domingo, junho 26, 2016

NUNCA ACREDITEI 
QUE FÔSSEMOS TÃO ESTÚPIDOS”

Este é o desabafo de uma jovem inglesa, perante o desfecho do referendo nacional. Na minha opinião, só foram egoisticamente “estúpidos” os cidadãos mais velhos, geração cujos valores continuam ligados a uma excessiva insularidade.
Impressionou-me, muito positivamente, a atitude dos jovens britânicos na luta pela permanência do seu país na União Europeia. Merecem esta carta de encorajamento do Director do jornal La Repubblica.

******
 
“Caros jovens, a Europa é vossa: não permitais que vençam os vendedores de medos”

“Caros jovens, nascestes num continente de paz, nunca tivestes a guerra às portas de casa, crescestes sem fronteiras, projectando estudar num outro país, enamorando-vos durante o Erasmus, trocando mensagens com os amigos sobre ocasiões para encontrar trabalho ou sobre os voos mais baratos para assistir a um concerto.
Não importa se nascestes em Cardife, em Bolonha, em Marselha, em Barcelona ou em Berlim. Hoje, os medos dos vossos pais e dos vossos avós decidiram que a Grã-Bretanha voltasse a ser uma ilha, que vós voltásseis a ser estrangeiros no outro lado do Canal da Mancha.”

“Os vossos avós, que sabem o que foi a guerra, deveriam tomar a peito um futuro de liberdade para vós. Porém, juntamente com os vossos genitores, estão a deixar-se encantar por quem afirma que, recolocar muros, fronteiras e arame farpado servirá para fazer-nos viver mais tranquilos, seguros e serenos. Que voltar a ter cada um a própria moeda, recriará emprego, prosperidade e futuro.”

“Estão a narrar-vos que a democracia directa e as sondagens em tempo real resolvem, magicamente, os problemas; que existem sempre soluções simples de fácil alcance; que não há necessidade de peritos e competências; que a fadiga e a paciência já não são valores; que destruir vale mais do que construir. O continente está enfermo, mas a febre de hoje é a simplificação, a ideia que seja suficiente destruir a casa que se nos tornou estreita para vivermos todos comodamente. É pena que só fiquem os escombros.”

“Abri os olhos, olhai para a frente e pretendei uma herança melhor do que dívidas. Queremos ter paz, esperança e liberdade; não a raiva, gritos e medos.”

“Tapai os ouvidos, não escuteis vendedores da banha da cobra e pretendei políticos humildes, pessoas que provem a medir-se com as complexidades do mundo e sejam construtores, não demolidores.”

“Marcai no calendário a data de ontem, 24 de Junho 2016, e começai a caminhar noutra direcção, semeando as cores e as esperanças.”

“Uma rapariga inglesa que votou sim à União Europeia, mas não conseguiu convencer o seu pai e o seu tio a fazer o mesmo, ontem prometeu aos seus amigos europeus, com uma voz tremente que demonstrava embaraço e raiva: «Virá o turno da nossa geração e então voltaremos».
Contamos com isso.” 
Mário Calabrese (Director do jornal La Repubblica) – 25 Junho 2016

segunda-feira, junho 20, 2016

AS INCONGRUÊNCIAS DA EUROPA DESUNIDA

Europa desunida ou uma União Europeia com tendências totalitárias? Compreendemos perfeitamente que as regras existem, foram formuladas para serem cumpridas na íntegra. Então pergunta-se: cumpridas por todos os Estados-membros? Ou, severa e exclusivamente aplicáveis a países menos iguais? Onde encontrar, então, os princípios fulcrais, inerentes a razões mais nobres, que inspiraram os fundadores desta União?

A este ponto, que significado deveremos atribuir ao termo “União”? Puro eufemismo para iludir quem acredita na Europa?

Quanto me impressiona o afã do actual Governo português na procura de compreensão e benevolência, relativamente às sanções contra o incumprimento português do “défice 3% 2015”!

É assim tão grave se este fatídico 3% não foi excessivamente ultrapassado, numa medida que deveria ser compreendida e aceitável, dentro das circunstâncias que a motivaram?
Não conta o facto de os governos portugueses se terem esforçado por corrigir e aperfeiçoar as normas do Pacto Orçamental, submetendo-se a uma austeridade que, hoje, é geralmente considerada como uma imposição inoportuna, estúpida e danosa?
Passa inobservado que o Governo português despenda todos os esforços, a fim de equilibrar o Orçamento, dentro das normas estabelecidas?

Certos indivíduos da Comissão Europeia, morbidamente apegados ao rigor das regras, têm alguma noção das consequências destas sanções numa economia que tenta prosseguir, arfando, numa direcção justa e profícua? Nem os problemas sociais do desemprego, por exemplo, lhes sugerem que, antes de ditarem sentenças, meditem sobre os cargos de grande responsabilidade e bom senso que ocupam? Que este bom senso é paralelo à flexibilidade, quando esta deve ser considerada oportuna?
Autoritarismos ou, muito simplesmente, arrogância, fruto de incompetências e insensibilidades? Assim parece.

********** 

“A Organização médico-humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou hoje (17/06/2016), a nível internacional, que não continuará a aceitar fundos provindos da União Europeia e dos seus Estados-membros, em oposição às suas políticas danosas de dissuasão sobre migrações e às tentativas, sempre mais acentuadas, de afastar as pessoas e os seus sofrimentos das fronteiras europeias. Esta decisão terá efeito imediato e aplicar-se-á aos projectos de MSF em todo o mundo”.

“O acordo da União Europeia com a Turquia é desastroso”. Durante meses, MSF denunciou a resposta vergonhosa da União Europeia, concentrada na dissuasão em vez da necessidade de fornecer às pessoas a assistência e protecção que tanto necessitam. O acordo UE –Turquia é um passo em frente nesta direcção e pôs mesmo em perigo o conceito de “refugiado” e a protecção que oferece.
Tudo o que a Europa tem para oferecer aos refugiados é constringi-los a ficar nos países dos quais procuram, desesperadamente, fugir? Mais uma vez, o objectivo principal da Europa não é proteger as pessoas, mas mantê-las longe, e da maneira mais eficaz”. - – Jerome Oberreit, secretário-geral internacional de MSF.

E viva a civilizadíssima União Europeia! Porém, em tudo isto, Portugal, este país da periferia, mas sem as “peneiras” (passe um vocábulo dos meus tempos de estudante) de certos Estados-membros oportunamente murados, tem dado lições de humanidade, e sem alardes.

segunda-feira, junho 13, 2016

AINDA SOBRE O REINO UNIDO

Sim, ainda sobre o que se escreve a propósito do referendo inglês, o qual se efectuará dentro de uma dezena de dias.
Aprecio a leitura das múltiplas opiniões e comentários sobre este tema, e quanto mais leio, mais aumentam as minhas perplexidades. Aliás, acho este referendo tão parvo como inteiramente fora do bom senso. Que perdeu a Grã-Bretanha com a entrada na União Europeia?

A este respeito, deliciou-me o artigo de opinião de Stefano Stefanini, no jornal “La Stampa” de ontem.
Em vez de quaisquer outras minhas considerações, agrada-me muito mais analisar, traduzindo, a quase totalidade de uma opinião da grande competência. Ademais, recheada de argumentos interessantíssimos. Há alguns, porém, que desejaria comentar. Mas ficará para uma próxima vez.

********** 

“POR QUE O REINO UNIDO DEVE PERMANECER NA UE”

"Navegando sem bússola, Europa e USA aproximam-se de duas passagens decisivas: o referendo da Grã-Bretanha do dia 23 sobre a União; o voto americano de oito de Novembro entre Clinton e Trump. Ambas se arriscam  a quebrar, do interior, a capacidade de um Ocidente ao qual não faltam, certamente, as ameaças e desafios externos: desde a Síria à Rússia; do Estado Islâmico à China. Como sempre, o inimigo pior é o que está dentro. Eis por que se torna necessário temê-lo."

"(…) Seja o ingresso de Trump na Casa Branca, seja a saída do reino Unido da Europa marcariam um ponto de não regresso. Em Cannes, George Cloony disse que Donald Trump não será presidente dos Estados Unidos. Na série “Serviços de Urgência”, nunca errava uma diagnose, mas já passou bastante tempo."

"As sondagens sobre o Brexit oscilam entre 40% pró e 40% contra. Decidirão os indecisos. Quem vota pela União Europeia vota razão e lucidez; os partidários do Brexit, com paixão e frustração. Pouco tranquilizante. Além disso, as sondagens são falseadas quando os entrevistados mentem, porque se envergonham de admitir o que farão no interior das urnas."

"Brexit e Trump são desastres anunciados, mas evitáveis. O êxito está, democraticamente, nas mãos dos eleitores britânicos e americanos. O resto do Ocidente não vota, mas pode fazer-se ouvir. As nossas vozes, preocupações e sensibilidades pesam na rede das interdependências e dos media sociais; os nossos governos estão ligados por fio duplo. Também o resto do mundo teme o dúplice risco Brexit-Trump. Com qualquer excepção míope à volta dos muros do Kremlin, o nervosismo adverte-se de Pequim a Santiago. Mas, seria o Ocidente, in primis, a perder, atirando para as urtigas os seus pontos de força: a União Europeia e a Comunidade Atlântica. Imperfeita, a primeira; encrespada, a segunda, mas permanecem como os nossos fundamentos."

"Com a aproximação do ano 2000 temia-se a queda dos sistemas informáticos, programados com duas cifras, que não teriam reconhecido o novo século e milénio. As consequências teriam sido catastróficas.
Não sucedeu nada e o temidíssimo “Y2K bug” foi consignado ao relicário das curiosidades históricas. Mas somente porque tivemos medo."

"Não de menor receio necessitamos hoje. De Trump deverão cuidar, sobretudo os americanos. Faltam cinco meses. Pelo contrário, Brexit decidir-se-á dentro poucos dias.
O eleitorado britânico está submerso por avisos de borrasca. Londres tem muito a perder com a saída da UE. Quem vota pode ignorá-lo, mas foi avisado.
Menos claro, para os europeus, quanto deva perder a União Europeia. Não somente porque a saída de Londres deixaria uma Europa geopolítica, militar e economicamente mais débil, mas também pelo papel britânico dentro da União, determinante em conter os reflexos centralizadores e dirigistas de Bruxelas. Paralelamente, sem Londres a predominâncias alemã – não por vontade de Berlim, mas por inércia – encontraria menores contrapesos.
A Itália perderia a orla da Mancha que, frequentemente, nos evita a escravidão de alinhamentos rígidos."

"Que Brexit aplane o caminho para uma Europa “federal” é uma pia ilusão. Com quem? Com a Áustria que ameaça muros no Brennero? Com a Holanda que repele, por referendo, o inócuo acordo de associação com a Ucrânia? Quais opiniões públicas seguiriam, a começar pela italiana? Quantas outras partes perderia a União Europeia? Quem pararia e emulação e o efeito dominó das secessões?"

"Ninguém mais do que Ulisses encarna o espírito da cultura e civilização ocidentais. Contudo, Já não estamos na época homérica, mas no século XXI. Para superar a Cila de Brexit e as Caríbdis de Donal Trump, o Ocidente deve esperar que o ADN permaneça igual."
De Stefano Stefanini; "La Stampa"  -  12/06/2016

segunda-feira, junho 06, 2016

PERMANÊNCIA DA GRÃ-BRETANHA NA UNIÃO.
REFORMA DO EURO.

Traduzo uma entrevista do jornal “La Stampa” ao Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz.
Todas as respostas deste economista são interessantes. Há algumas, porém, que condena, sem eufemismos, quem e o que deve ser reprovado.
Vejamos.   

 **********

“A GRÃ-BRETANHA NÃO DEIXE A UNIÃO, MAS SERVE UMA REFORMA DO EURO

“A Grã-Bretanha não deve deixar a União Europeia, porque seria um passo com consequências desastrosas para todos. Todavia, o euro deve ser reformado ou desmantelado, porque é, claramente, uma instituição falida”.

“São muito explícitos os juízos expressos pelo Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, que encontrámos num almoço oferecido pelo Council on Foreign Relations. O professor da Columbia University está prestes a publicar um livro sobre o euro, consequentemente intervém de boa vontade sobre temas também levantados pelo presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, na entrevista com “La Stampa”

“Em 23 de Junho, O Reino Unido decidirá a sua permanência na União Europeia: segundo a sua opinião, o que deverá escolher?
O verdadeiro problema é político, não económico. Na gestão da União Europeia foram cometidos muitos erros. È uma instituição verticalizada que não fez o necessário para democratizar-se, para criar uma cultura e uma identidade política comuns entre os seus cidadãos. No entanto, estes são problemas que podem ser corrigidos, e o arco da história pende para a integração.”

“Portanto, nada de Brexit?
Não seria útil, no plano económico, e lançaria um sinal muito perigoso sobre o plano político, nomeadamente em relação a outros países que poderiam seguir o exemplo da Grã-Bretanha. O discurso seria diverso se, pelo contrário, Londres fizesse parte do euro e devesse decidir abandoná-lo.”

“Neste caso, seria a favor da saída da moeda única?
O euro foi, sem a mínima dúvida, um mau desenvolvimento para a Europa.”

“O seu próximo livro será dedicado a este tema. Por que considera o euro uma experiência falhada?
Dizem-no os dados, não o digo eu. A economia europeia certamente que não tem andado bem depois da crise de 2008. Logo, é necessário perguntarmos por qual razão: foi culpa de uma doença imprevista, das instituições, das pessoas que já não são tão inteligentes como antes, das empresas doentes, da justiça ineficiente? Qual era a diferença-chave em relação ao passado?
Eu creio que foi o euro que impediu os ajustamentos necessários. Todos os economistas o tinham dito, advertindo que se surgissem crises sérias, a moeda única obstacularia as adequações indispensáveis para reagir. Agora vemos os resultados.”

“Para países como a Itália e Grécia foi um impedimento mais grave?
Muito grave. Para a Grécia, obviamente, foi um desastre, mas há uma outra consideração a ter em conta. Se somente um país fosse atingido, a questão ficaria circunscrita: ok, a Grécia não soube administrar-se bem e, agora, paga as consequências. No entanto, o problema também atingiu a Espanha, a Irlanda, Portugal, Chipre, a Itália, a França. Todos tiveram dificuldades, alguns de natureza empresarial e outros não. Assim como a Europa do Norte. Temos então de reconhecer que é um problema sistémico.”

“O euro deve ser reformado ou desmantelado?
Ainda se pode reformar, mas a pergunta é uma outra: sê-lo-á?”

“Como deveria ser reformado?
Podereis lê-lo no livro, mas é claro que se deveria partir da possibilidade de fazer os ajustamentos necessários, a fim de responder às crises.”

“O Senhor também foi muito crítico da rigidez com a qual a Alemanha impôs a austeridade a todos os outros países. Porquê?
É um exemplo bem claro do que não funcionou no euro. Sob o ponto de vista económico, a austeridade era uma linha errada que se não deveria seguir. Para uma situação de crise, como aquela vivida pela Europa, teria servido, exactamente, o oposto.
Era oportuno estimular a economia, em vez de a sufocar. Em seguida, uma vez aviada a retoma, poderíamos tornar a concentrarmo-nos sobre responsabilidades fiscais.
Porém, sob o ponto de vista político, a obstinação da Alemanha teve efeitos ainda mais prejudiciais, porque impediu de encontrar uma solução europeia compartilhada e concordada para a crise, demonstrando, precisamente, as razões pelas quais o sistema, assim como está delineado agora, não funciona.”  
Paolo Mastrolilli (enviado a Nova Iorque); La Stampa - 04 Abril, 2016