quinta-feira, junho 22, 2006

O PODER CORROMPE?

Esta seria uma pergunta retórica, pois bem sabemos que a corrupção é inerente ao poder. Apresentemo-la doutra forma: as pessoas honestas, entrando na esfera do poder, vêem obstáculos à continuação da própria seriedade?

A resposta é quase óbvia: é-lhes difícil manter os ouvidos surdos aos mais diversos cantos de sereia dos corruptores, disso não tenho a mínima dúvida.

Lobbies bem organizados, o amigo dos amigos, os parentes ou amigos de parentes, colaboradores, é bem previsível este género de legiões que se põem em marcha e se lançam ao ataque.

Há também outro aspecto a considerar. Ter nas mãos a prerrogativa das decisões importantes, não é raro que provoque uma espécie de embriaguez e, consequentemente, surja a síndrome do “quero, posso e mando”.

Situações destas, que em circunstâncias diferentes desencadeariam uma reacção negativa, dir-se-ia que narcotizam os tais sentimentos de integridade e apresentam estas acções incorrectas – muitas vezes ilícitas – como actos naturais. E se o não são, existe um argumento ad hoc muito corrente: “se assim fazem todos, onde está o mal?”.

Todos – não todos, mas uma grande percentagem - procedem desse modo, precisamente porque se lhes adormeceu a faculdade de reagir, a capacidade de escandalizar-se. Ora, é a perda desta capacidade a razão primeira da falta de pudor, do descaramento como a corrupção se propaga; e na mais perfeita indiferença do cidadão comum! Aliás, é dos cidadãos comuns que provêm as fileiras do exército de corruptores.

Geralmente, não é nos titulares dos cargos mais altos onde nasce a corrupção. Esta aninha-se e medra no entourage dessas personagens. A única falta que lhes podemos atribuir, o que já é muito grave, é que fecham os olhos: nada vêem, nada sabem, nada ouvem. Mas assim vai o Mundo!

Todas estas considerações são derivadas das notícias do lamaçal que os inquéritos da magistratura italiana, sobre Vitorio Emanuel de Sabóia, patentearam à opinião pública. A lista das pessoas, cujos comportamentos são de baixíssimo nível (ético e penal) , é complexa: desde secretários de ex-ministros a dirigentes ou funcionários RAI, há de tudo.

Certamente que não creio na unicidade italiana destes casos. Abramos, nós também, os nossos “vasos de pandora”: sem remoras nem subserviências; não restariam motivos para nos rirmos dos outros!
Alda M. Maia

terça-feira, junho 20, 2006

A INDEPENDÊNCIA DA MAGISTRATURA


“Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos às leis”

A magistratura é serva das leis. É independente da interferência, sobretudo, de quaisquer poderes externos

Sempre vi, no campo jurisdicional - “a terceira grande função do Estado”, segundo Gustavo Zagrebelsky – a trave mestra de uma sólida democracia. Trave mestra sempre que este órgão de soberania é eficiente, imparcial, responsável e sem curvaturas de espinha perante outras soberanias de Estado.
Sobretudo, também, quando o espírito da lei é humana e correctamente aplicado.

È triste quando um cidadão não tem confiança na magistratura, isto é, quando duvida da boa aplicação das leis; quando pensa que o seu caso depende do humor de um juiz; ou, então, deva implorar um santo milagreiro para que o seu processo não demore anos à espera de uma sentença.
Quando tudo isto sucede, não se vive numa democracia sã. Se a justiça de um país é vacilante, o progresso desse país é quase nulo.

Não tolero o uso de frases irresponsáveis ou apreciações sarcásticas e arrogantes da parte de personagens – quase sempre políticas – que, frequentemente, não lhes agradando a acção judiciária, se julgam acima da lei.
(No nosso País, felizmente, nunca observei esta pecha).

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Explodiu, na Itália, o caso escandaloso do filho do Rei Humberto II, o Príncipe Vitório Emanuel, e que agora está na prisão (não é a primeira vez).
O inquérito alargou-se, as escutas telefónicas envolveram pessoas insuspeitáveis ligadas à política. O porta-voz de um ex-ministro e secretário do partido ex-fascista, Aliança Nacional, recebeu mandado de prisão domiciliária.
A arrogância não se fez esperar. Fini, o tal ex-ministro, numa transmissão muito popular e com ar de soberano ultrajado, não se eximiu de proclamar que, aquele Ministério Público, num país sério, já teria mudado de profissão. “Tem muita fantasia investigativa: já de há muito que o CSM deveria tomar providências” - acrescentou
Palavras de perfeita insolência. Ao fim e ao cabo, não foi o Ministério Público que exarou o mandado de prisão. Este apenas investigou, recolheu provas, e que provas! Somente, teve o atrevimento de investigar estas ilustres personagens!

Não foi, porém, o único a criticar arbitrariamente o Ministério Público. Berlusconi, nos seus ataques demagógicos e grosseiros à magistratura, fez escola!

Nas escutas telefónicas, que os vários jornais transcreveram, e transcrevem, em abundância, nota-se uma podridão impressionante! Não somente penal, como moral e ética.
Abrange toda a espécie de actos ilícitos e toda a espécie de personagens e sectores da vida nacional.
O vocabulário do Príncipe é do mais ordinário que se possa imaginar!
Mostra um apetite insaciável por dinheiro. Além disso, um maníaco desenfreado do sexo – na casa dos sessenta, avô, já podia estar mais calminho!...
A avaliar pelo que as escutas revelam, em vez de príncipe, poder-se-ia proclamá-lo Rei, mas dos oportunistas - chamemos-lhes assim!... - e prostitutas. Que esqualidez!

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Voltando ao princípio deste post, e sempre falando da magistratura, confesso a minha admiração pelo sistema judiciário italiano.
É um sistema que reputo verdadeiramente independente.
Não há separação de carreiras e existe um só Conselho Superior da Magistratura, cujo presidente é o Chefe do Estado. Há anos, aqui em Famalicão, o Prof. Vital Moreira negou-lhe essa competência, mas equivocou-se.
Há bons e maus juízes, como é óbvio, mas os bons atingem a excelência. Quantos morreram vítimas da máfia e das Brigadas Vermelhas!
Devo acrescentar que o estado da Justiça Italiana sempre sofreu dum grave estado, digamos, endémico: a excessiva lentidão dos processos. As razões são várias; espero que o novo Governo estude bem o problema e dê início às reformas necessárias e adequadas.

A propósito dos célebres processos das “mãos limpas”, li certos comentários, nos jornais portugueses, bastante arbitrários e discutíveis. O leitmotiv destas opiniões era sempre o mesmo: os juízes introduziram-se na política e quiseram substituir os políticos.
Não substituíram. Intervieram obrigatoriamente, pois apresentaram-se situações que pertenciam ao foro jurídico. Abriu-se o vaso de pandora, e a corrupção era de tal ordem que se tornou impossível amainar aquela tempestade.
Houve excessos por parte dos juízes, indubitavelmente, mas a pior mancha cabe à política.

Em todos as circunstâncias escabrosas, é sempre a magistratura italiana a intervir e dar ao País o clima de legalidade obscurecido: caso Parmalat; corrupção no mundo desportivo; agora as vadiagens do Príncipe de casa Savoia pelos ambientes da criminalidade, além de tantos outros casos.
Concluindo: é uma magistratura deste género, com todos os seus defeitos, que me agrada e inspira confiança.
Alda M. Maia
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Corrigenda
Acima, escrevo Savoia na versão italiana; se escrevo em português, a grafia correcta é Sabóia

domingo, junho 11, 2006

“É PRECISO ASSINAR NESTA CRUZINHA; SABE ASSINAR?”

Subtítulo: “Peripécias de Uma Viagem e Peripécias de um Regresso”.

Na ida para Turim, perdi os meus documentos no aeroporto de Madrid. Como isso pôde acontecer, não sei explicar. Já com o avião em voo, quis recolocar os dois bilhetes de identidade (italiano e português) na carteira própria e não os vi.
Por que razão tirei fora os dois documentos, pois bastava um, também não sei explicar!...
Em conclusão: cheguei a Turim indocumentada.

No dia seguinte, fui ao posto de polícia mais próximo para denunciar “lo smarrimento” – a perda – a fim de, com essa denúncia, poder requerer um outro B.I. italiano.
Atendeu-me um funcionário (um polícia) com grande gentileza; direi mesmo, com uma solicitude digna de louvores.
Forneceu-me duas cópias do documento, uma das quais para ser usada em Portugal (e que aqui não interessou a ninguém; não era necessária).

Dirigi-me, então, ao Registo Civil, secção AIRE (Registo Civil dos italianos residentes no estrangeiro, qual era o meu caso).
Não puderam passar-me imediatamente o B.I., visto que eu não podia exibir qualquer outro documento que atestasse a minha nacionalidade italiana. Esta confirmação deveria provir da Embaixada de Itália em Portugal, país da minha actual residência.
Perante a minha preocupação e nervosismo, sem que tivessem a mínima obrigação de requerer directamente esse atestado, enviaram um fax para Lisboa com a anotação de resposta urgente.
Pediram o meu número de telefone. Passado um dia, avisaram-me que já poderia requisitar o documento que me faltava, devendo levar comigo duas testemunhas, o que não causou nenhum problema.
Em poucos minutos, o Bilhete de Identidade estava pronto.

Alarguei-me nesta descrição, pois, quer no Registo Civil (AIRE), quer no posto da polícia, só encontrei gentileza, eficiência e boa vontade de solucionar o meu problema.
Não desejo estabelecer comparações, todavia…

Regressei ao nosso País.
Sexta-feira passada, dia 9, hora 12, fui ao Registo Civil aqui de Vila Nova de Famalicão. Atendeu-me uma jovem funcionária, educada e diligente.
Dei-lhe os dados certos para que pudesse solicitar a minha Certidão de Nascimento a Terras de Bouro, local onde nasci.
Retornei duas horas mais tarde e tomei lugar na secção própria, onde havia duas funcionárias ao balcão.
A certidão tinha chegado e uma delas ocupou-se do meu processo para a obtenção do B.I.
Desviou-se do balcão e fiquei à espera. O chefe de secção (suponho) aproximou-se e convidou-me a pôr-me na bicha ao lado. Respondi que estava a ser atendida. Insistiu, com tom autoritário, para que me pusesse na bicha, visto que naquela parte do balcão não estava ninguém. Respondi, com firmeza, que já estava a ser atendida, e fiquei onde estava.
Chegou outra funcionária – jovem - e começou a preencher os módulos necessários.
Apresentou-mos para eu assinar, informando-me:
- Aqui, nesta cruzinha, é preciso assinar; a Senhora sabe fazer a sua assinatura? Sabe assinar?
Pensei não ter ouvido bem e interroguei: - “Como?!”
- É preciso assinar. Sabe assinar? – repetiu com toda a naturalidade

É minha característica ver sempre, primeiro, o lado cómico das situações; neste caso, confesso, não achei graça nenhuma! Fiquei furibunda! Só me ocorreu responder-lhe: - Ó menina, ensinei tantas crianças a ler e escrever e pergunta-me se sei assinar?!
- Podia não ver bem – responde-me já um pouco atrapalhada.
De mal a pior!

Já a caminho de casa, encontrei duas pessoas amigas e contei-lhes o sucedido. Como se divertiram, aqueles diabos! Não paravam de rir.
Resolvi unir também as minhas gargalhadas. Finalmente, o ridículo do caso apresentou-se-me na sua justa dimensão!
No entanto, quando cheguei a casa, pus-me diante de um espelho, interrogando-o: “tenho mesmo aspecto de analfabeta e cegueta ou não”? Respondeu-me que não.

Para finalizar, e a conversa já se estendeu demasiado, só quero tirar algumas conclusões.
Primeira: o meu bilhete de identidade português chegar-me-á dentro de duas semanas; de há muitos anos, isto é, desde sempre que, em Turim, é questão de minutos.
Parece que a Conservatória do Registo Civil de V. N. de Famalicão, brevemente, informatizará estes serviços. Melhor tarde que nunca.
Talvez isto não seja atinente com o discurso anterior, porém, gostaria que justificassem por que razão o Imposto Municipal sobre os Imóveis, em Famalicão, é equiparado ao IMI das cidades do Porto e Lisboa.

Segunda conclusão… mas é necessário alongar-me noutras conclusões? Não é. O que acabo de contar é bem elucidativo.
Alda M. Maia
(assinado pela própria)