domingo, janeiro 29, 2006

COPYRIGHT NO VATICANO

Há já alguns meses, o cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado, emanou regras a fim que todas as encíclicas, discursos ou exortações apostólicas escritas por Bento XVI fiquem cobertas por direitos de autor

A "Livraria Editora Vaticana" possui todos os direitos sobre qualquer palavra escrita de Bento XVI. Assim, exclusivamente sob certas condições – nada ligeiras: em preço e modalidade – é permitida a publicação a qualquer outro editor.

O copyright tem valor retroactivo.
Segundo a Santa Sé: “ficam submetidas a copyright todos os escritos, os discursos e as alocuções do Papa. Seja daquele felizmente reinante, seja dos seus predecessores até 50 anos atrás.”

Segundo li, a uma editora, Baldini & Castoldi, que tinha usado trinta linhas de duas homilias de Ratzinger, ainda cardeal, numa antologia (guia ao pontificado), chegou-lhe uma injunção de pagamento: 15 mil euros de sinal sobre os direitos de autor mais 15% líquido sobre cada exemplar. Que apetite!

Tinha lido, na semana passada e no jornal La Stampa, uma entrevista a Vittorio Messori - autor muito ligado ao Vaticano - precisamente sobre esta matéria.
Nessa entrevista, mostrou todas as suas perplexidades, acabando por afirmar: “Estou muito surpreendido; como operação de imagem, é desastrosa”. Perfeitamente de acordo.

Em conclusão, editoras, jornais ou qualquer publicista devem estar muito atentos nas citações de escritos dos Papas de há cinquenta anos a esta parte.

Que a nível de livros se estabelecessem normas equilibradas, visto que no Vaticano existia um certo caos – segundo esclarece Vittorio Messori – é justíssimo. O que é difícil compreender é a cobrança de uma taxa, sobre as mensagens de apostolado, escritas por um papa! Quanto por cada palavra?
Alda M. Maia

segunda-feira, janeiro 16, 2006

"O Grito"
Edvard Munch (1863-1944)

Esta imagem deveria ter ilustrado o post precedente!

Alda M. Maia

domingo, janeiro 15, 2006

PENSAMENTOS VADIOS

Pela primeira vez, esta semana, tive ocasião de ver Manuel Alegre sorrir; a permitir-se mesmo uma franca gargalhada. Era hora!...
Sem dúvida que o seu cultor de imagem tem ali muito por onde aplainar… se é que Alegre o permite.

A boquinha à Edvard Munch do Prof. Cavaco Silva parece ter sido a imagem forte destas eleições. Refiro-me aos trejeitos faciais do Sr. Prof., quando lhe repetiram as críticas de Santana Lopes. Não duvidaremos que dará azo a que actores de mímica nela se inspirarão para exprimir, da maneira mais cómica, uma surpresa fingida. Irresistível!
A propósito de Edvard Munch: por onde andará “O Grito” roubado?

Os cartazes do Prof. Cavaco deixam-me perplexa: “Por um Portugal Maior”.
Maior em quê? E a que Portugal se refere? Se Portugal somos todos nós, e da parte que me toca não abdico, não me reconheço no Portugal do Prof. Cavaco Silva, qual será esse Portugal maior? Visto que o não votarei, fico banida desse aumento?
"Sei que Portugal pode vencer". Faço os mesmos considerandos do precedente parágrafo. Além disso, o Prof. Cavaco (ou quem por ele) não se conformando com a percentagem de votos necessária para ser eleito presidente, quer, por força, apresentar o facto como se todo o País vibrasse com tal victória? Eu não ficarei nada entusiamada, e depois?... Banida? Vencida? Nem uma coisa nem outra; simplesmente, entendo que um candidato não deve apresentar-se como se se tratasse da salvação do País. É apenas um candidato que se crê idóneo para o cargo de presidente, nada mais.

O Sr. Sócrates, quando ontem discursou a favor da campanha do Dr. Mário Soares, poderia ter evitado as flechadas a Manuel Alegre. Um véu de silêncio sobre um outro socialista candidato teria demonstrado elegância, bom gosto.

Escutas telefónicas: uma ampla anarquia e uma bela pessegada!
Assiste-se a um emaranhada e prolixa série de explicações; assim, até à data, ainda não percebi muito bem o que, efectivamente, aconteceu. Isto é, compreendi o que deve ser compreendido: cada um faz o que muito bem lhe apetece, pois os responsáveis destas operações dormem ou, oportunamente, “fecham para férias”.
Não é admissível que as escutas telefónicas se efectuem sem o rigor, cautela e restrição exigidas.
Sinto-me com curiosidade de saber aonde é que toda esta borrasca chegará. O pó levantou-se, revoluteou por cima das “cabeças a prémio”, pousar-se-á… e não sucederá nada. Normalmente, este é o guião de factos semelhantes.
Alda M. Maia

sexta-feira, janeiro 13, 2006

ARRIVEDERCI DEMOCRAZIA”

Sempre que vejo as intervenções de Berlusconi na TV ou mesmo qualquer reportagem sobre aquela personagem, não consigo dominar a repulsa e antipatia. De antemão, sei já que o ouvirei mentir com toda a naturalidade e vangloriar-se despudoradamente. E então apresenta-se-me sempre a mesma perplexidade: como foi possível eleger este homem primeiro-ministro!
Como é que há italianos que o votam, sobretudo depois das leis indecentes, a seu favor, que fez aprovar no Parlamento! E como é possível confiar nos partidos que formam a sua maioria e que votaram essas leis sem pestanejar e bem alinhadinhos, obedecendo ao patrão!

“ARRIVEDERCI DEMOCRAZIA”, é o título que o jornal La Repubblica (08/01/2006), deu a um artigo de Graham Allison – professor em Harvard Kennedy school of government – publicado em The Los Angeles Time, 2006.

Este artigo refere-se ao facto de a Rússia, proximamente, assumir a presidência do grupo G8 e dois senadores americanos – John McCain, republicano; Joe Lieberman, democrático - apresentarem “uma proposta de lei na qual se solicita, ao presidente Bush, que suspenda a presença da Rússia no G8”. As razões são “os ataques de Putin à democracia e à liberdade política”.

O caso serviu de pretexto ao autor para lançar uma das críticas mais severas que li até hoje sobre o “político” Berlusconi e o seu governo.
Começa por apresentar quatro perguntas – perguntas estas, segundo a minha opinião, que deveriam ser impressas em grandes cartazes e colocados em todas as cidades italianas, a ver se, finalmente, personagens desse género são banidas, irreversivelmente, da vida política.

EIS AS PERGUNTAS DE GRAHAM ALLISON:

1) Pode um Estado, guiado pelo cidadão mais rico e no qual uma parte importante dos empreendimentos privados dependem, em boa medida, dos favores de estado, ser membro do G8?
2) Pode um Estado, cujo líder controla pessoalmente todos os canais televisivos nacionais,
apresentar-se com títulos legítimos para tornar-se membro de um clube de democracias?
3) Pode um Estado, cujo líder reescreve as leis para salvar-se a si mesmo e os seus amigos da acusa de corrupção, superar o teste da democracia e do império da lei?
4) Pode um Estado, cujos dirigentes impõem mudanças na Constituição para favorecer o próprio partido nas eleições iminentes, sentar-se à mesma mesa da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos da América?

À pergunta n.º 3 eu acrescentaria: não somente reescreve as leis para torpedear e anular os processos nos quais se vê implicado, como cria novas leis para favorecer os seus interesses pessoais.

Franco Cordero – grande jurista e escritor, professor universitário – escreve frequentemente no jornal La Repubblica. O artigo de hoje (“A alegre barbárie sobre a Constituição”) fecha com esta frase: “O berlusconismo é egomania, recusa fóbica das normas, prepotência, fraude, ignorância”.
Em italiano corrente, apetecer-me-ia adicionar: uno schifo! (um nojo)
Alda M. Maia

domingo, janeiro 01, 2006

A SANDÁLIA DO PESCADOR

PAPA RATZINGER é, na essência da sua missão, um autêntico Vigário de Cristo ou apenas, e sempre, o intransigente guardião da Doutrina da Fé?

Agora, como Sumo Pontífice, a sua visão do mundo em que vivemos dilatou-se, abraçando toda a humanidade, ou continua “homem do Vaticano”? Como “homem do Vaticano”, entendo uma hierarquia religiosa quase exclusivamente ocupada na administração daquilo a que se poderia chamar “a política católica”.

Se é verdade que lançou uma campanha bem organizada (quer com o auxílio dos cardeais mais conservadores, quer com a potente intervenção da Opus Dei) para ser eleito papa, não me surpreende que privilegie o caminho da cruzada doutrinária.

A condenação do relativismo: “uma ditadura que não reconhece nada como definitivo”. Aonde quer chegar Bento XVI? A verdade e valores da Igreja Católica são únicos? Não existem outras verdades?
Numa democracia, onde frequentemente convivem crentes e não crentes, diversas religiões e concepções éticas, pode essa democracia laica não aplicar as regras de uma pacífica convivência? Não falemos já do mundo globalizado! Mas deixemos essas disquisições filosóficas para Pacheco Pereira (jornal Publico de 29 / 12 / 2005), visto entender que este será um Papa que eleva a “reflexão cristã” aos altos cumes da intelectualidade. Ficará então na história por essas altitudes intelectuais? Um excelso teólogo? E só por isso? Excessivo peso filosófico e redutiva acção para um Vigário de Cristo na terra.

Quando anunciaram que o novo papa seria o Cardeal Ratzinger, confesso que fiquei decepcionada. Sempre esperei na eleição do Cardeal Carlo Maria Martini, ex-Arcebispo de Milão. Que grande papa seria! Não menos intelectual de Bento XVI; talvez de espiritualidade mais alta e concentrada nos humildes e na modernidade em que nos movemos. Infelizmente, luta com o morbo de Parkinson, embora conviva serenamente com tal doença, segundo afirmou numa entrevista recente.
Se tivesse sido eleito papa - e isto é uma observação fora do contexto - tenho a certeza que jamais se intrometeria nas decisões do Governo e Parlamento Italianos, à semelhança do Papa João Paulo II. Começa a indispor o modo arrogante como, actualmente, o Vaticano, L’Osservatore Romano, e Conferência Episcopal Italiana pretendem arbitrar e gerir o laicismo da política de Itália. Dir-se-ia que a política italiana deve submeter-se à tutela vaticana.

Na última audiência pública – quarta-feira, dia 28/12 – Bento XVI dedicou a parte fundamental do seu discurso ao mistério da vida. A um certo ponto, diz: “Deus põe sobre o embrião o Seu olhar benévolo e amoroso e, como o escultor, plasma e forma a Sua criação artística, o homem” (conhecerá os sermões de Padre António Vieira?).

Muito bem, se Sua Santidade, ainda cardeal, asseverou que não é o Espírito Santo que inspira os cardeais na escolha do novo papa – consequentemente, não acredita nisso - então deve conceder-nos que não acreditemos na doutrina da Igreja quando impõe o “embrião como um indivíduo em tudo e por tudo, desde o momento da concepção. Nele estão já presentes as qualidades espirituais”.

A ciência, pelo contrário, informa que o embrião é um ser vivo, mas não uma pessoa humana. Para tal, “deveria existir um sistema nervoso completo e funcional, o que o embrião não possui” (Rita Levi Montalcini, Nobel da Medicina)
“Uma potencialidade de vida humana, uma agregação de células ainda sem uma precisa finalidade”.

Esta campanha em defesa do embrião, agora que tanto se fala das esperanças terapêutica das células estaminais, não me convence. Católica e crente, sim, mas não abdico do meu espírito crítico.

Quanto aplaudiria e admiraria o Papa se, em vez de defender com tanta insistência vidas potenciais embrionárias, usasse a mesma veemência numa vigorosa e ininterrupta campanha em defesa daquelas vidas já existentes e que tanto sofrem: fome, guerras, guerrilhas, opressões, abandono! Longe de mim a demagogia, porém, ainda não vislumbrei, nos discursos de Bento XVI, essa grande e inequívoca ânsia por tal parte da humanidade.

Paralelamente ao “anel do pescador”, seria belíssimo se, nas leis consuetudinárias que gerem a entronização de um novo papa, entrasse também a “sandália do pescador”, ainda que simbólica.
Alda M. Maia