segunda-feira, outubro 27, 2014

 SEMPRE POR AMOR À LÍNGUA PORTUGUESA

E é sempre por amor à língua portuguesa e pelo grande respeito que a todos nós, portugueses, deve merecer que nunca me canso de concentrar a minha atenção, desgostada e indignadamente, no aviltamento a que é submetida.  

Finalmente, quarta-feira passada chegou-me o livro que havia solicitado há várias semanas: “Por Amor À Língua Portuguesa”.
“Ensaio genealógico-filológico, científico-linguístico e pedagógico-didáctico, visando a superação crítica do actual Acordo Ortográfico / 1990”.
Autor: o Filólogo Dr. Fernando Paulo Baptista.

Arrasa o Acordo Ortográfico/1990 ou aquilo a que o Prof. Baptista chama “a actual normativa ortográfica”.
O Prof. Doutor Vítor Manuel de Aguiar e Silva, na contracapa, exprime-se nestes termos: “Denso e sábio Ensaio sobre o negregado acordo ortográfico. É um estudo notável pela riqueza e pelo rigor da fundamentação científica e cultural e pela inteligência da argumentação expendida em todos os planos.  (o sublinhado é meu)

Acabei de ler este Ensaio na sexta-feira seguinte. Li-o, como primeira leitura, com a atenção que, normalmente, se dedica a um texto de análise e interpretação crítica. Porém, a obra do Professor Dr. Fernando Paulo Baptista, na minha modestíssima opinião, mais que um ensaio é um excelente livro de consulta para quem deseja conhecer cada vez mais profundamente e melhor os alicerces e a riqueza literária da nossa língua.

O Professor Baptista realça o supremo valor da vinculação da língua que falamos e escrevemos às matrizes greco-latinas. Logo, é-nos recordada, com análises comparativas irrefutáveis, a importância ortográfica do lugar do português dentro das Euro-Línguas.
Quando aludo ao português, refiro-me exclusivamente à língua falada em Portugal e nos PALOP.

Importância, valor e maior acessibilidade às principais línguas europeias  (como bilíngue sei o que significa) é indubitável. Logo, torna-se premente mandarmos para o lixo, porque é mesmo lixo, o “mortífero” Acordo ortográfico / 1990.

A propósito desse lixo ortográfico, na página 117 podemos ler:
A Língua Portuguesa, do ponto de vista ortográfico, passou a afastar-se das grandes Euro-Línguas de comunicação científico-sapiencial escrita, afastamento esse, tanto mais grave, quanto é certo que estamos na “Era da Intercomunicação Global” à escala planetária e da promoção da «Literacia Científica, Civilizacional, Cultural e Sapiencial»

Nesta primeira leitura (porque haverá outras) fui sublinhando – a lápis, obviamente! – tudo o que me enriquecia linguisticamente e tudo o que ia ao encontro das minhas reacções ao péssimo uso do nosso idioma e aos ataques a que é submetido.
Página 42/43 - (…) Quer dizer, este retrógrado «normativo» que é o AO/90 que nos está a ser imposto pelo autoritarismo de políticos ilúcidos, incompetentes e incultos e pelos interesses negociais ligados ao mercado editorial e livreiro (com a adjuvante conivência da actuação pouco rigorosa, pouco escrupulosa e sofisticamente demagógica, oportunista e retoricista de alguns dos nossos académicos universitários…)

Autoritarismo de políticos ilúcidos, incompetentes e incultos”. Permito-me acrescentar: irresponsáveis e sem dignidade.
É desconfortante ler este extracto, quando sabemos que são asserções de um profundo e sólido conhecedor do assunto em questão, sobre uma classe política a quem demos o voto confiadamente.
Quanta ligeireza e irresponsabilidade sobre uma matéria cientificamente tão complexa que nos identifica e dignifica!    

Sou de opinião que este Ensaio do Professor Fernando Paulo Baptista deveria ser leitura obrigatória (assistida por um bom professor de português, obviamente) desses políticos provadamente ignorantes, incluindo Presidentes da República que ratificaram esse crime de lesa património.
“Repare-se que bastou uma semana para redigir o «AO90», que resultou das reuniões decorridas entre 6 a 12 de Outubro de 1990 na Academia de Ciências de Lisboa com 21 representantes de sete delegações!...” – pág. 39.

Relativamente à “conivência da alguns dos nossos académicos universitários”, já não me surpreende o despropósito de quem elegeu o português que se fala em Lisboa como “língua padrão”. E mais uma vez pergunto: padrão de quê? Daquilo a que os acordistas chamam “pronúncia culta”, isto é, periúdo (por período) e tantas outras aberrações?

O Professor Baptista deu-me a resposta na página 81:
 “Por isso, se pergunta: qual foi a alegada «pronúncia culta» por eles escolhida e tomada como «referência», «padrão» ou «paradigma»: a «pronúncia culta» à moda de Coimbra, de Lisboa, do Porto, de Braga, de Évora…, do Funchal…, de Ponta Delgada…, da Praia (…) ou foi a sua própria pronúncia?
E haverá alguma razão invocável, em pleno século XXI, para não considerar, integradoramente, o vastíssimo «Património» antropológico e etno-linguístico que povoa as demais cidades, vilas e aldeias de toda a CPLP e da Diáspora?

Confesso que, quando me proponho ler artigos de opinião assinados por professores universitários e me apercebo que escrevem segundo a cacografia a que chamam “Acordo Ortográfico/1990”, a atenção sobre o que escrevem diminui e, frequentemente, interrompo a leitura.
Se com tanta subserviência e superficialidade usam este sistema gráfico; se a ortografia da sua língua materna, língua românica, não lhes merece respeito ou interesse, o que opinam também a mim deixou de interessar.

A quem usa a grafia do AO90 e o faz em boa-fé, permito-me aconselhar-lhe a compra e leitura atentíssima de “Por Amor À Língua Portuguesa”.
Se os não convencer, pelo menos entrarão no âmago, fundamentos e história da nossa língua. 

domingo, outubro 19, 2014

BERLUSCONI: MOTIVAÇÃO SINGULAR
DE UMA ABSOLVIÇÃO

Há dias foi publicada a motivação da sentença emitida no passado dia 18 de Julho que, no Tribunal de segunda instância de Milão, segunda secção, absolveu o nosso herói dos crimes de “concussão e prostituição de menores” - o célebre “processo Ruby”.
Em Agosto 2013, Berlusconi fora condenado a sete anos de prisão e proibição perpétua de exercer cargos públicos. Obviamente, apelou da sentença e obteve absolvição total.

Seguindo o que os jornais escreveram sobre esta motivação e reacção ou reacções a que deu origem, algumas perplexidades são legítimas, pois torna-se difícil seguir o raciocínio dos juízes sobre os factos que conduziram à condenação no Tribunal de primeira instância.

Argumentos expressos na motivação: “Em conclusão, deve concordar-se com o Tribunal sobre o facto que se adquiriu prova certa do exercício de actividades de prostituição, em Arcore, nas noitadas em que participou Karima Al Mahroug (Ruby)” 

Aquilo a que Berlusconi chamava ceias elegantes, o Tribunal de 2.ª instância (Corte d’Appello) classificou como “noitadas de exercício de prostituição nas quais Karima El Mahroug (Ruby) participou oito vezes, tendo ficado duas noites a dormir na residência de Berlusconi” – Palacete São Martino, em Arcore.

Fica provado que “Ruby tinha participado nos entretenimentos com finalidades sexuais” caracterizados pela “descarada desinibição das raparigas, pela ostentação de nudez e pela disponibilidade a apalpões”… etc, divertimentos muito bem pagos “com ingentes somas de dinheiro vivo e jóias”.
Porém, conclui o tribunal, “deve-se concordar com a defesa que o conhecimento da menoridade da pessoa ofendida (Ruby) da parte do Sr. Berlusconi, na época dos factos, é circunstância que não é assistida por suportes probatórios adequados”.

Tudo incontestável, mas o Sr. Berlusconi não conhecia a idade de Ruby, logo, o que ele diz apresenta maior consistência.

Primeira perplexidade: organizavam-se festas de carácter prostibular e, por essa mesma razão, três colaboradores de Berlusconi foram condenados a penas severas por “crime de indução e favorecimento agravado de prostituição, também de menores, no âmbito do caso Ruby”.
Como é possível que Berlusconi, tão inteligente para arrecadar uma enorme fortuna, entrar em política, ascender a primeiro-ministro e não ter o discernimento de se acautelar sobre a idade das jovens convidadas, ou contratadas, que frequentavam a sua casa? É credível?

As provas da finalidade dessas frequentações foram reconhecidas e bem descritas na motivação. No entanto, Berlusconi não tinha o mínimo dever de conhecer a idade de quem o entretinha. Se bem que, um dos colaboradores, condenado a sete anos, tivesse confessado: “É verdade, em Arcore houve “descomedimento, abuso de poder e degradação”.
Perante isto, a perplexidade é incomodativa.

Relativamente ao crime de concussão, concerne um ou mais telefonemas nocturnos do então primeiro-ministro Berlusconi ao chefe de gabinete do comando da polícia de Milão, Pietro Ostuni, a fim de entregar Ruby – detida por furto – a uma pessoa da sua confiança. Informaram-no que Ruby era sobrinha (ou neta) de Mubarak, assevera Berlusconi, e poderia explodir um caso diplomático. Pietro Ostuni obedeceu.
Ora, segundo a Corte d’Appello, nestes insólitos telefonemas não houve constrições, ameaças ou promessas aos polícias que se ocupavam do caso. A concussão não subsiste, quer indutiva, quer constritiva.

Segunda perplexidade: como classificar, então, os vários telefonemas de um primeiro-ministro ao comando da polícia, a altas horas da noite, a fim de afastar Ruby da polícia e do que o assustava fosse descoberto?  
Conclui-se, e não interpretando mal a motivação da sentença absolutória, que a culpa foi de Pietro Ostuni. Procurando não desagradar a tão alta personagem, limitou-se a obedecer!...

E explodiu um “caso inédito e clamoroso” – assim foi classificado, pois é sem precedentes.   
O presidente da segunda secção da Corte d’Appello de Milão, Enrico Tranfa, após ter assinado a motivação da sentença que absolvia Berlusconi, demitiu-se. A 15 meses da reforma e depois de 39 anos de serviço, abandonou a magistratura. Não deu explicações. Apenas disse: “Nunca agi de impulso. Cada um pense o que quiser”.

As conclusões foram fáceis. Do colectivo de três juízes foi o único que se opôs à absolvição. A maioria venceu e o presidente, descrito como juiz sério, preparado, não suportou uma absolvição tão contraditória.

A dois dias da demissão de Enrico Tranfa, surge a reacção do presidente da Corte d’Appello de Milão, Giovanni Canzio, o qual defende: se a demissão provém de um dissenso pessoal contra a sentença, “não perece coerente com as regras de ordenamento e deontologia que impõem reserva absoluta sobre as dinâmicas da Câmara de Conselho”.

Se Enrico Tranfa não cedeu à satisfação de dar explicações sobre a sua demissão, estas considerações do senhor presidente da Corte d’Appello de Milão dispensavam-se. 

segunda-feira, outubro 13, 2014

DIREITOS HUMANOS: PAÍSES PROBLEMÁTICOS
 MAS COM PERSONAGENS DE EXCELÊNCIA

Precisamente porque, em várias zonas do globo onde os direitos humanos são praticamente letra morta, surgem personagens extraordinárias que tudo fazem para resgatar o oposto dessa triste realidade.

O prémio Nobel da Paz 2014, concedido à paquistanesa Malala Yousafzai e ao indiano Kailash Satyarthi, teve grande ressonância, e não poderia ser doutra forma.

Malala! A história desta jovem paquistanesa de 17 anos que apenas queria frequentar a escola e entendia que as raparigas têm todo o direito à educação, desafiou destemidamente as leis dos talibãs que impunham às mulheres de “cobrir-se e ficarem paradas: controladas pelos homens”.
Mas a sua história de menina inteligente e corajosa foi bem relatada por todos os meios de comunicação.
Penso, todavia, que também seja oportuno recordar e aplaudir o papel do pai de Malala, pois sempre a encorajou, além de lhe ter dado o exemplo de defensor da criação de escolas e o direito a frequentá-las.  

Desde 1990 que o indiano Satyarthi luta contra a exploração do trabalho infantil. A sua actividade conseguiu libertar cerca de 80 mil menores da escravidão, permitindo-lhes a reintegração social.
A motivação do Nobel é bem elucidativa: “Mostrando grande coragem pessoal, Kailash Satyarthi, continuando a tradição de Gandhi, chefiou diversas formas de protesto e demonstrações, todas pacíficas, concentrando-se sobre a grave exploração de crianças por motivos económicos. Também contribuiu para o desenvolvimento de importantes convenções sobre os direitos das crianças”  

O Nobel da Paz é um prémio que não tem sido isento de polémicas. Desta vez, considerando não somente os laureados e a causa que os acomuna como a grande projecção em problemas afins, é bem difícil não aplaudir esta felicíssima escolha.

Desejaria que houvesse outras Malalas por esse mundo aflito com situações similares ou piores. Porém, considerando a luta das mulheres do Curdistão sírio, atacado por aquela organização de gangsters sanguissedentos que se autoproclamou Estado Islâmico, a minha admiração é idêntica: valentes e corajosas guerreiras peshmergas!

É comovente ver fotos e reportagens sobre mulheres de todas as idades que, com pouca ou nenhuma preparação militar, lançam-se na luta, ajudando os combatentes curdos na defesa dos seus filhos e demais familiares, bem conhecendo os horrores iminentes.

Caso muito curioso: a acção guerrilheira destas mulheres produz um inesperado efeito nos inimigos que combatem. Penso que deveria se bem, mas muito bem explorado.
Os milicianos jihadistas – arrogantes e sanguinários ante os indefesos – fogem a sete pés quando devem enfrentar as lutadoras curdas.

Não querem correr riscos, e por esta simples razão: vivem na crença que, se em batalha forem mortos por um homem, vão para o Paraíso e serão acolhidos por 72 virgens. Mas se a matá-los é uma mulher, adeus felicidade: não haverá virgens a recebê-los.
Dizem que na base deste comportamento está a pregação de imãs salafitas que os adverte: “não se pode garantir o Paraíso com 72 virgens para quem é abatido por uma mulher”.
Moral da história: o Paraíso, sem 72 virgens à espera, deixa de ser paraíso.

Em toda esta grande, grande tragédia, repugna-me, enoja-me a atitude passiva da Turquia. Chamem-lhe tácticas políticas ou o que quiserem, mas Erdogan e compadres revelam-se tão cruéis e bárbaros como os jihadistas.
Ma isto é assunto para um outro post.

No título aludo às personagens de excelência de zonas onde os direitos humanos não são dados adquiridos.
Além dos laureados do Nobel da Paz 2014, quero também referir-me à recente nomeação, pelo “Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas”, do Príncipe Zeid Ra’ad Al-Hussein como Alto Comissário para os Direitos Humanos.

Descrevem-no como “o primeiro jordano, asiático, árabe, muçulmano na história da organização. Príncipe jovem, sensível e atípico no tom pardacento do panorama diplomático/burocrático de Nove Iorque e Genebra”.
Efectivamente, é detentor de um currículo notável. Cito o que para mim mais ressaltou desse currículo: o seu papel central no processo que levou à criação do Tribunal Penal Internacional.

O seu pai era o chefe das Casas Reais do Iraque e Síria. Logo, todos esperam deste novo “Alto Comissário para os Direitos Humanos” uma acção positiva que possa influenciar a resolução dos conflitos que devastam a zona donde é originário.
Espera-se que Zeid Al-Hussein tenha grande coragem e anteponha os direitos humanos a qualquer outro interesse, sobretudo a políticas ao serviço de tácticas nojentas e barbáricas  

Cito alguns excertos do discurso que pronunciou em oito de Setembro 2014:
Quero sublinhar uma coisa simples: a coragem é a primeira das virtudes humanas. Reverenciada em todo o mundo, é a virtude mais importante para nós, seres humanos.
O indivíduo corajoso não é aquela ou aquele que dispõe de grande poder político ou aponta uma pistola contra gente desarmada. Isto não é coragem. A pessoa corajosa é aquela ou aquele que não dispõe de nada mais senão do próprio bom senso, da própria razão e da lei, e está pronta a perder o próprio futuro, a família, os amigos e até mesmo a vida, pondo-se em defesa dos outros ou pondo fim à injustiça.
Na sua forma mais elevada, o indivíduo corajoso cumpre um tal esforço sem nunca recorrer às ameaças ou tome a vida de qualquer outro e não um outro, certamente, sem defesa.
Os defensores dos direitos humanos são pessoas de tal forma corajosas que está em nós fazer tudo o que possamos para protegê-las”. 

domingo, outubro 05, 2014

A PROPÓSITO DOS ENDINHEIRADOS

E destes endinheirados da actualidade, ocupou-se o prestigiado economista Paul Krugman: prémio Nobel da Economia em 2008; professor de Economia e Relações Internacionais na Universidade de Princeton, editorialista do quotidiano New York Times; também prestigiado editorialista na imprensa europeia.

Recordo que aconselhou Portugal a dizer não às regras imperiosas de uma austeridade sem alma: “Just say NÃO”. Mas não pudemos nem podemos dizê-lo com os governantes tacanhos que infestam os países da zona euro, pois quase todos demonstram uma mediocridade confrangedora.

Nenhum dos que administram os países do Sul da Europa tem a dignidade de propor alianças, pretendendo da União novas regras que enfrentem com mais lucidez e equilíbrio a situação de crise económica infinita.
Paralelamente, explicar à Alemanha que a sua hegemonia não foi pensada nem institucionalizada pelos fundadores e prossecutores da União Europeia.  
Que cumpra os seus deveres como os demais países da União e ponha cobro aos excedentes da sua balança orçamental, por exemplo, evitando prejudicar outrem.
Em fim de contas, todos têm “trabalhos de casa” para efectuar, Senhora Merkel!

Mas vamos ao que escreve Paul Krugman, no quotidiano económico italiano “Il Sole 24 Ore”, em 03/10/2014.

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“Endinheirado raramente é sinónimo de modesto (e os ricos são sempre cada vez mais ricos”

De várias partes, David Brooks foi chacoteado por ter dito, num editorial recentemente publicado no New York Times, que os ricos deveriam “observar um código de decoro”, evitando adoptar um estilo de vida faustoso, embora o possam manter.
Não quero unir-me a essas zombarias: pelo contrário, quero dizer qualquer coisa sobre os aspectos económicos da exibição da riqueza.

Em primeiro lugar, esperar que os ricos não ostentem o seu património é irreal. Se tendes a impressão que os ricos foram mais comedidos nos anos 50 e 60, é simplesmente porque não eram, nem de longe, assim tão ricos, quer em sentido absoluto, quer em sentido relativo. O último período em que a nossa sociedade foi tão desigual como é hoje, grandes vivendas e iates tão sumptuosos e pretensiosos como agora: estou a falar do fim do século XIX, época que, não por acaso, Mark Twain definiu “Era Dourada”.

Além disto, deve-se dizer que, para muitos ricos, a ostentação é tudo. Viver numa casa de 3.000m2 quadrados não é pois muito mais agradável que viver numa casa de 50m2.
Certamente há pessoas capazes de apreciar uma garrafa de vinho de 350 dólares, mas a maior parte da gente que compra coisas desse género, se lha substituísseis por uma garrafa de 20 dólares ou até mesmo por vinho misturado em casa, nem sequer se aperceberiam. Também para as toilettes superelegantes, boa parte da utilidade de quem as usa é dada pelo facto de que não estão ao alcance das outras pessoas.

Em suma, é, sobretudo, uma questão de exibicionismo, como poderia dizer-vos, há já um século, o economista Thorstein Veblen.

Mas então, por que ralar-se com a ostentação da riqueza em vez de taxar um pouco daquele rendimento? Poderíeis responder que os impostos reduzem o incentivo para se enriquecer. Aliás, o mesmo sucederia, introduzindo leis sumptuárias que privariam o rico do objectivo de se tornar rico, assim como com um “código de decoro”, que limitaria o divertimento de evidenciar a própria riqueza (a razão mais importante pela qual a gente quer enriquecer).
Mas há mais. Se pensais que seja um mal para a sociedade que haja pessoas que alardeiam a própria riqueza relativa, na prática aceitastes a visão de quem sustenta que a riqueza impõe exterioridades negativas para o resto da população (que é um dos argumentos para introduzir uma tributação progressiva que ultrapasse a maximização dos intróitos).”

Ah! e uma coisa ainda: pensai no que nos diz tudo isto sobre o crescimento económico. Temos uma economia que, desde 1980 até aos nossos dias, se tornou sensivelmente mais rica, porém, com uma quota significativa dos ganhos que vai para pessoas com rendimentos muito altos, pessoas para as quais a utilidade marginal de um dólar de despesa a mais ou a menos não é somente baixa, como também está ligada, em boa parte, a uma competição para o status, que é um jogo a soma zero.
Por outras palavras, grande parte do nosso crescimento económico foi, simplesmente, desperdiçada. Serviu para tornar ainda mais frenética a corrida do topo dos rendimentos altos.

Agora devo deixar-vos: encaminhar-me-ei para o meu escritório com decoro, a pé e usando os meios de transporte públicos, onde rejubilarei pela minha superioridade moral e olharei com escárnio as pessoas que não receberam todas as condecorações que eu recebi. Oh! Deus! Esperai um momento!...  - Paul Krugman; "Il Sole 24 Ore" – 03 / 10 / 2014