domingo, maio 20, 2007

A MINHA VIDA FOI CURTA

«Ma vie a été courte…»
Guy Môquet 17 / 05 / 2007

Eis a última carta do jovem resistente comunista, Guy Môquet, fuzilado pelos Alemães no dia 22 de Outubro, 1941, que Nicolas Sarkozy decidiu, ontem, que fosse lida em todos os estabelecimentos de ensino do país, no princípio do ano escolar:

Ma petite maman chérie,
Mon tout petit frère adoré,
Mon petit papa aimé,

Je vais mourir ! Ce que je vous demande, toi, en particulier ma petite maman, c’est d’être courageuse. Je le suis et je veux l’être autant que ceux qui sont passé avant moi.
Certes, j’aurai voulu vivre. Mais ce que je souhaite de tout mon cœur, c’est que ma mort serve à quelque chose. Je n’ai pas eu le temps d’embrasser Jean. J’ai embrassé mes deux frères Roger et Rino (1). Quant au véritable je ne peux pas le faire hélas !
J’espère que toutes mes affaires te seront renvoyées, elles pourront servir à Serge, qui je l’escompte sera fier de les porter un jour.
A toi, petit Papa, si je t’ai fait, ainsi qu’à petite Maman, bien des peines, je te salue une dernière fois. Sache que j’ai fait de mon mieux pour suivre la voie que tu m’as tracée. Un dernier adieu a tous mes amis et à mon frère que j’aime beaucoup. Qu’il étudie bien pour être plus tard un homme.
17 ans et demie ! Ma vie a été courte!
Je n’ai aucun regret, si ce n’est de vous quitter tous.
Je vais mourir avec Tintin, Michels (2).
Maman, ce que je te demande, ce que je veux que tu me promettes, c’est d’être courageuse e de surmonter ta peine. Je ne peux pas en mettre davantage. Je vous quitte tous, toutes, toi Maman, Serge, Papa, je vous embrasse de tout cœur d’enfant.
Courage !
Votre Guy qui vous aime.

Dernières pensées : «Vous tous qui restez, soyez dignes de nous, les 27 qui allons mourir »

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(
1) Roger e Rino são dois “irmãos” de combate
(2) Tintin, diminutivo de Jean-Pierre Timbaud; Michels é Charles Michels: ambos serão executados juntamente com Guy

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Do site:
www.libertaegiustizia.it

quarta-feira, maio 16, 2007

CATÓLICOS E "CATOLICANTES"

Na Praça San Giovanni, em Roma, sábado passado, houve uma imponente manifestação em defesa da família - “Family Day 2007”. O motivo por que escolheram esta denominação em inglês, em vez de “Giornata della Famiglia”, por exemplo, apresenta-se-me incompreensível e francamente ridículo.

O episcopado transalpino entende que a família tradicional, fundada sobre o matrimónio católico – a única aceitável – “corre grande perigo”.
O inimigo localiza-se num projecto de lei do governo italiano cujo desígnio é reconhecer direitos às uniões de facto; mais precisamente, reconhecer direitos a conviventes … “sem distinção de sexo”.
E foi esta frase, acima de tudo, que levou o Vaticano a pôr-se em pé de guerra: pode-se lá admitir um desconchavo destes!?... Direitos, prerrogativas, tutelas a quem não contraiu o sacramento do matrimónio?! Reconhecer direitos aos homossexuais?! Não, não é tolerável; vai contra os princípios “não negociáveis” da Igreja Católica. Aliás, já “As uniões civis e o divórcio são uma ferida”.

Aquela asserção “não negociável”, repetida insistentemente por Bento XVI, não me agrada. Soa-me disjunta do que verdadeiramente corresponde à doutrina original de Jesus de Nazaré.

Pronuncia-se o grande teólogo; apaga-se o que deveria ser a acção de um grande pastor de almas, isto é: tolerância, compreensão das vicissitudes da vida moderna (de certos “males menores”, como diz o cardeal Carlo Maria Martini), actuação serena, mas firme, de um “não negociável” (aqui, sim!) espírito de caridade e misericórdia.

São-me profundamente desagradáveis os fundamentalismos islâmicos ou de qualquer outro credo religioso; pior efeito me produzem os da minha religião.

Mas voltemos ao “Family Day 2007”.
De há meses que a Igreja tinha posto em movimento várias associações católicas, sacerdotes e bispos a fim de organizar a manifestação de Roma, precisamente no dia 12 de Maio, data que coincide com os 33 anos do sim ao divórcio - referendo de 12/05/1974.
Revindicta? Demonstração de força em relação aos actos governativos que a Igreja Católica não aprova?

Para que o “Family Day” fosse um sucesso - e quem duvidaria que o não fosse?... - além das normais informações dos meios de comunicação, as paróquias distribuíram 25 milhões de prospectos; fixaram-se 250.000 cartazes em toda a Itália.
Puseram-se a caminho de Roma milhares de autocarros e comboios especiais.
O orçamente ronda o milhão de euros.
Uma perguntinha maliciosa: quem pagou a maior parte de tudo isto?

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O tema “dia da família” não passou de pretexto, por muito que afirmem o contrário. Uma lei sobre as uniões de facto em nada prejudica as demais famílias e não constitui um ataque ao sagrado vínculo do matrimónio.

Quanto à instituição família, quem não respeita e não considera o aglomerado familiar como núcleo fundamental de um país? Quem não deseja que existam leis que defendam, protejam e criem condições de prioridade absoluta para que as famílias tenham toda a protecção que um estado democrático lhes deve garantir?
Não existe ninguém que não cultive este património moral e cívico e que é comum a qualquer facção política.

Usar tons alarmistas em defesa da “família em perigo”, usar desenvoltamente, portanto, o catolicismo sincero de milhares de pessoas que se deslocaram a Roma, era necessário?

Os partidos da direita e extrema-direita, políticos “catolicantes” do centro e alguns da esquerda não deixaram escapar a oportunidade de se apoderarem do acontecimento. Nenhum deles renunciou à passerelle na Piazza San Giovanni. Não os levou àquela praça um sentimento sincero, mas a conquista de mesquinhos dividendos eleitorais.

Os organizadores bem proclamaram que não era uma manifestação contra o governo; que não seria de cariz político – embora numerosos cartazes dissessem o contrário; que não se deixariam manipular; que pertenceria a todos os católicos indistintamente e sem etiquetas políticas.
A contradizê-lo, todavia, eis um exemplo: “Quem é católico não pode estar à esquerda”- sentenciou Berlusconi, divorciado, semi-separado da segunda mulher, mas grande paladino da verdadeira família cristã como a entende o Vaticano!... Ora aqui temos o que se diz um bom catolicante!


Assim, aos promotores, saiu-lhes o tiro pela culatra! “O Vaticano de braço dado com as direitas”; “Se a Igreja e a direita caminham juntas na praça” : estes são alguns títulos dos jornais.

Lamento que não tivesse dado o braço a todos e, consequentemente, tivesse provocado um clima de antagonismos injustificáveis nos tempos de hoje: clericais, anti-clericais.
De novo, pergunto: era necessário? Ou o que pretendiam, dada a exiguidade de votos do governo no Senado, era causar o torpedeamento da lei que o Vaticano não quer que seja aprovada? Consegui-lo-ão? É provável, mas aguardemos.

O Vaticano perdeu a arte do diálogo? Entende que um país laico deve, apesar de laico, legislar exclusivamente dentro dos tais princípios inegociáveis da Igreja Católica, ignorando os cidadãos que nesses princípios não se revêem ou impossibilitados de os respeitar e, portanto, privados de direitos civis, como é o caso das uniões de facto?

Proclamar, pregar alto, incansável e claramente a doutrina cristã, é um direito e um dever da Igreja Católica.
Pelo contrário, manifestações de força e intransigência, relativamente a certos princípios, onde a misericórdia e compreensão estariam mais próximas do autêntico cristianismo, para um crente que respeita o direito de um outro ser humano, torna-se difícil seguir e compreender esses princípios ”não negociáveis”.
Alda M. Maia

terça-feira, maio 08, 2007

BARBARA SPINELLI

Bárbara Spinelli é uma jornalista que escreve para um dos três principais jornais de referência italianos: “La Stampa”, publicado em Turim.
Vive em Paris, publicou vários livros e todos os seus editoriais ou análises integram-se no que de melhor se publica na imprensa italiana.
É filha de Altiero Spinelli, o grande impulsor da criação da União Europeia. Durante o período fascista, A. Spinelli esteve na prisão durante dez anos, precisamente pelas suas ideias políticas, mais seis anos de desterro (condenado “al confino”), na ilha Ventotene.
Quem anda pelo Parlamento Europeu, sabe perfeitamente o que significou o empenho e entusiasmo desta personagem. Se não sabe, deveria saber, e não se perdoa que tais ignorantes sejam eleitos parlamentares europeus.
Se não estou errada, existe na sede de Bruxelas uma sala dedicada a Altiero Spinelli.

Ontem, Bárbara Spinelli publicou um artigo sobre a eleição de Sarkozy e, obviamente, sobre a derrota de Ségolène: “L’Homo novus”. Acho-o interessante – aliás, como sempre – e, no que concerne Sarkozy, é uma análise que julgo diversa das múltiplas publicadas.

Traduzo apenas, portanto, a parte que analisa o Senhor Presidente Sarkozy.

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“l’HOMO NOVUS”

Barbara Spinelli
La Stampa – 07/05/2007

Os franceses escolheram o “homo novus”, Nicolas Sarkozy, com determinação. Deram-lhe uma maioria de 53 por cento; a Ségolène, 47%. O desejo de uma mudança radical foi mais possante que o medo suscitado pelo líder gaullista, mais vigoroso que o slogan que recomendava: «
Tudo menos Sarkozy».

O sexto presidente é homo novus no sentido latino do termo. Na Roma antiga, era homo novus quem chegava da província, quem era de nobreza recente, quem aspirava a altos cargos e não tinha a formação necessária. Cícero foi homo novus e Catão o Censor (…)

Sarkozy não é de estirpe francesa – o pai chamava-se Pál Sárkozy e deixou a Hungria quando o Exército Vermelho ali implantou o comunismo.
Não frequentou sequer, quando jovem, a ENA, a mítica “Escola Nacional de Administração”, a qual é o salvo-conduto para as grandes ascensões políticas.
Em 2004, apoderou-se do controle do próprio partido, UMP, mas sofreu imediatamente um prolongado ostracismo. É um outsider e, como todos os outsider, cultiva ambições desmesuradas.
(…)
“O homo novus tem todos os defeitos do arrivista, mas possui um mérito. Vê a realidade com olhos desapiedados, tendo estudado minuciosamente os defeitos do poder a que ascendeu. Escrutina, melhor que os outros, o que se encravou na sua mecânica. Não foi casual que, durante o duelo televisivo, à sorridente Ségolène tivesse respondido que se ela sonhava ser “Presidente da França que funciona”, ele não: queria tornar-se “Presidente da França que não funciona”. Os outsider apercebem-se dos estalidos dos mais gloriosos monumentos.

A biografia de Sarkozy e o seu carácter explicam, não somente a extraordinária energia da campanha, mas a visão severa que ele tem do país. É uma sua convicção que a França deva olhar-se ao espelho e acabar, de uma vez para sempre, de contar a si mesma a história encantada. A «Grande Nation» já não é grande, mas no mundo dominado por gigantes como a América e China, entorpeceu, ficou paralisada.
Várias vezes afirmou que a França se arrisca a cair na irrelevância e «
tornar-se-á num parque destinado a turistas» (…)

«A nossa maneira de fazer política tornou-se insípida, enquanto que a sociedade se manifesta cheia de ardor e impaciência» (…)

“É significativo que ambos os contendentes cessaram de crer na excepcionalidade francesa, metendo-se a procurar lumes em modelos estrangeiros: uma revolução copernicana na francocêntrica iconografia nacional. Os modelos são a Inglaterra mas, sobretudo, o Norte da Europa, onde reformas rigorosas se combinam com a preservação do estado social”.

Não faltam perigos nesta vitória e algumas acusações não são infundadas. Há em Sarkozy um enorme desejo de acertar contas, com tons vingativos. Verifica-se uma ânsia de usar politicamente a história, denegrir com rancoroso ressentimento a memória autocrítica inaugurada por Chirac: um “hábito de arrependimento” que o novo presidente quer abolir.

(…) O risco é o de suscitar o medo para que seja ele o bombeiro. Um risco exacerbado pela influência que Sarkozy exerce na imprensa e TV através de tantos editores que o sustêm. Ségolène e Bayrou denunciaram estas conivências. (...)
Barbara Spinelli
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quinta-feira, maio 03, 2007

“APETECE-ME DIZER BEM”

Apetece-me dizer bem. E apetece-me dizer bem das coisas mais diversas, porque da política à economia, da educação à saúde, da investigação científica às empresas é possível que cada um de nós se cruze em Portugal com iniciativas, com projectos ou com meras rotinas que nos satisfazem e nos dão alguma orgulho de sermos portugueses”.

Este é o exórdio de um belíssimo artigo – “Apetece-me dizer bem” - de Eduardo Marçal Grilo publicado, ontem, no jornal “Público”.
A citação das realidades positivas, dignas de serem realçadas e merecedoras de total divulgação, é longa e abrange, praticamente, todos os sectores da vida nacional.
Mas essa divulgação, como muito bem esclarece o articulista, está completamente ausente dos nossos jornais.

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Até que enfim! Era hora que alguém, com a espessura intelectual de Marçal Grilo, desse um forte abanão ao andaço comum: a insistente desestima de tudo o que se passa ou que existe neste abençoado País. Na Espanha, pelo contrário, tudo é digno de louvor!...
Nada surpreende, portanto, que uma não insignificante percentagem de portugueses – somente porque “lá se ganha mais” – preferiria unir-se ao país vizinho – eu diria submeter-se, pois unidos já o somos, na União Europeia.

Quando se nasceu e cresceu dentro de uma ditadura, onde o patrioteirismo foi uma espécie de droga que nos intoxicou - além de contribuir para um nosso total analfabetismo político, acrescento - saindo dessa intoxicação, quaisquer frases que a recordem provocam instintiva repulsa. Quero com isto dizer que fujo a sete pés de tal retórica balofa.
Não me eximo, todavia, de proclamar, alto e bom som, que gosto do País onde nasci e que sempre me aborreceu esta espécie de snobismo do bota-abaixo.

Aliás, não creio seja apenas snobismo. Nota-se, isso sim, aquela falta de dignidade e orgulho naturais e próprios da pertença etnográfica. Nota-se a falta de ambições, de coragem e do gosto de arriscar. É sempre mais cómodo pretender que a prosperidade caia do céu - o que, desgraçadamente, nunca acontece.
Ora, para quem assim pensa, é fatal que o maldizer seja característica peculiar.
Não se pondera, entretanto, que este pessimismo se reflecte na opinião externa e, sob certos aspectos, dá uma imagem desfocada do que somos, efectivamente.

O cliché de país pobre, atrasado, do eterno ocupante dos últimos lugares das classificações ou análises internacionais começa a ser, de certo modo, indigesto ou mesmo irritante.
Certamente que não estamos na lista dos países mais industrializados e mais evoluídos, situação que não ignoramos. No entanto, todas essas análises que nos relegam, sistematicamente, lá para o fundo da pauta, serão objectivas?
Conhecendo realidades de outros países, já de há muito que deixei de acreditar na completitude de tal objectividade.

Assim, também a mim apetece dizer bem; embora me apeteça, muito mais ainda, criticar os que dizem mal por sistema, pedanteria, ignorância ou psitacismo.
Alda M. Maia