domingo, fevereiro 26, 2006

INTRINSECAMENTE, EM QUE CONSISTE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

Que significado profundo e indiscutível se dá a esta liberdade?

Como interpretação primeira e óbvia, esta é a liberdade de podermos exprimir as nossas ideias, pensamentos, opiniões. Podermos denunciar os abusos do poder, as irregularidades e escândalos na função pública; exprimirmos ideais, mesmo quando estes correm em sentido contrário ao pensamento comum.
Não é necessário incomodar Mr. Voltaire para defender estes princípios; são inalienáveis em quem não pode conceber qualquer outro sistema que não seja o sistema democrático.

***
Sobre a sentença que condenou David Irving pela sua negação do Holocausto, li dezenas de artigos: uns aplaudindo; outros criticando.

Confesso que nasceram em mim muitas perplexidades, consequentemente, muitas perguntas às quais ainda não encontrei respostas claras.

Em casa nossa, por exemplo, o editorial de José Manuel Fernandes, no jornal Público de 22 / 02 / 2006, insurge contra todas e quaisquer leis que coarctem a liberdade de expressão. Não é difícil estar de acordo. Também não admito essas leis. Porém, a argumentação desenvolvida nesse editorial é que me deixa perplexa. Transcrevo:
Se no mundo islâmico se argumenta que o Ocidente trata com dois pesos e duas medidas os seguidos (talvez quisesse escrever “os seguidores”) de Maomé e os judeus, nada melhor do que por altura das polémicas dos cartoons, defendidos em nome da liberdade de expressão, condenar alguém por ofensa à memória do martírio dos judeus”.

Comparação inoportuna e indecente!

Pôr no mesmo plano de importância a publicação dos cartoons e a negação do Holocausto – uma imane tragédia – só o latente anti-semitismo do jornal de que é director o pode justificar.
No Holocausto não foram eliminados somente os judeus: eliminaram ciganos, homossexuais, opositores, etc. Científica e programaticamente eliminados!

E é aqui que nascem as minhas perplexidades.
Negar os crimes nazis, é liberdade de expressão ou aspersão de venenos?
É aceitável que a Europa, depois dos horrores da última guerra, desencadeada pelos nazis, permita estas “doutrinas” deletérias?
Negar o Holocausto é o subterfúgio de quem não ousa aplaudi-lo abertamente.
Há certas mentalidades humanas que estão sempre prontas para esmagar o que está fora do rebanho. Estas mentes vivem completamente fechadas a quaisquer verdades que não sejam as próprias.
No caso de David Irving, ele conhecia perfeitamente a veracidade do Holocausto; simplesmente, tal verdade não interessava às suas teses idiotas sobre o nazismo.

A Áustria quis acertar contas com a sua história? Certa ou errada a sentença de condenação? Neste caso, talvez não seja tão errada como os ultra-defensores da liberdade de expressão a apresentam.

Pode considerar-se liberdade de expressão o que fere profundamente a dor ou a sensibilidade das pessoas e se ridiculariza uma tragédia que foi única? Pode considerar-se liberdade de expressão a divulgação de venenos que tantos horrores causaram no nosso Continente Europeu?
Confesso que tenho uma certa dificuldade a compreender este “género” de liberdade.
Alda M. Maia

domingo, fevereiro 19, 2006

ROBERTO BENIGNI NO FESTIVAL CINEMATOGRÁFICO DE BERLIM

Estou aqui em Berlim pelo meu film, mas todos os jornalistas estrangeiros só me perguntam por Berlusconi e não falam de mais nada: até parece que o meu film se chame "O Tigre, a Neve e Berlusconi". Todavia, todos sabem como voto...mesmo o meu corpo é antiberlusconiano. Não voto o centro-direita porque lhes quero muito bem: faz-lhes bem perder as eleições.

(Entrevista de Benigni à Agência ANSA, via telefone - 17 / 02 / 2006)

Só espero que este "fazer bem " ao centro-direita se torne realidade

Alda M. Maia

sábado, fevereiro 18, 2006

A MADEIRA É TERRITÓRIO PORTUGUÊS?

Ou dar-se-á o caso que o Portugal Continental tenha esquecido aquelas ilhas que descobrimos, povoámos há uns séculos atrás e que, irrefragavelmente, fazem sempre parte da nação portuguesa?

É concebível que haja uma Assembleia Regional que propõe e vota a “avaliação das capacidades mentais” de um deputado da oposição, do PS, precisamente porque esse mesmo deputado, João Carlos Gouveia, denunciou a impunidade sistemática da maneira muito desenvolta como se vive a democracia na Madeira?!

O primitivismo dos deputados do PSD madeirenses, em vez de contestar num tribunal (e somente num tribunal) tais alegações, recorreu aos métodos, tristemente famosos, do sistema soviético. Iluminante!

E então pergunta-se: como é possível que nenhum dirigente do PSD nacional sinta a necessidade de estigmatizar este comportamento verdadeiramente execrável?

Como é possível que o PS olhe com indiferença para o que se está a passar naquele arquipélago?
Como é possível que não recolha a ocasião para aprofundar este caso e esclarecer se João Carlos Gouveia tem razão ou se, pelo contrário, fez alegações que não correspondem à realidade?
Por que não se coloca ao lado deste deputado e exige um processo rigoroso? Melhor, por que razão não solicita um sério e amplo inquérito ao que se passa na Região Autónoma da Madeira?

Como é possível que João C. Gouveia tivesse acusado de conivência, com os poderes fortes daquela Região, alguns magistrados do MP e a Procuradoria-Geral da República, até hoje, ainda não tivesse aviado medidas adequadas para apurar a verdade?

Insisto na pergunta: a Madeira é território português ou é uma ilha esquecida que não importa a ninguém aqui no Continente?
Alda M. Maia

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

EQUIVALÊNCIAS ABERRANTES

De cada vez que escuto os argumentos de muçulmanos ofendidos, contrapondo o Holocausto às famigeradas caricaturas, não somente fico indignada, como o meu juízo é lapidário: ou tal argumentação provém de pessoas cegas pelo ódio e, portanto, com o cérebro bloqueado; ou os sentimentos de piedade, sensibilidade humana nunca existiram naquelas mentes.

Tanta religiosidade, ao fim e ao cabo, no que é que se traduz?!

Que se sintam ofendidos, ninguém lhes nega esse direito; que colham, nessa circunstância, uma ocasião de apresentar equivalências despropositadas – e que direi mesmo repugnantes - não é admissível.

Só gostaria que algum crente de fé islâmica me explicasse, com uma argumentação válida, que paralelismo possa existir entre os crimes nazis e os cartoons do jornal dinamarquês!

Se é inteligente e em boa-fé, não tem argumentos; se é estúpido e em má-fé, os argumentos, então, podem encher páginas e páginas.
Parece-me bem que é a estupidez que tem predominado.

Só é pena que a voz dos muçulmanos moderados e inteligentes – a grande, grande maioria – fique em silêncio!

O estribilho dos extremistas que cavalgaram a onda de indignação é sempre o mesmo: “os ocidentais amam ofender a fé islâmica (sempre as generalizações!) mas não admitem que se discuta o Holocausto”.

O Holocausto não tem nada que ser discutido. O Holocausto foi e é mais que comprovado, evidente.
Para toda a humanidade, o Holocausto, assim como o horror nazi, significam uma forte repulsa e uma imensa piedade - toda a humanidade, seja qual for a fé que professe, seja qual for o Continente onde viva.

Se não compreendem isto e se sentem desprovidos de tais sentimentos, o melhor é deixá-los ao exercício de abrir e fechar a boca, pensando dizer frases com nexo: não são seres humanos com foros de dignidade.
Alda M. Maia

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

A TAL JANELA COM A QUAL SE TEVE DE CONTENTAR BERLUSCONI

Mussolini, efectivamente, teve outros previlégios. A varanda de piazza Venezia, por exemplo, não se compara à estreiteza desta janela!
Alda M. Maia

domingo, fevereiro 12, 2006

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Por fim, não resistiu: arredou as cortinas e começou a agitar o bracinho, sorridente. Mas que raiva: ele que se deve contentar de uma janela e de uma praceta minúscula como aquela que está diante de Palácio Chigi, enquanto que o outro tinha, só para si, uma inteira varanda aberta para uma praça gigantesca, Piazza Venezia. Uma afronta para quem se considera segundo somente a Napoleão. No entanto, a tentação era grande, tanto mais que, debaixo da janela, estavam alguns jovens do seu partido recrutados para fazer claque” (do jornal L’Unità).

No último dia da Legislatura, Berlusconi não podia deixar passar a ocasião sem receber aplausos (encomendados). Surgiu à janela e saudou, qual grande chefe, o “seu povo”.

Estudantes provenientes do sul de Itália, em viagem de estudo a Roma, naquele momento passavam pela tal praceta (piazza Colonna). Um grupo de cinco raparigas tomou a iniciativa de cantar, a plenos pulmões, o estribilho: “Berlusconi pedaço de m….”
Imediatamente interveio a polícia, convidando-as a afastar-se. “Na Itália há liberdade de expressão”, respondeu-lhe uma das raparigas. “Expressão sim, insultos não”, retorquiu o agente da ordem e acrescentou: “Sois de maioridade ou tendes alguém que vos acompanhe?”
As jovens cantoras, a este ponto, entenderam que seria melhor mostrarem-se obedientes: “Somos menores, efectivamente; exagerámos, mas vamos já embora”.
Antes de desaparecerem, uma mais corajosa, assim a modos de saudação, disse ao polícia: “No entanto, sabe, dissemos aquilo que pensamos”. (Informação do jornal La Repubblica)
Alda M. Maia

UMA DECLARAÇÃO QUE DEVERIA TER FICADO NA GAVETA

Só ontem tomei conhecimento integral da declaração do nosso Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros sobre as infelizes caricaturas de Maomé.

O Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa ou o seu homónimo italiano, Cardeal Ruini, não seriam capazes de escrever melhor o último parágrafo do comunicado: …”ainda por cima sabendo-se que as três religiões monoteístas (cristã, muçulmana e hebraica) descendem todas do mesmo profeta: Abraão.”

Reitero o meu pensamento negativo sobre tudo o que possa ferir sensibilidades e crenças religiosas. A máxima cautela é sempre, sempre aconselhável.
Paralelamente, não aceito que se ofenda ou se avilte os símbolos de um país, de uma nação, de um povo. Tanto mais que este povo – no caso específico, o dinamarquês – nenhuma culpa teve de uma acção imponderada de um dos tantos jornais que se publicam na Dinamarca. O primeiro-ministro deste país poderia ter sido desastrado no modo como enfrentou a crise; porém, nada justifica o incêndio ateado por fundamentalistas e certos estados árabes.

Embaixadas destruídas, bandeiras queimadas e espezinhadas, ameaças de morte … que género de notícias chegou ao nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros? Foram de tal maneira incompletas que ninguém se apercebeu da gigantesca desproporção das reacções islâmicas? Da manipulação e instrumentalização de todas aquelas manifestações? Da violência e absoluta falta de civismo como se desenvolveram e desenvolvem?

Não sei como classificar este comunicado português! Oportunismo? Insensibilidade para com um país europeu? Medo? Querer ser mais papista que o papa? Exibicionismo no palco internacional? E se tivesse optado pelo silêncio?!... Não teria sido melhor e mais sensato?
Alda M. Maia

domingo, fevereiro 05, 2006

OS FOMENTADORES DE ÓDIOS

Acredito, muito pouco, na espontaneidade das manifestações de indignação do mundo islâmico contra os cartoons irreverentes sobre o profeta Maomé …publicados em Setembro passado! Reacções bastante extemporâneas!

Não aprovo nem acho de bom gosto o uso de uma sátira que possa ferir sentimentos ou sensibilidades que concernem a religiosidade de quem quer que seja. Neste campo, aconselharia muita, mas muita prudência. Todavia, nesta geral revolta, não me parece que seja a religiosidade ferida a mola principal a desencadear as violências e o ódio expresso contra os ocidentais.

Os imãs zelosos e os cultivadores do fanatismo não perderam a excelente ocasião para atacar este universo de "depravados e infiéis" que somos nós, os "cruzados"!
A indignação e o alastramento, por todos os países muçulmanos, foram bem orquestrados. E o que mais me impressiona, negativamente, é a manipulação dos sentimentos religiosos daqueles povos (aliás, é o que tem vindo a acontecer mesmo noutras circunstâncias).
Podem ter uma certa razão, mas não se justifica a violência e o exagero daquelas reacções.

Por muito que escrevam sobre conflitos de civilizações, não me deixo convencer por tais argumentos. No islamismo como no cristianismo, ou quaisquer outros credos, existem sempre pessoas - a maioria - moderadas e de bom senso. O que sucede, normalmente, e em vários contextos, sempre se impõem os que falam mais alto, os que usam maneiras fortes, os manipuladores das classes mais ignorantes ou mais devotas a qualquer causa ou religião.

A Dinamarca fez muito bem a não pedir desculpa. Pode-se deplorar o mau gosto dos cartoons, porém, em democracia, a imprensa livre é um dos esteios principais do bom funcionamento democrático.

Só espero que as democracias ocidentais, a imprensa e o mundo intelectual façam compreender claramente que não são toleráveis imposições provindas de fanatismos, obscurantismos ou credos que se apresentem como únicos e indiscutíveis.
Alda M. Maia