondiam atrás das actividades políticas daquele indivíduo.

Em 1998, aquando do ingresso de Força Itália (partido de Berlusconi) no Partido Popular Europeu, eis a opinião de Matarella: “Parece-me um pesadelo irracional. …Berlusconi pense na história: quando os Hunos e os Vândalos invadiram o império romano, que não era a casa deles, experimentaram ser romanos, mas sendo bárbaros, não conseguiram”.

Berlusconi autoproclamou-se herdeiro político de Alcide De Gasperi. Comentário de Matarella: “De Gasperi pertence a todos aqueles que tomam muito a peito a democracia. Isto não significa que quem quer que seja se possa intitular um seu sequaz ou herdeiro”.

Termino com uma frase que exprime bem o equilíbrio de Matarella.
Nas instituições, um partido, um político deve sentir-se como um hóspede, mesmo se protagonista”.
Seria muito oportuno que este pensamento fosse insuflado na inteligência e insistentemente inculcado na memória de quem nos governa. Refiro-me ao actual Governo português, obviamente.