segunda-feira, abril 27, 2015

INAUDITO!

 Iniciamos pela leitura do título, a curiosidade agudiza-se, o interesse pelo assunto que será desenvolvido aumenta.
Comunicação social ameaça não fazer cobertura das legislativas”.
O que motiva esta decisão? Está resumido no subtítulo: “PSD, PS e CDS querem obrigar os media a apresentar planos prévios de cobertura de campanhas eleitorais a uma comissão mista. Há sanções pesadas para quem não cumprir”.

A primeira reacção é de espanto, mas imediatamente explode a indignação. Com qual direito, com qual justificação estes eleitos do povo se atrevem a insultar um dos fundamentais direitos de um Estado democrático qual é a liberdade de imprensa, de informação, de opinião?
Mas vejamos os autores principais.

Inês de Medeiros (PS), Carlos Abreu Amorim (PSD) e Telmo Correia (CDS) formaram um grupo de trabalho que se ocupou, durante meses, de um projecto de lei sobre imposições à liberdade de imprensa nos serviços editoriais em períodos de campanhas eleitorais e referendos.   

Em resumo. Junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE) é criada uma comissão mista formada por elementos da CNE e da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC).
Os órgãos de comunicação social que façam cobertura jornalística do período eleitoral entregam à comissão mista, antes do período da pré-campanha, o seu plano de cobertura dos procedimentos eleitorais, identificando, nomeadamente, o modelo de cobertura das acções de campanha das diversas candidaturas que se apresentem a sufrágio, a realização de entrevistas, de debates, de reportagens alargadas, de emissões especiais ou de outros formatos informativos”.

Compete à comissão mista receber os planos, apreciá-los, validá-los, fiscalizá-los. Quem não cumprir é passível de coimas que vão de 5 mil a 50 mil euros!
Dado o modo indecentemente antidemocrático como conceberam este projecto de lei, deveriam ir mais longe e acrescentar, após a validação, a expressão de triste memória: “Visado pela comissão de censura”. Não destoaria.

Além de tantos outros itens sobre as novas regras de comportamento dos meios de comunicação social em período de campanhas eleitorais, saliento três:
A -“Os media podem inserir formatos de opinião, análise política ou de «criação jornalística», mas o espaço que esses formatos ocupam não pode exceder o espaço que é dedicado aos formatos noticiosos e de reportagem”
B -“É expressamente proibida a inclusão, na parte noticiosa e informativa, de comentários ou juízos de valor”.
C -“A lei aplica-se a todos os órgãos de comunicação social que estão sujeitos à jurisdição do Estado português, independentemente do meio de difusão e da plataforma utilizada”.

Repito o conceito: além de indecentemente antidemocrático, é um aviltamento, um insulto aos profissionais da informação e a todos e quaisquer editorialistas que agem com dignidade e equilíbrio. Onde é tolerável que os meios de comunicação devam submeter o seu trabalho, os seus programas editoriais a juízos prévios? É inaudito!
Acaso estes senhores deputados esquecem que só passaram quatro décadas do período ditatorial salazarista e que ainda é bem viva a repugnância pelas mordaças que limitavam a liberdade do cidadão português?
Acaso estes deputados e partidos que representam quiseram reavivar, despudoradamente, essas normas?   

Quem arquitectou esta vergonha não merece o título de deputado nem é digno de se ocupar dos interesses gerais do Estado e do bem comum dos cidadãos.
 Estes senhores quiseram, muito simplesmente, transformar os ditos “cães de guarda da democracia”, que são os jornalistas, em cãezinhos amestrados no circo dos ambíguos jogos políticos e de poder. Inconcebível e revoltante!

No dia 25 de Abril, os ditos partidos do “arco da governação” recuaram e retiraram a proposta. Porém, a imbecilidade do acto, embora gorado, é clara. Quem nos garante que outros assomos de fascismo encoberto não sejam apresentados e aprovados no Parlamento?


O PS deveria ter vergonha e pedir desculpa deste desaire imperdoável. Limitar-se a comentários de ocasião ou que desconhecia este malfadado projecto de lei não o dignifica nem o justifica.

segunda-feira, abril 20, 2015

MARE NOSTRUM:
CEMITÉRIO DE DESESPERADOS

Mais uma enorme tragédia, se é que podemos dar uma dimensão ao que se classifica como tragédia, tão intenso é o significado que este termo pode sugerir no que concerne desgraça, horror.

As notícias do que aconteceu ontem, isto é, na noite de sábado para domingo, no Canal de Sicília sobre um barco longo cerca de 20/30 metros que transportava migrantes e onde estas pobres criaturas foram amontoadas como animais sem um mínimo espaço livre, é descrita como uns das piores catástrofes verificadas até hoje.
E de há vinte anos a esta parte, quantos naufrágios deste género e quantas vítimas, entre crianças e adultos!
 
“Em 2014, mais de 3400 migrantes perderam a vida no Mediterrâneo. Quase 200 mil atingiram as costas de Itália, Espanha, Grécia e Malta. Cerca de 300 mil pediram asilo político na União Europeia. A Alemanha, Suécia e França são os países mais ambicionados (Eurostat).
Com 96.990 pedidos de asilo político, a Alemanha guia a classificação europeia em 2014.
Números excepcionais que são o reflexo de uma situação geopolítica incandescente no Norte de África e Médio Oriente. A guerra civil na Síria, a Líbia num caos e a avançada do autoproclamado Estado Islâmico estão a provocar um êxodo sem precedentes em direcção à Europa.” (La Stampa, dados de 2014).

Impossível não seguir com atenção, compaixão e horror este subseguir de tragédias sem fim. É um hediondo e ostensivo tráfico de seres humanos, desesperados e opressos, e ao qual ninguém opõe obstáculos, ninguém lhes cria guerra sem quartel. Indiferença, egoísmos nacionais ou aceitação do que é inaceitável? Ademais, não se trata apenas de uma organização lucrativa deste tráfego: os traficantes agem como esclavagistas sem piedade e submetem-nos a toda a espécie de maus-tratos e humilhações antes de os amontoarem em embarcações precárias, sem um mínimo de segurança. E as tragédias sucedem-se quase dia após dia.

Esta maldita actividade de esclavagistas é de tal modo frutuosa que a rede de negócios global, sobre este tráfico abjecto, factura cerca de 32 mil milhões de dólares: facturação que fica apenas em segundo lugar à do tráfico de drogas. (Comissão Europeia)

Classificam este êxodo de povos do Médio Oriente, do Norte de África e África subsariana, da Eritreia, Somália, Sudão como “viagens da esperança”. Efectivamente, fogem de guerras, miséria e partem com a esperança de encontrar, na Europa, terras de paz, de prosperidade e de um futuro com mais horizontes.
As viagens custam alguns milhares de dólares e só Deus sabe como estes migrantes conseguem obter essas verbas.

As autoridades italianas detiveram 24 traficantes. No decreto de detenção: “A organização opera como um verdadeiro network criminoso, com diversas células operantes nos territórios de referência, a fim de organizar as viagens da esperança (…), Preço da viagem: a travessia até à Sicília, cerca de 2000 dólares; 400 dólares o custo de dois dias de permanência na Sicília e a viagem de comboio ou autocarro até Roma ou Milão; entre 1.000 a 2.000 para chegar ao norte da Europa”.

Na última semana, em sete dias chegaram às costas do sul de Itália cerca de 11.000 refugiados, provindos das costas e praias líbias, o principal centro de avio: uma média de 1.500 por dia.

Deve ser sempre e somente a Itália que deve acolher, salvar, pensar onde encontrar meios para centros de acolhimento e assistência a esta gente carente de tudo?
Relativamente à tragédia de ontem, quanto infelizes pereceram? Quantos sobreviventes? Setecentos mortos e apenas 49 pessoas que se salvaram. Todavia, um sobrevivente informou que as pessoas a bordo deveriam ser 950 e cerca de 50 crianças. Muitas destas pessoas foram instaladas no porão, logo, impossibilitadas de tentar qualquer forma de salvar a vida. Aliás, já se esvaíram as esperanças de encontrar outros sobreviventes.

Esta hecatombe, porque, efectivamente, foi uma hecatombe, despoletou reacções de repúdio e horror nesta nossa civilizadíssima Europa. É lícito perguntar: são reacções sinceras e determinadas ou pretexto para lindos discursos de circunstância, como até hoje se tem verificado? Formulam-se projectos de iniciativas inadiáveis ou fica-se na formulação retórica sem que, às palavras, sigam actos concretos?

União Europeia, com todas as suas Instituições, onde estás?
Países europeus que soubestes criar esta esplêndida organização, que sois berço de gentes nadas e educadas num continente aberto ao mundo e a uma democracia abrangente do que há de melhor na sociedade humana, fostes contaminados por uma espécie de ébola que apaga todos e quaisquer sentimentos de humanidade e solidariedade para quem deles tanto necessita?

Deus queira que, uma tragédia desta dimensão, possa, finalmente, remexer na consciência de todos os europeus ou quaisquer outros povos doutros continentes. Oxalá se inicie a dar forma a iniciativas concretas e eficazes.
Primeiro, ajudar a resolver, com todos os meios possíveis e sem violências, a situação caótica de todos aqueles países donde provêm estes migrantes escravizados e traficados.
Segundo, socorrer quem foge de guerras absurdas ou de situações socioeconómicas que conduzem os cidadãos à miséria e à expatriação. 

segunda-feira, abril 13, 2015

“PRIMEIRO GENOCÍDIO DO SÉCULO XX”
E A TURQUIA CONTINUA A NEGAR A REALIDADE

E explodiu a polémica! Sempre que se alude ao genocídio arménio, as autoridades turcas reagem encolerizadas; o termo “genocídio” não tem legitimidade no vocabulário turco se referido à tragédia arménia. Aliás, nesse contexto, usar a palavra genocídio constitui crime para qualquer cidadão turco.
Em boa verdade, criminoso é esse negacionismo insistente da Turquia, quando uma maior honestidade, em relação ao que verdadeiramente sucedeu de 1915 a 1917/18, só dignificaria aquele país.

Em 1915, precisamente há um século, começaram as perseguições e massacres da minoria cristão arménia pelo Império Otomano.
Durou três anos a execução deste “primeiro genocídio do século vinte”.

Na missa de ontem dedicada à Religião Apostólica Arménia, Papa Francisco repetiu o que o papa João Paulo II dissera em 2001: “A nossa humanidade viveu, no século passado, três grandes tragédias: a primeira, que geralmente é considerada como o primeiro genocídio do século XX, atingiu o vosso povo arménio, a primeira nação cristã (…)”. 
Referiu-se, em seguida, às outras duas que “foram perpetradas pelo nazismo e pelo estalinismo. E mais recentemente, outros extermínios de massa como os da Camboja, Ruanda, Burundi e na Bósnia. Parece, todavia, que a humanidade não consiga pôr fim ao derramamento de sangue inocente.
Recordá-las é necessário, ou antes, é um dever, porque onde não subsiste a memória, isso significa que o mal mantém ainda a ferida aberta. Ora esconder ou negar o mal é como deixar uma ferida a sangrar sem medicá-la”.  

Não se fez esperar a forte reacção da Turquia. Convocou o seu embaixador no Vaticano, classificando as palavras de Papa Francisco como “longe da realidade histórica e não se podem aceitar”. E segundo o ministro da Administração Interna, Mevlut Cavusoglu: “As palavras do Papa são uma inaceitável instrumentalização política. As declarações religiosas não devem alimentar o ressentimento e o ódio com asserções sem fundamento”.

Sem fundamento? “A tragédia do povo arménio, no que então era o Império Otomano, teve início na noite entre o dia 24 e 25 de Abril de 1915, quando se efectuaram as primeiras prisões de famílias arménias mais em vista na cidade de Constantinopla. Num único mês, mais de mil intelectuais arménios, entre jornalistas, escritores, poetas e mesmo parlamentares foram deportados para o interior da Anatólia e massacrados ao longo do caminho”.

Uma lei especial autorizou a deportação de todos os grupos suspeitos “por motivos de segurança interna”. Porém, os motivos eram bem diversos. Motivos económicos, visto que as zonas arménias eram mais prósperas que as do turcomanos. Motivos políticos e étnicos, pois tratava-se de criar um império monolítico e os arménios não tinham ali lugar. Motivos religiosos, pela razão anterior.

As populações arménias tiveram de abandonar as próprias casas e haveres e foram empurradas para a «marcha da morte», forçadas a caminhar nos desertos da Mesopotâmia. Milhares de pessoas morreram de fome, cansaço e maus tratos. Outros milhares foram vítimas de todo o tipo de perseguições e extermínio.

As caminhadas da morte foram organizadas com a “supervisão de oficiais do exército alemão em coligação com o exército turco”.
Pelo que se vê, os oficiais alemães já faziam um exemplar tirocínio para o que, passados poucos anos, seria o segundo e pior genocídio do século XX.
E assim sucumbiram um milhão e meio de arménios.

“A Turquia admite que foram cometidos massacres e que muitos arménios perderam a vida durante as deportações. Mas, segundo Ancara, tratou-se de repressão contra uma população que colaborava com a Rússia czarista” e as vítimas, sempre segundo as autoridades turcas, situam-se entre 250.000 a 500 mil.

O povo arménio e a generalidade dos históricos confirmam que nos três anos de perseguição sucumbiram um milhão e meio de pessoas. Este genocídio foi reconhecido em 1985 pela subcomissão dos direitos humanos da ONU e em 1987 pelo Parlamento Europeu.
“Oficialmente, o genocídio arménio foi reconhecido, mais ou menos explicitamente, pelas assembleias parlamentares de 22 nações, entre as quais Rússia, França, Itália, Alemanha, Canadá e Argentina”.

Relativamente ao comentário do Ministro da Administração Interna turco, acima citado, o Papa, esta manhã, deu uma resposta indirecta: “O caminho da Igreja é o da franqueza: dizer as coisas, com liberdade”.  

segunda-feira, abril 06, 2015

CRISTÃOS PERSEGUIDOS E MASSACRADOS
 “COM A CUMPLICIDADE DO NOSSO SILÊNCIO”

”A sede do teu Pai misericordioso, que em Ti quis abraçar, perdoar e salvar toda a humanidade, faz-nos pensar na sede dos nossos irmãos perseguidos, decapitados e crucifixos pela fé em Ti, debaixo dos nossos olhos e, frequentemente, com o nosso silêncio cúmplice”. Esta foi uma das asserções do Papa Francisco que mais me impressionou, referindo-se ao massacre na Universidade de Garissa, no Quénia.

Efectivamente, depois de, pela enésima vez, termos de assistir impotentes a uma ferocidade sem limites de islamistas contra cristãos ou quaisquer outros fiéis de credos diferentes, a passividade – ou indiferença? – da citada comunidade internacional começa a indignar. Não só indigna como nos projecta num grande desconforto.

Nestes últimos três dias, o Santo Padre tem martelado este tema e invocado a sensibilização da opinião pública: “Desejo à Comunidade Internacional que não assista muda e inerte a tal crime inaceitável. Os cristãos são os mártires de hoje; podemos dizer que são mais numerosos que nos primeiros séculos”.

Segundo World Watch Monitor, 2014 foi um ano trágico. Houve, pelo menos, 4334 assassínios de cristãos e foram destruídos mais de mil templos cristãos.
Na lista dos cinco primeiros países inimigos da cristandade situa-se a Coreia do Norte (zona longínqua de islamismos e quejandos). Seguem a Nigéria, Síria, República Centro Africana e Quénia.

No que concerne perseguições físicas e marginalização política e cultural, os cristãos, actualmente, representam 70% dos casos de discriminação religiosa.
E se em muitas partes do mundo vivem essa discriminação, a percentagem maior verifica-se no mundo muçulmano.

Por esta razão, e por tantas outras igualmente válidas, as palavras do Papa devem ser ouvidas e consideradas como um convite muito sério para que esta inactividade contra o terrorismo islâmico cesse e se dê avio a uma acção conjunta de todos os países responsáveis e desejosos de pôr um fim ao que precipita a humanidade num caos sem retorno.

É mais que tempo que os países muçulmanos abandonem a sua ambiguidade e sejam eles os primeiros a proclamar a tolerância zero contra correligionários terroristas que nada têm que ver com a beleza da própria religião  

Uma última pergunta. Este terrorismo islamista tem como razão principal a conquista de um poder fundamentalista ou, acima de tudo, trata-se puramente de uma guerra de religião?
Seja como for, guerras de religiões, jamais aceitá-las ou combatê-las nessa perspectiva. Combata-se, sim, o que fere e ultraja os fundamentais direitos humanos, qualquer que seja o credo religioso que se pratique. E este é já um motivo fortíssimo para que o mundo desperte da sua apatia e dê luta sem trégua a extremismos, quer se chamem jihadistas ou se sirvam de qualquer outro pretexto que justifique a sua monstruosidade de seres repelentes.