segunda-feira, março 31, 2014

E ASSIM VAI A EUROPA!

Falando-se da Europa, sobretudo das próximas eleições para o Parlamento Europeu, a primeiro e único pensamento que se me impõe é um convite a todos os nossos candidatos: Senhoras e Senhores, por favor, dizei qualquer coisa sobre a UE, quais os vossos programas e iniciativas a desenvolver no cargo que ocupareis, caso os eleitores vos gratifiquem com o seu voto.

No jornal Público de ontem, pudemos ler um óptimo serviço de Telma Alves sobre o desinteresse ou indiferença dos jovens pelas eleições europeias, registando várias opiniões sobre este fenómeno.
Vejamos, por exemplo, o que diz Bruno Ferreira Costa, autor do livro “A Abstenção nas Eleições para o Parlamento Europeu”: É curioso que os jovens sejam os que mais se abstém, porque, na verdade, são eles também os que mais directamente beneficiam da cidadania europeia através de programas como o Erasmus, ou mesmo da livre circulação”.

Mas algum dos nossos ilustres candidatos se apercebeu ou deu a devida atenção a este desinteresse, que considero triste e alarmante, e se decidiu enfrentá-lo com tenacidade, envolvendo os demais partidos?

Alguém, a começar pelos cabeças de lista, tomou a peito elucidar, clarificando com exemplos pertinentes, o que poderia mudar nas instituições europeias em sentido positivo, se os membros do Parlamento pelejassem, denodadamente, por causas e métodos que reconstruíssem uma Europa que seja a casa de todos: verdadeiramente unida, solidária e menos mercantilista?

O que é que temos visto até hoje, no panorama português e até mesmo noutros Países-Membros da União?

Até hoje e no que concerne Portugal (mas na Itália o caso é idêntico), temos assistido a enunciados estéreis, irritantes, monótonos e sempre girando à volta das querelas internas: acusações recíprocas sobre “o que nós fazemos e vós não fizestes”; “o que nós fizemos e vós não fazeis”.
Afora isto, em todos os quadrantes políticos ainda não nos foi dado conhecer nada, absolutamente nada acerca do que os candidatos entendem como empenho pessoal na política europeia.

A maioria dos cidadãos portugueses continua na ignorância de como todo o maquinismo europeu funciona. Ora, não creio que seja difícil, usando uma linguagem simples e acessível, elucidá-la a este respeito.
Paralelamente, procurar infundir nos eleitores, sempre esclarecendo, boas e claras razões que evitem abstenções elevadas.

Nos resultados das próximas eleições europeias, o bicho-papão (sob variadas vestes) que assusta a generalidade dos observadores, isto é, os diversos populismos que tudo condenam e nada propõem; os eurocépticos que tudo negam; os antieuropeus que privilegiam um conservadorismo estático; o recrudescimento de nacionalismos egoístas e xenófobos: oxalá que todos estes movimentos representem uma minoria insignificante.

Esperemos também que o Parlamento de Estrasburgo inicie uma nova era e, nas suas três funções principais, seja o Parlamento a ter a última palavra ou, pelo menos, uma posição forte, sobretudo em relação ao Conselho Europeu no que este, na verdade, significa: a voz predominante dos mais fortes economicamente.
E esta voz predominante, o que ninguém ignora, conduziu-nos aonde nunca desejaríamos e deveríamos ter chegado.

Mas assim vai a Europa e é deprimente vê-la classificada como uma “Europa em estado confusional”. Ou, então, ler títulos deste género: “A Europa dissolve-se e ninguém se preocupa”.
“O grande desafio, cultural acima de tudo, sobre como unir participação democrática e cidadania europeia a desenvolvimento, inovação, potência técnico-económica, capacidade e eficácia decisória, foi diligentemente evitado ou submerso em retóricas e burocratismos - Massimo Cacciari  (o sublinhado é meu)

segunda-feira, março 24, 2014

AUSTERIDADE,
CRIME CONTRA A HUMANIDADE?

Por mim, visto o que vai sucedendo de negativo em Portugal e noutros países com economias mais robustas, não tenho dúvidas. Todavia, em vez de asserir que a austeridade é um crime contra a humanidade, fixar-me-ia na fria indiferença sobre as consequências desumanas que a mesma desencadeou. Tal indiferença é mais indigesta.

Traduzo, quase na íntegra, um artigo muito revelador de Luciano Gallino (sociólogo, escritor, docente de sociologia, além de outros títulos e encargos prestigiosos). Apenas omiti o parágrafo que descreve os males que flagelam a sociedade grega.

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“O CRIME DA AUSTERIDADE E
A IMPUNIDADE DOS VÉRTICES DA UE”

“Nos fins de 2012 um grupo de jornalistas políticos apresentava no Tribunal Penal Internacional de Haia uma denúncia por suspeitos crimes contra a humanidade a cargo do presidente da Comissão Europeia (Barroso), da directora do FMI (Lagarde), do presidente do Conselho Europeu (Van Rampuy), assim como a Chanceler Angela Merkel e do seu ministro das Finanças, Schäuble.

Por sua vez, Sara Luzia Hassel, uma activista alemã no campo dos direitos humanos, apoiava a denúncia com um relatório documentadíssimo sobre as acções efectuadas pelas instituições citadas, quer em prejuízo da Grécia, quer de outros países europeus, e não só.”
Acções susceptíveis de serem absolutamente configuradas como crimes contra a humanidade, nos termos do artigo 7 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal de Haia.
Parte-se da liquidação da saúde pública até às políticas agrícolas que esfomearam milhões de pessoas; da salvaguarda do sistema financeiro danoso para os cidadãos comuns às restritas elites que influenciam as decisões dessas entidades; das intervenções, no âmbito do trabalho e da previdência, aptas a lesar direitos humanos basilares.

Ainda um outro documento acusa os vértices da UE de graves formas de ilegalidade, semelhantes às que se acabou de indicar mas sem etiquetá-las como crimes contra a humanidade, foi publicado, em finais de 2013, pelo Centro de Estudos de Políticas do Direito Europeu de Bremen a pedido da “Câmara do Trabalho” de Viena.
Por quanto é dado saber, os documentos citados, até hoje, jazem nas gavetas dos destinatários.

Recentemente, porém, intervieram factos novos que poderiam induzir qualquer ONG ou formações políticas a relançar as denúncias aqui descritas.
Sirva de exemplo o relatório que saiu no fim de Fevereiro em Lancet, número um das revistas médicas, sobre os danos que a crise da saúde na Grécia está a infligir à população, por causa das medidas de austeridade impostas pelas instituições da UE (…)

Um segundo facto novo é que a Itália - juntamente com a Espanha, Portugal e Irlanda - parece aviada para a mesma estrada da Grécia. Também no nosso país, os tempos de espera para as visitas de especialistas, frequentemente alongam-se de muitos meses, porque os médicos que se reformam não são substituídos. Muitas pessoas adiam ou renunciam a visitas médicas ou exames clínicos, porque as taxas moderadoras foram alvo de grandes aumentos e não conseguem pagá-las.

Portanto, toda a questão pode ser resumida deste modo: as políticas de austeridade, os ajustamentos estruturais, as privatizações impostas aos Estados-membros pelos vértices da UE, isto é, a chamada Troika (BCE, FMI, Comissão Europeia) estão a infligir privações insustentáveis a milhões de cidadãos. Como se lê no relatório Lancet, “se as políticas adoptadas tivessem efectivamente melhorado a economia, então as consequências para a saúde poderiam ser um preço que vale a pena pagar. Pelo contrário, os cortes profundos tiveram, na realidade, efeitos económicos negativos, facto  reconhecido pelo FMI.”

Na Itália - não menos que na Grécia, Espanha, Portugal - o desemprego e a precariedade atingiram níveis altíssimos. O PIB perdeu para além de 10 pontos em relação a 2007. A combinação de indicadores fatais, qual a deflação, ou seja, uma grande queda do nível dos preços em muitos sectores, a procura agregada estagnante, mais um crescimento do PIB que nos próximos anos continuará a registar taxas de 1% ou menos, está a conduzir as respectivas economias para o desastre.

Por outras palavras, os vértices da UE, com as políticas económicas e sociais que impuseram, deram provas de uma escandalosa indiferença pelas pessoas a elas submetidas; aliás, acrescente-se que as ditas políticas se demonstraram clamorosamente erradas.

A questão apresenta alguns pontos de contacto com a crise financeira que explodiu em 2008. Nessa altura, diversos juristas americanos e europeus falaram de “crimes económicos contra a humanidade” cometidos por dirigentes dos maiores grupos financeiros. Porém, o caso hodierno da UE apresenta diferenças abissais. No caso da crise financeira, os actores eram sujeitos privados. No caso da crise europeia, trata-se dos máximos expoentes da gerência pública da UE a quem foi confiado o oneroso empenho de presidir aos destinos de 450 milhões de pessoas nos tempos da crise.

No desenvolvimento desse empenho, mostraram, acima de tudo, uma irrefutável incompetência na gestão da crise. Optaram por favorecer os interesses dos grandes grupos financeiros, indo contra os interesses vitais das populações da União Europeia; prestaram grande atenção às maiores elites europeias e, em mais de um caso, fazendo parte delas; provaram não ter a mínima consideração pela sorte das pessoas a quem eram destinadas as suas políticas. Como se admite que não sejam chamados a responder de nenhuma forma pelas ilegalidades, não menos que pelos erros que cometeram e pelo sofrimento que causaram com a indiferença, digamos mesmo com o absoluto desprezo demonstrado em relação às populações atingidas?  

Segundo o documento de Bremen, as violações dos direitos humanos efectuadas pelos vértices da UE, desprezando os próprios tratados da União, poderiam ser levados perante vários tribunais institucionais europeus, assim como perante organizações internacionais, como a ONU e a Organização Internacional do Trabalho.

Convém recordar que de crimes e ilegalidades da UE falam, em modo expedito, os partidos nacionalistas, mas com uma diferença radical em relação às iniciativas acima citadas. Através de tais acusações, esses partidos querem destruir a União Europeia, ao passo que a finalidade deveria ser a expulsão dos actuais dirigentes da Troika e substituí-los com outros, após ter procedido a uma profunda revisão dos tratados europeus. Mediante essa revisão, seja reforçado, desde o início, que no seu próprio interesse constitutivo, como escrevem os juristas de Bremen, as instituições europeias devem considerar, seriamente, as questões sociais existenciais das cidadãs e dos cidadãos da União.
Não existe um estado de excepção que possa isentá-las de tal dever, exactamente ao contrário do que estão a fazer com as políticas de austeridade.”
Luciano Gallino; La Repubblica – 15 de Março 2014 

segunda-feira, março 17, 2014

GRANDE VACUIDADE E POUCA SERIEDADE

Li com a tenção merecida o texto integral do Manifesto: “Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente”.
Começo por dizer que me impressionou o seu equilíbrio e ponderação; que admiro esta iniciativa pela sua dignidade, bom senso e representatividade de uma opinião muda, mas generalizada no país. Finalmente!

Oxalá que, mercê deste exemplo, muitas e muitas outras vozes se levantem, dentro do mesmo equilíbrio, e dêem a conhecer um país que tem dignidade e capacidades para enfrentar a dura realidade com todos os sacrifícios necessários e incontornáveis, mas sem abdicar do pundonor que rege a sua soberania e a sua longa história.   

Foi pensado e escrito com uma linguagem clara e acessível à maioria dos cidadãos. Não me parece, portanto, que a sua leitura possa oferecer a mínima dificuldade de entendimento aos iniciados na matéria em questão ou até mesmo àquela claque de ignorantes que ocupa as bancadas institucionais.

Mas, pelos vistos, a palavra “reestruturação” alarmou e provocou uma caterva de reacções de inusitada violência verbal. Uma violência, todavia, pejada de grosserias e argumentos papagueados: nenhuma reflexão original, nenhuma ideia bem estruturada que se afastasse dos sólitos conceitos de submissão aos credores, à finança especuladora, a troikas que tudo isto representa.

É assim tão comprometedor falar de “reestruturação”? E por que razão não se deveria rever, isto é, dar nova estrutura a uma dívida cuja taxa de juros determinada pela troika se aproxima mais da especulação que de uma taxa equânime? Não chamem a isto solidariedade nem pretendam genuflexões a quem impôs e continua a impor condições deste jaez.
Não creio, consequentemente, que seja inoportuno relembrar e especificar concretamente o que significou, para a Alemanha, o “Acordo de Londres sobre a Dívida Externa Alemã, de 27 de Fevereiro de 1953”. Bem pelo contrário, é assunto muito pertinente.  

O Manifesto foi bem claro e insistiu neste conceito: “Prosseguir as melhores práticas de rigorosa gestão orçamental no respeito das normas constitucionais, bem como a discussão de formas de reestruturação honrada e responsável da dívida no âmbito de funcionamento da União Económica e Monetária”. (o sublinhado é meu).

Mas, pior do que diabolizar o termo “reestruturação”, foi a interpretação capciosa e aldrabada do texto do Manifesto. Ou não foi lido ou, descaradamente, inventaram o que os subscritores de forma alguma expressaram, como o perdão da dívida ou o não pagamento da mesma.

O que de negativo escreveram vários comentadores, económicos ou não, não me surpreende nem escandaliza. Absoluto respeito pelo direito de opinião.
Se me é permitido, todavia, aconselhá-los-ia a serem cuidadosos e jamais efectuarem leituras superficiais de documentos sobre os quais pretendem tecer comentários. Imperdoável, então, quando se escreve baseados apenas no alarido. Evitariam muitas mentiras, tristes figuras e distorções do que se ignora. Absoluto desprezo pela credibilidade, obviamente.

E cheguei ao ponto mais desconcertante. As reacções de vários políticos que lavraram sentenças sem terem lido o documento ou o leram com ideias preconcebidas. Como exemplo, citemos o que asseriu Paulo Rangel acerca de um perdão da dívida que os signatários do Manifesto não solicitaram, mas que para ele era implícito: “ a desconfiança total dos mercados, afectava a economia, porque 25% a 30% da dívida está em mãos nacionais e implicava um segundo resgate como a Grécia”.

Não entendi muito bem este arrazoado. Que mensagem quis transmitir?
É triste verificar a vacuidade de pensamento e a pouca seriedade como tantas figuras da nossa política contestam ou manifestam opiniões discordantes.
Dada a formação intelectual de Paulo Rangel, esperar-se-ia mais originalidade e uma reflexão mais aprofundada na sua discordância. Mas muito banalmente, também ele caiu no psitacismo argumentativo que contaminou todo o país.

segunda-feira, março 10, 2014

MAS O FUTURO SERÁ MESMO MULHER?

Tinha decidido escrever sobre um assunto diverso, mas a leitura do artigo, publicado ontem no jornal La Stampa -  “Eis por que o futuro é mulher - do grande oncologista Umberto Veronesi, fascinou-me. Não só pelo que expõe e defende, mas também porque é muito adequado ao momento actual. Decidi traduzi-lo. Antes, porém, esclareçamos quem é o autor.

Umberto Veronesi é um prestigiado médico cirurgião milanês, grande estudioso sobre a prevenção e cura do cancro, tendo dedicado especial atenção ao carcinoma mamário. É director científico do “Instituto Europeu de Oncologia” em Milão.

Um dos grandes assuntos actuais, em discussão no parlamento italiano, é a nova lei eleitoral. E um dos temas dessa reforma é a “paridade de género”, isto é, que “seja reconhecido às mulheres a possibilidade de ser candidatas em posição elegível”. No entanto, aquilo a que chamam “quota rosa” tem sido motivo de discrepâncias e ainda não se entenderam.

Vejamos então o que escreve Umberto Veronesi.

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“EIS POR QUE O FUTURO É MULHER”

“Como médico das mulheres e como defensor da ciência no feminino, na Europa, creio que seria mais correcto, no futuro, discutir de “quotas azuis”.

"Hoje, a fim de tomar posição no debate sobre a paridade de género na lei eleitoral, bastaria de facto inspirar-se no equilíbrio biológico do Planeta: a humanidade é formada por uma metade de mulheres e a outra metade por homens. Assim, a «superioridade» do masculino é uma construção esquisitamente cultural, nata das condições de vida de há alguns séculos. Ou, talvez, uma «distorção», tornada necessária em sociedades nas quais a violência e a agressividade, tendências ligadas ao perfil hormonal masculino, tinham uma função importante, porque garantiam a provisão de alimentos – através da caça e a conquista de territórios – e a protecção da prole em comunidades dedicadas, principalmente, à guerra".

"Nas sociedades modernas, todavia, o quadro inverteu-se: a violência é uma desvantagem, visto que tem muito mais valor a capacidade de recompor os conflitos através do diálogo, a compreensão e a intuição, que são prerrogativas tipicamente femininas. Por esta razão, penso que às mulheres deveria ser reconhecido um papel, não somente paritário, mas absolutamente superior ao do homem, porque estão mais adaptadas ao mundo de hoje. Daqui a minha provocação sobre as «quotas azuis».

"Reflecti muito sobre os pontos de força femininos e desses recolhi dez que publiquei no último capítulo do livro «Do Amor e da Dor das Mulheres» (Einaudi, 2010)."

"O primeiro ponto é de ordem biológico: com a procriação, as mulheres têm nas suas mãos a sobrevivência da espécie humana. Não esquecendo que nos primeiros meses de vida, as crianças estão expostas, antes de tudo, à influência materna, logo, o mundo da infância, que nos determina como adultos, é um mundo feminino.

O segundo é a capacidade de unir o desempenho procriador e materno com o social e o trabalho: uma das conquistas sociais mais recentes que ainda não expressou todo o seu potencial revolucionário.

O terceiro é a resistência à dor e à fadiga. Poderei testemunhar, com milhares de histórias, como as mulheres possam ter uma capacidade extraordinária para enfrentar a doença, a dor psicológica e física.

O quarto ponto precedente é a motivação. Assim como por um motivo superior (o amor pelos filhos e pela vida em si) uma mulher suporta e supera tragédias profundíssimas, igualmente pela dedicação a uma causa ou uma ideia, a mulher é uma trabalhadora incansável, inteligente, tenaz.

Ao quarto ponto está ligado o quinto, que é o sentido de justiça. Já nos nossos dias, metade dos magistrados é mulher e maior parte delas distingue-se por integridade e firmeza de juízo.

O sexto ponto é a tendência para a harmonia, a qual está em linha com o sentido feminino pela organização e a ordem, muito importante nas actividades de gestão.

O sétimo é a maior sensibilidade, principalmente em sentido artístico e cultural. Com frequência digo que no cinema, no teatro, nos concertos, nas mostras encontramos, sobretudo, mulheres, enquanto os homens enchem os estádios.

O oitavo é a capacidade de raciocínio e concentração. Contrariamente ao que se tem dito durante séculos, a mulher é mais apta para as actividades científicas e de investigação. No Campus de investigação biomolecular do «Instituto Europeu de Oncologia», metade das pessoas é mulher e a produtividade é extraordinária.

O ponto número nove é aquele em que as mulheres decidem melhor e mais rapidamente em situações críticas. Cito uma vez mais o meu campo: quando alguém adoece na família, é a mulher que toma conta da situação.

O décimo, ao qual já acenei, é que a mulher tem uma tendência natural para as soluções diplomáticas e o fim das guerras é a condição imprescindível para o progresso cívico."

É óbvio que os pontos de força são muito mais de dez e basta que olhemos à nossa volta: as nossas companheiras, filhas, mães e colegas para nos apercebermos que, quotas à parte, o futuro é mulher.”  - Umberto Veronesi, La Stampa – 09/03/2014

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Ora tomem lá e reflictam, senhores prepotentes, autoritários e trogloditas.
Sorriam os cavalheiros (há muitos, felizmente) que sempre dignificaram e respeitaram “a outra parte do céu”, as mulheres 

segunda-feira, março 03, 2014

E HOJE FALEMOS DE MATTEO RENZI

 Falemos do actual Primeiro-Ministro italiano, o homem que queria mandar para a sucata os eternos barões de uma política bafienta, renovando ideias e efectivando reformas com novas personagens.

Trinta e nove anos atrevidos, presidente da Câmara de Florença, rico de imaginação para se colocar sempre em primeiro plano. Orador brilhante, imbatível quando envia mensagens que agradam a todos. 

Em eleições primárias, com ampla margem de votos, concretizou o sonho a que há muito aspirava: ser eleito secretário do Partido Democrático.
Este era o primeiro passo para a sua grande ambição, isto é, chegar a primeiro-ministro. E chegou. Todavia, o modo como se alcandorou a tal cargo passou ao lado da lealdade e da correcção. Ademais, em oposição ao que anteriormente apregoava, ultrapassou a credencial que mais legitima qualquer governo democrático: o voto dos eleitores.

Incorrecto para com Enrico Letta, chefe do Governo demissionário e seu colega de partido. Menos correcto ainda na total ausência de ética que demonstrou. Foi como se dissesse: “O andamento do Governo está emperrado; tens uma marcha tímida e hesitante; põe-te de lado; eu corro mais veloz, quero o teu cargo e tudo resolverei”.
Omitia que o impasse do Governo Letta, se em parte era devido ao esforço de equilibrar-se dentro da coligação com o partido de centro-direita que lhe garantia apoio no Senado, também era consequência das críticas que Renzi – secretário do seu partido - não se inibia de manifestar publicamente.

Em conclusão, um perfeito florentino descarado. Mas apesar de tudo, não se lhe pode negar coragem. Oxalá saiba fecundar esta coragem com o que de melhor encontre, invente e execute para o bem da Itália.  

A maioria dos italianos, em todas as variantes políticas, repõe grande esperança neste carácter vivaz, peremptório de Matteo Renzi e no Governo que dirige.
Cansada de egoísmos e tacticismos políticos estéreis sem resultados positivos à vista, assustada com uma perseverante situação económica gravíssima e a elevada percentagem de desemprego - 12,9%, a mais alta desde 1977; o desemprego juvenil que atinge 42,4%) – alimenta uma forte esperança que Renzi faça o que deve ser feito, que enfrente os problemas que atenazam a vida económica e social do país e que, finalmente, crie estabilidade política.

“Não somente a maioria dos cidadãos comuns italianos (segundo Luigi La Spina, editorialista do jornal La Stampa), mas também as instituições internacionais que têm todo o interesse em não ver a Itália precipitar numa perigosa estagnação, fonte de contágio para a Europa e de imprevisíveis consequências sobre os equilíbrios financeiros do mundo”.

As múltiplas opiniões dos melhores editorialistas e analistas coincidem. Exprimem muitas dúvidas sobre o real valor político de Matteo Renzi; perplexidades sobre a competência dos membros do Governo. No entanto, todos desejam que alcance o sucesso e a Itália reemerja do pântano em que se vê atolada.
Não se pode deixar de concordar, formulando os mesmos votos, a fim de que o Renzi jovem, que fala muito bem e irradia entusiasmo, embora não garanta certezas de competência, saiba rodear-se de bons, desinteressados e competentíssimos conselheiros.

Sobre a formação e constituição dos membros do Governo, emergiram grandes perplexidades. Não foi feliz na escolha de alguns ministros; desastrada a escolha de certos secretários de Estado, cuja idoneidade ética é muito discutível. 
No que concerne os novos ministros, a não confirmação de Emma Bonino como Ministro dos Negócios Estrangeiros, por exemplo, é incompreensível.
Equilibrismos em coligações políticas, a quanto obrigas!

O juízo da história sobre os condottieri, sejam esses generais, líderes políticos ou militantes revolucionários, quase nunca depende do modo desenvolto como conquistam o poder, mas do uso que dele fazem quando sobem ao poder. Assim será para Matteo Renzi” – Luca Ricolfi – La Stampa , 16/02/2014.

Para a frente, Matteo Renzi! Embora, manhosamente, aproveites o voto dos berlusconistas para as reformas institucionais, só espero que não reabilites a figura de Berlusconi.