“A DITADURA DA CONSCIÊNCIA”
"A ditadura da consciência” é o título de um interessante artigo de Humberto Galimberti, publicado, ontem, no jornal La Repubblica.
"A ditadura da consciência” é o título de um interessante artigo de Humberto Galimberti, publicado, ontem, no jornal La Repubblica.
A base deste editorial é a demissão de Romano Prodi de primeiro-ministro do governo italiano.
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“Quando se está na iminência de causar um desastre ou já com o desastre concretizado, há uma palavra mágica que é evocada para garantir-se a impunidade, ou até mesmo o respeito da parte de quem não compartilha as posições e, sobretudo, as consequências da acção. Esta palavra mágica chama-se «consciência» (…) A «consciência» e a sua variante que são os «princípios» ”
Também lhe chamaria o pára-vento de muita mesquinhice e fanatismo.
A maioria muito limitada, no Senado, é o fruto envenenado, deixado pelo governo Berlusconi, da reforma eleitoral aprovada, exclusivamente, pela maioria governativa, nos últimos quatro meses do mandato e com a finalidade de pôr obstáculos à vitória de Prodi. Um dos autores dessa lei chamou-lhe uma porcata. Elucidativo!
O que sempre me surpreendeu, e surpreende, é o descaramento, a cara de bronze dos compagnons de route de Berlusconi. Aviaram aquela indecência, tanto que é conhecida, ironicamente, como lei porcellum. Agora, com toda a desenvoltura, acham que não está bem e, para as próximas eleições, deve ser mudada. Cinismo ou falta de vergonha? As duas coisas.
Vamos à crise de governo e que espero se resolva ainda esta semana.
Dois senadores da extrema-esquerda, os quais fazem parte da actual maioria, decidiram votar contra o governo que deveriam sustentar. Tudo por uma questão de consciência e coerência, no que concerne a política externa: são contra as tropas italianas no Afeganistão; não concordam com o alargamento da base americana na cidade de Vicenza.
Esta coerência na defesa dos “princípios pacifistas” faria sentido se não tivessem sido eleitos senadores e, portanto, aceitado a defesa de um programa de governo que conheciam bem, quando foram eleitos, e ao qual aderiram. Assim, a justificação de não ir contra os princípios é frágil e estúpida. Se os não queriam trair, a única forma digna e correcta seria a demissão de parlamentares ou, então, nunca terem aceitado fazer parte da lista de candidatos ao parlamento.
Política é a arte do compromisso, das negociações, do respeito pelos tratados internacionais, da aceitação de uma síntese que melhor sirva os interesses do país. Mas aos dois irredutíveis essas concepções não interessam; não faz parte da única retórica política que conhecem e com a qual atafulharam o cérebro.
Quanto a renunciar ao lugarzinho no Senado, são idealistas, pois claro, mas não tão desinteressados que os levem a abdicar das robustas vantagens materiais que o Parlamento italiano concede aos seus eleitos. E considerando esta circunstância, os ideais não são para aqui chamados!...
A coisa mais interessante desta crise foi a reacção dos simpatizantes e militantes dos dois partidos a que pertenciam os réprobas - Refundação Comunista e Comunistas Italianos (PRC e PDCI). Os respectivos sites na Internet foram bombardeados com críticas desapiedadas: a culpa principal não era dos dois, mas dos responsáveis dos partidos que os propuseram.
Estou inteiramente de acordo.
A tempestade não se verificou só na Web. Após a votação, dentro do Senado, os insultos não se pode dizer que fossem mais castos do que aqueles que se lêem na Internet.
Dos vitupérios, passou-se a vias de facto.
Na viagem de regresso, no comboio, um colega de partido de um dos “traidores”, quando o viu, mudou de carruagem: “Não viajo na companhia de gente desta laia”. O visado aconselhou-o a não exagerar. Aproximaram-se um do outro, as coisas azedaram-se e um sopapo foi ao encontro do nariz do senador infiel.
Quando li esta notícia, sucederam-se três reacções.
Primeiro, dei uma gargalhada: o cómico da situação apresentou-se-me.
Em seguida, avultou o bom senso a qualifiquei o gesto: “Isto não é correcto. Não é assim que se deve proceder”.
Por último e lá no fundo, bem no fundo, surgiu uma certa satisfaçãozinha: “Para que aprendas a não ser irresponsável nem beneficiário da probabilidade do regresso de Berlusconi!”.
Qual destes três sentimentos foi predominante, ainda o não descobri. Faria uma bela figura se indicasse o segundo, mas devo ser honesta. Assim, acho que o melhor é atribuir um ex aequo!
Houve outra notícia que também me divertiu. O pároco de uma pequena localidade umbra, admirador de Berlusconi, quando soube da queda do governo, pôs os sinos a tocar a repique: pretendeu dar conhecimento do seu júbilo ao presidente da câmara municipal; obviamente, de centro-esquerda!
Quis mostrar-se digno sucessor, embora extemporâneo, do D. Camilo de Guareschi.
Alda M. Maia
“Quando se está na iminência de causar um desastre ou já com o desastre concretizado, há uma palavra mágica que é evocada para garantir-se a impunidade, ou até mesmo o respeito da parte de quem não compartilha as posições e, sobretudo, as consequências da acção. Esta palavra mágica chama-se «consciência» (…) A «consciência» e a sua variante que são os «princípios» ”
Também lhe chamaria o pára-vento de muita mesquinhice e fanatismo.
A maioria muito limitada, no Senado, é o fruto envenenado, deixado pelo governo Berlusconi, da reforma eleitoral aprovada, exclusivamente, pela maioria governativa, nos últimos quatro meses do mandato e com a finalidade de pôr obstáculos à vitória de Prodi. Um dos autores dessa lei chamou-lhe uma porcata. Elucidativo!
O que sempre me surpreendeu, e surpreende, é o descaramento, a cara de bronze dos compagnons de route de Berlusconi. Aviaram aquela indecência, tanto que é conhecida, ironicamente, como lei porcellum. Agora, com toda a desenvoltura, acham que não está bem e, para as próximas eleições, deve ser mudada. Cinismo ou falta de vergonha? As duas coisas.
Vamos à crise de governo e que espero se resolva ainda esta semana.
Dois senadores da extrema-esquerda, os quais fazem parte da actual maioria, decidiram votar contra o governo que deveriam sustentar. Tudo por uma questão de consciência e coerência, no que concerne a política externa: são contra as tropas italianas no Afeganistão; não concordam com o alargamento da base americana na cidade de Vicenza.
Esta coerência na defesa dos “princípios pacifistas” faria sentido se não tivessem sido eleitos senadores e, portanto, aceitado a defesa de um programa de governo que conheciam bem, quando foram eleitos, e ao qual aderiram. Assim, a justificação de não ir contra os princípios é frágil e estúpida. Se os não queriam trair, a única forma digna e correcta seria a demissão de parlamentares ou, então, nunca terem aceitado fazer parte da lista de candidatos ao parlamento.
Política é a arte do compromisso, das negociações, do respeito pelos tratados internacionais, da aceitação de uma síntese que melhor sirva os interesses do país. Mas aos dois irredutíveis essas concepções não interessam; não faz parte da única retórica política que conhecem e com a qual atafulharam o cérebro.
Quanto a renunciar ao lugarzinho no Senado, são idealistas, pois claro, mas não tão desinteressados que os levem a abdicar das robustas vantagens materiais que o Parlamento italiano concede aos seus eleitos. E considerando esta circunstância, os ideais não são para aqui chamados!...
A coisa mais interessante desta crise foi a reacção dos simpatizantes e militantes dos dois partidos a que pertenciam os réprobas - Refundação Comunista e Comunistas Italianos (PRC e PDCI). Os respectivos sites na Internet foram bombardeados com críticas desapiedadas: a culpa principal não era dos dois, mas dos responsáveis dos partidos que os propuseram.
Estou inteiramente de acordo.
A tempestade não se verificou só na Web. Após a votação, dentro do Senado, os insultos não se pode dizer que fossem mais castos do que aqueles que se lêem na Internet.
Dos vitupérios, passou-se a vias de facto.
Na viagem de regresso, no comboio, um colega de partido de um dos “traidores”, quando o viu, mudou de carruagem: “Não viajo na companhia de gente desta laia”. O visado aconselhou-o a não exagerar. Aproximaram-se um do outro, as coisas azedaram-se e um sopapo foi ao encontro do nariz do senador infiel.
Quando li esta notícia, sucederam-se três reacções.
Primeiro, dei uma gargalhada: o cómico da situação apresentou-se-me.
Em seguida, avultou o bom senso a qualifiquei o gesto: “Isto não é correcto. Não é assim que se deve proceder”.
Por último e lá no fundo, bem no fundo, surgiu uma certa satisfaçãozinha: “Para que aprendas a não ser irresponsável nem beneficiário da probabilidade do regresso de Berlusconi!”.
Qual destes três sentimentos foi predominante, ainda o não descobri. Faria uma bela figura se indicasse o segundo, mas devo ser honesta. Assim, acho que o melhor é atribuir um ex aequo!
Houve outra notícia que também me divertiu. O pároco de uma pequena localidade umbra, admirador de Berlusconi, quando soube da queda do governo, pôs os sinos a tocar a repique: pretendeu dar conhecimento do seu júbilo ao presidente da câmara municipal; obviamente, de centro-esquerda!
Quis mostrar-se digno sucessor, embora extemporâneo, do D. Camilo de Guareschi.
Alda M. Maia