segunda-feira, setembro 27, 2010

ALGUÉM VIU POR AÍ O BOM SENSO?
“ai, Deus, e u é?”


Observando as diatribes entre o nosso Primeiro-Ministro e o dirigente do PSD, Pedro Passos Coelho, acerca da viabilização do Orçamento do Estado, não sei se apelar ao bom senso se a um assomo de vergonha pelo deprimente espectáculo de irresponsabilidade que as duas personagens vêm demonstrando.

Parecem dois moços num jogo de pingue-pongue, onde um se crispa e dramatiza, ameaçando a demissão, e o outro apenas se preocupa em exibir um pretenso virtuosismo de novo dirigente partidário.

Entretanto, este nosso belo País, pesadamente endividado, com milhares de desempregados e uma economia anémica, que se resigne. Quando muito, que se sente à beira-mar, olhando o grande horizonte, e implore: “Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes novas de uma classe política séria, coerente e iluminada? ai, Deus, e u é?

Oxalá que as lonjuras do mar nos tragam bons ventos que varram tacticismos e miopias políticas; que inspirem sólidas responsabilidades e dêem um geral impulso de agir para o bem comum com discussões inteligentes, construtivas e uma sábia escolha das melhores sugestões: não importa donde estas provenham.
Por último, não façam da crise económica do nosso País uma desgraçada Sagunto: “Enquanto em Roma se discute, Sagunto cai”.

O Dr. Mário Soares, com bons argumentos, procura suavizar as consequências do endividamento do Estado português. É atitude razoável, pois não é com alarmismos que se instala o bom senso em quem deve tomar medidas extremas, se necessário.

Haveria tanto por onde começar a ceifar nas contas públicas! Tudo se aceitaria, se tudo fosse executado com a máxima transparência e salvaguarda do que é socialmente imprescindível. Fá-lo-ão? Ou melhor, farão a ceifa antes de recorrerem a novos impostos.

Mas se novos impostos forem necessários e caiam, em primeiro lugar, nos altos rendimentos, todos devemos recordar que os sacrifícios, neste período, impõem-se a este povo que até hoje tem vivido como a cigarra da fábula.
Chegou o período de sermos todos formiguinhas. Deixemo-nos de grandezas e evitemos que a balança de pagamentos esteja em perene inclinação negativa.

E não quero alongar-me mais sobre este tema, pois a indignação que me tem provocado o estado actual da nossa política e a inconsciência dos seus representantes levar-me-ia a considerações que talvez descambassem no injusto.

Para terminar, quero transcrever um artigo, com data 26/09/2010, que li na página económica de um jornal italiano, “Il Fatto Quotidiano”.
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Não me agradou absolutamente nada!
Não porque diga mentiras, mas porque pôs a nu o que, no exterior, pensam do nosso estado financeiro. Mas é como digo: enquanto em Lisboa se discute, o País afunda.

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Caminhando para o apocalipse da dívida portuguesa”
Nos mercados, Lisboa e Dublin assemelham-se cada vez mais à Grécia. Decisivo o papel da Alemanha que deve decidir quanto está disposta a gastar.
Os investidores compreenderam que a Irlanda e Portugal não conseguem reerguer-se da crise económica e venderam maciçamente os títulos de Estado destes dois países: agora, ambos pagam 6% de juros, a fim de financiar a própria dívida.
O mais preocupante é que não se vêem compradores no horizonte e que o Banco Central Europeu, sexta-feira, tentou suster o mercado com aquisições substanciosas. Mas o resultado foi escasso.
Um arrepio percorreu a espinha das cancelarias europeias e no palácio do Banco Central, em Frankfurt. Um pensamento atravessou rapidamente a mente dos banqueiros centrais: «Aguentaremos outros dois casos como o da Grécia, na Europa?»

[…]
O Primeiro-Ministro português tem grandes dificuldades em fazer aprovar o Orçamento de Estado para 2011 (ontem, chegou a ameaçar a sua demissão).
A Irlanda continua a dizer que não tem necessidade de dinheiro, mas cada duas semanas anuncia uma nova emissão obrigacionária com juros estratosféricos. A credibilidade destes dois países chegou a mínimos históricos e arrisca contagiar, irremediavelmente, a credibilidade dos países vizinhos e da própria Europa
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(o negrito é meu)

[…] A Alemanha poderia chegar à conclusão que uma qualquer intervenção seria apenas uma perda de dinheiro e que seria muito mais oportuno, para a Europa, dotar-se de um procedimento de insolvência comandada. Estabelecer uma ordem, isto é, criar regras que consintam a um Estado de falir sem envolver, na sua queda, o inteiro Continente.
É uma solução sugerida frequentemente pelos analistas dos grandes bancos alemães. Os mesmos bancos que, aproveitando o optimismo infuso no mercado pelos esbanjadores do BCE, venderam os títulos de Estado dos países em crise e compraram os títulos mais sólidos alemães.
A Alemanha está pronta para descarregar os pequenos (e os grandes) países europeus sem temer repercussões catastróficas sobre a própria economia. […]

Em conclusão, para a Alemanha, a Europa serve enquanto sorvedouro dos seus produtos e plataforma para os únicos e exclusivos interesses da sua economia. Será assim?
Por onde andará o espírito europeísta dos grandes dirigentes alemães que precederam Ângela Merkel?

O artigo prossegue, ocupando-se da situação económica italiana. Também não navega em águas tranquilas.
Alda M. Maia

segunda-feira, setembro 20, 2010

POLITICAMENTE CORRECTO OU POLITICAMENTE HIPÓCRITA?

Sob a já muito estafada expressão “politicamente correcto”, nem sempre podemos vislumbrar ou ver claramente uma sinceridade plausível, uma atitude demonstrativa de seriedade.
No politicamente correcto, vemos fórmulas que as facções políticas, de oposta ideologia, determinaram que deveriam adaptar-se às ideias e programas que as definem e, logo, as tornam diferentes.

Até aí, nada a opor. Todavia, se pretendem abarcar todos as facetas do comportamento humano, repartindo-as em dois lotes distintos, conforme as simpatias de direita ou de esquerda, penso que, frequentemente, se criam amplas oportunidades para que a hipocrisia oriente os ditames. E se não é hipocrisia, entra-se, então, no campo da superficialidade.
Inútil recordar que há valores que não podem ter etiqueta: são pertença de toda uma humanidade iluminada.

É moeda corrente a emissão de juízos sem um enquadramento com as análises necessárias, quer do aspecto externo, quer do âmago das questões: dois factores imprescindíveis para quem não descura a objectividade e alimenta o ideal de um comportamento cívico equilibrado.

Os factos destas últimas semanas abundam em atitudes que se poderiam classificar como politicamente correctas – refiro-me às reacções europeias ao populismo de Sarkozy, concernente o expatriamento da etnia cigana. Todavia, nestas reacções houve uma boa dose de hipocrisia, sobretudo quando manifestaram repulsa pelas palavras da comissária europeia responsável da justiça, Viviane Reding: “Não pensava que a Europa devesse reviver uma situação como esta depois da Segunda Guerra Mundial”.

Certamente que se poderia exprimir o mesmo conceito, usando termos mais diplomáticos e não dar azo a que o Presidente Sarkozy aproveitasse o deslize para se mostrar ofendido, em nome do povo francês.
Esta é a parte externa do caso. Porém, se penetro no âmago da atitude da Senhora Comissária, aplaudo-a incondicionadamente pela sinceridade da sua indignação.
Tornam-se-me antipáticas e inoportunas, pelo contrário, a arrogância, má educação e hipocrisia de Sarkozy. Que deixe a dignidade do povo francês em paz, pois foi ele que a não respeitou.

O Senado francês aprovou definitivamente a lei que proíbe, nos espaços públicos (ruas, praças e lugares abertos ao público), o uso do burqa ou vestuários que escondam o rosto.
A multa prevista é de 150 euros á qual se pode acrescentar um curso de educação cívica.
Também haverá um ano de prisão e 30 mil euros de multa para quem forçar o uso destes véus integrais. A lei entrará em vigor em 2011.

“A fim de evitar previsíveis recursos, os presidentes das duas Câmaras decidiram apelar par os guardiões da Carta Constitucional para saber se a proibição viola ou não o princípio da liberdade individual”. Se o Conselho Constitucional der voto favorável, haverá seis meses para usar a persuasão e fazer desaparecer o burqa e niqab das ruas.
A oposição de esquerda, com algumas excepções, não participou na votação

Após ter lido tudo o que concerne este veto, nos primeiros instantes fiquei perplexa e com dificuldade de formar uma opinião equilibrada.

Antes de se chegar a uma lei, preferiria que se promovesse uma forte e persistente campanha de persuasão, instando a colaboração dos muçulmanos moderados que, como bem sabemos, constituem a grande maioria. Eles mesmos esclarecem que “o véu integral não tem nenhum fundamento teológico”. Trata-se de usos e tradições impostos pelo baixo conceito da condição de mulher, naquela parte a que chamaremos islão sectário, fundamentalista e ignorante.

O politicamente correcto nas esquerdas é opor-se a uma lei que não respeita a liberdade de todos e quaisquer cidadãos. Na aparência, é uma postura coerente. E se observarmos bem o âmago da questão? É a convicção que se exprime ou a hipocrisia como um recurso da coerência?

A que liberdade se referem, quando bem sabemos que, para a maioria das mulheres que usam burqa, chador, niqab e similares a isso são forçadas, quer queiram, quer não queiram?

O Irão é mestre nesta visão ditatorial de humilhação da mulher. Quantas notícias de brutalidade nos chegam sobre aqueles seres hipócritas e primitivos que se servem da religião para oprimir, torturar e usar a pena capital pelos mais estúpidos motivos!
Quando uma mulher é condenada à morte, a pena não é exequível se ainda é virgem. Pois foi-me dado ler que os guardas das prisões iranianas se encarregam de as violarem e, portanto, torná-las preparadas para a execução. Se é verdade, não há palavras que exprimam o horror.

Como se pode justificar que um ser humano, somente porque é mulher, deva sepultar-se num burqa que tudo cobre e apenas lhe concede uma redinha diante dos olhos? Porque a religião que professa e a tradição assim lho impõem? Qual o fundamento concreto?

Voltemo-nos agora para o nosso mundo ocidental. O uso dos véus integrais tem razões aceitáveis, justificáveis e compreensíveis na nossa sociedade, sobretudo quando impositivo?
Mesmo que se trate de uma escolha livre do uso do burqa ou niqab, confesso que, para mim, é sempre um espectáculo deprimente e vejo-o como uma incompreensível auto-humilhação.

Insisto, devem as nossas normas ou leis ocidentais pactuar com tradições que humilham, que espezinham a dignidade de um ser humano, mesmo que este tudo aceite porque assim lho impuseram crenças, costumes aberrantes e parentes próximos? Em nome da liberdade individual? Qual liberdade?

Devemos pactuar com a ideia de uma “sociedade paralela”, onde os nossos direitos constitucionais – a igualdade entre homem e mulher, por exemplo - não são respeitados, pois é este o cerne da questão?
Alda M. Maia

segunda-feira, setembro 13, 2010

UMA FOTO MAIS ELUCIDATIVA QUE O MELHOR TEXTO
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Paquistão. The Guardian - foto de Mohammad Sajjad
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Neste nosso planeta, ainda se ouvem os ecos da última tragédia e já outra se precipita com maior intensidade de mortes, destruição, desespero. E de tragédia em tragédia, embora a solidariedade geral se ponha imediatamente em movimento, a desolação não tem fim. Mas depressa é esquecida por quem dela não foi atingido, ou vive longe!

A foto acima reproduzida esclarece bem as consequências das recentes inundações no Paquistão, onde milhões de pessoas tudo perderam, inclusive a esperança de um futuro próximo menos dramático.

Faço um resumo do que li sobre a história desta fotografia.
Foi tirada no dia 31 de Agosto pelo fotógrafo da “Associated Press”, Mohammed Sajjad, e imediatamente adquiriu um grande relevo.
The Guardian publicou-a juntamente com um artigo de Rania Abouzeid, enviada deste jornal britânico, que partira em busca das crianças e respectiva família.

Os jornais de referência italianos deram-lhe amplo relevo. No quotidiano português que leio regularmente, o Público, nada encontrei. Não sei se os demais jornais portugueses lhe dedicaram algum espaço.

Numa confusão de tendas ao longo de uma estrada em Azakhel, a 30 quilómetros de Peshawar, a jornalista Rania Abouzeid encontrou a família dos meninos que vemos cobertos de moscas e deitados numa manta esfarrapada: a mãe Fátima, o pai Aslam Khan e oito filhos com menos de nove anos.
Os dois meninos em primeiro plano – imagem comovente e enternecedora - são gémeos, dois anos, e chamam-se, respectivamente, Reza e Mahmoud.

Gostaria que a foto deste quadro tão comovente – as moscas, o menino com o biberão vazio - fosse publicada nas primeiras páginas dos jornais mais famosos ou mais lidos, a fim de que esta tragédia não seja vista indiferentemente como mais uma das tantas, e a solidariedade humana não esmoreça.

Naquela espécie de acampamento cujas tendas foram doadas por várias organizações, vivem 19 famílias, todas de refugiados afegãos. E nisto vemos o encarniçamento da má fortuna: antes, escapando do clima de guerra do próprio país, o Afeganistão; agora, desalojados e fugindo da fúria das águas.

O acampamento, depois dos primeiros socorros, foi deixado a si mesmo e aquela pobre gente, duplamente infeliz, vive à espera que alguém, passando pela estrada, lhes deixe com que alimentar-se.

Não há quase nada naquelas tendas. No ar quente e húmido o mau cheiro dos excrementos humanos e de animais é insuportável. Não existem serviços higiénicos, somente buracos pouco profundos, escavados ao ar livre, que atraem mosquitos e moscas. Estas invadiram as poucas esteiras que cobrem o chão e agridem as crianças.”

O título do artigo de The Guardian exprime bem a tragédia que a foto denuncia: “Atrás da fotografia: a face humana das terríveis inundações do Paquistão”.

A mãe dos meninos, Fátima, explicou: “Hoje não comeram nada. Não tenho nada que dar-lhes”. Estamos aqui há já um mês. Estamos cansados destas moscas e da falta de alimentos. Antes das chuvas, o meu marido trabalhava. Éramos pobres, mas com a barriga cheia. Apontando o filho Reza, acrescentou: Está a chorar com fome. Há um mês que não temos uma gota de leite

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Porquê as crianças?! E porquê os mais desprotegidos? E porquê tudo!
Alda M. Maia

domingo, setembro 05, 2010

SINTO-ME TRAÍDO POR UMA POLÍTICA SEM HUMANIDADE”

Raramente insisto em assuntos sobre os quais já aqui exprimira a minha opinião. Todavia, nos jornais “Le Monde” e “La Repubblica” de ontem, foi publicada, contemporaneamente, uma carta do escritor marroquino, Tahar Ben Jelloun, cuja leitura achei muito interessante e que, sob um certo aspecto, me tocou como cidadã com dupla nacionalidade.
Sinto sempre, e longe da retórica patrioteira, um grande orgulho da minha portugalidade e um paralelo orgulho de ser uma cidadã italiana. É o caso de dizer, portanto, que nutro profundos sentimentos por estes dois países.

Depois deste exórdio, passo a traduzir o belíssimo artigo ou carta aberta de Tahar Ben Jelloun, servindo-me quer da versão de La Repubblica (Jelloun também escreve para este quotidiano), quer do texto em francês de Le Monde. É leitura que recomendo.

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Senhor Presidente Sarkozy
Tenho a fortuna de usufruir de duas nacionalidades. Sou marroquino e francês, desde 1991. Sinto-me feliz por esta pertença a dois Países, duas culturas, duas línguas; vivo-a como um permanente enriquecimento. Porém, depois das suas declarações de Grenoble sobra a possível revogação da nacionalidade francesa aos responsáveis de crimes graves, sinto, de uma certa maneira, a minha nacionalidade francesa ameaçada ou, pelo menos, fragilizada.
Não é que eu tenha a intenção de dar-me á delinquência ou de perturbar gravemente a ordem pública. Mas, naquelas palavras, vejo um ataque contra as bases fundamentais do País, contra a sua Constituição. Tal facto, Senhor Presidente, não é admissível numa democracia, num Estado de direito como a França que permanece, apesar de tudo, o País dos direitos humanos. Um País que, durante o século passado, acolheu e salvou centenas de milhares de exilados políticos.

Em 2004, como ministro da Administração Interna, o Senhor declarou que «a cada delito deve corresponder uma resposta firme. Mas isso não pode variar segundo o que se é, sobre o bilhete de identidade, francês ou não».
Hoje, já como presidente, o Senhor contradiz a sua posição de quando era ministro. Isso leva-me a reflectir sobre a função que o Senhor Presidente desempenha e a responder, embora tardiamente, ao debate sobre a identidade nacional que um seu ministro entendeu oportuno lançar à cena pública.

A nacionalidade é uma parte da identidade. Pode ser dupla, como no meu caso. Não consigo ver-me privado de uma delas. Sentir-me-ia diminuído.
Por outro lado, nenhuma sociedade é por si mesma racista. É estúpido e injusto dizer que “a França é um país racista”. A França, como tantos outros países, é atravessada por tendências à exclusão e ao racismo. Algumas vezes por razões ideológicas e políticas; outras, por razões de mal-estar social, de pobreza e de medo. Amalgamar a insegurança com a imigração é mais que um erro, é uma culpa.

O papel de um dirigente político é desencorajar, isto é, impedir o desenvolvimento destas tendências. Um chefe de Estado não deve reagir com os seus humores e de modo visceral, pois não é um cidadão comum que pode permitir-se de dizer o que lhe vier à cabeça. Deve pesar as suas palavras e medir as possíveis consequências. A História regista cada uma das suas declarações: boas ou más; justas ou inoportunas.
E o seu quinquénio, Senhor Presidente, ficará certamente assinalado por algumas incontinências da sua linguagem.

Qualquer pessoa pode reagir, quando insultada, mas não um Presidente da República. Não significa que alguém se sinta encorajado a faltar-lhe ao respeito, mas deve colocar-se acima do nível de um cidadão médio.
É um símbolo, detentor de uma função nobre e excepcional. Para a exercer, para consolidar esta ambição, é necessário saber voar alto e não deixar-se enredar pelos factos, ao ponto de esquecer que se é um cidadão de excepção.

Sejam quais forem os valores, de direita ou de esquerda, do partido donde provém o chefe de Estado, visto que foi eleito por sufrágio universal, deve ser o presidente de todos os franceses, implicitamente os de origem estrangeira, mesmo quando a infelicidade lhes fere os destinos ou os predispõe para uma precariedade patogénica.
Ora, as suas declarações recentes, denunciadas por um editorial do New York Times e personalidades autorizadas como Robert Badinter, são os sinais de um deslize que talvez lhe trará, em 2012, um certo número de votos do Front National, mas colocá-lo-á numa situação dificilmente sustentável.

Senhor Presidente, compreendo a sua preocupação no que concerne o problema da segurança. Não encontrará ninguém disposto a defender delinquentes que disparem contra agentes da polícia ou da gendarmaria. Cabe à Justiça “dar uma resposta firme” a estes delitos, cujos autores devem ser julgados independentemente da sua origem, religião ou cor da pele. Se assim não for, cair-se-á no apartheid. A repressão, todavia, não é suficiente. Ocorre chegar à raiz do mal e sanar, de maneira definitiva, a situação dramática das “banlieues”.

É mais fácil suscitar a desconfiança, ou então o ódio pelo estrangeiro, que promover o respeito mútuo. Um chefe de Estado não é um polícia de alto grau. É o supremo magistrado da nação, o garante da justiça e do estado de direito. Nesta qualidade, deve ser irrepreensível no seu comportamento e nas suas palavras. Quando o Senhor Presidente promete a revogação da nacionalidade aos delinquentes de origem estrangeira que atentem contra a vida de um polícia ou gendarme, o Senhor promete o que a Constituição recusa.
São palavras ao vento, pois sabe perfeitamente que a aplicação de uma tal lei se fosse votada, criaria mais problemas do que aqueles que entende resolver.
Não lhe compete lançar estas ameaças.

Com certeza não ignora, Senhor Presidente, o conteúdo do último relatório da ONG “Transparence France”. Mas no caso de este texto lhe ter passado despercebido, citarei uma das suas conclusões: “A França continua a veicular uma imagem relativamente degradada da sua classe política e da sua administração pública”.
No entanto, relativamente à corrupção, a França está classificada no 24.º lugar, numa lista de 180 países.

A crise económica não é uma desculpa. A crise moral é um facto. Cabe ao Senhor Presidente a missão de restabelecer a imagem da França no que ela tem de belo, de invejável, de universal: o seu estatuto de país dos direitos do homem; país da solidariedade e da fraternidade proclamadas; uma terra generosa, rica pelas suas diferenças, rica pelas suas cores, das suas espécies e que, além disso, demonstra que o islão é perfeitamente compatível com a democracia e a laicidade.
Portanto, suplico-lhe, Senhor Presidente, anule do seu discurso as ideias infelizes que um partido de extrema-direita difundiu, com o fim de o País encerrar-se em si mesmo, de isolá-lo, de trair os seus valores fundamentais.

Queira acreditar, Senhor Presidente, na expressão dos meus melhores sentimentos.
Tahar Ben Jelloun

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Nota:
O título deste post é o título do jornal "La Repubblica"
Alda M. Maia