ATRACÇÃO IRRESISTÍVEL
PELOS TEXTOS
ADAPTÁVEIS À REALIDADE
PORTUGUESA
Explico melhor no que
consiste esta “atracção irresistível” por análises ou certos artigos de opinião,
escritos noutras línguas mas que, pelo seu conteúdo específico, bem se adaptam
ao que se passa e observamos dentro do nosso país.
O director do
quotidiano La Stampa escreveu ontem um desses textos. Obviamente refere-se à
Itália, mas as similitudes com a realidade portuguesa são de tal ordem que
decidi transcrevê-lo. Não é a primeira nem será a última vez que penso escrever
sobre um determinado assunto e, no último instante, mudo de ideia.
Título e texto do
artigo publicado ontem:
“Se
o País não se liberta do passado”
O
nosso campo de jogo é o mundo, mas já nos passou a vontade de o dizer; pelo
contrário, desejaríamos negá-lo e, se possível, esquecê-lo. «Basta com este
planeta global, com a Europa, com a sua moeda e todas estas regras; basta com
os esforços e as reformas que nos pedem»: estas palavras, pronunciadas de uma
maneira mais ou menos gentil e na ordem que prefirais, já são um sentimento
comum, ribombam na televisão, nos bares, nas cozinhas de casa e saem da boca de
qualquer político que deseje apresentar-se como novo e em sintonia com os
tempos.
Pensamos
que temos o direito – visto o preço que estamos a pagar por uma crise que não
quer acabar – de fecharmo-nos em casa e ser deixados um pouco em paz, a fim de
pousar a cabeça em cima da almofada e poder sonhar com os belos tempos
passados.
Se
servisse para alguma coisa ou se não provocasse danos, não seria mau tomar-se
uma pausa e deixar-se envolver pela nostalgia. Mas não é assim: cada instante
que perdemos, porque preferimos estar parados, ou de recuar, e no qual nos
encantamos a olhar para trás, é um novo resvalamento para o fundo, uma nova
hipoteca sobre o futuro.
O debate de estas semanas é um insulto à razão, todo
construído sobre polémicas internas, enquanto o país afunda nos escândalos.
Sexta-feira,
em Turim, durante toda a manhã escutei um confronto entre italianos e alemães,
aberto na noite anterior pelos Presidentes dos dois países.
Participaram
professores, diplomáticos, empresários, jornalistas. Todos falaram, de uma maneira
verdadeiramente franca e sem falsas cortesias, da relação, cada dia mais fatigante,
entre nós e Berlim.
Normalmente
irritam-me as pessoas que falam ex cátedra e não suporto quem recorda
diariamente que devemos fazer bem «os deveres de casa». Todavia, passado um
primeiro enfado em relação a quem tende a dar-nos lições, impressionou-me a
paixão com a qual os alemães falavam da Itália e dos seus jovens. O género de
pessoas que estava perante mim era amplamente representativo da sociedade alemã
e das suas classes dirigentes. Captei um espanto geral, que em alguns era
incredulidade, pela nossa inércia ante o declínio.
Quatro
frases ficaram gravadas nos meus apontamentos: «É imoral o desemprego juvenil
italiano. É um escândalo aceitar de ter quase metade dos jovens sem emprego; deveis
ensinar-lhes que podem ter êxito, construindo-lhes uma chance. É eticamente irresponsável que existam
jovens que saem das escolas sem ter alguma perspectiva profissional. Mas como podeis pensar de não endireitar o
país para os vossos filhos? Nós, quando compreendemos que nos arriscávamos
a não ter um futuro, fizemos reformas verdadeiras.»
O
tom de quem pronunciava estas frases era realmente preocupado e quando saí,
enfiei-me no tráfego congestionado pela greve geral. Pensei no quanto o nosso
debate quotidiano tinha a cabeça dirigida para o passado, discussões nas quais
olhamos para os nossos pés, nas quais nunca pomos a cabeça fora de casa, nas
quais o futuro não existe, porque não se
tem a coragem de imaginá-lo, mas, sobretudo, de construí-lo.
Reformas,
«há necessidade de reformas»: todos no-lo repetem, dia a dia, com uma
insistência que parece petulância. A palavra já provoca alergias, refutação, mas se experimentarmos traduzi-la na
realidade, poderia também significar ter uma vida melhor, tornar normal o país.
As
reformas deveriam servir para fazer funcionar uma Itália agora imóvel, na qual ninguém
investe – nem de dentro nem de fora – porque não há certezas.
Uma
voz alemã explicou-o com uma clareza matemática: «É impossível prever os tempos
de abertura de uma actividade, pois ninguém sabe quanto será necessário para
obter uma licença, uma assinatura, um certificado; ninguém sabe o tempo que
durará um processo em caso de contencioso; e depois há inimizades excessivas,
contraposições e não se pode olhar sempre com suspeita quem investe»
Mas
um pouco de certeza não seria também benéfico para nós que pagamos cada dia a
conta de ritos e burocracias e cuja existência não faz nenhum sentido?
Paralelamente
às reformas, teríamos necessidade de uma mudança cultural, de actualizar um
debate rançoso. Jornais e televisão continuam a ler a realidade com lentes do
século passado, a representar os sujeitos em campo segundo esquemas superados.
Se
pensamos que agora também a palavra crescimento é proibida, dizem-nos que
deveríamos esperar pelo decrescimento feliz. De decréscimo, infelizmente, há
muito, mas de felicidade nada vejo e penso que, pelo contrário, seja natural
crescer e desenvolver-se, mesmo porque nunca vimos uma criança decrescer.
Apoiemos quem, dia a dia, tem a coragem de
abrir uma loja, uma actividade, de inventar-se uma profissão em vez de partir,
de esperar em vez de lamentar-se.
Experimentemos,
finalmente, fazer o funeral de um passado que não voltará, a ajustar contas com
o luto, a liberar-nos dos fantasmas e, sobretudo, a pôr de parte uma
conflitualidade suicida que já arruinou demasiadas vezes a Itália.
Mário
Calabrese; La Stampa – 14/12/2014
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(Os sublinhados são meus)
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