domingo, agosto 31, 2008

NOVAS POLÉMICAS
SOBRE O VÉU ISLÂMICO

Veneza, domingo, 24 de Agosto 2008. Uma família de turistas (pai, mãe e filho) foi visitar Ca'Rezzonico: um palácio, no Canal Grande, que hospeda o museu de arte veneziana do século XVIII.
Família de um certo nível e de religião muçulmana. Pai e filho vestidos normalmente; a mãe envergava o chamado niqab: rosto completamente coberto, excepto os olhos.

Compraram os bilhetes de ingresso e ninguém lhes fez a mínima observação.
Quando subiram aos andares superiores, a fim de visitarem as salas de exposição, um guarda encarregado da vigilância deteve a senhora e informou-a que, segundo o regulamento, não era permitido apresentar-se com a cara tapada. A senhora pediu explicações em inglês. O vigilante, fraco nessa língua, levou-a ao local de informações, solicitando a intervenção de um superior. Aí, explicaram que existe uma lei que proíbe a entrada em lugares públicos com o rosto encoberto. Todavia, podia continuar a visita.
A família não aceitou e saiu do museu.

Nas primeiras notícias, escreveu-se que o guarda da sala convidou a senhora a tirar o véu ou, então, ficar fora da sala. Mais tarde, porém, estas informações foram corrigidas.
Excesso de zelo da parte do vigilante? É provável.

As polémicas não se fizeram esperar. Esquerdas a atacar direitas: racistas, intolerantes.
Direitas a aplaudir a atitude do “guarda-sala”: estes fanatismos muçulmanos não devem ser admitidos, etc., etc. – o resto da conversa é fácil de adivinhar.

Quantas discussões e tomadas de posição, nesta nossa Europa, a propósito do uso dos vários géneros de véus que a religião muçulmana impõe (?) às mulheres!
No mundo islâmico, todavia, há uma forte corrente de opinião que defende a injustificação de tais usos. Nada existe no Corão que os determine.

Não obstante, quer por fanatismo, quer por questões políticas e sociais, muitas mulheres muçulmanas distinguem-se das demais pelo trajo, pela severidade como se vestem e ocultam o próprio corpo.

Observância espontânea? Não creio – excepto, repito, quando um fanatismo irracional o aconselha.
Aqui na Europa, na maior parte dos casos, penso que a isso sejam forçadas pelos familiares.
Em alguns países islâmicos, obviamente, existe uma lei reguladora, sendo o Irão o paradigma de tanta “pureza” religiosa!
A este respeito, sugiro a leitura do livro “Ler Lolita em Teerão” de Azar Nafisi.
A autora, iraniana e professora universitária, de há uns anos a viver nos Estados Unidos, traça um perfeito retrato do que foi, e é, a Revolução Islâmica dos mullah no seu País.
Esclarece bem a hipocrisia fanática e a violência contra quem não obedece a princípios que, frequentemente, rasam uma crueldade insuportável.

No que concerne o uso do véu, qual emblema de uma identidade religiosa, por motivos bem longínquos e sem quaisquer afinidades com as razões expressas pelas direitas europeias, não concordo absolutamente nada com os bem-pensantes progressistas: tudo deve ser tolerado, todos têm direito a comportar-se conforme os seus usos e costumes e tudo devemos aceitar.
Se é assim, por que razão não aceitar a infibulação, isto é, a mutilação dos órgãos genitais das crianças femininas?
É um uso muito respeitado na África e países muçulmanos; desgraçadamente, exportado para os países ocidentais.

Mas falemos do véu islâmico, nas suas variantes.
Se considerarmos o hijab – um lenço que cobre a cabeça – não vejo nada de chocante. O mesmo diria Do shayla: uma longa écharpe que cobre os cabelos e presa nos ombros com um alfinete - que raio de obsessão contra os cabelos! Ou então o famigerado chador iraniano: lenço e casacão até aos pés, quase sempre escuro (deprimente!). Nestes casos, cada um deve ter a liberdade de se vestir como deseja.

A questão do meu desacordo é outra. Repugna-me que os nossos países, com outros níveis de valores, permitam aquilo a que também chamam véu, mas que eu considero uma espécie de vestuário-sepulcro, como o niqab e o burqa. Ambos estes trajes são uma humilhação, um vexame, um apagamento do ser feminino.
Eu não posso nem quero aceitar que uma mulher deva apresentar-se informe, inidentificável, escondida, porque assim o exige uma errada interpretação da fé que professam. Mais claramente: porque existem seres masculinos que inculcam, em nome da religião, a inferioridade do outro sexo.

Aprovo, portanto, a lei que obriga, nos lugares públicos, as pessoas a manterem sempre o rosto livre de trapos, máscaras ou mascarilhas. É também motivo, sério, de segurança e necessária identificação.

E visto que as mulheres muçulmanas são induzidas ou obrigadas a usar as diversas espécies de véus; visto que muitas, de jovem idade, vivendo nos países ocidentais, integradas, rebelam-se a tais usos; visto que instrução também não lhes falta; visto que, não raramente, são vítimas de trogloditas masculinos - estou a lembrar-me dos pasdarans iranianos e talibans afegãos - por que não começam a ler Aristófanes e, mutatis mutandis, meditar sobre Lisístrata, passar palavra e pôr os pontos nos ii? Seria uma ideia!
Alda M. Maia

VESTUÁRIOS QUE DEVEMOS
CONSIDERAR NORMAIS?
.
Mulheres muçulmanas com o BURQA

Jovens com o NIQAB: do rosto, apenas se vêem os olhos. Aliás, de todo o corpo, parece-me que só as mãos são visíveis.

Iranianas no metro em Teerão, vestidas com o CHADOR obrigatório. Que fotografia triste!
******
Alda M. Maia

domingo, agosto 24, 2008

UMA HISTÓRIA REAL
COM O MANTO DA FÁBULA
.
"China", a cadelinha que salvou o bebé (Clarín-com)
.
A notícia, publicada anteontem no jornal argentino "Clarín", expandiu-se e muitos outros meios de comunicação, em várias partes do mundo, deram a conhecer a extraordinária proeza de uma cadelinha de oito anos, mãe de uma ninhada de cachorros, que “adoptou” um bebé recém-nascido abandonado pela mãe: uma adolescente de catorze anos.

Como gosto de animais, tendo uma especial predilecção pelo género canino, quero registar a história neste blogue. E como sempre, pensa-se escrever sobre um determinado assunto, mas uma última solicitação faz-nos mudar o rumo da conversa.

A “fábula” desenrolou-se em Abastos, uma aldeia a 50 quilómetros de Buenos Aires.
Segundo narram os jornais, na noite de quarta-feira passada, a criança, logo após o parto, foi abandonada num terreno inculto, não muito distante de algumas barracas habitadas.

“China”, assim se chama a cadela, ouviu o choro da menina, foi em busca e encontrou-a a cinquenta metros.

Com grande delicadeza, conseguiu empurrá-la até à sua tosca casota - presume-se que assim tivesse acontecido, visto que a menina não mostra sinais de dentadas, mas apenas algumas escoriações – e, aí chegada, aconchegou-a aos seus cachorrinhos, protegendo-a do frio e salvando-lhe a vida.

O dono da “China”, Favio Anze, um trabalhador agrícola originário da Bolívia, de madrugada acordou com um choro ininterrupto de bebé. Foi investigar e deparou com um espectáculo verdadeiramente lindo: uma menina misturada com os cachorros e “China” a protegê-los, sem distinções, com o carinho que o instinto de mãe lhe sugeria.

A recém-nascida estava nua, ainda mantinha parte do cordão umbilical, suja de lama e, como atrás dizia, apenas com alguns arranhões.
Imediatamente foi transportada para o hospital Alejandro Korn, onde a trataram, ministraram-lhe as primeiras vacinas e está agora sob observação, a fim de evitar riscos de infecções.
Tinha nascido há poucas horas, depois de uma gestação de 39 semanas, e pesa quatro/cinco quilos.
O pessoal médico baptizou-a, dando-lhe o nome Esperança.

No dia seguinte, a adolescente - que vive perto da zona onde abandonou a filha - apresentou-se no hospital, ficou internada e admitiu que é a mãe da menina.
Quase não fala, nada explicou sobre os motivos do seu gesto. O médico que a assistiu informou que chegou ao hospital com um forte choque de carácter emotivo.
Não se conhecem, portanto, quais as condições de vida e em que ambiente deu à luz, quais os impulsos que a levaram à rejeição da criança.

O mesmo médico, Egídio Melia, director do hospital, comentou que há apenas uma única certeza: “O instinto materno da cadelinha foi mais forte que o instinto materno da mãe”.

Não quero exprimir juízos sobre uma parturiente de catorze anos. Tudo se pode conjecturar: uma gravidez fruto de violência? Grande imaturidade, o que é óbvio, e pavor pelo que lhe estava a acontecer?
Seja como for, a rapariguinha só me merece uma grande piedade.

Concentremos a atenção na heroína da fábula.
Comoveu a inteira Argentina – aliás, comove todos os que tomam conhecimento da história.
“China”, agora, é alvo das máximas atenções, o que a torna agitada e inquieta.
Esperemos que, pelo menos, lhe proporcionem uma casota de luxo e que possa amamentar os cachorrinhos no maior conforto.

Entretanto, proponho uma sugestão, poética, recolhida em reset-italia.net:

“Imaginemos, por um instante, como num filme, ver a “China” que encontra a bebé, a leva para o ninho junto com os cachorrinhos e lhe dá todo o seu amor. Uma história emocionante para além de quaisquer limites?
Fechai os olhos e imaginai ver este filme. Um filme belíssimo! Um filme escrito pela Mãe Natureza”.

Diversas vezes imaginei e imagino este filme!
Alda M. Maia

segunda-feira, agosto 18, 2008

PAPA SEM ARMINHO”

Este é o nome da petição on line, lançada no dia 21 de Julho-2008, pela “Associação Italiana Defesa Animais e Ambiente”, solicitando respeito e amor pelos animais.

Todos juntos, pedimos ao Papa Bento XVI para renunciar à estola (a) de arminho, a qual nada tem que ver com os paramentos sacros.
No respeito pela vida, em todas as suas formas, e para recordar que também os animais são criaturas de Deus ou, para quem não crê, criaturas sencientes que têm o direito de viver como todas as outras; que sofrem, sentem a dor e o medo, quando se lhes provoca a morte com o fim de satisfazer as vaidades humanas em todas os seus aspectos”.

(a) Não estola, mas o gorro com bordo de arminho).

Como é óbvio, esta iniciativa serve de pretexto, digamos barulhento, a fim de melhor, e eficazmente, chamar a atenção.
Correu mundo e de todos os Continentes já chegaram mais de 4.500 adesões - até final de Setembro, querem recolher dez mil assinaturas.

Em colóquio com um jornalista do "Corriere della Sera" (Luigi Accattoli) e a propósito desta campanha, o arcipreste da Basílica de S. Paulo e “cultor da heráldica eclesiástica”, cardeal Andrea Cordero Lanza de Montezemolo, comentou: “Não há batalhas mais importantes para fazer? Está bem defender os arminhos, mas há criaturas humanas que mereceriam uma defesa prioritária e ninguém se ocupa”.
Se ninguém se ocupa, que faz a Igreja?

Quando lhe observaram que é uma batalha simbólica, tendo em vista uma aproximação do mundo animal e que se trata de animais que são mortos com extrema crueldade e com o exclusivo fim de produzir ornamentações ou peles que se podem dispensar, a “sensibilíssima Eminência" respondeu deste modo:
Nisso vejo o sonho de uma relação com os animais que ainda não está ao nosso alcance. Estes senhores sentir-se-iam capazes de renunciar a comer carne ou peixe? Se comemos os animais, então também podemos usá-los no vestuário, não lhe parece?”

Que míseros considerandos! Talvez mais próprios de um açougueiro que de um cardeal de quem se espera uma superior fineza de raciocínio.

Certamente que há seres humanos desventurados e cuja defesa é prioritária. Todavia, e dou um exemplo, não tenho visto, nas altas esferas eclesiásticas, aquela fortíssima e natural indignação - que seria de esperar - condenando as atitudes vexatórias, por vezes desumanas, do actual governo italiano contra imigrantes e ciganos. Refiro-me aos homens do Vaticano, não àquela parte do clero, louvável, que vive no meio das gentes, conhece perfeitamente os seus problemas existenciais e age em conformidade com a missão que escolheu.

Manifestaram, sim, uma espécie de censura, mas muito formal, a fim de não perturbar a excelente convivência com um governo de quem esperam amplas concessões e com quem estão em perfeita sintonia.
.
E tal sintonia manifestou-se nesta última semana.

O semanário “Família Cristã” tem publicado uma série de artigos, onde as críticas ao governo de Berlusconi são bem explícitas. Aliás, já antes o fizera com o governo de centro-esquerda, e justamente, pois são estas equidistâncias que enobrecem um bom jornalismo.

Sem ambages e com uma ironia pungente, os editoriais mais recentes fustigam várias acções de governo, muito discutíveis ou mesmo ridículas, e nenhuma atenuante lhes é concedida. Avançam mesmo a incerteza se não estará para renascer o fascismo sob novas formas.
No remate do último editorial, o director de Família Cristã escreve:
É excessivo pedir ao Governo que afugente a suspeita que, quando governa a direita, a tesoura se alarga e, deste modo, os ricos engordam e as famílias empobrecem?

Caiu o Carmo e a Trindade! As reacções dos alvejados explodiram, não somente com arrogância, intolerância e insultos, mas também com uma total falta de respeito pelo direito de opinião.
De novo, repito: em tantos anos, nunca conheci uma classe política italiana de tão baixo nível como a que constitui esta maioria. E neste conceito, em nada entram as minhas simpatias políticas. Tenho instrução e bom senso suficientes para saber julgar com equidade.

Pois bem, o Vaticano desceu a terreiro e padre Federico Lombardi, director da sala de imprensa do Vaticano, comunicou, urbi et orbi, que "Família Cristã" é uma publicação católica importante, “mas nenhum título possui para exprimir, quer a linha do Vaticano, quer a da Conferência Episcopal Italiana. As suas posições são responsabilidade exclusiva da sua direcção”.

O paralelismo surgiu-me de imediato: quando a mesma revista criticou duramente Prodi, assim como o seu governo de centro-esquerda, não houve igual tomada de posição da parte dos órgãos do Vaticano. Mudos!

Sendo assim, torna-se lícito perguntar: por que razão o Vaticano não manteve, agora, o mesmo silêncio? Naquelas salas e corredores vaticanos, não podem coabitar o bom senso, o sentido de oportunidade e igual respeito por qualquer facção política que suba ao governo do País? Ou será que as políticas conservadoras, próximas de um não muito velado autoritarismo, são as preferidas?

Não teria sido mais elegante, mais digno, se tivessem ficado calados?
Alda M. Maia

domingo, agosto 17, 2008

ARMINHOS E CAMAURO

Como se caçam os arminhos. Será esfolado vivo para não estragar a pele (fotolog.terra.com.br)

Bento XVI com o célebre camauro: um gorro invernal com um bordo de pele de arminho

domingo, agosto 10, 2008

QUALQUER COINCIDÊNCIA,
PURÍSSIMA CASUALIDADE


Quando quero afastar pensamentos difíceis de suportar, refugio-me naquilo a que chamo leitura amena, melhor dizendo: alegre. Uma destas são “os sonetos e as fábulas em verso do irónico fustigador da sociedade burguesa”: Trilussa.

Já várias vezes aqui me referi a este conhecido e muito citado poeta dialectal romano. Divertido, quando decide “alargar” o sufrágio universal - aliás, é sempre divertido!
Mas antes de continuar…

No Correio da Manhã do passado dia 4, lê-se uma reportagem muito completa sobre as “saídas da casa da democracia” – sugestiva esta imagem do Parlamento: a casa da democracia!

Deve ser uma casa bem pouco acolhedora, se já 38 deputados a abandonaram - “um aumento de 31% face a igual período na legislatura anterior” – e 119 suspenderam as funções.
Mas não se trata de bom ou mau acolhimento. Muito simplesmente, mais parece uma “casa” que se escolheu sem ter na devida conta o respeito pelo assento que cada um dos 230 deputados ocupa; sem o devido respeito pela única e importante função por que foram eleitos.
Representantes do povo? Dir-se-ia que uma boa percentagem, pouco edificante, apenas representa os próprios interesses. Mas isso não é novidade para ninguém.

O maior número de renunciadores são presidentes de câmaras ou ligados a cargos autárquicos.
Se já pensavam renunciar, por que se apresentaram ou se prestaram a ser escolhidos? Papel de caça-votos? E isso é honesto, seja perante o município que dirigem, seja perante o Parlamento? Os partidos que os incluíram na lista de candidatos agiram com seriedade? A caça ao voto tudo justifica?

Da “Casa da Democracia” também voaram outros parlamentares com destino a administração de empresas e escritórios de advogados. Um bom trampolim de voo!

Mas voltemos a falar do sufrágio universal de Trilussa, “alargado” aos animais.

****

Suffraggio universale” (escrito em dialecto romano)

Un’Aquila diceva: - Dar momento / che adesso c’è er suffraggio universale, / bisognerà che puro l’animale / ciabbia un rappresentante ar Parlamento; / dato l’allargamento, o prima o poi, / doppo le donne lo daranno a noi.

Ma allora chi faremo deputato? / Quale sarà la bestia indipennente / che rappresenti più direttamente / la classe animalesca de lo Stato? / E a l’occasione esterni er su’ pensiero / senza leccà le zampe ar Ministero?

Per conto mio, la sola che sia degna / de bazzicà la Cammera e connosca / l’idee de l’onorevoli è la Mosca, / perché vola, s’intrufola, s’ingegna, / e in fatto de partiti, sia chi sia, / passa sopra a qualunque porcheria!

1 gennaio 1914

****

Sufrágio Universal

Uma Águia dizia: - dado o caso
Que agora existe o sufrágio universal,
Torna-se necessário que também o animal
Tenha um representante no Parlamento.
Visto o alargamento, mais cedo ou mais tarde,
Depois das mulheres, dá-lo-ão a nós.

Mas então, quem faremos deputado?
Qual será o bicho independente
Que represente mais directamente
A classe animalesca do Estado
E que na devida ocasião manifeste o seu pensamento
Sem lamber as patas ao Ministério?

Na minha opinião, a única que seja digna
De frequentar a Câmara e conheça
As funções dos deputados é a Mosca:
Porque voa, intromete-se, inventa;
E no que diz respeito a partidos, seja quem for,
Passa por cima de qualquer porcaria!

Janeiro, 01-1914
.
****************
Alda M. Maia

domingo, agosto 03, 2008

A NOSSA DEMOCRACIA

Numa real democracia, obviamente deve existir uma perfeita separação dos três poderes que lhe servem de alicerce. Mais perfeito, ainda, o equilíbrio que os rege: os pesos e contrapesos que nunca permitirão a supremacia de qualquer um deles sobre os demais – os chamados checks and balances.
É a isto que chamo uma democracia séria e completa.

E já que falo de completude, não creio que a democracia portuguesa possa dizer-se completa.
Não concordo nem acho correcto o nosso sistema eleitoral, relativamente à escolha dos candidatos que nos representarão na Assembleia da República.

Nós votamos os partidos, mas são estes quem escolhe os seus próprios candidatos. Ora, bem sabemos dos critérios pouco ortodoxos, quanto a competência, como essa escolha, frequentemente, é efectuada.

Visto que ao comum eleitor não é concedido exprimir preferências, praticamente votamos de olhos fechados. Seja-nos então concedida a pretensão de esperar que, no Parlamento, haja pessoas com boa preparação, que estudem os dossiers, que conheçam as realidades do País que representam, saibam elaborar ou aprovar propostas de lei oportunas, úteis, bem articuladas, tecnicamente impecáveis.
Esperamos, também, não dever assistir à mediocridade de quem foi proposto como prémio da dedicação à facção política a que pertence ou de quem pensa que a política é a melhor carreira para se instalar, proficuamente, na vida.
Infelizmente, essa mediocridade não é moeda rara.

O Senhor Presidente da República, quinta-feira passada, decidiu, com a solenidade própria do cargo, falar ao País.
A única reserva que me atrevo a exprimir é se não teria sido melhor indicar, previamente, a matéria da comunicação. Contudo, em nada diminuiu o conteúdo da mensagem.

Se eu não estivesse dentro de uma larga informação sobre o modo de agir do actual governo italiano e que sintetizo com palavras de Luca Ricolfi do jornal "La Stampa", 03/08/2008: (…)“tendência neo-autoritária, ditadura da maioria, «golpe financeiro», expropriação do Parlamento, presidencialismo rastejante, em conclusão, excesso de poder do primeiro-ministro”; se não estivesse bem inteirada, repito, dos atropelos à Constituição, das ofensas às instituições que se verificam na maioria que governa a Itália e, consequentemente, os problemas criados ao Presidente Giorgio Napolitano, devo confessar que talvez não compreendesse a verdadeira essência da comunicação do nosso Presidente, Prof. Cavaco Silva, relativamente ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores.

Assim, melhor entendo que tem toda a razão, que fez bem em informar o País, concedendo ao assunto o realce que merecia.

Não é admissível o enfraquecimento de competências, quando estas servem para controlar e equilibrar os poderes e instituições democráticos.
Embora se trate de alterações constitucionais, antes de pensar efectuá-las, deveria sempre intervir o bom senso e a percepção nítida das competências da Presidência da República e do Parlamento, o que me parece foi esquecido.
Somente desta maneira se evitarão prováveis consequências negativas para o exercício de uma correcta democracia e mais equitativamente se aplicarão os pesos e contrapesos: nunca é de mais exigir o respeito absoluto e uma concepção integral deste princípio.

Para finalizar, só quereria dizer duas coisas, a propósito da Ilha da Madeira.
Primeiro, que o Prof. Cavaco Silva nunca deixe de usar a mesma atenção – e talvez mais severa – sobre o andamento democrático (por comodidade, chamemos-lhe democrático!) da Região Autónoma madeirense.

Segundo, exprimir as minhas perplexidades, a respeito dessa região.
Que mistério envolve a Ilha da Madeira, onde o Presidente do Governo Regional insulta tudo e todos com uma boçalidade que vai muito além do tolerável; vilipendia instituições; aplica as leis a seu bel-prazer; acha natural que se diga que "quem quer o luxo de ter ilhas deve pagar", isto é, nós; sem qualquer motivo, decentemente lógico, demite-se de presidente, levando à dissolução da Assembleia Legislativa da Madeira, apenas com o fim de reforçar o seu poder (quanto custaram estas eleições ao erário público?), etc., etc., etc. e não há uma Procuradoria-Geral da República que investigue tantas estranhezas ou uma entidade política que promova uma campanha, legítima, para dizer BASTA?
A que se deve tanta passividade? Ou somos nós que não compreendemos a “grandeza” de uma personagem tão elogiada por Jaime Gama, por exemplo?
Alda M. Maia