segunda-feira, dezembro 15, 2014

ATRACÇÃO IRRESISTÍVEL PELOS TEXTOS
ADAPTÁVEIS À REALIDADE PORTUGUESA

Explico melhor no que consiste esta “atracção irresistível” por análises ou certos artigos de opinião, escritos noutras línguas mas que, pelo seu conteúdo específico, bem se adaptam ao que se passa e observamos dentro do nosso país.
O director do quotidiano La Stampa escreveu ontem um desses textos. Obviamente refere-se à Itália, mas as similitudes com a realidade portuguesa são de tal ordem que decidi transcrevê-lo. Não é a primeira nem será a última vez que penso escrever sobre um determinado assunto e, no último instante, mudo de ideia.

Título e texto do artigo publicado ontem:

“Se o País não se liberta do passado”
O nosso campo de jogo é o mundo, mas já nos passou a vontade de o dizer; pelo contrário, desejaríamos negá-lo e, se possível, esquecê-lo. «Basta com este planeta global, com a Europa, com a sua moeda e todas estas regras; basta com os esforços e as reformas que nos pedem»: estas palavras, pronunciadas de uma maneira mais ou menos gentil e na ordem que prefirais, já são um sentimento comum, ribombam na televisão, nos bares, nas cozinhas de casa e saem da boca de qualquer político que deseje apresentar-se como novo e em sintonia com os tempos.

Pensamos que temos o direito – visto o preço que estamos a pagar por uma crise que não quer acabar – de fecharmo-nos em casa e ser deixados um pouco em paz, a fim de pousar a cabeça em cima da almofada e poder sonhar com os belos tempos passados.
Se servisse para alguma coisa ou se não provocasse danos, não seria mau tomar-se uma pausa e deixar-se envolver pela nostalgia. Mas não é assim: cada instante que perdemos, porque preferimos estar parados, ou de recuar, e no qual nos encantamos a olhar para trás, é um novo resvalamento para o fundo, uma nova hipoteca sobre o futuro. 
O debate de estas semanas é um insulto à razão, todo construído sobre polémicas internas, enquanto o país afunda nos escândalos.

Sexta-feira, em Turim, durante toda a manhã escutei um confronto entre italianos e alemães, aberto na noite anterior pelos Presidentes dos dois países.
Participaram professores, diplomáticos, empresários, jornalistas. Todos falaram, de uma maneira verdadeiramente franca e sem falsas cortesias, da relação, cada dia mais fatigante, entre nós e Berlim.

Normalmente irritam-me as pessoas que falam ex cátedra e não suporto quem recorda diariamente que devemos fazer bem «os deveres de casa». Todavia, passado um primeiro enfado em relação a quem tende a dar-nos lições, impressionou-me a paixão com a qual os alemães falavam da Itália e dos seus jovens. O género de pessoas que estava perante mim era amplamente representativo da sociedade alemã e das suas classes dirigentes. Captei um espanto geral, que em alguns era incredulidade, pela nossa inércia ante o declínio.
Quatro frases ficaram gravadas nos meus apontamentos: «É imoral o desemprego juvenil italiano. É um escândalo aceitar de ter quase metade dos jovens sem emprego; deveis ensinar-lhes que podem ter êxito, construindo-lhes uma chance. É eticamente irresponsável que existam jovens que saem das escolas sem ter alguma perspectiva profissional. Mas como podeis pensar de não endireitar o país para os vossos filhos? Nós, quando compreendemos que nos arriscávamos a não ter um futuro, fizemos reformas verdadeiras.»
O tom de quem pronunciava estas frases era realmente preocupado e quando saí, enfiei-me no tráfego congestionado pela greve geral. Pensei no quanto o nosso debate quotidiano tinha a cabeça dirigida para o passado, discussões nas quais olhamos para os nossos pés, nas quais nunca pomos a cabeça fora de casa, nas quais o futuro não existe, porque não se tem a coragem de imaginá-lo, mas, sobretudo, de construí-lo.

Reformas, «há necessidade de reformas»: todos no-lo repetem, dia a dia, com uma insistência que parece petulância. A palavra já provoca alergias, refutação, mas se experimentarmos traduzi-la na realidade, poderia também significar ter uma vida melhor, tornar normal o país.
As reformas deveriam servir para fazer funcionar uma Itália agora imóvel, na qual ninguém investe – nem de dentro nem de fora – porque não há certezas.
Uma voz alemã explicou-o com uma clareza matemática: «É impossível prever os tempos de abertura de uma actividade, pois ninguém sabe quanto será necessário para obter uma licença, uma assinatura, um certificado; ninguém sabe o tempo que durará um processo em caso de contencioso; e depois há inimizades excessivas, contraposições e não se pode olhar sempre com suspeita quem investe»
Mas um pouco de certeza não seria também benéfico para nós que pagamos cada dia a conta de ritos e burocracias e cuja existência não faz nenhum sentido?

Paralelamente às reformas, teríamos necessidade de uma mudança cultural, de actualizar um debate rançoso. Jornais e televisão continuam a ler a realidade com lentes do século passado, a representar os sujeitos em campo segundo esquemas superados.
Se pensamos que agora também a palavra crescimento é proibida, dizem-nos que deveríamos esperar pelo decrescimento feliz. De decréscimo, infelizmente, há muito, mas de felicidade nada vejo e penso que, pelo contrário, seja natural crescer e desenvolver-se, mesmo porque nunca vimos uma criança decrescer.
 Apoiemos quem, dia a dia, tem a coragem de abrir uma loja, uma actividade, de inventar-se uma profissão em vez de partir, de esperar em vez de lamentar-se.
Experimentemos, finalmente, fazer o funeral de um passado que não voltará, a ajustar contas com o luto, a liberar-nos dos fantasmas e, sobretudo, a pôr de parte uma conflitualidade suicida que já arruinou demasiadas vezes a Itália. 
Mário Calabrese; La Stampa – 14/12/2014
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(Os sublinhados são meus)