domingo, fevereiro 26, 2012

EUROPA: VENDE-SE

O velho Continente vende-se a saldo”: com este subtítulo, o jornal “La Repubblica”, de 20 / 02 / 2012, dedica uma página a um interessante dossier sobre as privatizações nos mais diversos países europeus. Autor: Enrico Franceschini, correspondente de Londres.

Vou procurar transcrever as partes que me parecem mais elucidativas sobre esta triste realidade. Ademais, são informações que despertam viva curiosidade.

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A velha anedota sobre o espertalhão que procura vender a ponte de Brooklyn a dois simplórios tem infinitas variantes geográficas. No centro da historieta há sempre um símbolo nacional: o Coliseu, a torre Eiffel, o Big Ben e que ninguém, com uma mente sã, procuraria adquirir. Porém, nestes meses de pós-grande recessão global, numa Europa atormentada pelos débitos e as caixas do Estado vazias, de anedota passou a ser um caso muito sério.

De Londres a Roma, de Madrid a Atenas, os governos de todo o Continente levam a leilão as pratas de família: monumentos, palácios históricos, casernas, portos, aeroportos, linhas do metro, embaixadas, empresas da água e do gás, ilhas, montanhas; por fim, inteiras cidades e a casa de Pai Natal na Lapónia.
[…] Felizmente, a UE ainda não fecha, mas para evitar a bancarrota vê-se constrangida a uma venda ao desbarato como nunca se vira antes.

Iniciativas deste género, dois ou três decénios atrás, teriam suscitado ondas de pânico, sentimentos de humilhação e protestos de massa, como quando Margaret Tatcher vendeu, a privados, os caminhos-de-ferro britânicos. Pelo contrário, desta vez são poucos os que se escandalizam […]
O elenco é impressionante.

Portugal vendeu (á China e ao Oman) a “companhia eléctrica nacional”.

Observo que, até aqui, não chegaram a Enrico Franceschini notícias mais amplas sobre o nosso país. Obtê-las-á e até saberá informar-nos quem é o verdadeiro adquirente da Tobis. O nosso Secretário de Estado da Cultura ainda o desconhece!...
Mas continuemos.
A Irlanda vendeu a companhia de gás; a companhia aérea nacional AER Lingus, uma empresa florestal de Estado; a "National Stud" (a mais famosa criação de cavalos de corrida da Europa).
A Grécia pôs à venda tudo o que tem, excepto a Acrópole de Atenas: o aeroporto Internacional de Atenas; 38 aeroportos mais pequenos; a companhia de energia e gás; os portos de Salónica e Pireus; o Banco Postal Helénico; auto-estradas; hipódromos; quarenta valiosos edifícios governativos; um apreciável tracto costeiro; ilhas e o sol do mediterrâneo: um empresa alemã está interessada, pois quer exportar energia solar (não é brincadeira).
O bjectivo final: acumular 50 mil milhões de euros.

A Espanha prepara-se para vender a companhia nacional da água potável (3.500 milhões €) e o metro de Madrid (2.000 milhões €). […]
Itália: Mário Monti está disposto a vender 9 mil edifícios, praias, fortins, ilhas, alguns palácios históricos venezianos […].

Mas os outros, aqueles que, em teoria, estão um pouco melhor e menos expostos a um default? Na realidade, também eles se esforçam de vender por bom preço o que é possível.

A França, já em 2010, anunciou uma hasta de 1.700 edifícios públicos, entre os quais alguns castelos no Loire, prédios parisienses, o casino de caça real e La Muette […]
Recentemente, a Inglaterra anunciou que venderá centenas de embaixadas e edifícios de propriedade do ministério da Defesa e dos Negócios Estrangeiros; casernas, bases militares; o palácio Ark Royal; um porta-aviões em desuso […].
A Áustria tenta vender duas montanhas, e também isto não é piada: o Rosskopf (2600 metros) e o Gross Kinigat (2700 metros).
A Letónia, um dos últimos chegados à UE, vendeu à Rússia, por 2 milhões €, uma pequena cidade – cidade militar da Exército Vermelho – que ficou vazia, após o fim da URSS.
A Finlândia vendeu 33% do "Santa Park" – parque de jogos na Lapónia que, para as crianças e todo o mundo, é a casa do Pai Natal. […]

Tu quoque, Finlândia!? – acrescento eu.

Perante o “vendemos tudo” da Europa, a única dúvida é sobre a identidade dos compradores.
Enquanto se trata de investidores privados, muito bem. Mas alguém entrevê um plano dos novos-ricos do planeta, China e Índia - com os Xeques dos Emirados Árabes e o emir do Qatar a pouca distância – a fim de adquirir interesses vitais na velha Europa, aproveitando-se da crise.
Aliás, não é o que faziam as grandes potências europeias no século XIX e princípio do século XX nas suas colónias do Terceiro Mundo? A História também gira deste modo.

Em conclusão, quando recentemente o Speaker da Câmara dos Comuns, John Bercow, aventou a hipótese de vender o Parlamento de Westminster e o seu Big Ben, visto que, para restaurá-los, comportaria um custo excessivo para o Estado, espalhou-se a voz que o teriam comprado os chineses ou os russos.

Talvez não sucederá, mas ninguém se riu. Não era uma anedota.


segunda-feira, fevereiro 20, 2012

E UM MÁRIO MONTES LUSITANO?

A revista “Time” pergunta se este homem (Mario Monti) pode salvar a Europa (Can this man save Europe?).

Tarefa imane para um único dirigente europeu. Comecemos, todavia, pelos resultados apreciáveis, se não excelentes, da sua acção de governo de uma Itália que afundava, das medidas estruturais, corajosas, que vai efectuando e que o partidarismo sempre protelara.
Paralelamente e mercê da sua estatura de perfeito homem de Estado, impôs a dignidade e importância do seu país na UE e no mundo. As consequências foram imediatas: França e Alemanha moderaram autoritarismos e decisões isoladas, no que concerne os problemas europeus, e concluíram que, de futuro, o primeiro-ministro italiano é o novo e ilustre protagonista com quem devem acertar o passo.

Na quarta-feira passada, Mario Monti proferiu uma alocução no Parlamento Europeu: convite excepcional para o primeiro-ministro de um país que não exercia a presidência de turno da União. Os aplausos foram espontâneos, calorosos e unânimes.

Com o seu proverbial tom pacato, quase monocórdico, disse claramente o que pensava sobre o que até essa data fora feito para suster a crise europeia. Respigo algumas partes.
[…] Estamos, gradualmente, a tirar o nosso país da zona de sombra na qual foi colocado como fonte ou centro de contágio da crise.
[…] Frequentemente, vi governos que se improvisavam acusadores da UE, depois de ter participado nas decisões. Prometi a mim mesmo nunca entrar nesse jogo.
[…] A crise da zona euro fez nascer excessivos ressentimentos, renascer estereótipos e divisões entre países centrais e periféricos.
Na Europa, não existem bons e maus; todos nos devemos sentir co-responsáveis das coisas feitas no passado e, sobretudo, na construção do futuro.

Recordou que foram precisamente dois países centrais, Alemanha e França, que, em 2003, deram origem à superação das regras de estabilidade, “com a cumplicidade da Itália que presidia o ECOFIN”.
[…] Naquela vez, preferiram fazer pressão para quebrar, segundo as próprias conveniências, as regras de respeito pelas contas. A vulnerabilidade, portanto, proveio exactamente daquela parte central da Europa que tinha estabelecido as regras de orçamento.
Mais claro do que isto!...

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Agradar-me-ia e aplaudiria incondicionadamente um primeiro-ministro que se inspirasse neste estadista: competente, atento e resoluto no empenho, tremendo e difícil, de solucionar os problemas que afligem o país, sem cair, todavia, na deselegância de continuamente apontar culpas às administrações precedentes.

Um primeiro-ministro caracterizado por uma forte personalidade e prestígio, o que sempre impõe respeito na governação do país e nos vértices internacionais.

Dotado da capacidade de escolher bons colaboradores. Por exemplo, um Ministro-adjunto ou Ministro dos assuntos parlamentares que se impusesse pela sobriedade das palavras, mas cujo conteúdo inspirasse confiança e demonstrasse indefectível seriedade e competência naquilo para que foi chamado; paralelamente, evitasse de falar do que não diz respeito à especificidade do seu encargo. Ministros verborreicos e omnipresentes são insuportáveis: o faz-tudo é o típico afilhado da ambição e ganância e um previsível inimigo da eficiência.

Precavido contra a voracidade de certos políticos, no que concerne os cargos públicos bem remunerados ou de influência, e disposto a cortar na despesa pública todos os ramos secos, inúteis ou fonte de interesses corporativos.

Provido daquela grande qualidade que é a coerência e, por arrastamento, a persistência nas batalhas a que se votou, sem vacilações nem sinuosidades, excepto quando estas são necessárias para atingir, nos pontos fulcrais, uma concórdia para o bem comum.
A qualificar ainda estes atributos, jamais deixar-se arrastar pela soberba, derivada da importância do cargo, e nunca esquecer o respeito que deve aos cidadãos e do dever de informar, conscienciosa e objectivamente, sobre todas e quaisquer medidas necessárias, a fim de superar a crise e, simultaneamente, aviar o crescimento económico.

Parece que ambiciono para a Terra Lusa o que a realidade não pode conceder. Porém, com muitas dúvidas, muitas perplexidades e uma certa angústia pelo que advirá de negativo, pois há tantos profetas da desgraça a apontar-nos o dedo… enfim, cultivemos a fé e esperança.
Que mais poderemos fazer? Pelo menos, procurar sair do nosso vício habitual de conformismo, passividade, acomodamento e reagir, reagir, sempre reagir no melhor sentido construtivo. Seremos capazes?

domingo, fevereiro 12, 2012

ALEMANHA, ACALMA-TE"

Germania, rilassati” (Alemanha, acalma-te): achei interessante este título, tema do dia, de um programa diário de RAI TRE.
Efectivamente, chegou a altura de elevar a voz e aconselhar as figuras representativas ou de maior vulto político daquele país a acalmar-se, descer do pedestal e retomar a aprendizagem sobre os imperativos da diplomacia, do respeito pela soberania de outros países e dignidade humana.

Este é um assunto sobre o qual decidira virar página. No entanto, não corre dia que não se deva assistir à ebriedade de quem se auto-elegeu representante de um país superior e, consequentemente, distribui comentários ou opiniões que poderemos classificar como diplomacia de baixa qualidade e, obviamente, arrogante.

Já muito foi dito sobre as críticas da Chanceler sobre o modo como a Madeira usou os fundos estruturais. Não faltou à verdade e devemos reconhecê-lo. Não obstante, plagiou a grosseria do soba madeirense, exprimindo opiniões que um verdadeiro estadista evitaria.

Quanto a Martin Schultz, surpreendeu-me o estranho comentário sobre a visita de Passos Coelho a Luanda “em busca de investimentos do governo angolano em Portugal”. Grosso modo, aventou que se tratava de uma política errada, pois só no quadro da UE haveria hipóteses de evitar o declínio.

Li e ouvi algumas entrevistas de Martin Schulz e admirei o equilíbrio e objectividade como enfrentava os actuais problemas europeus, sobretudo os dos países mais atingidos.
Qual a razão, agora, destas considerações tão incongruentes como impróprias de um presidente do Parlamento Europeu?
Que se passa com estes ilustres cidadãos alemães? É um vírus ou existem miasmas que lhes envenenam o bom senso?

Criticando estes comportamentos, certamente que não se procuram justificações para o despesismo incontrolado da nossa dívida soberana.

Mas o principal motivo que me levou a adoptar o título “Alemanha, acalma-te” e voltar a este assunto foi uma execrável iniciativa do Deutsche Bank.

Quando li a notícia - de quarta-feira passada - nos jornais portugueses e um editorial italiano que relatava e comentava esta iniciativa, tive de reler tudo com redobrada atenção, pois temi não ter compreendido, tal a infâmia que a revestia.
Mas deixo falar o autor do editorial.

Se os Bancos Lançam os Bond da Morte”.
Na frenética busca de novos “produtos financeiros”, com os quais continuar a intoxicar os mercados, o reverenciado Deutsche Bank superou todos os limites, tornando a própria vida das pessoas num objecto de especulação.

O caso pode resumir-se deste modo: individua-se, nos Estados Unidos, um grupo de cinquenta pessoas entre os 72 e os 85 anos; recolhem-se, com o consentimento destas pessoas, as informações sobre as suas condições de saúde; propõe-se de investir sobre a duração destas vidas.
Quanto mais rápido forem os falecimentos, maior é o lucro dos investidores. O lucro do banco, pelo contrário, cresce com a sobrevivência das pessoas que fazem parte do grupo seleccionado.
Assim nasceu aquilo a que alguém já definiu como “Os bond da morte”.

Foram muitas as reacções. A própria Associação dos bancos alemães disse que “o modelo financeiro deste fundo é contrário à nossa moral e à dignidade humana”.
Mas o facto permanece, sinal inquietante do que está a acontecer nos nossos tempos.
[…] Não quero evocar, com uma culpável superficialidade, tragédias do passado. Mas a decidida reacção da Associação dos bancos germânicos não se compreende se ignorarmos que precisamente ali, nos anos do nazismo, a formalização jurídica das “não pessoas” - os judeus em primeiro lugar - levou a considerar vidas e corpos como objectos disponíveis para o poder político e médico.
Hoje, o supremo poder da finança pensa de ter título para de tal se apoderar, num modo imediatamente menos destrutivo, mas que traz consigo a insídia da vida como mercadoria. […] – Stefano Rodotà; jornal “La Repubblica”.

Tudo isto não é somente contrário à moral e à dignidade humana: é repelente, é revoltante, é digno de uma intervenção judiciária imediata, de uma sentença severíssima e sem quaisquer atenuantes.

Uma pergunta, todavia, impõe-se: entre os membros dos órgãos administrativos do Deutsche Bank, não houve ninguém, não houve um único elemento que se opusesse a esta indecência?

Alemanha, acalma-te; mas, sobretudo, acorda, reflecte e não permitas que, em teu nome, alguns dos teus representantes e certas instituições te desacreditem.

domingo, fevereiro 05, 2012

O EMBUSTE

Tinha dois ou três assuntos que desejaria desenvolver ou explorar na minha “conversa semanal com o computador”, porém, na sexta-feira passada, veio a lume uma notícia que se impôs e sobre a qual, hoje, desejo escrever.
Talvez me alongue por poucos parágrafos, pois tenho problemas no meu computador. Já foi revisto, mas adiantou pouco. Submetê-lo-ei a nova limpeza e reestruturação. Entretanto…

Vasco Graça Moura, novo presidente do Centro Cultural de Belém, “mandou retirar dos computadores a ferramenta informática que adapta os textos às normas do novo acordo ortográfico”.

Acérrima inimiga deste “embuste ortográfico” - assim classificado pela única publicação que se opôs sem ambiguidades: o jornal “Público” – rejubilei por verificar, finalmente, um acto oficial de oposição ao aviltamento da nossa língua materna.
Desautorização do Primeiro-Ministro, segundo a oposição? Apenas defesa de um património nacional, defesa esta onde o PS não brilhou. Sobre o mesmo tema, não desmereceria se, agora, demonstrasse uma certa reserva.

Contra este aviltamento, entre as múltiplas objecções de quem ama a língua em que se exprime, a estudou, a ensinou e gosta de a aprofundar, o argumento de que não se tratou de um “acto linguístico, mas político”( Malaca Casteleiro) fere e indigna.

Fere, porque se roubaram certezas ortográficas para as substituir por arbitrariedades; fere, porque se foi ao encontro de conveniências ou interesses que ainda não foram bem esclarecidos; fere, porque todas as justificações apresentadas sucumbem perante uma qualquer análise objectiva. 

Penso seja legítima uma pergunta ao senhor Malaca Casteleiro: que interesses o moveram, em tanto activismo, para inventar e implantar esta cacografia - com a ajuda da Academia de Ciências de Lisboa - pois, segundo opiniões abalizadas, não existem argumentos linguísticos sérios que a possam justificar?

Acaso teve a honestidade de debruçar-se sobre as consequências na ortofonia do nosso português e na sua clareza, estudando-as em profundidade? Acaso não traiu a sua qualificação de linguista?
Quem lhe atribuiu esse direito? Ah! Já sabemos quem: os nossos ilustres representantes na Assembleia da República. Ademais, é uma questão política!...

Estes representantes foram eleitos com métodos democráticos, obviamente. Já dentro do poder, a democracia salta e, frequentemente, descamba-se numa espécie de autocracia: o que a maioria dos cidadãos pensa torna-se irrelevante. Chegou-se mesmo a este ponto execrável do “queremos, podemos e mandamos”? Assim parece, mas eu não aceito.

Logo, indigna, porque estes nossos representantes, não somente ignoraram a maioria da opinião pública, como desprezaram, o que agrava a questão, as opiniões de autoridades competentes, idóneas – isentas de quaisquer interesses, acrescento – que aconselharam a não aprovar este acordo, lesivo daquilo que qualifica uma língua: pureza, correcção, clareza e harmonia, sendo estas duas últimas as mais ultrajadas.

Ainda uma observação sobre o comentário de um carreirista político: “Temos de nos convencer que a língua não é nossa”.
Lembro a este ignorante que a língua que se fala em Portugal é nossa, exclusivamente nossa e que não é admitido alterá-la fora da sua evolução natural. Mas, acima de tudo, jamais por “arranjinhos políticos”.

Por último, se Vasco Graça Moura agiu por coerência - disso não duvido - e como um acto de desafio, oxalá encontre eco e force a sair da passividade outros intelectuais, professores de português e demais figuras de relevo na vida do país.

Podemos discordar de Vasco Graça Moura como filiação ou simpatias políticas; devemos tributar-lhe estima e grande respeito pelo seu alto e indiscutível vulto intelectual.
Quando, tenazmente, se opõe ao AO, merece muito mais credibilidade que qualquer inventor e propugnador desta anomalia lusitana, sejam quais forem os títulos que ostentem.
No que me concerne, esta credibilidade é independente do que sempre pensei sobre o assunto.