segunda-feira, junho 27, 2005

EXAMES. O ENSINO PRIMÁRIO

A polémica nacional acerca de exames – se devem existir ou não – deixa-me muito perplexa.

Convencionou-se que tudo o que fosse anterior ao 25 de Abril, ou recordasse esses tempos, deveria ser removido.
A passagem de uma ditadura para uma democracia exige uma completa reviravolta no modo de gerir a coisa pública; isso é sacrossanto. Mas quanto a exames: a relutância em os admitir assenta na execração de tudo o que recorde os tempos e usos salazaristas? Ou, caso contrário, pretende-se um modernismo didáctico que não contemple a existência de exames?

Quando se moderniza, obviamente encontraram-se métodos mais eficientes, mais em consonância com o evoluir dos tempos. Em substituição dos exames, aplicaram-se esses métodos? E quais são?

O Dr. Ademar Santos – contrário a exames – no seu bolg "Abnóxio2", argumenta, perguntando:
1 - Antes do 25 de Abril faziam-se exames, o nosso ensino à data da revolução deveria ser um dos mais avançados. Era?
2- Com os exames no 12.º ano, incluídos há dez anos, estamos melhor?
3- No ensino superior nunca deixou de haver frequências. Temos um ensino superior de excelente qualidade?

Antes do 25 de Abril, havia exames, sim, senhor, mas não eram para verificar o estado de aprendizagem dos alunos e premear um bom ensino. Os exames existiam, sobretudo no ensino secundário, para seleccionar aquela percentagem que a ditadura entendia que deveria ser instruída. O resto que ficasse pelo caminho, engrossando a já bem nutrida multidão dos que não iam além dos quatro anos de ensino primário obrigatório. Além disso, não é que os programas abrissem as portas ao que o mundo didáctico moderno ia oferecendo; utópico pretender um dos ensinos mais avançados. Mesmo assim, não era dos piores.

Relativamente aos exames do 12.º ano, que bagagem de conhecimentos levam os alunos para esses exames? Melhor, que espécie de ensino primário tiveram? Do ensino básico ao 12.º ano, por exemplo, que noções de gramática lhes foram ministradas? Era obsoleto ensinar gramática? A riqueza de vocabulário foi cultivada?
Quanto a literatura, apresento outro exemplo: “Frei Luís de Sousa” faz parte do programa. Fazem-se todos os géneros de análise à estrutura da obra – e muito bem – mas insiste-se com igual intensidade sobre o autor e o que ele significou e significa na História da Literatura Portuguesa? Conheci alunos que conheciam o drama; porém, demonstravam uma seráfica ignorância sobre Almeida Garrett!

Quanto ao ensino superior, se lá chegam mal preparados no que é fundamental, a “excelentíssima qualidade” resta no mundo dos sonhos.

Quero escrever agora sobre o ensino primário, o primeiro ciclo.
Para mim, é o mais importante. Se deste ciclo partem desprovidos de conhecimentos sólidos - sem o cuidado de se estabelecer um programa bem estruturado e a exigência de um bom trabalho dos professores – pelos anos seguintes mostrar-se-ão sempre claudicantes e com grande dificuldade para assimilar as diferentes matérias de ensino.

Deve haver exames? Não deve haver exames?
Sou defensora da existência de exames. Um exame no final de cada ciclo não me parece que seja antipedagógico nem fora da modernidade.
Na minha opinião, servem para reforçar o valor da escola; para acabar com o superficialidade e motivar, mais concretamente, a responsabilidade de alunos e professores.
Servem para acabar com certo folclore no modo de ministrar o ensino - e refiro-me, sobretudo, ao 1.º ciclo - pondo termo ao laxismo e à indiferença de certos professores pelo bom ou mau êxito dos alunos. Insisto, se do ensino primário não vão bem preparados, os professores do ensino secundário não podem fazer milagres.

Para finalizar, faço uma pergunta: por que razão os exames do 9.º ano, de português e matemática, valem apenas 25% para a classificação final? Exames ou teatralidade?
Alda Maia






quinta-feira, junho 23, 2005

AS ARTES SEDUTORAS DE BERLUSCONI E O INEVITÁVEL INCIDENTE DIPLOMÁTICO

Terça-feira, dia 21, com a presença de Durão Barroso, procedeu-se à inauguração, em Parma, da sede da Agência de Segurança Alimentar da União Europeia.

Ouvindo Berlusconi a vangloriar-se dos esforços que fez para obter que esta sede fosse localizada na Itália – Parma – e não na Finlândia, a série de “gaffes” foi de tal ordem que o incidente diplomático seria facilmente previsível. Efectivamente, o ministério dos Negócios Estrangeiros finlandês convocou o embaixador italiano, em Helsínquia, para manifestar a desagradável surpresa a propósito das afirmações de Berlusconi. Ei-las:

“Parecia-me inaceitável – diz Berlusconi – que fosse a Finlândia a presidir esta agência. Estive naquele país e tive de submeter-me à dieta finlandesa. Descobri que não havia nenhuma possibilidade de comparação entre o que, mesmo hoje, ofereceremos ao presidente Barroso, o qual poderá saborear o “culatello” de Parma (especialidade de salame) e não a rena fumada que encontraria na Finlândia”;
“Quando se quer obter um resultado, é necessário recorrer a todas as armas que se tem à disposição. Portanto, desempoeirei todas as minhas artes de play-boy, já longínquas no tempo, e utilizei uma série de solicitações galantes dirigidas à Senhora Presidente (Tarja Halonen).

O Sr. Primeiro-Ministro italiano – useiro e vezeiro nos deslizes diplomáticos – sempre que a ribalta lhe é favorável para um exibicionismo sem freios, nunca perde ocasião de enunciar incríveis despropósitos!

A RAI1 – cujos noticiários são sempre muito domesticados - apresentou o caso como um pequeno incidente. Coisa sem importância!...
Pequeno ou grande, é repulsiva a normalidade do exibicionismo da grosseria e o diminuição destes actos por quem deveria ser um intransigente censor – a opinião pública.
Alda Maia













domingo, junho 05, 2005

E VAGABUNDEMOS… (TRATADO CONSTITUIÇÃO EUROPEIA)

Vagabundemos então sobre o muito que se escreveu e disse a propósito do NÃO da França e Holanda.

Apreciei o que disse Carlo Azeglio Ciampi, presidente da República Italiana: “Não se pode atribuir à união Europeia responsabilidades que se colocam, em grande parte, nas competências dos Estados Membros”

No Corriere Della Sera, de hoje, o ex-comissário europeu, Mário Monti, publica um artigo que acho esplêndido. Entre muitos considerandos, amplamente compartilhados, escreve: “Neste estado avançado da constituição europeia, ocorre uma maior integração política. Esta procede lentamente, o tratado constitucional teria consentido alguns passos em frente, mas afundaram-no. Ao mesmo tempo - e isto está emergindo como o problema maior - em vários países existe um uso cada vez mais desenvolto e cínico da Europa para fins de política interna”

No Diário de Notícias achei muito interessante o artigo de Adiogo Pires Aurélio (escreverei este nome correctamente?) – “Alguns equívocos do referendo Europeu”
Quanto ao artigo de António Barreto no Publico - A Bicicleta Parou - que outras apreciações se poderiam esperar do Sior Todero Brontolon?!! - ( o Senhor Tódero Resmungão)
Os nossos jornais deram relevo à idiotice do italiano Roberto Maroni, o qual propõe o regresso à velha moeda, a lira. Inclusive, pretende um referendo sobre o assunto!
Li um comentário, no blog “bichos-carpinteiros.blogspot.com”, que Maroni é um ministro já antigo. Valha-nos Deus!
Teve apenas duas experiências de governo. Isto não impede que continue a ser de uma mediocridade e demagogia confrangedoras; aliás, igual a todos os ministros da Liga que fazem parte do governo berlusconiano. Afinidades com o primeiro ministro!!!

O famoso e simpático Roberto Benigni sugeriu uma boa ideia: “Maroni quer regressar à lira? Eu tornaria ao sestércio, o que seria muito melhor. Porque se está melhor com o sestércio, não é verdade? Pode-se ir conquistar a Gália... e por aí adiante. Em conclusão, a crise económica resolver-se-ia num abrir e fechar de olhos”
Alda Maia


sexta-feira, junho 03, 2005

HISTÓRIA DE UM REFERENDO E DA DESCIDA EM CAMPO DA IGREJA CATÓLICA

Em 19 de Fevereiro 2004, o Parlamento Italiano aprovou uma lei, muito debatida e contestada, sobre a “procriação medicamente assistida”.
A maioria do governo não aceitou quaisquer emendas ao texto da lei; assim, nasceu o referendo para a revogação de quatro quesitos dessa lei.

No que concerne o primeiro quesito, a lei proíbe a investigação clínica sobre os embriões, o seu congelamento e a clonagem com fins terapêuticos.
O segundo é sobre uma série de restrições, sobretudo a obrigação de criar in vitro apenas três embriões e a obrigação de os transferir no útero materno, mesmo que um dos embriões seja portador de doenças genéticas ou qualquer outra anomalia.
Terceiro quesito: a lei apresenta o embrião com os mesmos direitos legais de uma pessoa – o embrião fecundado é vida, segundo a Igreja Católica, e não pode ser destruído.
Quarto quesito: a lei proíbe a fecundação “heteróloga” – proibida a fecundação com a doação de óvulos ou esperma.

Ao fim e ao cabo, são quatro referendos; efectivamente, são quatro os boletins de voto.
A votação efectuar-se-á nos dias 12 e 13 de Junho (em Itália vota-se no domingo e segunda-feira até às 14h).

A campanha referendária está a tornar-se cada vez mais incandescente. A Igreja Católica resolveu lançar uma ofensiva, com uma tal intensidade, que nem nos tempos da Democracia Cristã ousou tanto. Certamente que tem todo o direito de defender os seus princípios e deve defendê-los. Todavia, o Cardeal Camillo Ruini, presidente da Conferência Episcopal Italiana, em vez de lançar a sua campanha a favor do NÃO à revogação desses quesitos, explicando e insistindo sobre os princípios católicos, decretou a abstenção. Um crente não deve ir votar; muito simplesmente, deve torpedear o referendo com a falta de quórum, visto que o referendo só será válido se votar 50% + 1 dos que têm direito a voto

Na última assembleia geral da Conferência Episcopal, o Papa Bento XVI não falou explicitamente de abstenção, mas manifestou o seu apoia aos bispos “empenhados a iluminar a escolha dos católicos e de todos os cidadãos no próximo referendo”

Ora bem, Santidade: desde que conheço estes pontos – retrógrados e estúpidos - da lei n.º 40 de 19 Fevereiro / 2004, fiquei mais que iluminada: como o meu voto vai por correspondência, partiu no dia seguinte à chegada dos quatro boletins de voto. Nestes quatro boletins, partiram quatro SIM.

Primeiro, porque considero inaceitáveis esses quatro quesitos; segundo, se o voto é o direito número um de uma democracia, não tolero que se faça propaganda a favor da abstenção, pois os princípios e direitos defendem-se com o voto ponderado.

O que me deixa escandalizada é a atitude de muitos parlamentares e ministros (inclusive o presidente do Senado – o segundo cargo do Estado) a proclamarem a intenção de se absterem, apresentando justificações - acerca da abstenção - se não ridículas, acima de tudo inaceitáveis.

Nestas matérias, que cada um vote segundo a própria consciência: com um SIM ou com um NÃO, mas que expressem, nas urnas, as próprias convicções.
A abstenção não é ilegal, indubitavelmente; sob o ponto de vista moral e cívico, acho-a indecente . Muito menos a admito em quem se ocupa da coisa pública.
Alda Maia