SERÁ UM ACORDO ORTOGRÁFICO,
CACOGRÁFICO OU “CAOGRÁFICO”?
"In Portogallo si parlerà «brasiliano»
Il Parlamento di Lisbona approva il progetto: si adegua la lingua agli standard dell’ex colonia".
Título e subtítulo de um artigo do "Corriere della Sera" sobre a aprovação do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico, na Assembleia da República.
"Em Portugal falar-se-á «brasileiro».
O Parlamento de Lisboa aprova o projecto: adapta-se a língua às normas da ex-colónia”.
Pensei não voltar a escrever sobre este assunto. Todavia, o que li no jornal italiano, e que me deixou “a boca amarga”, levou-me a mudar de ideias
****
O autor do artigo – Rocco Cotroneo - parece ter uma opinião muito própria no modo de interpretar a aprovação do Acordo. Mas será pessoal ou é mesmo a realidade que se impõe e, portanto, a interpretação não poderia ser diferente?
Respigo algumas passagens.
(…) Só dez milhões de pessoas falam português onde a língua nasceu, enquanto no resto do mundo são 220 milhões, em grande parte brasileiros: era bem previsível que quem deveria sucumbir, no processo de unificação, fosse precisamente Portugal, e assim aconteceu.
(…) Quase todas as modificações desviam as regras para o uso brasileiro da língua, muito simplificadas de há séculos.
(…) Os fautores da reforma sustentam que os benefícios serão consideráveis; desde a busca via Internet à linguagem jurídica internacional.
(…) À capitulação opuseram-se, até ao fim, os puristas do idioma que entregaram uma petição de 33.000 assinaturas aos deputados, a fim de votarem contra a reforma. Mas não houve nada que fazer - o negrito é meu
****
Em Angola, Moçambique e os demais países africanos, não creio se use o português brasileiro. Poderá haver muitas variações fonéticas e semânticas, inevitáveis e naturais, mas o português é o de Portugal, por enquanto.
Somos dez milhões no nosso País: não esqueçamos as comunidades portuguesas que vivem no estrangeiro e que somam alguns milhões.
Benefícios consideráveis na busca via Internet e linguagem jurídica?!
Acaso vivemos num país de inteligências limitadas, com escassez de cérebros capazes de criar programas informáticos à altura de um país de língua românica!?
Acorrerão e ocorrerão então as fórmulas brasileiras, dando-nos boleia informática, a nós, «bárbaros» da Península Ibérica?
Ai a nossa falta de auto-estima que induz os de fora a apoucar-nos!
“À capitulação opuseram-se os puristas da língua”.
Frase bastante infeliz ou, pelo menos, irritante: irritante quanto ao vocábulo “capitulação” … visto que não está longe da verdade; errada, quando reduz os opositores a puristas da língua.
Antes de puristas, vejo-os como defensores da estrutura da língua que falamos e escrevemos. No número destes opositores, avultam os profundos conhecedores do nosso idioma, os quais usam argumentos sólidos para contestarem o modo estranho como gizaram, aprovaram e impõem o Acordo.
Acerca desta grande polémica, li atentamente as intervenções, opostas, de Vasco Graça Moura e Carlos Reis, na audição pública promovida pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República.
Enquanto o Professor Carlos Reis desenvolve uma tese mais tribunícia que técnica, portanto retórica e não convincente - ao contrário do que esperaríamos, dado o seu currículo académico - o Dr. Vasco Graça Moura, embora entregue a negros pessimismos, vai ao cerne da questão e, com dados tecnicamente irrefutáveis, aponta incorrecções e alterações inaceitáveis para a estrutura do nosso português.
Informa, também, que não se consultou “nenhuma Universidade portuguesa, o Conselho de Reitores, a Associação Portuguesa de Escritores, a Sociedade de Língua Portuguesa; não se ouviu o parecer negativo da Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário”.
Devemos concluir que temos aqui o caso do sapateiro que foi além da chinela?
Já possuía prontuários ortográficos com as alterações, detalhadas, do Acordo de 1991; adquiri, nestes últimos dias, o “Guia Prático” da Porto Editora.
Não descurei a leitura dos textos publicados – a favor e contra - que melhor me informassem. A minha opinião é sempre a mesma: este Acordo, na sua totalidade, não beneficia o português de Portugal. Aceitá-lo, na íntegra, é errado, errado, errado.
Considero-o um Acordo inconsequente, submisso, caótico.
O observador italiano tem razão: capitulámos! E capitulámos perante vantagens hipotéticas de uma unidade que, naturalmente, não existe nem jamais existirá.
Achatámo-nos, ou fizeram-nos achatar, á ortografia brasileira sem considerarem a ortoépia caracterizadora da nossa linguagem.
Se o único objectivo será ver o português como língua oficial na ONU e profetizam que só o português brasileiro tem foros de legitimidade, pelo maior número de falantes, saibam as autoridades competentes dar mais vigor e incisividade à expansão da nossa língua, - o que, infelizmente, nunca fizeram. Exijamos, depois, versão dupla. É um fenómeno corrente; não vejo onde esteja o problema.
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CACOGRÁFICO OU “CAOGRÁFICO”?
"In Portogallo si parlerà «brasiliano»
Il Parlamento di Lisbona approva il progetto: si adegua la lingua agli standard dell’ex colonia".
Título e subtítulo de um artigo do "Corriere della Sera" sobre a aprovação do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico, na Assembleia da República.
"Em Portugal falar-se-á «brasileiro».
O Parlamento de Lisboa aprova o projecto: adapta-se a língua às normas da ex-colónia”.
Pensei não voltar a escrever sobre este assunto. Todavia, o que li no jornal italiano, e que me deixou “a boca amarga”, levou-me a mudar de ideias
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O autor do artigo – Rocco Cotroneo - parece ter uma opinião muito própria no modo de interpretar a aprovação do Acordo. Mas será pessoal ou é mesmo a realidade que se impõe e, portanto, a interpretação não poderia ser diferente?
Respigo algumas passagens.
(…) Só dez milhões de pessoas falam português onde a língua nasceu, enquanto no resto do mundo são 220 milhões, em grande parte brasileiros: era bem previsível que quem deveria sucumbir, no processo de unificação, fosse precisamente Portugal, e assim aconteceu.
(…) Quase todas as modificações desviam as regras para o uso brasileiro da língua, muito simplificadas de há séculos.
(…) Os fautores da reforma sustentam que os benefícios serão consideráveis; desde a busca via Internet à linguagem jurídica internacional.
(…) À capitulação opuseram-se, até ao fim, os puristas do idioma que entregaram uma petição de 33.000 assinaturas aos deputados, a fim de votarem contra a reforma. Mas não houve nada que fazer - o negrito é meu
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Em Angola, Moçambique e os demais países africanos, não creio se use o português brasileiro. Poderá haver muitas variações fonéticas e semânticas, inevitáveis e naturais, mas o português é o de Portugal, por enquanto.
Somos dez milhões no nosso País: não esqueçamos as comunidades portuguesas que vivem no estrangeiro e que somam alguns milhões.
Benefícios consideráveis na busca via Internet e linguagem jurídica?!
Acaso vivemos num país de inteligências limitadas, com escassez de cérebros capazes de criar programas informáticos à altura de um país de língua românica!?
Acorrerão e ocorrerão então as fórmulas brasileiras, dando-nos boleia informática, a nós, «bárbaros» da Península Ibérica?
Ai a nossa falta de auto-estima que induz os de fora a apoucar-nos!
“À capitulação opuseram-se os puristas da língua”.
Frase bastante infeliz ou, pelo menos, irritante: irritante quanto ao vocábulo “capitulação” … visto que não está longe da verdade; errada, quando reduz os opositores a puristas da língua.
Antes de puristas, vejo-os como defensores da estrutura da língua que falamos e escrevemos. No número destes opositores, avultam os profundos conhecedores do nosso idioma, os quais usam argumentos sólidos para contestarem o modo estranho como gizaram, aprovaram e impõem o Acordo.
Acerca desta grande polémica, li atentamente as intervenções, opostas, de Vasco Graça Moura e Carlos Reis, na audição pública promovida pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República.
Enquanto o Professor Carlos Reis desenvolve uma tese mais tribunícia que técnica, portanto retórica e não convincente - ao contrário do que esperaríamos, dado o seu currículo académico - o Dr. Vasco Graça Moura, embora entregue a negros pessimismos, vai ao cerne da questão e, com dados tecnicamente irrefutáveis, aponta incorrecções e alterações inaceitáveis para a estrutura do nosso português.
Informa, também, que não se consultou “nenhuma Universidade portuguesa, o Conselho de Reitores, a Associação Portuguesa de Escritores, a Sociedade de Língua Portuguesa; não se ouviu o parecer negativo da Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário”.
Devemos concluir que temos aqui o caso do sapateiro que foi além da chinela?
Já possuía prontuários ortográficos com as alterações, detalhadas, do Acordo de 1991; adquiri, nestes últimos dias, o “Guia Prático” da Porto Editora.
Não descurei a leitura dos textos publicados – a favor e contra - que melhor me informassem. A minha opinião é sempre a mesma: este Acordo, na sua totalidade, não beneficia o português de Portugal. Aceitá-lo, na íntegra, é errado, errado, errado.
Considero-o um Acordo inconsequente, submisso, caótico.
O observador italiano tem razão: capitulámos! E capitulámos perante vantagens hipotéticas de uma unidade que, naturalmente, não existe nem jamais existirá.
Achatámo-nos, ou fizeram-nos achatar, á ortografia brasileira sem considerarem a ortoépia caracterizadora da nossa linguagem.
Se o único objectivo será ver o português como língua oficial na ONU e profetizam que só o português brasileiro tem foros de legitimidade, pelo maior número de falantes, saibam as autoridades competentes dar mais vigor e incisividade à expansão da nossa língua, - o que, infelizmente, nunca fizeram. Exijamos, depois, versão dupla. É um fenómeno corrente; não vejo onde esteja o problema.
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ACORDO "CAOGRÁFICO"
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O elemento de composição cao (caos) existe (Houaiss). Visto que neste Acordo a ortografia, em certas bases, passará a ser à la carte, isto é, da lista poderemos escolher o que mais nos agrade, seja-me permitido criar um neologismo: caografia.
Vejamos alguns exemplos do que considero caos gráfico: infecioso ou infeccioso; amigdalite ou amidalite; amnistia ou anistia; facto ou fato; indemnizar ou indenizar, etc., etc., etc.
Chegamos a dicção ou dição. Que faz ali o ou, quando se trata de duas palavras de significado diferente?
Dicção = maneira de dizer ou de pronunciar, etc. (lat. dictione); dição = domínio (lat.ditione).
O Dr. Carlos Reis fala muito das incoerências da língua portuguesa. Cita os vocábulos herbanário e ervanário, a abundância das homografias. Neste sentido, alonga-se em múltiplos exemplos. Frágeis, a meu ver, para aquilo que defende.
O elemento de composição cao (caos) existe (Houaiss). Visto que neste Acordo a ortografia, em certas bases, passará a ser à la carte, isto é, da lista poderemos escolher o que mais nos agrade, seja-me permitido criar um neologismo: caografia.
Vejamos alguns exemplos do que considero caos gráfico: infecioso ou infeccioso; amigdalite ou amidalite; amnistia ou anistia; facto ou fato; indemnizar ou indenizar, etc., etc., etc.
Chegamos a dicção ou dição. Que faz ali o ou, quando se trata de duas palavras de significado diferente?
Dicção = maneira de dizer ou de pronunciar, etc. (lat. dictione); dição = domínio (lat.ditione).
O Dr. Carlos Reis fala muito das incoerências da língua portuguesa. Cita os vocábulos herbanário e ervanário, a abundância das homografias. Neste sentido, alonga-se em múltiplos exemplos. Frágeis, a meu ver, para aquilo que defende.
Se assim não fosse, para quê aumentar, no novo Acordo, a babel nesse campo da semelhança dos significantes? É isto coerência?
Não quero demorar-me sobre a supressão das consoantes mudas ou não articuladas. Basta dizer que passou por ali uma foice implacável. Nenhum dos obreiros desta ceifa deve estar muito familiarizado com a nossa tendência para emudecer as sílabas átonas, sobretudo quando incluem as vogais e, o. Assim, com o andar dos tempos, não será estranho ler-se injção por injèção; adutar por adòtar; a estes exemplos podem juntar-se muitos e muitos outros.
Nenhum desses ceifeiros ponderou que, no Brasil, as vogais pronunciam-se todas e claramente. Logo, regras iguais, neste sector, são absurdas – abissurdas, à boa maneira do Brasil – mas os entusiastas do Acordo, sobre este problema, deslizam.
Não quero demorar-me sobre a supressão das consoantes mudas ou não articuladas. Basta dizer que passou por ali uma foice implacável. Nenhum dos obreiros desta ceifa deve estar muito familiarizado com a nossa tendência para emudecer as sílabas átonas, sobretudo quando incluem as vogais e, o. Assim, com o andar dos tempos, não será estranho ler-se injção por injèção; adutar por adòtar; a estes exemplos podem juntar-se muitos e muitos outros.
Nenhum desses ceifeiros ponderou que, no Brasil, as vogais pronunciam-se todas e claramente. Logo, regras iguais, neste sector, são absurdas – abissurdas, à boa maneira do Brasil – mas os entusiastas do Acordo, sobre este problema, deslizam.
Relativamente a essas consoantes, podemos ler o que indica o excelente "Tratado de Ortografia de Língua Portuguesa" de Rebelo Gonçalves:
(…) Ocorrem em seu favor outras razões, como a tradição ortográfica, a similaridade do português com as demais línguas românicas e a possibilidade de, num dos dois países, exercerem influência no timbre das referidas vogais (a, e, o). (o negrito é meu)
Há outra pérola que me deixou desconcertada: passar-se-á a escrever Egito, mas manter-se-á egípcio. Qual a lógica em tudo isto?
Há sensatez na eliminação de acentos que são óptimos elementos para uma pronúncia correcta? Retorno ao que escrevi atrás: escutaremos veém em vez de vêem; creém por crêem, deém por dêem, leém por lêem - será uma questão de tempo.
Outros acentos, que penso nunca deveriam ser postos em causa, ficam à vontade do freguês.
Acabo como iniciei: ortografia, cacografia ou caografia?
(…) Ocorrem em seu favor outras razões, como a tradição ortográfica, a similaridade do português com as demais línguas românicas e a possibilidade de, num dos dois países, exercerem influência no timbre das referidas vogais (a, e, o). (o negrito é meu)
Há outra pérola que me deixou desconcertada: passar-se-á a escrever Egito, mas manter-se-á egípcio. Qual a lógica em tudo isto?
Há sensatez na eliminação de acentos que são óptimos elementos para uma pronúncia correcta? Retorno ao que escrevi atrás: escutaremos veém em vez de vêem; creém por crêem, deém por dêem, leém por lêem - será uma questão de tempo.
Outros acentos, que penso nunca deveriam ser postos em causa, ficam à vontade do freguês.
Acabo como iniciei: ortografia, cacografia ou caografia?
Alda M. Maia