A CORTE DOS FARAÓS
Na imprensa e nos
demais meios de comunicação italianos, de há uma semana os holofotes têm sido
apontados com insistência e profunda atenção para o Vatileaks2, ou seja, a recente fuga de novos documentos delicados
do Vaticano e consequente detenção do prelado espanhol da Opus Dei, Lucio Angel
Vallega Balda e Francesca Chaouqui, uma senhora italiana que não se compreende
muito bem por qual motivo fazia parte da Comissão, instituída pelo Papa
Francisco, a fim de reexaminar toda a estrutura económico-financeira da Santa
Sé – “Comissão de estudo sobre
actividades económicas e administrativas”.
Houve busca de
informações sobre os candidatos para esta Comissão, mas no ambiente intramuros
instalara-se a cautela e desejava-se que a Comissão agisse rapidamente – assim comentam.
Resumindo, as duas personagens acima citadas,
vendo-se no meio de um turbilhão de factos ilícitos e inconcebíveis na Santa Sé,
são acusados de surripiar documentos reservados e passá-los a dois jornalistas,
acrescentando informações também essas delicadas e que provinham da
investigação em curso.
Precedentemente,
houvera outra fuga de documentos e informações a que chamaram Vatileaks –
digamos o Vatileaks1.
Mercê dessas
informações e documentos, dois jornalistas, também na semana passada,
publicaram dois livros que descrevem a corrupção e desregramento de altos e
influentes prelados: “Via Crucis” de
Gianluigi Nuzzi; “Avareza” de
Emiliano Fittipaldi.
O primeiro livro (“Via
Crucis”) descreve, sobretudo, o luxo desmedido de vários cardeais e as
residências principescas, de centenas de m2, onde vivem; as despesas
exorbitantes, desviando o dinheiro de obras de caridade.
“No
coração pulsante da Igreja há um buraco negro que Francisco descobre depois de
muitas dificuldades: uma má gestão que se transforma em burla e intrujice.
Graças à task force que pôs a funcionar com um golpe de mão sem precedentes, o
Papa consegue obter a certeza que os custos da Cúria têm sido mantidos, usando
fundos destinados aos necessitados. Um escândalo. Os dinheiros que chegam ao
Vaticano, enviados pelos católicos de todo o mundo para obras de caridade, não
vão para os pobres, mas servem para colmatar os buracos financeiros gerados
pelos cardeais e pelos homens que controlam o aparato burocrático do Vaticano”
(…)” – extracto publicado no site Huffington Post.
“Na Igreja há quem, em vez de servir,
serve-se: arrivistas agarrados ao dinheiro. Quantos sacerdotes e bispos!” - palavras amargas do popularíssimo
e muito estimado Papa Francisco.
Obviamente, muito
estimado pela generalidade dos católicos, mas visto com aversão e como uma grande
ameaça pelos tais arrivistas, dentro e fora da Igreja, sempre esfomeados de
luxos e poder e aos quais Papa Francisco não tem poupado censuras e advertências.
Muito citados também os
conceitos que Papa Francisco exprimiu numa entrevista a um jornal holandês:
“Desejaria sublinhar duas tentações. A Igreja
deve falar com a verdade e também com o testemunho da pobreza.
Se
um crente fala de pobreza, dos sem-abrigo e conduz uma vida de faraó, isto não se pode fazer: esta é a primeira
tentação.
A
outra tentação é a de estipular acordos com os governos. Podem fazer-se
acordos, mas devem ser acordos claros, acordos transparentes. Por exemplo, nós
administramos este palácio, mas as contas são todas controladas, a fim de
evitar a corrupção. Porque há sempre a tentação da corrupção na vida pública. Quer política, quer religiosa.”
As informações sobre
este tema atropelam-se. Quantos aspectos e pormenores para evocar e comentar!
Refiramos o que,
explicitamente, Papa Francisco disse ontem, no fim do Angelus, para o grande
público que enchia Praça São Pedro.
“Caros irmãos e irmãs: sei que muitos de vós estão perturbados pelas
notícias que circularam, nos últimos dias, a propósito de documentos reservados
da Santa Sé que foram subtraídos e publicados. Por este motivo, quero
dizer-vos, antes de mais, que roubar aqueles documentos é um crime. É um crime
deplorável que não ajuda.
Eu
mesmo tinha solicitado para que aquele estudo fosse feito. Aqueles documentos,
eu e os meus colaboradores, já os conhecíamos bem e foram tomadas medidas que
começaram a dar frutos, alguns visíveis.
Assim,
quero assegurar-vos que este triste
facto não me desvia, certamente, do
trabalho de reforma que estamos a levar para a frente com os meus
colaboradores e o apoio de todos vós. Sim, com o apoio de toda a Igreja, para
que a Igreja se renove com a oração e com a santidade quotidiana de cada
baptizado. Portanto, agradeço-vos e peço-vos para continuar a rezar pelo Papa e
pela Igreja, sem deixar-vos perturbar, mas andando avante com confiança e
esperança”
Se muito se explorou
sobre uma provável ignorância de Papa Francisco sobre tantas falcatruas dentro
do seu ambiente eclesial e tornadas públicas, ontem, Sua Santidade tirou todas
as dúvidas. Sabe e até saberá muito mais daquilo que foi revelado e do que se
passa dentro e fora do Vaticano.
Paralelamente,
advertiu corporações, poderes financeiros e um clero fundamentalista e
indecentemente mundano que não desiste de transformar a Igreja, desviando-a da “avidez, soberba e
hipocrisia”.
Pode estar certo que
tem o apoio, aplauso e estima de uma grande maioria destes crentes católicos e
de crentes de outras religiões.
Se o Papa usou a
metáfora “vida de faraó” sabia, concretamente, a quem referir-se.
Ver a santa Sé como
uma corte de faraós, francamente, enoja. Já aqui escrevi, há bastante tempo,
sobre “os homens do Vaticano”. Sempre os olhei com uma certa antipatia. Feria-me
a ostentação e falta daquela humildade que impõe respeito. Ali, a
espiritualidade, essência natural do ambiente, evolara-se, fugira assustada.
Também não suportava
a arrogância como se intrometiam na política italiana. Praticamente, impunham temas
sobre os quais não se devia legislar. Todavia, com os últimos papados, perderam
essa pretensão impositiva a que julgavam ter direito absoluto.
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