sábado, novembro 28, 2009

A IMPORTÂNCIA DOS BLOGUES

Duas gentis Senhoras entenderam conceder prémios a este blogue - Maria Celeste e Manuela Araújo, respectivamente titulares destes dois blogues:
sustentabilidadenaoepalavraeacçao.blogspot.com
A ambas estas Senhoras - pessoas que estimo – agradeço infinitamente.

Em Agosto e Setembro passados, Donagata pôs-me na lista dos blogues que lhe mereciam atenção:
1 - “Sou um blog viciante” - 25 de Agosto 2009
2 - “Olho nesse blog” – 13 de Setembro 2009

Há dias, a Manelinha Alves (como melhor a conheço) atribuiu-me dois selos e um desafio a completar cinco frases:
1 - “Blogueiros Unidos em prol de um Mundo Melhor
2 - “Selo pela amizade”;
Desafio - “Um pouco de mim”: Eu já… Eu nunca… Eu sei… Eu quero… Eu Sonho

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“Blogueiros Unidos em Prol do Mundo”

Há blogues que, inegavelmente, atingiram grande relevância política e social; que lançam campanhas e defendem temas específicos.
Seguem-nos milhares de leitores, comentadores e observadores.
Unidos, efectivamente, podem esperar ou sonhar um mundo melhor.
Terão influência, todavia, em quem administra a coisa pública? Mas “Suas Altaneiras Majestades Políticas”, se calhar, não lêem blogues… ou fingem, desdenhosamente, que não lêem.

Entre os blogues que se distinguem pela relevância alcançada em todos Continentes, há os que lutam por direitos que lhes são negados – recordemos os blogueiros do Irão, por exemplo. Arriscam a vida, levados pelo impulso de informar sobre a tirania que sufoca o próprio País.

É impossível também não falar da corajosa cubana Yoani Sánchez, cujo blogue desdecuba.com/generaciony tem captado a atenção internacional.

Descreve o que verdadeiramente se passa de negativo em Cuba, conseguindo o que aos jornalistas cubanos não é possível.
O regime dos irmãos Castro não lhe tem poupado vexações, acusando-a de reaccionária e atribuindo-lhe intenções subversivas
A revista Time incluiu-a na lista das “pessoas mais influentes em 2008”.

Considerando o que acima escrevo, tenho plena consciência que o meu blogue, no prémio “Blogueiros Unidos em prol do Mundo”, é um abusivo.
Logo, bondade de quem mo concedeu.

Relativamente ao desafio “Um pouco de mim”, para quem o , o nunca, o sei, o quero, o sonho tomaram milhares de aspectos, torna-se difícil seleccionar. Vejamos.

Eu já vivi o suficiente para compreender que, mesmo unidos, este Mundo encarrega-se de, pouco a pouco, estragar as melhores uniões.

Eu nunca fui capaz de magoar quem quer que fosse, deliberadamente.

Eu sei que “quanto mais sei mais sei que nada sei” – asserção velha, mas sempre actual.

Eu quero, eu quero, eu quero a paz, concórdia e compreensão entre as gentes.

Eu sonho… aqui, estou bem certa do que sonho! Pois bem, eu sonho que Berlusconi desapareça da política italiana.
Alda M. Maia

PS.
Os selos dos prémios desejo colocá-los lateralmente, mas para isto tenho de pedir auxílio, a fim de não estragar tudo – não confio na minha aselhice.

domingo, novembro 22, 2009

A SENHORA PESC

Fiquei surpreendida com a intensidade da ressonância que teve a nomeação dos dois novos dirigentes europeus: o Presidente do Conselho Europeu e o Alto Representante para a Política Externa.
Estas nomeações eram esperadas com curiosidade e interesse, mas provocaram uma onda de críticas que sobrelevaram, e de muito, o tom rotineiro que, normalmente, acompanha os assuntos relativos ao funcionamento da União Europeia.

Todos os jornais deram o relevo que o caso merecia, salientando os pontos negativos; ficamos bem informados.
Todas as opiniões vergastaram a baixa política dos representantes dos Estados-membros; muito pertinentes.
Todos ficamos a conhecer o que nunca foi matéria desconhecida: os peixes graúdos impõem os seus interesses; os menos graúdos contratam as conveniências; os peixes pequenos arrebanham o que é possível.

O recém-nomeado Presidente do Conselho Europeu, o primeiro-ministro belga Herman Van Rompuy, é elogiado pela sua “capacidade de mediação e compromisso”. Todavia, surge como uma figura sem prestígio internacional.
Fica-se com a ideia, portanto, que exercerá o cargo de mordomo do trio Merkel, Sarkozy e Gordon Brown.

E se, pelo contrário, se revelará um presidente determinado, hábil e bom condutor da União?
Como gostaria que driblasse, fintasse e marcasse todos os pontos necessários para uma excelente marcha do comboio europeu, baldando as espertezas e expectativas de quem o designou, mas com outros fins!

Voltemos ao princípio. Surpreende-me, insisto, o clamor dos grandes meios de informação sobre estas escolhas.
Que esperavam? Bom senso e agudez de espírito dos países de maior peso na União? Dedicação a uma Europa forte, reservando-lhe os melhores cérebros políticos e pessoas de indiscutível competência?
Jamais serão desejáveis ou bem-vindos, num espaço onde a politiquice de bastidores assentou arraiais, e de há longo tempo.

Em toda esta questão, não são as nomeações que mais atraíram a minha curiosidade, dado que os joguinhos de interesses são parte imprescindível do programa.
É a posição da Inglaterra que me deixa perplexa. Certamente que não é concebível uma União Europeia sem o Reino Unido, mas ninguém ignora o escasso europeísmo dos ingleses.

Vêem a União apenas como uma grande área de mercado. Quanto ao resto, naquilo que se pressupõe uma união complexa, preferem manter-se a meia pensão, pois há uma metade cuja ementa é intragável para o superior palato dos súbditos de Sua Majestade: a moeda única e a livre circulação, por exemplo.

Não obstante tudo isto, a Grã-Bretanha sempre pretende lugares de prestígio e importância, dentro dos mecanismos da União Europeia e os demais países devem secundar, e têm secundado, essas pretensões.

Digo já claramente que preferiria Máximo D’Alema como “Alto Representante para a Política Externa” (o que anteriormente se chamava PESC - Política Externa e de Segurança Comum).
Deu óptimas provas como Ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, é um consumado político, é inteligente, é enérgico: requisitos bem atinentes àquele cargo.

O senão que lhe apontam, qual ex-comunista, não somente é estúpido como preconceituoso. Nunca votei o então PCI, mas também nunca tive dificuldade em individuar, nesse partido, homens de grande moralidade e envergadura política. A comprová-lo, está o actual Presidente da República, Giorgio Napolitano.

Interpuseram-se alguns países de Leste, pretextando que é um ex-comunista – por quem Deus nos manda avisar!

Como não foi aceite a candidatura de Tony Blair à presidência, Gordon Brown impôs Catherine Ashton para Alto Representante.

Embora o Governo italiano tivesse apoiado Máximo D’Alema, bem sabemos a pouca consideração que este Governo merece entre os seus pares. Além disso, houve ministros que se opuseram à candidatura, esquecendo que daria prestígio à Itália – os sólitos tarimbeiros da política.

O Partido Socialista Europeu, que antes o havia proposto, entendeu mais oportuno entrar nos interesses de Berlim, Paris, Londres, Madrid e os oito chefes de governos socialistas, unanimemente, apoiaram a Senhora Baronesa de Upholland.

Um papel de figura dúbia representou-o o eurodeputado alemão Martin Schulz. Na escolha do Alto Representante, o presidente do PSE interpretou esse papel com muito pouca correcção. Virar a casaca, alegando que Máximo D’Alema não tinha o apoio de um governo socialista, não me parece uma justificação plausível.

Percorrendo com acuidade grande parte das informações, não pude evitar um sentimento de profundo desdém por tantas atitudes mesquinhas, míopes e que, inevitavelmente, redundarão em desfavor da credibilidade, não só da nossa Europa, mas também de quem a governa.

O que se viu, bem claramente, foi a batalha descarada por meros interesses nacionais.
Mas, repito a ideia acima expressa: de que nos podemos surpreender?

Abriu-se o mercado dos pelouros na Comissão Europeia. Já se conhece para quem vão os mais lucrosos e apetecíveis.
Quanto ao açambarcamento de cargos relativos a altos funcionários, Sarkozy e Merkel souberam marcar posições.
Pior que um suq em Marrocos.
Alda M. Maia

domingo, novembro 15, 2009

AFINAL, “QUEM MAIS ORDENA”?

Será o povo informado ou os especuladores da ignorância? Será uma maioria de cidadãos dotados de consciências cívicas sólidas ou massas de egoístas indiferentes ao interesse geral?

Quero interpretar o leitmotiv da celebérrima canção de Zeca Afonso no sentido de quem melhor sabe usar o seu direito de voto; de quem sabe esperar e exigir dignidade, “competências específicas e não diletantismos” nos poderes políticos que os representarão na gerência da coisa pública.

Paralelamente a esses poderes, sempre considerei o Poder Judiciário como a trave mestra da solidez democrática, social e económica de um Estado de direito.

Observando, com atenção, o que ultimamente tem sucedido neste País, um povo civicamente bem formado pretenderia, imporia reformas inadiáveis para o pleno, célere e correcto funcionamento da Justiça, dotando-a de todos os meios necessários para esse bom funcionamento.

Porém, como esse atributo de civismo é muito precário e a Assembleia da República oferece-nos o pior exemplo, quase temos a impressão que na Terra Lusa reine o caos, aliado aos oportunismos de quem mais grita e acusa.

Investiga-se o que deve ser investigado. Entretanto, levanta-se uma enorme poeira; revoluteia o vento das suspeitas, legítimas ou não; captura-se o bom momento político, apenas para emitir dislates; surgem as entrevistas ou as interpelações ocasionais aos magistrados competentes.

Abstraindo aquelas informações sintéticas e limitadas, normais em casos de investigações em curso, como gostaria de ouvir, da parte dos senhores magistrados - quando assediados por quem deseja notícias - o seco e conciso “nada a dizer” ou o internacionalizado “no coment”! Pelo contrário, quanta verborreia escusada!

Predomina uma Justiça digna de louvor, num país que se proclama e é democrático?
Tenho sempre na memória a imagem do juiz Teixeira, acompanhado pela câmaras televisivas, dirigir-se à Assembleia da República para dar voz de prisão a um deputado. Perante esta cena, a justiça expôs um retrato deprimente do exercício das suas funções.

Ainda não entendi muito bem a autonomia – que pressuponho equivalha a independência - do Procurador-Geral da República, visto que esse cargo “está sujeito à designação pelo poder político, assentando na dupla confiança do Presidente da República que o nomeia e do Governo que o propõe.”
Certamente que é nomeada uma pessoa idónea e íntegra, mas lamento que a Procuradoria-Geral não seja parte inalienável do Poder Judiciário.

Confesso, todavia, que o meu raciocínio é influenciado pela estrutura do Poder judicial na Itália: não há carreiras separadas; o Conselho Superior da Magistratura é único.
Gosto mais deste sistema, mas talvez a minha preferência seja reforçada pela guerra de Berlusconi à Magistratura italiana, o que muito me escandaliza.

O homem vive obcecado pelo rancor aos juízes e procuradores da República que ousam abrir inquéritos e dar curso a processos, onde “o melhor Primeiro-Ministro de há cento e cinquenta anos a esta parte” (assim se autonomeia) deve sentar-se no banco dos acusados.
Não por capricho da magistratura, certamente; disso estamos bem convencidos.

Quantas leis ad personam (chamam-lhes “as leis da vergonha”) foram emanadas, a fim de que este arremedo de político sem dignidade fugisse aos processos! Mas mais anómalo ainda é essa maioria que as impôs e aprovou no Parlamento, prosseguindo nessa indecência.

“O povo é quem mais ordena” e ele, Berlusconi, foi eleito pelo povo italiano. “Os juízes não são eleitos por ninguém”: como se atrevem a exigir contas ao grande eleito? Delírio da megalomania.

E a balela que foi eleito pelo povo italiano – o contexto das suas asserções não deixa dúvidas que se refere á totalidade deste povo – é repetida pelos acólitos, com a cara de bronze de quem mente e sabe de mentir.
A coligação do seu governo foi eleita por uma maioria, como é óbvio. Porém, mais de metade do País não o votou.

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Volto ainda a "o povo é quem mais ordena”.

Em V. N. de Famalicão foram eleitas duas senhoras, na coligação vencedora das autárquicas – PSD/CDS
Estas senhoras prestaram juramento e, passados poucos dias, anunciaram a suspensão do mandato por um ano e seis meses, respectivamente, alegando motivos profissionais.

As críticas da oposição remeteram-se ao governo do Município, condenando o machismo predominante.
Não as creio infundadas. As minhas, porém, vão directas às duas renunciantes.

Fala-se e apresentam-se estatísticas sobre a minoria feminina nos executivos ou na política.
Com mulherzinhas deste género, no campo político, sem um mínimo de dignidade e personalidade, que podemos esperar?

Como os vários críticos apontaram, e justamente, acaso só depois de serem eleitas é que se aperceberam dos problemas pessoais ou profissionais?
Se essas foram as condições das próprias candidaturas, por que razão as aceitaram e as não acharam humilhantes e ofensivas?
Quando renunciaram aos mandatos, não experimentaram nenhum sentimento de vergonha?

Eis por que digo que não houve dignidade nem uma migalha de brio.
Nestes casos, então, torna-se benéfico que estejam longe da actividade política. Só provocariam danos. E é indiferente que se trate de senhoras ou homens, pois a falta de pundonor é apanágio do ser humano.
Alda M. Maia

domingo, novembro 08, 2009

A BANALIZAÇÃO DO CRUCIFIXO

O Crucifixo, símbolo de sofrimento que não pode ofender ninguém”: foi este o título de um belíssimo artigo que o escritor Cláudio Magris escreveu ontem, no Corriere della Sera, a propósito da já famosa sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre a presença do crucifixo nas escolas italianas.

Aquele homem na cruz que proferiu o revolucionário discurso das Beatitudes não pode ser cancelado das consciências, nem sequer daquelas que o não crêem filho de Deus.
A rumorosa polémica criada por esta sentença fará esquecer temas bem mais importantes sobre a defesa da laicidade e fomentará os piores clericalismos. Criará divisões que se manifestarão de forma grosseira em ambas as partes; dará a tantos histriões a satisfação impante de arvorar-se, a bom preço, em campeões da Liberdade ou dos Valores. O Crucifixo encontrará os defensores mais hipócritas e indignos: aqueles que, a seu tempo, Ele definiu “sepulcros caiados
”.

Os factos.
Uma senhora finlandesa casada com um italiano, durante o ano lectivo de 2001-2002, protestara contra a presença do crucifixo nas salas de aulas dos seus dois filhos, por considerá-la contrária ao princípio da laicidade do Estado.
Depois de ter apelado, inutilmente, a todas as entidades competentes italianas, recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, alegando que o Estado “concede à religião católica uma posição de privilégio na formação dos estudantes, o que se torna numa verdadeira forma de ingerência nos direitos à liberdade de pensamento, de consciência e de religião…

O Tribunal de Estrasburgo emitiu sentença favorável ao recurso e condenou o Estado italiano a retirar o crucifixo das escolas e a indemnizar o casal requerente pelas despesas judiciárias.

O Governo recorrerá da sentença. Entretanto, ásperas reacções eclodiram em todo o País. Infelizmente, grande parte dessas reacções não brilha por estilo ou dignidade de pessoas de Estado.

Vários presidentes da Câmara, assessores, administradores da coisa pública decidiram distribuir crucifixos gratuitamente.
Um desses presidentes ameaçou 500 euros de multa a quem ousasse mover o Crucifixo. Alguns sugeriram impô-lo nas lojas e supermercados!
Uma autêntica cacofonia de vozes mais teatrais que religiosamente sentidas; mais de utilidade política que ponderadas.

Em muitas dessas pessoas de Estado, essa casta que administra a coisa pública, verificou-se uma ignorância cómica, mas imperdoável: entenderam que o "Conselho da Europa" e o "Conselho Europeu" é tudo a mesma coisa.
Assim, partiram os ataques à União Europeia – “esta porcaria de Europa que temos” – assacando-lhe a responsabilidade de uma sentença “ignominiosa”!

Confundir os dois Conselhos é muito aceitável, e mesmo corrente, no cidadão comum; inaceitável e decisivamente indecente, em quem é um político activo.

A Comissão Europeia teve de emanar um comunicado, esclarecendo que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, não é nenhum órgão da UE, mas vigora dentro do Conselho da Europa: instituição de 47 países, fundada em Maio de 1949.
Quanto à presença de símbolos religiosos em edifícios públicos, é de exclusiva competência de cada estado-membro.

Tive a curiosidade de ler à sentença dos juízes de Estrasburgo e que não fizeram mais que estabelecer o respeito da Convenção dos direitos do homem de 1950, além da condição de Estado laico qual é a Itália.
Está muito bem articulada e achei interessante uma parte: repassa o item de todas as leis – relativas à questão - anteriores e durante o fascismo. A lei, hoje vigente, recalca ou prossegue a retórica desse tempo!

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Em todo este caso, a ideia que mais se impôs ao meu entendimento é a banalização deste símbolo supremo do Cristianismo: o Crucifixo.
As polémicas e zelos pelo “respeito das próprias tradições e das raízes cristãs” reduzem-no a um mero objecto decorativo dos edifícios públicos.

Se é um símbolo religioso, genuína e exclusivamente cristão, é assim tão chocante que um Estado evite de os expor nas escolas, respeitando a multiplicidade de crenças ou não crenças dos alunos e respectivas famílias?

Haverá nesta tradição, que tanto apregoam, algum sentimento sincero? Haverá nela o respeito que fará baixar as nossas cabeças de humanos arrogantes, ante a percepção de sofrimento que inspira o torturado daquela cruz?

Com tanta desenvoltura e superficialidade em expor onde quer que seja esse símbolo, brandindo-o como uma arma que defende a tradição, não se estará a esvaziar a força de impacto do seu grande significado?

Aquele homem (...) não pode ser cancelado das consciências, nem sequer daqueles que o não crêem filho de Deus”, assim escreve Cláudio Magris.

Precisamente por esta razão, gostaria de ver esta imagem no lugar próprio, isto é, nos lugares onde a sua presença giganteia e onde é impossível ignorá-la ou banalizá-la.
Onde as nossas crenças ou consciências a possam olhar com humildade ou devoção silenciosas; com simpatia ou admiração pelo que foi e no que se tornou através dos séculos; pelo significado que se impõe aos não crentes e a quem estes rendem homenagem e reconhecem grandeza.
Alda M. Maia

domingo, novembro 01, 2009

HOMOFOBIA

Parece que o tema se avoluma e dá início à onda dos sentimentos de impaciência e hostilidade contra quem não tem outras precedências, mais importantes, do que trazer à barra deliberações sobre casamentos entre homossexuais.

E para a arena dos descontentes, saltam os bem-pensantes, os zeladores do politicamente decente, do respeito que se deve ao sentir comum.

Argumentações previsíveis: com a crise económica e financeira a sufocar o País, além de outros problemas também urgentes, é imperdoável distrair as atenções e dispersá-las em causas muito discutíveis.
Ademais, se é necessário legislar sobre esse tema “fracturante”, numa pachorrenta convivência civil, promova-se um referendo.

Este assunto absorveu completamente os meus pensamentos - não vagabundos, mas bem centrados na questão – quando, sexta-feira passada, li um artigo, no jornal Público, do catedrático Jorge Bacelar Gouveia e com o seguinte título: Casamento gay: nas costas dos portugueses?”
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“A XI Legislatura começa mal: começa com o tema fracturante da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo” (…)

A pergunta (ou inquietação) do Senhor Deputado conservador do PSD soou-me como a arranhadela num vidro, isto é, desagradável e com um certo odor de fundamentalismo.
Interrogações, daí derivadas, surgem espontâneas.

Se a expressão “nas costas dos portugueses” pressupõe um dano, no que é que a sociedade civil portuguesa seria prejudicada?
Qual traição, “nas costas dos portugueses”, abalaria a nossa identidade de pessoas civilizadas, tolerantes, igualitárias nos direitos e deveres, solidárias com minorias discriminadas?
Que terramotos económicos, sociais, éticos adviriam, se o Parlamento emanasse leis sobre as uniões de homossexuais?

Temos de convir que a razão explosiva de tantas polémicas e de tantos pruridos moralistas, neste caso, é a aplicação – ou abuso - do termo “casamento”, com todas as suas conotações. E não podemos ignorar que é uma razão com uma certa solidez.

Casamento é o exacto significado de matrimónio e o étimo deste último vocábulo não dá margens para dúvidas: matrimoniu(m), matris, madre que, “inicialmente, indicou a maternidade legal”; lo
go, a família na sua pura acepção procriadora - o argumento príncipe da Igreja Católica contra estes “relativismos” da modernidade.

Escreve o Sr. Professor Bacelar Gouveia:
“(…) Esta é uma das típicas decisões que numa democracia plena como a portuguesa só podem ser tomadas pelos portugueses em referendo nacional.
(…) Acresce ainda dizer que o casamento gay é muito mais um assunto da sociedade e não tanto um assunto do Estado”.

Fico bastante baralhada!
É mais um assunto da sociedade”: qual sociedade? Afora a sociedade civil, acaso conhece uma outra que não se mova dentro do Estado, no perfeito e amplo sentido que este termo evoca?

Consentir que haja, no nosso País, regras de um Estado de direito que legalizem uniões entre pessoas do mesmo sexo – e ponhamos de parte, em absoluto, a palavra casamento – é um facto assim tão convulsivo que necessite movimentar as massas com um referendo?!

Se a união homossexual usufruir de direitos civis justos, equilibrados e adequados à situação, no que é que os matrimónios normais e as nossas vidas de heterossexuais virão a ser sacrificados?
Acaso os nossos direitos serão lesados, denegados, quando, no fim de contas, fazemos parte de uma maioria que é determinante?

E com qual direito esta maioria impõe, a quem tem tendências sexuais diferentes, os seus preconceitos, a sua ignorância (maioria esmagadora), os seus fundamentalismos religiosos, os seus moralismos de trazer por casa?

O Sr. Professor aduz comparações com um referendo sobre o aborto e o “casamento gay”.
Comparação bastante infeliz, pois o aborto – esse, sim - é um drama das consciências que percorre os vários estratos da sociedade e merece o envolvimento de todas as ideias e concepções legítimas.

Notei que o Sr. professor de Direito usa e abusa da palavra gay. Pretendeu ostentar uma ironia desdenhosa?
Esperaria outro estilo de um Professor Catedrático de Direito. Mas, com certeza, quis interpretar bem o papel de “Deputado à Assembleia da República pela parte mais integralista do PSD".

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Os actos de violência contra homossexuais estão na ordem do dia. Na Itália, são quase diários, distinguindo-se por extrema brutalidade. Os autores situam-se nas franjas mais conservadoras ou na extrema-direita.
Na Inglaterra, Estados Unidos e outros países, sucede o mesmo e morre-se por uma sexualidade diferente – para não citarmos os países onde a homossexualidade é passível de pena capital.

A América de Obama pôs cobro a estas perseguições com uma lei que define crime federal qualquer violência contra uma pessoa por motivos de identidade sexual, religiosa ou étnica.
Oxalá outros países
adoptem normas idênticas.
Alda M. Maia