DOIS FACTOS ENCADEADOS
Dois factos que tive
oportunidade de ler no quotidiano La Stampa.
O primeiro: “Como reagiram os líderes aos atentados? A
resposta aos jihadistas é eficaz? Eis os nossos votos”.
A tabela destes
votos, que vão de 1 a 10, contempla treze entidades e exprime uma justificação
por cada voto concedido. Vejamos os nomes e excertos dos textos que acompanham
cada voto valorativo (Autor: Stefano Stefanini - La Stampa, 27 / 11 / 2015):
François
Hollande obteve 9 votos: “(…) Mobilizou as energias do
país sem esconder os limites de capacidade. Os franceses sentiram-se em boas
mãos. O mundo viu um líder em acção. Até hoje, Hollande não perdeu um lance.”
Barack Obama, voto: 5 - “(…) Escassa vontade de pôr-se à
frente da resposta internacional a ISIS …”
David
Cameron, voto: 6: “(…) Obtém o resultado
desejado, mas não ganha em carisma”.
Angela
Merkel, voto: 7 - (…)
“Angela tomou o seu tempo, mas sempre foi uma fora de série no prosseguimento,
não no arranque.”
Matteo
Renzi, voto 5 - “(…)
Em Roma e Florença, obteria bons votos, mas faz pequena cabotagem internacional”.
Vladimir
Putin, voto: 6 - “(…) Aqui, Putin arrisca, porque uma
guerra económica com Ancara seria desastrosa. Baixar a retórica não seria uma
má ideia”
Recep
Tayyp Erdogan, voto: 5 – “O
Presidente turco é um óptimo táctico, mas um estratega desastroso. … Erdogan
deve ainda demonstrar que, também para ele, o inimigo principal é ISIS. Caso contrário,
permanece o homem forte, mas só”.
Mogherini,
Tusk, Juncker, voto: 5 - “(…) Não é esta a Europa que pedem
os cidadãos. Os populistas estão a aquecer os músculos para o jogo que se
jogará dentro em breve sobre o futuro da União”.
A
NATO, voto: 5 – “(…)
Apercebe-se da Síria somente quando um país membro (Turquia) abate um avião de
um partner (Rússia) com o qual a
Aliança já não fala, porque está em curso uma causa de ocupação abusiva. Personagem
em busca de autor?”
Paris
e os Parisienses, voto: 10 - “(…) Hesitam, mas tornam a jogar futebol, a
bailar, a ir ao bar e aos concertos. Os Kalashnikov não mataram la joie de vivre.
Chapeau!!”.
Reacções
Islâmicas, voto: 4 –
“(…) Muitos silêncios, muitas explicações académicas, demasiada história. Os
jihadistas que disparavam no Bataclan e o terrorista que colocou a bomba no avião
de linha russo não pensavam nas Cruzadas. As colónias acabaram de há três
gerações. Alguma vez o Islão contemplou o futuro?”
Bélgica,
voto: 3 – “(…) O
que a torna mais segura a partir do 1.º de Dezembro, excepto detenções e sem encontrar
armas ou explosivos?”
Irão
e Arábia, sem voto.
– “Ainda nos bancos de reserva”.
**********
A Recep Erdogan, ao
excelentíssimo presidente turco com pretensões a ressuscitar o Califado Otomano (já se vê como sultão), dar-lhe-ia um
zero. Acho aquele indivíduo desprezível: ambíguo e perigoso na condução do
grande país que é a Turquia e que, dada a sua posição geográfica, deveria ser,
sempre, um sincero aliado da Europa. Não um amigo das boas ocasiões para
ditadorzecos sem escrúpulos e inimigos do jogo democrático.
Não duvido que,
subterraneamente, sempre tenha alimentado amplas relações com o autoproclamado
Estado Islâmico. Logo, perigoso e pouco fiável.
E
vamos ao segundo facto.
Ontem, La Stampa publicou uma carta que jornalistas turcos, na prisão, enviam
aos dirigentes da União Europeia. Autores: o director e o chefe de redacção do
quotidiano turco Cumhuriyet.
Eis o trecho da carta
divulgada:
“Aos líderes da União
Europeia
Nós,
como jornalistas que crêem que a Turquia faz parte da família europeia e
deveria ser um membro da UE para todos os efeitos, endereçamos-vos esta carta
da prisão de Silivri.”
“A
liberdade de pensamento e de expressão são valores indispensáveis da nossa civilização.
Fomos detidos e encarcerados, à espera de processo, por termos exercido esta
liberdade e por ter defendido o direito à informação dos cidadãos.
“O
Primeiro-ministro da Turquia, que encontrareis este fim-de-semana, e o regime
que representa são notos pelas suas políticas e práticas que violam os direitos
humanos e a liberdade de imprensa.
Os
vossos Governos estão a negociar com Ancara a crise dos refugiados, uma crise que
diz respeito e toca os nossos corações.”
“Esperamos,
sinceramente, que do encontro desabroche uma solução duradoura deste problema. Quereríamos
também esperar que o vosso desejo de pôr fim à crise não crie obstáculos à
vossa sensibilidade para com os direitos humanos, a liberdade de imprensa e de expressão
como valores fundamentais do mundo ocidental.
Permitimo-nos,
respeitosamente, de recordar-vos que os nossos valores comuns podem ser
protegidos somente com posições comuns e a solidariedade; é altura que esta
solidariedade deva ser mais essencial e mais premente que nunca.”
“Em
nome dos jornalistas encarcerados.
Can Dundar e Erdem Gul”
Será a Europa dos
nossos dias capaz de ouvir, com atenção e empenho, este apelo? Será capaz de equiparar
interesses geopolíticos à defesa dos direitos humanos com a implícita liberdade
de imprensa e de expressão?
Será capaz de fazer
entender ao sultão turco que não são admissíveis perseguições a jornalistas que
não o incensam?
Estes dirigentes
europeus terão predicados políticos que os elevem a saber persuadir personagens
no poder que envergonham a humanidade civilizada? Infelizmente, têm dado
exemplos de uma paupérrima sensibilidade e baixíssima elevação política. Mas
nunca se deve desesperar. Aguardemos.
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