segunda-feira, novembro 28, 2011

A UMA ALMA GENTIL QUE PARTIU

Havia dois ou três assuntos acerca dos quais gostaria de escrever. Ponho-os de lado, pois é-me impossível desviar o pensamento de uma vida jovem que se quebrou e de “uma alma gentil” que partiu.

Essa “alma gentil” foi-se embora, mas não porque chegou “a sua horinha”, como diz o nosso povo; partiu empurrada por circunstâncias que não quero aprofundar, embora seja um empurrão fruto de complicações que a ciência médica colocara na lista de riscos.

Resignemo-nos. A alma “foi entregue a quem lha tinha dado” – continuo a socorrer-me de Camões – e demos curso à recordação, constante e sempre verde, de Sofia, isto é, da nossa Sofia Maia Barbosa.

Nos seus ascendentes maternos, quando se falava de qualquer membro da família, o nome era sempre antecipado pelo determinante possessivo nosso (o tal deíctico das gramáticas modernas). Que esplêndida confirmação de união familiar e pertença e como me agrada evocar este pormenor!

Na imensa saudade que deixou esta jovem adulta na flor da vida - e quando escrevo “imensa saudade” não me limito a repetir um lugar-comum, mas porque não consigo encontrar outra expressão que a possa substituir – no meu pensamento e para atenuar a mágoa, ponho-me a imaginá-la na sua nova morada e vejo-a a cirandar, de pousada em pousada, à procura dos familiares que ali habitam de há tanto tempo, quer os ramos da árvore Maia, quer da árvore Barbosa.

Com certeza ficaram surpreendidos com esta inesperada visita. Já?!! Mas a grande sageza dos mais velhos ficou-se por esse “já” e acolheram a neta, bisneta ou sobrinha com a luminosidade própria do que é eterno.

A Sofia, todavia, ainda não teve tempo de apreender o sentido de eternidade. Não se cansava, portanto, de falar das suas vicissitudes terrenas com a vivacidade e as características gargalhadas que a distinguiam.
Aos familiares a quem não foi concedido tempo para a conhecer, encantou-os com o bom humor e frontalidade como encarava situações desagradáveis ou antipáticas.

Atiraram comigo para aqui por causa de uma infeliz banda gástrica. Naquele 10% de pessoas a quem o anel gástrico provoca os sintomas que podem conduzir à morte, o destino incluiu-me e não teve a mínima consideração pelo meu anseio de viver.
Não sei mesmo se concluiu a explicação com uma certa jaculatória semelhante à que lhe escapava, quando um outro automobilista lhe criava problemas na estrada: “Raios partam o maldito destino”! Mas estava perante os mais velhos e, se calhar, absteve-se.

Acabo, recorrendo ainda a Camões. Que atrevimento!
Alma gentil que te foste embora tão cedo, interrompendo uma vida responsável, mas sem cuidados. Repousa lá no céu com a mesma alegria e fiquemos nós, nesta terra, tristes e amargurados.
Se lá no Paraíso aonde chegaste, a memória da vida terrena te é consentida, pede a Deus que transmute a imensa dor dos teus pais e irmãos numa doce lembrança, sempre reflorida.

segunda-feira, novembro 21, 2011

GOVERNO TÉCNICO OU APENAS GOVERNO?

Obviamente que me refiro ao tão falado “governo técnico” italiano, o Governo Monti.
Se é um governo com todos os carismas de um executivo que funcionará dentro das normas constitucionais; se é um Governo que nos dois ramos do Parlamento italiano foi aprovado por uma maioria sem precedentes,  fico perplexa ante certos comentários negativos ou duvidosos sobre a não observação das regras democráticas.

As críticas mais correntes argumentam que, sendo governos de emergência, não provêm de uma consulta eleitoral; logo, carecem de autenticidade democrática e constituem um mau precedente para as democracias europeias.
E por qual razão? Não haverá aqui uma certa dose de hipocrisia? Não serão um mero fruto de teorias de manual ou, muito simplesmente, de análises superficiais? Propendo para esta última hipótese.

Acaso houve derrube do executivo fora do que a Constituição determina? Nada se verificou a esse respeito. A maioria do ex-governo italiano, caótico e, em certos aspectos, desprezível, tinha deixado de ser maioria.
Várias vezes batida no Parlamento, na última votação sobre o programa de austeridade, este foi aprovado por 309 votos contra 321 de abstenções.

Se não fosse a ponderada e correctíssima intervenção do chefe de Estado, Berlusconi, irresponsável e arrogantemente, continuaria a ocupar o poder pro domo sua e a afundar o país.

Giorgio Napolitano designou Mário Monti como primeiro-ministro. Os membros do Governo foram escolhidos dentro do escol da sociedade italiana, isto é, pessoas de grande prestígio e competência.
Os maiores partidos - seja por táctica eleitoral, seja porque não entendiam governar juntamente com adversários até então severamente atacados - impuseram que não houvesse escolhas políticas.

Dentro das minhas perplexidades, há uma a que ainda não encontrei explicação convincente.
Se um qualquer designado primeiro-ministro decide formar o seu governo com elementos sérios, de reconhecido valor intelectual e, acima de tudo, competentes, deve seleccioná-los exclusivamente entre os membros eleitos para o Parlamento?
E são mesmo seleccionados - entre os melhores, obviamente - ou são impostos pelos chefes de partido ou coligação de governo? E os eleitos são verdadeiramente o que de melhor temos na nossa sociedade? Quem dera que assim fosse! Pelo menos ser-nos-ia poupado, por exemplo, uns Relvas e quejandos.

Bem venham os governos técnicos. Bem venha a autonomia de se escolher a competência, a seriedade, a fiabilidade em quem nos deve governar e decidir o que é melhor para o país. Tudo isto, evidentemente, conforme a Constituição e o imprescindível filtro de um Parlamento, pois são estas as regras fundamentais que caracterizam uma democracia.

Li no blogue de um intelectual português ("Da Literatura") o seguinte: “Monti, o sucessor de Berlusconi, fez questão de dizer que no seu governo não havia «pessoal da política», numa grosseira alusão ao facto de os seus ministros nunca terem concorrido a eleições. Monti gabou-se daquilo que o devia envergonhar. […] Tudo isto releva do inquietante rumo que a Europa prossegue”.
Parece-me ouvir Berlusconi!...

Aqui está o perfeito exemplo de uma opinião que não está em sintonia nem com o que Monti exprimiu nem com o que efectivamente representa este Governo para a credibilidade da Itália. O que demonstra, portanto, superficialidade e escassos conhecimentos da realidade política italiana, além de atribuir a Monti atitudes alheias à sua personalidade.

Não é verdade que Mário Monti se tivesse gabado do seu governo sem pessoal político, pois as intenções iniciais eram as de incluir, neste “Governo de empenho nacional” (assim o baptizou), membros dos principais partidos. Repito, foram estes que impuseram a escolha exclusiva de “técnicos”.

Li o discurso integral que Monti proferiu no Senado. Excelente no conteúdo, elegante no respeito pelo Parlamento e políticos ali presentes.
Isso a que no citado blogue é chamada “grosseira alusão” está completamente fora do comportamento, sempre muito correcto, do actual primeiro-ministro italiano. E quando escrevo “actual primeiro-ministro”, que alívio e satisfação!

Das últimas sondagens, resulta que cerca de 84% de italianos manifesta total aprovação ao governo de Mário Monti. Quase um plebiscito.
Não há a mínima dúvida que estavam enojados e saturados da ineficiência e ordinarice dos ex-governantes. Relativamente ao novo governo, não se cansam de apontar a grande diferença de seriedade e elegância de modos. Efectivamente, é abissal!

Oxalá que este executivo possa enveredar pelos melhores caminhos para chegar às metas desejadas e que o detestável populismo berlusconiano lhe não crie problemas. Nos demais partidos pode-se contar com um certo grau de responsabilidade. Ainda bem.

segunda-feira, novembro 14, 2011

O RESGATE DE UMA DEMOCRACIA
UM GRANDE PRESIDENTE

Se escrevo o resgate de “uma democracia”, refiro-me precisamente a uma determinada democracia que estava doente: a democracia italiana.
Todavia, paralelamente às condições negativas e anómalas  nas quais o Governo de Berlusconi e relativa maioria operavam, mortificando os seus fundamentos, além de a enxovalhar, existia e existe um grande estadista: o Presidente da República, Giorgio Napolitano.

Incansavelmente e sempre dentro das suas competências, procurava resgatar a dignidade do país, dando conforto e esperança. Esse resgate começa a delinear-se. É inegável e fundamental o mérito deste grande homem de Estado.

A opinião comum aponta a crise financeira como única causa que determinou a queda de Sílvio Berlusconi. Mas seria somente esse facto ou serviu para dar mais força ao empurrão final?

Descuraram-se dois factores muito importantes. Primeiro, a actuação enérgica e sensata como Giorgio Napolitano enfrentou a falta de credibilidade da Itália nos mercados financeiros e os remédios para restaurá-la.
Perante as habituais tácticas berlusconianas do “demito-me, mas não posso, pois não há ninguém melhor do que eu para substituir-me”, Napolitano opôs, com firmeza, dois actos decisivos.

Dando seguimento a um primeiro comunicado, emitiu um segundo, categórico, informando “que não havia nenhuma incerteza”, sobre a apresentação de demissão do primeiro-ministro.
Deste modo, pôs Berlusconi contra a parede e travou quaisquer iniciativas ou os habituais joguinhos de poder que causassem dúvidas, confusões e mais danos ao país.

Segundo, pensando em Mário Monti - o excelente tecnocrata, economista e pessoa de alto valor intelectual e moral - como possível primeiro-ministro, nomeou-o senador vitalício, truncando logo de início prováveis objecções, sob vários pretextos, de carácter político.

Mário Monti já foi oficialmente encarregado de formar o novo governo. Assim, os ares mefíticos berlusconianos, pelo menos nas decisões do próximo executivo, serão poupados a quem deseja que tudo entre nas regras da eficiência e dignidade.

Não me canso de o repetir, portanto, que seja dado o devido relevo à obra política e constitucional do grande Presidente da República italiana.

Há circunstâncias que, bem analisadas, desmentem a arrogância como Berlusconi e corifeus apregoam a intocabilidade e legitimidade do Governo demissionário, “eleito pelo povo italiano”; aliás, por uma parte do povo italiano.
Efectivamente, nasceu com uma robusta maioria (mercê de uma estranha lei eleitoral), mas já de há muito começara a esboroar-se.

Para conservar o poder e resistir a uma moção de censura apresentada o ano passado, descarada e indecentemente recorreu à compra de parlamentares eleitos na oposição.
Falou-se abertamente de compra (não aliciamentos ideológicos), citando as ofertas: trezentos mil euros; pagamentos de crédito habitação; nomeações de encargos ministeriais etc., etc.
Pode dizer-se que esse mercado, nas emergências, passou a modus operandi das hostes fiéis a Berlusconi; fiéis por cálculos pessoais. 

A figura emblemática dessas indecentes transacções e dos transaccionados é um indivíduo que foi eleito no partido do ex-juiz António De Pietro - devia ter mais cuidado na escolha dos candidatos, Senhor ex-Magistrado!
Chama-se Scilipoti. Nos últimos dias, o que muito me divertiu, nasceram alguns neologismos sarcásticos: “chilipotar” ou “chilipotagem”.

No meu texto precedente, desejei poder escrever, hoje, a palavra “aleluia”. Ainda mantenho algumas reservas. Escrevê-la-ei quando “não houver incertezassobre o afastamento definitivo da política de um indivíduo que só deixou escombros, quer pelo modo desbocado e grosseiro de fazer política, quer por lesões na moral, na ética, no respeito pela legalidade constitucional.

Foi por tudo isto, desejo acrescentar, que nasceu e cresceu a minha repulsa, a minha profunda antipatia pelo berlusconismo.

Termino, citando o director de um dos jornais de Berlusconi, Giuliano Ferrara, numa manifestação em defesa do soba: “O berlusconismo é uma fé; não pode acabar”.
Vade retro, Satana!

segunda-feira, novembro 07, 2011

O POLÍTICO E O ESTADISTA

Mas que diferença se poderá estabelecer entre o político e o estadista, se a ideia que estes dois termos sugerem os coloca no mesmo campo, isto é, na administração e elevação da coisa pública?
Um grande político italiano do pós-guerra sintetizou magistralmente essa diferença, muito citada, desde então, tanto é pertinente quanto sempre actual nas nossas democracias.

O político pensa nas próximas eleições. O estadista pensa nas gerações futuras” – Alcide De Gasperi.

Olhando o panorama dos dirigentes políticos europeus e mundiais, é bem difícil encontrar uma figura que avulte por originalidade e profundidade de pensamento político ou seja, estadistas que pensem nas gerações futuras.
È bem difícil seleccionar líderes clarividentes que sejam capazes de actos corajosos e ponderados e com total desprezo por cálculos oportunistas, eleitorais ou, simplesmente, cálculos de estúpido e cego egoísmo nacional.

Crise económica, crise financeira, crise de inteligências políticas; só não há crise no vasto sector da mediocridade.
Dezenas de opinionistas, analistas e observadores, de há uns tempos a esta parte, insistem no diagnóstico deste estado deprimente da política europeia. Só agora se aperceberam?

Achei interessante a conclusão a que chegou o primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker: “Todos sabemos perfeitamente o que fazer. O que não sabemos é como fazer-nos reeleger depois de o ter feito”.
A corroborar tal asserção, Fernando Henrique Cardoso concluiu: “O problema da Europa é ter muitos políticos e nenhum estadista”.

Contra as reformas estruturais urgentes que endireitariam e fariam navegar em águas seguras o barco europeu encalhado, opõe-se o medo das opiniões públicas. Este receio, sempre de carácter eleitoralista, seria fácil de esvaecer com uma informação ampla e honesta da parte de quem deve tomar decisões. Mas estas informações, quase sempre, são transmutadas em conselhos genéricos e advertências retóricas que poucos apreendem. 

Elegemos políticos, convencidos que escolhemos homens (ou mulheres) de Estado, mas o que enviamos para o Parlamento são elementos do aparelho: elementos que os respectivos partidos escolheram, seja por fidelidade ou utilidade para o partido, seja como uma espécie de prémio.
Escolheram os melhores e mais bem preparados política, jurídica, académica e culturalmente? Uma forte dúvida é permitida.

Quando voto, nunca tenho a certeza ou convicção que dei um voto a um estadista; apenas sei que voto num partido e em políticos. Mas tanto podem ser políticos normais, como verdadeiros estadistas, como politicantes (a maioria) e politiqueiros, que também não escasseiam.

Viremo-nos para a nossa Europa. Sempre fui uma europeísta convicta e entusiasta. Talvez porque a pude seguir através de sólidos estadistas europeus que marcaram uma época.

Avaliemos, agora, a Senhora Merkel e Sarkozy nos incríveis ziguezagues que humilham a Europa. Observemos a desenvoltura, ignorando as Instituições europeias, como se improvisaram “directório”, mas sem a grandeza de estadistas. Consideremos a pequenez e arrogância – esta apenas estribada na importância económica - como enfrentaram e enfrentam estas malditas dívidas soberanas que, se não fosse a mediocridade do duo Merkozy, por si só nunca ascenderiam a peso máximo desta gravíssima crise. Após todas estas considerações, o desconforto avassala-nos.

Deixa-me desconcertada a passividade dos outros países da zona euro que têm as contas públicas em ordem.
Todos muito encurralados nos seus egoísmos, nas suas convicções que são superiores a estes estúpidos PIGS, no seu europeísmo oportunista. Os dirigentes destes países não têm opiniões construtivas, não têm sentido europeu e consciência do que muito devem à União Europeia?

Uma palavrinha sobre o cai e não cai de Berlusconi.
In the name of God, Italy and Europe, go – Financial Times, de há dias.

Mas não se demite: “Bem gostaria de abandonar tudo e retirar-me, mas pensando na Itália, nos meus filhos, nas minhas empresas …”
Está tudo esclarecido. Como se houvesse dúvidas!...
“Não me demito. Quero olhar de frente quem me trairá”. Agora é delírio! A Itália não merece isto!

Amanhã será um dia crucial, se já hoje não se verificar a queda que todos esperam. Bem gostaria de, na próxima semana, poder escrever: ALELUIA! O homem foi derrubado por uma moção de censura. Acontecerá?

Termino com uma citação de um artigo de hoje, no jornal La Stampa:
[…] Infelizmente, o elenco é próprio de uma comédia de Ionesco: Berlusconi, Papandreou, Herman Achille Van Rompuy, «Sarkel» ou «Merkozy» não parece que estejam em condições de mudar de registo ou tornar-se actores sérios.” – Francesco Guerrero (redactor-chefe do Wall Street Journal)