segunda-feira, junho 30, 2014

MAS NEM TODOS SÃO LACAIOS

Li com muita atenção o artigo, “O soberano e os lacaios”, do professor catedrático jubilado, Mário Vieira de Carvalho, publicado, ontem, no jornal Público.
O Sr. Professor indicava “esse soberano a quem chefes de Estado e de Governo devem vergar-se como lacaios”, isto é, o capital financeiro.
«É ele que hoje encarna, mudando apenas de roupagem, o modo de governação do antigo regime: l’état c’est moi”.

Denúncias semelhantes têm sido publicadas, com grande regularidade e objectividade, nos mais diversos meios de informação. Qual a reacção da classe política, aquela classe que ambiciona e apregoa querer gerir e equilibrar com equidade todos os interesses e bem-estar dos vários países?

Por que razão deixa esse capital financeiro à rédea solta para uma engorda ávida de poucos e magreza deprimente dos muitos? Por que não intervém, equilibrando, justamente, o interesse de todos e regularizando as correrias selvagens desse mundo financeiro sem escrúpulos nem preocupações sociais e que tem como pensamento único a acumulação de dinheiro?

Para que serve, insisto, esta classe de eleitos? Precisamente, como diz o Prof. Vieira de Carvalho, para tudo subordinar à vontade do tal soberano, impondo “as tão badaladas reformas estruturais e austeridade”. Obviamente, usando uma roupagem do século XXI que se chama Pacto Orçamental.

Ademais, e agora entro na União Europeia, os puristas a quem tal estado de coisas tem favorecido economicamente – Alemanha, Holanda, Áustria, por exemplo - têm sido os maiores inimigos de qualquer flexibilidade que ajude a resolver ou atenuar problemas graves como o desemprego e recessão económica.
Lacaios ou oportunistas? Oportunistas. Os lacaios são outros Estados-membros da União; e Portugal é um deles, infelizmente.

Mas nem todos são lacaios. Ainda bem que há um refilão florentino que não se curva, quando defende os interesses do seu País. Refiro-me a Matteo Renzi, Primeiro-ministro italiano.

 Neste último vértice do Conselho Europeu, perante a insistência de Renzi contra os burocratismos europeus nos vínculos orçamentais, pedindo uma maior flexibilidade, a Senhora Merkel pontificou: “ Já concedemos muito, deveis contentar-vos. Não podemos ser mais explícitos”.
Reacção imediata de Renzi: “Não os ultrapassaremos, como a Alemanha em 2003, mas pretendemos clareza. Quem faz as reformas deve ter direito à flexibilidade”.
Embora a Chanceler alemã não tivesse esperado uma alfinetada daquele género, ficaram bons amigos e consultam-se frequentemente.

É preciso não esquecer que a Itália, segundo Eurostat, “vale 12% da inteira União Europeia no que concerne o PIB e está perfeitamente na média para uma série de importantes parâmetros económicos. Com a excepção (negativa) da dívida pública”.
Nunca pediu nada à Europa e é um dos principais financiadores da União. Precisa de reformas, sobretudo políticas, burocráticas e institucionais, que a façam regressar a um novo milagre económico. Tem capacidade para isso.  

Inicia-se o semestre de presidência italiana da União Europeia. Oxalá Matteo Renzi contribua para uma União mais atenta ao crescimento económico e combate ao desemprego do que à doentia imposição de pactos orçamentais, principal causa de um agravamento da crise.

Quanto ao servilismo do Governo português, está bem à vista nas cimeiras onde se discutem as causas da recessão económica, os défices e as dívidas soberanas dos Estados-membros.
Máxima atenção e respeito pelos equilíbrios orçamentais, sem dúvida, mas jamais esquecendo as consequências sociais que uma austeridade seca e desumana pode criar.

Aquando da troika, o que sempre me enojou foi a subserviência do nosso Governo no que concerne os actos e objectivos que deveria enfrentar e resolver. Uma subserviência que, francamente, me pareceu abjecta.

Não teria sido muito mais digno ter explicado àqueles representantes dos credores, de uma forma honesta - mas clara e explícita - que um Governo competente conhece os cidadãos e as realidades do seu país, logo, e melhor do que ninguém, sabe como e onde agir, o que privatizar ou não privatizar, a fim de endireitar as contas públicas e respeitar os seus encargos. Pode aceitar conselhos; jamais ordens ou imposições. Foi isto o que aconteceu?

Não, não aconteceu nem poderia acontecer. E por várias razões: não era nem é competente; não tem preparação nem experiência institucional para assegurar com firmeza que conhece as gentes portuguesas, os seus problemas, a realidade social e económica do país. Não tinha, portanto, aquela autoridade que, além da competência, uma séria e alta formação política concede a quem administra a coisa pública.

segunda-feira, junho 23, 2014

“O ITALIANO É A QUARTA LÍNGUA
MAIS ESTUDADA NO MUNDO”

No Corriere Della Sera de segunda-feira passada, dia 16, esta notícia surpreendeu muitos italianos.

ICON (Italian Culture on the Net), um consórcio de 19 universidades italianas com sede em Pisa. Nasceu em 1999, com o patrocínio de altas autoridades institucionais – Ministério dos Negócios Estrangeiros, Presidência da Câmara de Deputados, etc., etc.

O consórcio ICON associa 19 universidades italianas para promover e difundir, via telemática, a língua, a cultura e a imagem da Itália no mundo. Através do site www.italicon.it, estudantes estrangeiros e italianos residentes fora do país podem escolher dentro de uma oferta didáctica que compreende uma licenciatura trienal em Língua e cultura italiana, quatro master e uma ampla série de cursos de língua italiana”

Obteve adesões e consensos que ultrapassaram todas as expectativas e eis, portanto, a comprovação de que a língua italiana está em quarto lugar como língua mais estudada, depois do inglês, francês e espanhol.

Interessante a justificação do motivo deste sucesso dada pelo director de ICON, o professor Mirko Tavosanis:
“Creio a popularidade e a difusão da nossa língua, por vezes, maior do que idiomas de importantes potências económicas.
Certamente que o primeiro motivo é a cultura italiana. Todavia, não somente Dante, mas também os escritores contemporâneos, pois de igual modo é apreciada a narrativa, a poesia, a ensaística. Em seguida, influi muito a musicalidade do falar italiano e, obviamente, a lírica, na qual triunfa”.

Li este artigo de Marco Gasperetti com muito interesse e satisfação. E como não podia deixar de ser, uma profusão de associação de ideias, de comparações, de análises e contraposições invadiu o meu pensamento. Um sorriso divertido, todavia, suavizou essa invasão.

Não consegui averiguar, nesta classificação, qual a posição da língua portuguesa como idioma mais estudado, apesar do estrondo que o tem envolvido. Certamente que se afasta muito do terceiro lugar da língua de Cervantes.

Em Portugal, iniciativas culturais semelhantes ao consórcio das 19 universidades italianas não se conhecem. Nada de surpreendente, quando existe uma grande maioria de professores universitários que tão facilmente adoptaram e quiseram impor o novo acordo ortográfico. Quem assim procede, conhece em profundidade a própria língua? Qual a capacidade de respeito pela cultura portuguesa?   

Nestes últimos tempos, porém, a importância da nossa língua é mercadoria de grande projecção, de grandes contratos, de grande exibicionismo.
Atribuo a pressão inicial a uma certa elite brasileira. Pressão que não censuro, bem pelo contrário, pois defende e luta pela valorização da sua variedade da língua portuguesa. O que me desagrada é ver tanta actividade concentrada mais em motivos económicos que culturais e haver portugueses, subservientes, a engrossar a fileira.

Se são elites, culturalmente falando, não desconhecem que a cultura, uma boa preparação humanística abrem os cérebros para horizontes mais amplos e equilibrados. E sendo assim, o dinheiro, por exemplo, deixaria de ser o deus asfixiante do século XXI e tornar-se-ia no motor de uma economia socialmente eficiente e de grande progresso para um país: em todos os sentidos e em todos os campos da vida em comum.

Defendamos a língua, sim, mas sempre por razões nobres e identitárias; jamais por mercantilismos odiosos. E em uníssono com esse património, demos a conhecer a cultura, tradições, belezas de Portugal.
O “Italian Culture on the Net” seria um esplêndido exemplo para um idêntico consórcio de universidades portuguesas.

No dia 27 de Junho 2014 celebrar-se-ão os 800 anos de língua portuguesa. Rufarão os tambores, empolgar-se-á o número de falantes em todos os Continentes, e com justiça. Gostaria de os ver rufar pela suspensão do ultrajante acordo ortográfico, logo, pelo fim do abastardamento da língua mãe que deu origem às demais variantes.

E na esteira desse abastardamento, também que rufasse pelo fim do vocês que assassinou o pronome vós, regressando à sua posição de termo popular e, frequentemente, arrieiral. Não destruam as nossas formas verbais.
Paralelamente, acabar com a “variedade de Lisboa” como língua padrão.
Padrão de quê? Do vocês a torto e a direito e dos ditongos ultrajados?
Para mim nunca constituiu modelo e, como natural da “província”… quanta superioridade e pedantice nesta qualificação do Portugal que não é lisboeta! Pois como natural do Norte, ofende-me essa pretensão.

Termino com a opinião de Miguel Torga:
(…) “Como acontece com a área de qualquer embaixada, também Lisboa goza de não sei que sagrada extra-territorialidade dentro da pátria. Imunidades de toda a ordem permitem-lhe ser ao mesmo tempo a nação e a contra-nação. A nação, na triste medida em que só ela conta, só ela come, só ela sabe, só ela se diverte, só ela manda; a contra-nação, por todas essas razões. Empanturrada de poder e prazer, em vez de unificar a diversidade do país, cresta-os dos seus valores e degrada-os.” (…) – Lisboa, 17 de Julho de 1958 - Miguel Torga em: “Diário VIII”
Os sublinhados são meus. 

segunda-feira, junho 16, 2014

ENTREVISTAS INCONCEBÍVEIS
INCONCEBÍVEIS APARELHOS PARTIDÁRIOS

A classificar a já famosa entrevista de 10 de Junho ao jornal “Público” da Vice-Presidente do Partido Social Democrático, Teresa Leal Coelho, como “entrevista inconcebível” foi o Historiador Pacheco Pereira – Público, 14 de Junho.

Efectivamente, é inconcebível que uma Vice-Presidente de um dos dois maiores partidos do tal “arco da governação” tivesse demonstrado uma tão mísera preparação, expressa arrogantemente, sobre o alto significado do Tribunal Constitucional numa democracia.

Classifico esta entrevista como famosa, pois não só levantou grande celeuma na oposição, obviamente, como demonstrou até onde pode chegar a ignorância arrogante de elementos que têm responsabilidades partidárias.
Mas ponhamos a arrogância de lado e fixemo-nos na pior barbaridade que aquela Senhora quis transmitir.

As críticas que pude ler limitaram-se a invocar, em diversas gradações, o respeito devido ao Tribuna Constitucional, condenando as ameaças que a Sra. Leal Coelho não se coibiu de endereçar a esta importante instituição.
Penso que observações e críticas a quaisquer sentenças dos diversos tribunais devam ser aceitáveis, desde que não sejam reforçadas com ameaças e interpretações acintosas, obviamente.

Todavia, o que verdadeiramente me escandalizou foi o conceito, explicado com toda a naturalidade à entrevistadora, sobre o método de escolha dos juízes do TC. A este facto, apenas aludiu, dando-lhe o justo realce, um membro do PCP e Pacheco Pereira, no seu artigo de sábado passado.

Transcrevo as respostas de Teresa Leal Coelho sobre esse conceito:
Quando nós convidámos personalidades para um cargo no TC, naturalmente que lhes transmitimos aquela que era a nossa visão e naturalmente que também ouvimos essas pessoas. Aquele que era e é o nosso entendimento é que a visão de Portugal seria a de um país integrado na União Europeia e vinculado a compromissos como o do Tratado Orçamental” - conclusão, Egrégios Juízes: comanda o Pacto Orçamental, atirem com a Constituição para as urtigas e não nos aborreçam.

Não é tão fácil encontrar pessoas para se candidatarem ao Tribunal Constitucional, ao contrário do que se pensa. Alguns dos juízes cuja candidatura foi proposta por nós criaram a ilusão de que tinham uma visão filosófico-política que seria compatível com aquilo que é o projecto reformista que temos para Portugal no âmbito da integração na União Europeia. Nós tivemos a ilusão que esta era a perspectiva dos nomes que candidatámos a juízes do TC. Parece que não passou de uma ilusão”. – o sublinhado é meu.

Escolhem-se ou elegem-se os 13 juízes que formarão o Tribunal Constitucional segundo uma incontestável idoneidade jurídico-constitucional ou porque devam prestar vassalagem a quem os escolheu?
Um conceito vergonhoso; mais indecoroso ainda, quando provém de vice-presidentes de partidos que nos governam.

*****

OS INCONCEBÍVEIS APARELHOS PARTIDÁRIOS. Inconcebíveis, quando estes aparelhos partidários se afastam de uma normal organização que garante uma representatividade séria e esforçada dos seus eleitores.
Observando o que se está a passar no Partido Socialista, primeiro surge a estupefacção; em seguida, uma irritação profunda.  

É inconcebível que, acima de tudo, estejam os estatutos, os posicionamentos hierárquicos dentro do partido, a sede indisfarçada de um actual ou futuro poder desses instalados no partido.

É inconcebível, portanto, que não haja a mínima preocupação com o que pensa quem lhes concede o seu voto e lhes garante a consistência de um partido que deveria defender, decidida e indefectivelmente, princípios, ideias, programas, iniciativas que lançariam o país no caminho do progresso e bem-estar comum. É isto o que fazem esses aparelhos partidários? Não.

Não estamos aqui por jogos de poder, estamos aqui por Portugal. Para reafirmar que a política pode e deve ser feita a pensar nas pessoas e em princípios e valores” – assim declamava o Secretário-geral, António Seguro, sábado passado.

Expressões muito bonitas, mas tão gastas! Tão abusadas e sempre atraiçoadas! Não seria mais aconselhável omitir retóricas em quem já ninguém acredita e pôr em acto atitudes renunciatórias, se estas servem para uma maior credibilidade do partido?
  
Se pensam nas pessoas, auscultem-nas e ponderem bem o que pensam os eleitores, os vossos potenciais eleitores e não só, e saberão como dar avio a uma renovação de um partido que infunda confiança e esperança. É a opinião destes eleitores que deve contribuir com maior peso para as vossas decisões.

E, por favor, poupem-nos os pregões da falta de lealdade, solidariedade e quejandos, referindo-se a quem se considera adversário dentro do partido. 
Se António José Seguro está aí por Portugal, recorde que é ao nosso país, sobretudo, que é devida lealdade absoluta e absoluta solidariedade aos seus habitantes. Se deve renunciar ao que quer que seja e o fará, só então demonstrará que é aquele bom político que pretende reconhecimento. 

segunda-feira, junho 09, 2014

DEMOCRACIA,
QUANTAS ARBITRARIEDADES EM TEU NOME!

É indiscutível que as últimas eleições europeias puseram a descoberto, relevando-as, as arbitrariedades dos mais fortes e a desastrosa  mediocridade da classe política europeia - mediocridade técnica e política. É certo que a mesma já fora insistente e anteriormente apontada e descrita por vários observadores, todavia, era e é apresentada quase como um facto normal, inelutável.

Não, não é normal nem inelutável, se falamos de países onde vige a democracia. Porém, qual democracia? A democracia no seu verdadeiro significado ou o abuso e manipulação de todos os princípios que a regem e que sempre deveriam ser defendidos?

Não quero entrar nas políticas dos países singulares, mas no género de democracia vigente nas instituições da União Europeia.

Houve cinco candidatos, de diversas cores políticas, para a presidência da Comissão. Falou-se amplamente da importância que assumiria o Parlamento Europeu na escolha dessa presidência.
Qual o resultado? O Conselho Europeu, isto é, o Estado ou os poucos Estados que se crêem hegemónicos, para quem a opinião dos demais Estados-membros conta zero, levantaram a voz e lançaram os seus diktats.

O Primeiro-ministro britânico, David Cameron, opõe-se à nomeação de Jean-Claude Juncker, candidato do partido vencedor. Se for nomeado, a Grã-Bretanha sairá da União Europeia.
Donde provém tanta arrogância, além do atropelo às regras democráticas?
  
Prepotentemente, surge a Senhora Merkel a propor o nome de Christine Lagarde, nome absolutamente alheio à contenda eleitoral.

Depois dos desastres provocados pela austeridade que a troika impôs aos países necessitados de ajuda financeira, onde está a sensibilidade e, também neste caso, o respeito pelas regras democráticas da Chanceler alemã, quando sugeriu Christine Lagarde, Directora do FMI, logo, uma parte da troika que tanto concorreu para, contrariamente ao que se esperava, mais afundar esses países que requereram ajuda e solidariedade?

Pensar nos interesses nacionais não é criticável; torna-se aberrante quando esses interesses se impõem, asfixiando os interesses de outros Estados-membros da União. Desgraçadamente, neste sentido, a política da Alemanha é um exemplo incontestável.

É interessante recordar que a Alemanha foi a primeira a não respeitar os famosos vínculos (défice não superior a 3% do PIB; débito inferior a 60% do PIB). No momento oportuno ninguém a chamou à ordem, obviamente. Hoje, tornam-se intragáveis a sobranceria e intransigência alemãs, tanto mais que também nunca prestou contas dos excedentes da sua economia fora das normas que deveriam ser respeitadas!

Certamente que tais factos não servem de atenuante aos precedentes desmandos da nossa despesa pública e que medidas rigorosas, portadoras de sacrifícios, se impunham. O que desagrada são, precisamente, essas intransigências que, analisando os factos, obtiveram a fuga de ingentes capitais para a Alemanha e os países satélites do Norte, proporcionando-lhes financiamentos com taxas de juro baixíssimas. É isto a União Europeia?
E a democracia, nisto a que pomposamente se chama “União Europeia”, por onde anda? Perante tantos arbítrios, abusos, prepotências, quem a viu? Procura-se!

Voltando a David Cameron e às suas tácticas em relação aos eurocépticos, torna-se divertida a leitura de certos tiques de Nigel Farage, líder do UKIP, assim como os de outros colegas de partido.

Do Sr. Nigel Farage, cujo partido se bate virulentamente contra a imigração e a evasão fiscal dos ricos e das empresas, veio a saber-se que é um espertalhão na fuga ao fisco.
Descobriu-se, o ano passado, que abrira um fundo num paraíso fiscal a fim de pagar menos impostos. Justificação perante os eleitores: “Fui um estúpido, mas, no fim de contas, não sou rico e nunca o serei”. Desculpa mais esfarrapada do que esta, somente a de um imbecil.
A coisa, porém, não ficou por aqui.

Ultimamente, Nigel Farage admitiu “ter facturado, em 2013, através de uma sociedade da qual é proprietário – Thorn in the Side Limited - todos as remunerações da sua presença na televisão e dos eventos para os quais fora convidado. Deste modo, pagou ao fisco apenas 20% das 40 mil libras que ganhou, em vez de 40%”.
Indivíduos deste jaez, quantos se poderão contar no Parlamento Europeu?

O eurodeputado Nathan Gill - sempre do UKIP de Farage – “desmascarado por um quotidiano galês, admitiu empregar, nas próprias empresas, numerosos imigrantes filipinos e do leste da Europa, amontoados em dormitórios, apesar de uma campanha eleitoral fundada sobre o bloqueio imediato da imigração que roubaria o trabalho aos ingleses.
Explicação de Nathan Gill: “Mas nós não dizemos que é necessário travar a imigração; apenas pôr-lhe um limite”.

Não me surpreendem factos deste género e personagens ou aspirantes políticos que ludibriam os eleitores potenciais. Entristece-me quem (ingenuamente?) se deixa ludibriar e os premeia, concedendo-lhes a sua confiança e seu voto.  

segunda-feira, junho 02, 2014

A FULGURAÇÃO DE “O PORTUGUÊS ATUAL”

Uma cara amiga teve a preocupação de recortar um artigo do “Jornal de Notícias” com o seguinte título: “Do horror ao amor pela nova escrita”.
Como conhece a minha indefectível discordância sobre o Acordo Ortográfico, quis recortá-lo a fim de que eu lesse a notícia do lançamento do livro “Português Atual”, no Porto, no auditório do mesmo jornal. A autora é a professora e formadora Lúcia Vaz Pedro, cronista do JN.

Esta Senhora Professora, na apresentação do seu livro, asseriu: “Eu era contra o Acordo Ortográfico. Quando uma editora me propôs uma publicação sobre ele, quase os insultei. Tenho uma formação clássica em latim e foi um horror (…) “Dei-me ao trabalho de me preocupar e perceber o Acordo Ortográfico, que a maior parte das pessoas não faz”… 
E surgiu a fulguração do “português atual”!

Que me perdoe a gentil senhora Dra. Lúcia Vaz Pedro, mas este género de fulgurações de Damasco, quando envolve uma intensa actividade editorial e vários encargos de professora e formadora – o seu currículo assim o indica - deixa-me muito, mas muito perplexa.
Não vejo esta Senhora como uma profunda e insaciável estudiosa, mas uma simples profissional da matéria que ensina e sem que isto lhe roube qualquer mérito, obviamente.

Esclarece que tem uma “formação clássica em latim”; tem o Curso Superior de Francês e Curso Superior de Italiano. Espero seja lícito perguntar: toda essa excelente formação e bom conhecimento de línguas novilatinas não a levaram a confrontar a evolução da língua materna, também esta língua românica, com as línguas co-irmãs? Certamente que sim, não o quero pôr em dúvida. Que lhe parece, então, o “português atual” com a riqueza etimológica das demais línguas românicas?

Como prevê a futura ortofonia da nossa língua materna com o seu “português atual”? Pensa que não sofrerá alterações? Pensa que não será afectada … perdão, “aftada”?

Vejamos o que diz Mendes Dos Remédios, na sua “ Introdução À História da Literatura Portuguesa” – terceira edição, 1911 – acerca das vogais átonas:
(…) Em qualquer caso e para qualquer vogal, quer pretónica, quer postónica, a observação mostra a sua fraca consistência, tendendo todas para se abrandarem e enfraquecerem dominadas pela sílaba principal, sobretudo quando não são protegidas por alguma consoante.
 Isto foi escrito há um século: o mesmo princípio nunca foi alterado.

Essas consoantes que a falácia dos “comerciantes de palavras” condenou à decapitação, como a ilustre professora e formadora Lúcia Vaz Pedro sabe, não são apenas etimológicas, mas diacríticas, importantemente diacríticas na língua portuguesa. Esta língua que nós, portugueses, falamos e escrevemos, melhor dizendo: a língua que, eufónica e ortograficamente, nos identifica. Mas não esqueçamos, entretanto, os países africanos de língua portuguesa.

A Dra. Lúcia V. Pedro não acha que rasa o pretensiosismo, quando concluiu que, contrariamente ao seu exemplo, “a maior parte das pessoas não se preocupou de estudar e compreender o Acordo Ortográfico”?
Não lhe parece que ofende grandes nomes da nossa verdadeira e alta intelectualidade, e cito apenas um: Vasco Graça Moura?
Não lhe parece que ofende tantos professores do Ensino Secundário e Superior, escritores e óptimos jornalistas que se opõem tenazmente a este aviltamento do português de Portugal?   
Bem, sempre se disse que “presunção e água benta cada um toma a que quer”. Na presunção, a Senhora é um exemplo.  

São penosas as palavras do director do “Jornal de Notícias”, quer por falta de originalidade, quer pela pobreza e incongruência de uma argumentação sem quaisquer bases aceitáveis. Vejamos:
“A importância da uniformização do português, tal como é o objectivo do Acordo Ortográfico. A língua portuguesa diz respeito a 244 milhões de falantes em todo o mundo. A aproximação ao português do Brasil impunha-se pelo plano global em que nos movemos”. Como europeus, pensamos às vezes de uma forma eurocêntrica, mas hoje em dia esse pedestal já não é verdade”.

 E assim se vende a mercadoria; assim se espezinha a dignidade de um património cultural, o que não justifico nem aceito; assim se ofende uma maioria que não aceita subserviências a falsos conceitos, como a uniformização da língua, o que é uma grande estupidez, por irreal; assim se publicam livros e medram os autores.

Quero terminar, citando parte de uma carta, que me fez sorrir, de Augusto Moreno, professor e filólogo – verdadeiro filólogo – dirigida àquele a quem consideram o maior estudioso da língua portuguesa, o Professor Rebelo Gonçalves, sobre o Acordo Ortográfico de 1945 – acordo levado ao fim por pessoas competentes e a quem jamais se lhes aplicaria a classificação de “comerciantes de palavras”.

(…) No tocante ao Acordo Ortográfico, não quero terminar sem agradecer muito de alma a V. o ter livrado os meus nervos da tortura que lhes seriam as “Seleções”, os “diretores”, os “Antônios” e os “barômetros”, se tivessem passado. Ainda bem que não. Só por isto, eu considero que Portugal obteve uma grande vitória, da qual se devem todas as graças ao (…) filólogo português.